Quando os Tikmũ’ũn viraram soldados
sobre Grin, de Roney Freitas e Isael Maxakali
Roberto Romero
Recentemente, ainda que muito tardiamente, os crimes cometidos pelos governos militares contra os povos indígenas no Brasil entre 1964 e 1985 têm sido lenta e gradualmente retirados dos escombros da História. Se já é pouco o que sabemos do que aconteceu no período com aqueles que se envolveram na luta contra a ditadura e o destino que muitos tiveram nos porões das grandes cidades, do que aconteceu aos índios sabemos (ou talvez queiramos saber) menos ainda, quase nada. Se nos preocuparmos ainda em entender o que aconteceu aos índios, segundo os próprios índios, aí então o que sobra na nossa já tão vacilante “memória nacional” não é senão um profundo silêncio. Silêncio ademais condizente com o processo sistemático de varredura e apagamento da presença destes povos que marcou desde a sua origem a “História do Brasil” e que segue ainda hoje em pleno curso. Só por isso – mas não só por isso – a iniciativa deste Grin, documentário que recupera um fragmento da história da ditadura, em especial da Guarda Rural Indígena, a partir dos relatos de alguns homens e mulheres tikmũ’ũn, deve ser recebida com entusiasmo e, espera-se, replicada por aí entre os mais diversos povos que sofreram igualmente com os crimes perpetrados pelo Estado durante o período. Histórias não faltarão. A Guarda Rural Indígena (GRIN) foi criada no final da década de 1960 pelo Capitão Manoel dos Santos Pinheiro, então comandante da Ajudância Bahia-Minas (um braço administrativo da Fundação Nacional do Índio) em parceria com a Polícia Militar de Minas Gerais. Implantado inicialmente entre os Tikmũ’ũn (mais conhecidos como Maxakali), o modelo, que consistia essencialmente no treinamento de indígenas para atuar como policiais
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