Cinema Novo: do didatismo ao absoluto
sobre filme de Eryk Rocha
Leonardo Amaral
No mais famoso movimento de travelling do cinema brasileiro, os personagens Manoel e Rosa correm uma grande extensão de terra em Deus e o Diabo na Terra do Sol. “O sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão”, antevê o mítico Antônio Conselheiro, notável líder da Revolta de Canudos. Manoel e Rosa correm porque fogem do sertão, da seca, da fome. Correm na tentativa de resistir, de existir, de subsistir. Assim também correm o menino da favela em Rio 40 Graus ou o pequeno ladrão de gatos em Couro de Gato. Os marcos do Cinema Novo parecem retratar uma eterna fuga, uma necessidade de se inquietar diante das mazelas sociais (“Estética da Fome”, diria Glauber Rocha) de um país que se encontra às vésperas de um Golpe de Estado que marcaria para sempre uma nação. As primeiras imagens de Cinema Novo são essas diversas fugas, corridas por sertões, avenidas das grandes cidades, vielas das favelas, becos ou asfalto. É preciso correr, antes que seja tarde. Eryk Rocha, filho de Glauber, em Cinema Novo, faz um filme de arquivos – seja dos filmes que compõem a constelação de obras
desse majestoso cinema nacional, seja de relatos e convivências dos cineastas da época. A montagem procura concatenar esses dois registros de modo a alcançar uma totalidade da história. Cinema Novo é didático porque é preciso ser. Haveria outra forma para lidar com o que provavelmente foi o momento mais importante e conhecido do cinema brasileiro? Nesse sentido, o documentário procura (e quer ser) absoluto. Quer trazer e resgatar a constituição do movimento. Não à toa, nos créditos finais, não
253