outro latido dos primeiros cães por elas despertos. Uma moto atravessa o rio, no caminho uma bicicleta passa, caminhante surge ao longe. Os latidos se multiplicam e a vida recomeça. Diogo pega um punhado de grãos de café, e os coloca no moedor manual, daqueles com uma manivela e uma gavetinha em baixo para receber o café moído. Iria fazer apenas uma xícara, pois ainda era cedo, e ele faria mais café após ir buscar pão na padaria, que só abriria às 7hs. Adorava o som do moedor, pois aquele conjunto do moedor e seu som traziam-lhe imagens da infância, quando ficava apreciando seu pai executar a mesma rotina naquele mesmo moedor, enquanto lhe explicava as vantagens daquele método ou comentava algum acontecimento recente. Ao terminar de moer a água já estava fervendo, e ele vagarosamente coou o café e o serviu na xícara antiga com uma asa desproporcional, um pouco maior que o normal, única xícara que sobrara das que seus pais costumavam usar, e que ele tanto temia quebrar. Embora não colocasse açúcar ou adoçante, antes de tomar pegou uma colherinha e deu três batidinhas com a mesma na lateral da xícara. Isto era para ele um ritual quase sagrado, uma homenagem à memória e ao carinho de seu pai, que o despertava pela manhã sentado em sua cama e repetindo aquele mesmo tilintar da colherinha contra a xícara. Era impossível não acordar com um sorriso, antes de se preparar para a escola. Depois sentou-se na cadeira da copa, na mesma mesa de madeira, e tomou o café lentamente, saboreando o aroma e o sabor de cada gole e de cada lembrança, enquanto apreciava as árvores e pássaros pela janela que dava para o pomar. Depois pôs em ordem os poucos cômodos da casa, sua cama, seu quarto, as roupas por guardar, e saiu para ir buscar o pão.
magazine 60+ #26 - Agosto/2021 - pág.72