Teseu e Ariadne

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CARLOS ALBERTO DE CARVALHO

São2021Paulo CARLOS ALBERTO DE CARVALHO

© Textos 2021 Carlos Alberto de Carvalho Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, po derá ser reproduzida ou transmitida, sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 C322t Carvalho, Carlos Alberto de Teseu e Ariadne : aventura, abandono e terror / Carlos Alberto de Carvalho. –– 1. ed. – São Paulo : Dragon, 2021. 192 p. : il., color. ISBN: 978-85-54178-17-8 1. Literatura infantojuvenil 2. Mitologia Grega – Ficção I. Título 20-1159 CDD 028.5 Assistente editorial Letícia Nakamura Preparação Luisa Tieppo Revisão Juliana Gregolin Arte Valdinei Gomes Diagramação Vanúcia Santos Ilustrações do miolo Shutterstock 1ª edição – 2021 Dragon Editorial Via das Samambaias, 102 – Jardim Colibri Cotia/SP – CEP: 06713-280

A os meus pA is ( in memoriAm): H ildo e i nês . A os irmãos : m A ri A l úci A , J orge l uís e J osé l uís ... T A mbém Ao fil H o , b reno f irmino , e Ao sobrin H o , m A rco A urélio ... n A A legri A e n A simplicidA de do ser fA míli A !

SUMÁRIO 1 – Solitária em Naxos 11 Parte I FILHO DE POSÍDON 2 – Um filho para Egeu 15 3 – Pítia de Delfos 19 4 – Medeia em fingimentos 27 5 – Armadilhas de Piteu 45 6 – Tarefas e cuidados 57 7 – Teseu, a força contra monstros 67 Parte II LUTAS E AVENTURAS 8 – A caminho de Atenas 77

Parte III REENCONTRO PATERNO E CILADAS 9 – O reino de Atenas 91 10 – Perfídia e embuste: Medeia insinuante 97 11 – O reconhecimento 105 12 – Libertação e expulsão de Medeia 111 Parte IV GUERRA, AMOR E TERROR 13 – Vida a dois: pai e filho 117 14 – Minos indignado 129 15 – Teseu perante Minos 139 16 – Ariadne e suas tramas 147 17 – O labirinto 157 18 – Teseu vitorioso 165 19 – Destino e fatalidade 169 Sobre Teseu e Ariadne - aventura, abandono e terror 175 O autor e suas motivações para escrever a obra 175 Contextualização da lenda abordada na obra 177 Discussão sobre literatura: linguagem e gênero 179

Ele conheceu os meandros e secretos esconderijos dos perversos; lutou renhidamente para se impor como filho de um deus. A destruição de maus e revoltosos apoiou-se em sua força e habilidade, e assim o Minotauro o conheceu e travaram combate…

Ela era uma das mais belas e seus olhos se encantaram com a formosura dele. Amado por muitas e querido por todas, ela superou em dedicação e afeto, trazendo-lhe o bom fio do caminho certo. Ela deixou-se levar por ternura e candura num envolvimento incerto.

NAXOS

O piar arrastado e seguro da ave ecoou ao longe e cresceu mais e mais por entre a vegetação. O piado estendeu-se pela praia deserta, deserta; a praia vazia, mas que recebia, em sua areia, o corpo firme e jovem de ElaAriadne.dormia tranquila. Estava só, mas dormia como quem repousa bem em sua cama, em casa. A água lambia-lhe os pés quentes pelo sol em pleno vigor da hora certa da manhã. Ela dormia. Pássaros voavam e pousavam ali perto. Aproximavam-se do corpo e nada de movimento da bela jovem de cabelos encaracolados que dormia na praia, sozinha. Ariadne não acordava, porque dormia satisfeita, ou melhor, realizada. O sonho bom das boas conquistas prontas e certas. Ela dormia. As ondas e marolas se avolumavam, abeiravam-se de seu corpo inocente, puro, o corpo de quem não suspeita da solidão…

SOLITÁRIA1EM

– Teseu?! – pronunciou e abriu os grandes olhos azuis, que se ofuscaram ao brilho dos raios solares e o ardor intenso do calor. Somente assim despertou de vez, ergueu-se nos cotovelos e sem ver, mas assustada, gritou com mais força o nome de quem amava:

Ariadne voltou seu rosto para essa mesma pessoa (tam bém invisível) e pronunciou, sonolenta e entorpecida pelo sono gostoso:

–ElaTeseu!seviu sozinha e sem respostas. De pé, pôs a mão direita sobre os olhos e viu que os navios estavam longe.

