Revista Pensar(es) 22 - Junho de 2017

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ensar(es)

João Lobo Antunes* - O médico humanista Pedro Miranda . Professor de EMRC

J

oão Lobo Antunes não é, apenas, um dos mais consistentes seguidores da máxima de Abel Salazar, segundo a qual quem só sabe de medicina, nem de medicina sabe. O facto de ser um proficiente cultor dessa verdade permite-lhe testemunhar em favor dela e arremeter contra uma medicina, mais, um sistema de ensino, que dela se terá afastado. No ensaio O consolo das Humanidades, publicado no livro que acaba de sair do neurocirurgião (Ouvir com outros olhos, Gradiva), concretiza, com especial acuidade, o que pretende estabelecer quando considera que a ignorância da literatura, da filosofia, da história, da religião, por parte de quem tem a medicina por ofício, faz desse profissional menos excelente. A questão, não se julgue, não se prende com qualquer adorno, uma erudição que combinaria bem com uma profissão prestigiada. Bem mais do que isso: na mais prosaica interpretação do que o doente conta acerca de si mesmo e sua doença, na frase que lhe sai aparentemente tão cristalina, escondem-se interstícios, zonas obscuras, sentidos outros que o desconhecimento de outras vozes - que se expressam na poesia, na filosofia, no grande romance, nas grandes tradições religiosas - não permite entrever/encontrar/ descobrir. O grande médico é, assim, também, o grande leitor…para ser o grande ouvinte: "É

que a narrativa da doença - e é importante no meu ofício saber ouvi-la -, só é bem entendida quando já se escutaram outras vozes, na ficção, na filosofia ou na poesia, que ajudam a apreender o seu sentido mais profundo, oculto tantas vezes nos interstícios de um discurso que tanto pretende revelar, como ocultar. De facto, o encontro singular da clínica é feito de palavras mas, não raramente, também da eloquência de um silêncio igualmente revelador" (p.43). Daqui ao j'accuse, um pequeno passo: "a verdade é que não encontro nos médicos das novas gerações o mesmo vibrato emocional que me animou toda a vida, talvez porque desconhecem os dialectos do sofrimento, ou porque receiam mergulhar num mundo de emoções que só vagamente vislumbram ou, mesmo, penetrar no íntimo de uma solidão tão unicamente humana. Isto apesar da intervenção de uma pedagogia solicita, chamada a ensinar alíneas da comunicação entre médico e doente, formais, correctas, irrepreensíveis, mas que desdenham a compaixão"(p.43). Mas ensina-se, a compaixão? João Lobo Antunes abeira-se do próximo, munido dessa linguagem que nos religa, para responder: "Sempre duvidei que a compaixão fosse um sentimento ensinável, embora admitisse tal ser possível em relação a certos valores morais, usando, como


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