Magazine 60+ #36

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busca de aventuras (La Mancha). Eis a questão. Sempre haverá uma nova saída. A literatura está aí para ajudar. Desta vez, agarrou-se a Instrucciones para salvar el mundo, da escritora espanhola Rosa Montero. Coincidência ou não, o romance se abre com a epígrafe “Si ya no te quedan más lágrimas, no llores, ríe.”, de Shlomit Levin (abuela de Amos Oz). Rir passou, então, a ser senha de virada. As epígrafes quase sempre dão uma maõzinha. Não foram poucos os textos de humor pelos quais passou nos últimos anos. Afinal, sua vida passava pela literatura ou não passava. “Batracomiomáquia”, de Homero foi providencial, pois tratava de alma e, ainda por cima, à moda grega, porém e, talvez, por isso, o riso não lhe foi facultado. Mesmo diante do insólito e de episódios relativamente cômicos, o grego Homero não lhe proporcionou o riso desejado. Talvez fosse culpa da tradução... Com Boccacio foi diferente. Riso garantido. Seus contos preferidos, têm a ver com fingimento, o de Masseto de Lamporecchio, por exemplo, é hilário. Vale a pena percorrer toda a narrativa. Assim como “O casamento enganoso”, de Cervantes. Na mesma linha, “História daquele que se fez mudo para obedecer sua dama e afinal a desposou” garantiu-lhe boas risadas. Contudo, boas risadas mesmo garantem sempre “Uma das de Pedro Malas-Artes”. Séculos de literatura de humor não oferecem um cardápio tão rico de risadas como o velho Malazarte. Rir tanto também cansa e o bom humor tem seus desafios, a “Teoria do medalhão”, do velho Machado de Assis, é excelente exemplo. “Jeff Peters e a hipnose magnética”, de O. Henry é outra excelência, em termos de humor trabalhoso. A lista é infinita. Os 100 melhores contos de humor da literatura universal (2001) funcionam bem como guia para o leitor curioso que quiser disfrutar desses textos estimulantes e lições de imaginação. A mulher conhecia muitas e variadas fontes. Eu optei por sugerir apenas uma. Depois de mil e uma noites de leitura ininterrupta de contos, a mulher também cansou de viver de rir e achou que deveria encarar um romance, algo mais denso, algo que contemplasse a família, que lhe desse uma noção de conjunto das relações humanas, encontrou na pilha de livros que estavam à espera o Relato de um certo Oriente (2004) de Milton Hatoum. Contentou-se de contente de observar aquela gente toda se engalfinhando tipicamente como família e pensou que o ser humano é muito parecido, todos aqueles descendentes de libaneses em plena Amazônia não se diferenciavam dos brasileiros do sul e sentiu um ímpeto de escrever. Assim como as romancistas que, mudando de atitude e sem amargura, passaram a escrever sem protesto e sem defender nenhuma causa, ainda que com resíduos de indignação, tentou encontrar uma voz que fosse fiel a si mesma. Vida e ficção se entrelaçando, mas o que a mulher tentará reivindicar na medida que sua escrita feminina for se impondo? Um olhar particular para o silenciamento das mulheres, fato ainda presente na vida em família, mesmo depois de tantas conquistas, no âmbito social era esperado. Uma visão mais intelectual, mais política e, não apenas emocional, como se configurava a princípio, também. Assim, todo um trajeto de leitura com vistas à fuga e depois à consciência e à posse de si resultaria numa obra de ficção, pensou entusiasmada. Anos depois, passando por uma mesa de lançamento em uma livraria, deparei-me com o título Adesão incondicional na capa de um livro. Tomei-o nas mãos cheia de curiosidade. Folheei-o e, surpresa, constatei que não se tratava de um romance e sim de uma coletânea de contos humorísticos. Procurei na multidão, o rosto conhecido da mulher e não encontrei. Na busca de informação, me indicaram a autora. Não era uma mulher e sim uma pessoa trans. Eta vida besta, meu Deus! Diria Drumond. Eu não direi mais nada

magazine 60+ #36 - Julho/2022 - pág.39


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