Fui abandonada; ele me deixou sozinha na ilha, pensou aflita. Seu choro foi sufocado pelas ondas revoltas. Ela es tava sozinha, abandonada na ilha de Naxos.

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– … Teseu? E revirou-se lutando para permanecer adormecida, mas seus pés estavam sendo repetidas vezes banhados, porque a água parecia querer acordá-la.

Aterrorizada pela situação, sua boca abriu-se para um grito, que não saiu, tamanho fora o choque, e sentou-se na areia, absorta em sua sorte.

Teseu e Ariadne Então, novamente, seus pés foram molhados e ela se revirou na areia, tentando abraçar alguém invisível.

Parte I Filho de Posídon

UM FILHO PARA EGEU

Luzes, gritos e jogos de jovens encantavam e davam aos participantes o que de melhor poderia ocorrer em um evento que tinha a participação do rei Egeu. Egeu sabia que era observado, por isso demonstrava alegria e fazia gestos exagerados para indicar sua felicidade e bem-estar.

Não vejo a hora que tudo isto acabe!, pensou e fez um gesto ao criado. – Me traz mais vinho! – pediu. O criado voltou-se prontamente, obediente. – Sim, meu senhor… Quando o criado retornou, o rei agarrou-lhe o braço, firme e com preocupação, e perguntou: – Onde está ela, Ceres?

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A festa em Atenas estava em todo o seu esplendor.

Ceres confortou-o tocando-lhe no ombro, mas quando Egeu cobriu o rosto e chorou forte, o criado abraçou-o, confortando-o.

– Fala, Ceres, ela dorme ou está se divertindo? –quis saber Egeu.

– Que vergonha, só gero mulheres e todos os outros reis têm filhos homens! – lamentava Egeu.

– Ó meu rei, não chore mais assim, meu rei!

– Não, não dorme, está em meio aos rapazes, ali em baixo, senhor… – respondeu, relutante, o fiel servo.

Egeu suspirou aliviado.

O criado tinha o rei nos braços, mas não se sentia confortável nessa situação, pois presenciava um raro momento de fraqueza do monarca. Embora reticente e temeroso, falou:

– Choro pela minha desgraça e miséria! – respondia Egeu, cheio de dor.

– Não chore, meu rei, porque o senhor poderia ir ao Oráculo de Delfos e consultar Apolo.

Teseu e Ariadne – Senhor?… Por favor? – o criado tentou ser evasivo.

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– Menos mal, menos mal, ao menos se diverte essa mulher que só me dá filhas; meu reino logo será pas sado aos palântidas. Que vergonha! Eu não consigo ter um herdeiro masculino, um candidato homem na sucessão de meu trono! – desabafou, com voz trêmula e emocionado, o rei de Atenas, Egeu.

– O Oráculo e a Pítia podem me auxiliar nesta situação? – Creio que sim, meu rei Egeu. Egeu sorriu, juntou as mãos com força e dirigiu-se re soluto ao criado, feliz. Este recusou temeroso, mas o rei segurou-o e beijou-lhe a fronte. – Agradecido, agradecido. Amanhã mesmo parto bem cedo; vamos, me ajude com as coisas da viagem! Assim, o som da festa e a alegria das multidões não mais afligiram naquela noite o coração do rei Egeu. Ele estava esperançoso: queria um filho homem.

Um filho para Egeu 17 – Pra quê? – Ora, o Oráculo pode indicar ao meu rei uma solução ao seu Egeuproblema…desvencilhou-se dos braços de Ceres e, enxu gando os olhos, quis saber melhor.

– Não quero que saibam que procuro um filho ho mem… não tenho conseguido gerar filhos homens, só me nascem meninas… – lamentava-se a caminho.

