Revista Pensar(es) 22 - Junho de 2017

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ensar(es)

A dimensão religiosa do ser humano* A. Marcos Tavares . Professor de Filosofia

A

figura do argentino Jorge Mario Bergoglio, o atual Papa Francisco, é bastante consensual não só entre católicos, mas também entre outros cristãos e mesmo entre não crentes. Ouve-se muita gente dizer que não é crente mas que nutre especial admiração pela missão deste homem vestido de branco. Penso que este consenso não se deve apenas à simpatia, à ternura ou à proximidade do Papa. Francisco, de algum modo, apresenta um caráter de hierofania, ou seja, converteu-se numa manifestação visível do sagrado. Por outras palavras, o Papa Francisco tornou-se uma revelação palpável de transcendência, um símbolo de religiosidade no sentido mais radical do conceito. A opinião mais frequente dos linguistas é que o conceito «religião» vem do latim religare e traduz a dimensão de união, de ligação à transcendência. Esta religação mostra o caráter finito do ser humano, que procura ultrapassar a sua finitude e a sua fragilidade projetando-se numa dimensão mais profunda e mais completa. Neste sentido, todo o ser humano é um ser religioso, pois procura a plenitude não só em si mas também fora de si, na sua relação com o outro. Claro que ser religioso não significa necessariamente acreditar em Deus, nem que a transcendên-

cia que plenifica o humano seja a transcendência divina. A ânsia de realização última está presente no humano, seja ele crente, agnóstico ou ateu. Ora, a personalidade de Francisco é de tal forma abrangente e cativante que nela se reveem todos aqueles que procuram essa religação última, todos aqueles que procuram a transcendência. A preocupação pelos pobres, pelos pequenos, pelos mais frágeis, tão vincada em Francisco, representa nitidamente essa religação ao fundamental, revela a transcendência. É a dimensão religiosa na sua essência. Ao contrário do que alguns pensam, a religião por si não significa a fuga do mundo e das responsabilidades. A acusação de Karl Marx - «a religião é o ópio do povo» - só se poderá aplicar a falsas vivências religiosas, que projetam num qualquer deus os anseios mas nada fazem para os cumprir. A religiosidade no seu sentido autêntico exige compromisso com a humanidade e esforço constante de realização. O ser humano realiza-se na sua plenitude, liga-se à transcendência, lutando pelo bem de todos os seres humanos. Não há ser humano sem Humanidade. Claro que para os crentes, é em Deus que se alcança toda a realização e transcendência. Para os crentes, designadamente para os cristãos, a realização última do humano está em Deus. S.


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