Evoé! forumdoc.bh.20Anos!
> Moi, un Noir, devir negro Oumarou Ganda, um imigrante que trabalha como estivador na cidade de Abidjan, na Costa do Marfim e mora no bairro pobre de Treichville mudou pra sempre minha relação com o cinema e, posso dizer, com a antropologia, em uma sessão do primeiro forumdoc (e desde então, me emocionar pelo esforço da partilha ou por achar beleza demais em um filme tem sido uma coisa só). Oumarou e seus amigos encenam suas vidas diante da câmera, Oumarou interpreta a si mesmo e também a Edward G. Robinson, um boxeador americano. Oumaroutoma para si o filme, comenta, inventa. De uma falta, Rouch faz, com seus amigos migrantes uma grande invenção: Moi, un Noir foi realizado sem som – o filme é de 1958 – e é na pós-sincronização que ainda mais compartilha o cinema, a invenção, o real e a invenção do real. Oumarou toma para si o papel que se atribui ao longo do filme. A fala de Oumarou Ganda descreve os lugares que se oferecem à imagem, uma descrição que não é uma interpretação nos termos de um observador, mas uma reivindicação pela apropriação de um sentido que não se submete a uma análise exterior e se afirma em sua autonomia. Enquanto encenam, os protagonistas inventam uma realidade, seu próprio mundo e o constituem. “O cinema verdade não é a verdade no filme. É a verdade do filme” (Vertov). Impossível buscar um ponto de vista único, impossível buscar uma evidência unívoca. Impossível buscar o documentário ou a ficção, o cinema ou a antropologia, Rouch ou Oumarou, o autor ou o personagem. E nunca se aprendeu tanto sobre Treichville. Em Moi, un Noir a existência é pouco a pouco percebida como uma escolha possível, uma construção autônoma e original, um campo de invenção, de criação e não uma simples etapa na ordem de um determinismo geral. Como disse Marc Piault, essa é uma das mais fortes propostas do filme: seus protagonistas não somente falam em seu próprio nome, mas olham do outro lado da tela em direção ao espectador que os espera em algum lugar. Precisamos repetir, tantas vezes, Moi, in Noir, Jean Rouch, Oumarou Ganda. [Junia Torres]
7