– Ninguém saberá, senhor, ninguém! – ponderava Ceres, ao seu lado. Eram oito homens silenciosos, oito homens de confiança, com o segredo do rei. Ceres era o melhor e o mais atento dos generais de Egeu, mas comportava-se como um servo. Homem de tamanha honestidade e fidelidade que fazia o rei des cansar em paz e repousar tranquilo, longe das suspeitas

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PÍTIA DE DELFOS

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Egeu saiu às escondidas da cidade de Atenas. Preferiu retirar-se sem o séquito real, sem sua habitual comitiva. Passou pelas portas não vigiadas da cidade e fez-se acompanhar por poucos homens, todos de con fiança, e no segredo da palavra.

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– Por nada, esqueça! – deu por encerrado o rei.

Teseu e Ariadne de traição ou de infame conjuração revoltosa. Egeu tinha-lhe como filho e queria-lhe bem, por isso exigiu que o acompanhasse ao santuário de Delfos.

Ceres afastou-se, voltando-se confuso para o rei vez por outra. Egeu arrependeu-se das palavras e o cha mou a si.

– Mas por que me pergunta o que já sabe?

–erguendo-se.Não!Não,Ceres, claro que não duvido de você! –acalmou-o Egeu.

– Meu senhor, que pergunta! Por quê? Egeu desviou-lhe o olhar, entristecido.

– Meu filho, venha cá! – pediu.

– Abrace-me, filho, eu estou arrependido pelas pa lavras truncadas e vazias. Abrace-me, porque sou como um pai que não possui filho! – falou com voz estremecida o senhor de Atenas.

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– Você me quer bem, Ceres? – perguntou Egeu. Estavam descansando numa clareira, à tarde, debaixo de árvores frondosas, na sombra fresca das folhagens. Os homens estavam próximos, cansados ainda da jornada.

– Senhor… o que quer? – intimidou-se o general.

– Nada, meu caro, esqueça, me deu vontade de saber se posso confiar… – Quê?! O meu senhor duvida de mim? – falou Ceres,

– Levantaremos-nos cedo, meu amigo!

– Será que obterei do divino boas respostas?

– Meu senhor… meu senhor… – repetia Ceres en quanto se deixava abraçar pelo poderoso de Atenas.

– Quero um filho homem, Ceres, pois logo estarei velho e frouxo! Não conseguirei mais, não é mesmo?

– Sim, senhor, às ordens – respondeu o outro.

Ao subirem a colina do altar dedicado a Apolo, em Delfos, uma chuva forte caiu no entorno, impedindo o pequeno séquito de continuar. Por isso, refugiaram-se numa hospedagem e lá comeram e descansaram dos dias difíceis.

– Que é isso, senhor, não fique assim, o divino Apo lo atenderá seus rogos, claro que sim! – acalmava-o o fiel servo. Egeu olhou o general de cima a baixo, com ternura, sabia que era amado e protegido. Olhou-o mais uma vez e dirigiu-se ao quarto reservado para dormir.

– Meu senhor, o deus Apolo é benigno!

Pítia de Delfos 21 Ceres olhava-o enternecido. Seus olhos marejavam de comoção e os outros homens observavam a cena com atenção.

Enquanto os outros homens se distraíam com jogos e músicas, Egeu acercou-se de Ceres.

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– Parem! Eu irei adiante! – pediu o rei. Todos prontamente estacionaram, obedientes.

Todos de uma só vez balançaram positivamente a cabeça. A concordância do grupo era a marca de união. Ceres então retirou-se ao quarto contíguo ao de Egeu. Entrou, mas não se deitou: permaneceu de pé, rente à parede onde, do outro lado, a cama do rei estava colocada, e durante toda a noite velou seu sono.

– Então, sabe que eu sou um necessitado, um mise rável, que precisa de ajuda… – Sim, eu sei algumas coisas, mas tu deves falar, confessar suas necessidades, senhor de Atenas! – esclareceu a mulher.

Teseu e Ariadne E Ceres, vendo o rei recolher-se, voltou-se para os outros e, firme, exigiu: – Não bebam mais. Nada de abusos além da hora, nosso rei precisa muito de nós!

– O que querem do deus Sol, senhores? – Sou de Atenas… – Sim, eu sei, Egeu – interrompeu-o a vidente –, e sei que és o soberano, o senhor absoluto de Atenas!

– Você pode me seguir, Ceres! – Sim, senhor! E ambos foram recebidos pela Pítia.

Aos primeiros raios de sol, quando o Oráculo de Delfos se deixou envolver pela luminosidade, o seleto grupo de Egeu já estava aos seus degraus.

Pítia de Delfos 23 – Pois bem, vim aqui para pedir, ou melhor, con sultar Apolo, o magnânimo deus, para saber se terei um filho homem, eu, que só tenho meninas… – desa bafou o monarca.

– O que devemos fazer, senhor?! – perguntaram. – Sosseguem, ela está em comunicação com a divindade! – acalmou-os Egeu. Em um período curto de tempo, a mulher tomou uma atitude patética: balançava a cabeça de um lado para o outro, revirava os olhos e sua voz assumiu uma entonação grave. Subitamente, quedou-se estática e as simEgeupermaneceu.aproximou-se, temeroso, mas venceu-se, tocando-a enquanto dizia: – Senhora, senhora, o que devo fazer? A Pítia despertou, segurou-lhe o braço e, com os olhos arregalados, enquanto a boca abria-se vertiginosamente, várias vezes, todos ouviram como num som surdo e prolongado as palavras certas: – Não desates a boca do odre antes de chegar a Atenas! E assim, ainda proferindo, tombou, inerme, sendo ajudada por outros soldados que a reconduziram ao in terior do templo para ser tratada.

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A Pítia achou graça. A mulher sorriu em transe, soltou uma gargalhada, assustando Egeu e Ceres, que se entreolharam e recuaram. Os outros homens, na sus peita de algo pior, avançaram resolutos.

24 Teseu e Ariadne Assustados, Egeu e Ceres sentaram-se nos bancos do átrio sem conseguirem entender o enigma declarado. – Você entendeu, filho? – quis saber Egeu. – Não, meu senhor. E os dois ficaram cogitando o enigma pronunciado e como sabiamente decifrá-lo.

Teseu e Ariadne

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E como não conseguiram novo acesso a Pítia e não decifraram o enigma, Egeu decidiu retornar a Atenas, desiludido. A frustração apertava-lhe o coração.

– Trezena… Vamos a Trezena! – animou-se o amigo. Egeu nem sequer levantou a cabeça, estava entregue ao seu mal. E rumaram para Trezena. O coração do rei de Atenas estava sem esperanças. O mar estava tranquilo, com bons ventos, e as em barcações singravam, acomodadas em seu destino: um porto possível para reconfortar os ânimos frustrados do rei e de seu séquito.

CORINTO MEDEIA EM FINGIMENTOS

– O que fazer? – reclamava. – Vamos nos distrair, senhor – sugeriu Ceres.

– Como? Fazer o quê? – quis saber, melancólico.

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– Aportemos! – gritou. – Fiquemos em Corinto! Quero andar pelas suas ruas. Parem! – gritava o rei.

Os homens obedeceram. Aportaram. – Os ares de Corinto lhe farão bem, senhor – confor tou-oEgeuCeres.nada respondeu, mas encaminhou-se prontamente às escadas, sem emoção.

Teseu e Ariadne – Corinto! – alguém gritou. Egeu ergueu a cabeça, ainda em desalento. Logo se levantou, seus olhos estavam arregalados.

– Minha senhora, Medeia, viu o senhor pela janela de seus aposentos e quer lhe falar, senhor Egeu! – explicou-se.

– Que senhora? – quis saber Ceres. Egeu fez sinal e Ceres aproximou-se com o mensageiro. – Fale, então! – exigiu Ceres.

– Mensagem de minha senhora ao rei – respondeu prontamente o estafeta.

A cidade, com o seu casario baixo e os tantos templos que se destacavam em volume, despertou-lhe a beleza: Corinto não era uma cidade comum, pois deitava-se com encanto sobre o mar. Os detalhes arquitetônicos dos santuários e as colunas que se elevavam traziam aos olhos do visitante aspectos novos de simetria e sua vidade nas linhas entre o natural e o artístico. Quando Egeu caminhava pelo cais, um mensageiro veio-lhe ao encontro.

– O que você quer? – interceptou-o Ceres.

O estafeta aproximou-se, cúmplice, e explicou:

– A princesa Glauce, que alegra Jasão e parece que lhe agrada bastante, é uma mulher bonita, de muito hu mor e que sempre está à procura do príncipe, vocês me entendem? – falava, assustado, o mensageiro.

– Ela pediu para que o senhor me acompanhasse para fora dos muros, nos aposentos de banho reais –explicou o mensageiro.

Medeia em fingimentos 29

– Quem é esta senhora? – indagou Egeu.

– Ah! Pois bem, que venha falar comigo, ou quer me receber? – perguntou o rei, frustrado.

– Mas isto importa, Ceres?

– Importa! Homem, o que houve para que a princesa queira ver o rei às escondidas? – perguntou Ceres.

– Que outra? – interrompeu Ceres.

Egeu moveu-se resoluto, pois era ele quem devia tomar uma atitude.

– Não, meu senhor, não antes de saber por que a visita não é no palácio e sim na casa de banhos! – atalhou Ceres.

– A princesa da Cólquida, a esposa de Jasão, se nhor… – anunciou o soldado.

– Minha senhora não está bem com o senhor Jasão, eles brigam, e mesmo a outra…

– “Quem é?” Não sabe, senhor? – gaguejou, perplexo, o mensageiro.

– Diga-lhe que irei! – disse, resoluto, Egeu.

Teseu e Ariadne – Vamos ver no que dá essa conversa. Algo está acon tecendo – preocupou-se o rei. E rumaram em direção aos aposentos da princesa para que, em seguida, se encontrassem na casa de banhos.

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bom, meu caro! Estavam próximos a uma grande abertura, parecia uma entrada de corredor, um caminho para o interior dos aposentos reais. Toda a construção era de requinte, o esmero combinara pedra e mármore, além de deta lhes esculpidos em baixo-relevo retratando a natureza através de desenhos de flores e pássaros. A entrada era ladeada por pequenos canteiros de flores brancas e vermelhas, silvestres, plantas do campo que foram

Medeia estava decidida a matar, pois nada tinha a perder. Por isso, arriscou conhecer o rei de Atenas e realizar seus desejos. Quais? Coisa tremenda! Então, Egeu, acompanhado pelo fiel Ceres, en caminhou-se aos aposentos privativos da princesa. Encontraram um lugar de cheiro agradável, flores e ar bustos em demasia; as servas preparavam perfumes num silêncio comprometedor. A atitude das mulheres era tão singular que os homens desconfiaram e se entreolharam. – … O que está acontecendo?! – perguntou Ceres, preocupado.–Nãoénada

– Minha aflição é tamanha que somente a proteção de um rei pode me sossegar, confortar – disse a voz.

Medeia em fingimentos 31 cultivadas por mãos gentis, porque o jardim estava em plena exuberância.

O coração de Medeia estava cheio, repleto de vingan ça e ódio. Mas ali, perante os dois homens, mostrou-se fraca e indefesa, o encanto feminino da vulnerabilidade: a mulher desamparada.

– Sim, meu rei, decidida eu estou, só preciso de pro teção. – Uma voz feminina, grave e melodiosa ecoou por entre as paredes em penumbra. Os homens se voltaram, atentos.

– Não foi o desejado por mim, senhor! – apressou-se em responder Ceres. – Mas as coisas são assim: surpreendentes e necessárias para uma resolução. E aqui estamos!

– Se eu puder ao menos vê-la, claro que teremos uma saída; como não a teremos, não é mesmo? Apareça! Venha até mim, mulher! – exigiu o rei.

– Minha desgraça, minhas lágrimas são tamanhas que sinto o corpo desfalecer! – confessou a desolada.

E Medeia surgiu, em passos lentos, de cabeça incli nada e voz chorosa.

– E pensar que, sendo rei de Atenas, estou em Corin to na porta dos fundos de Creonte, sem recepção real, anônimo e querendo falar com uma mulher que não conheço!… – dizia Egeu, em tom jocoso.

– Quero ir a Atenas; desejo um asilo – pediu com voz trêmula que evidenciava uma tristeza extrema. Ceres não se intimidou. Olhava-a sério, perscru tando-a.

– Por que não fica? O que há em Atenas? – quis saber Ceres. Medeia olhou firme, e num átimo seu olhar se fixou duramente no general ateniense. Porém, em um piscar de olhos, sua expressão logo amoleceu e, com gestos lar gos,–exclamou:Porquea vergonha e a humilhação me tomaram a vida… Não tenho ninguém por mim! – confessou, dramática.–Oque houve? Onde está seu marido? Por que tamanho desatino e palavras tão nervosas? – preocupou-se Egeu.

32 Teseu e Ariadne Egeu aproximou-se, solícito, e levantou a cabeça.

– Minha senhora, o que está acontecendo?… – E não prosseguiu.Osolhos

verde-amendoados de Medeia encantaram-no de imediato. Egeu fixou-lhe o olhar e reparou-lhe os lábios, a boca, a fronte. Medeia possuía um belo rosto e tinha atrativos, como os cabelos ondulados e a boa altura. Era uma mulher de traços singulares. Egeu deu dois passos para trás e compôs-se como homem de ação, escondendo a expressão de fascínio que muito agradou a princesa.

– Em que posso ajudar? – ofereceu-se, com a voz dura.

Nada a trazia de volta!

– Minha senhora, o que está acontecendo? Conte -me! – exigiu Egeu, em tom autoritário. Ela, então, sentou-se, acomodou-se como se aninhada, indefesa, chorando.

– Fui desprezada pelo homem que amei, por isso quero ir embora – confessou.

– Jasão? Você disse Jasão, o argonauta?! – falou Ceres, entusiasmado. A mulher fitava-o com desdém. Qualquer interesse pelo ex-marido despertava-lhe sentimentos ruins.

– Não sei mais quem é Jasão, ele só tem olhos para Glauce, a princesa, filha de Creonte.

Medeia em fingimentos 33 Medeia tremeu, seus braços sacudiram, e ficou absorta. Seu estado de ânimo era tão frenético, tão descontrolado que quase caiu, era um corpo que tombava.

– E ele sabe desse seu desejo? – quis saber Ceres. Medeia olhou-o com frieza.

– Sim, ele mesmo, o belo, o forte, o valoroso Jasão, que todos admiram e amam, mas que abandonou a mulher e os dois filhos por uma jovem princesa!

– Senhora…?! – acudiu Egeu. Ceres também a sus teve. A mulher foi colocada na laje fria de um banco próximo. Voltou a si ainda aturdida pelas emoções intensas e contínuas. O ódio e a vingança atravessavam -lhe vertiginosamente a alma; Medeia estava perdida.

Medeia ficou perturbada e continuou tentando cha mar a atenção contra Jasão.

Ceres andava de um lado para o outro, preocupado. Ele percebeu que Medeia não estava sendo sincera, apesar da tremenda tristeza.

– Mas eu preciso sair daqui e preciso de amparo também, um asilo para os meus pobres filhos! – lamentou, arregalando os olhos.

– Como trair um herói feito Jasão, minha filha? –respondeu o rei, pensativo.

Teseu e Ariadne – Mas você é a mulher de Jasão!? – exclamou Egeu, surpreso, e continuou: – Você também é conhecida pelos feitiços e mágicas, não é mesmo?

– E de que adiantou minha beleza, minha juventude, minhas práticas mágicas e os poderes de adivinhação se perdi a quem mais me dediquei e servi? Ele me aban donou tão rápido quanto um sapo é capaz de sugar um mosquito com a língua, eu que tanto me devotei ao valoroso Jasão! Os dois homens estavam perplexos. A viagem fora cansativa e estavam frustrados com o Oráculo. Tudo toldara o espírito de ambos e eles não haviam associado o nome Jasão ao intrépido filho de Esão e de Alcímede, o herdeiro desafortunado do trono de Iolco. Medeia recompôs-se, atenta: algo havia mudado na reação, no comportamento do rei e de seu soldado. – Vocês não vão me ajudar?

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Medeia em fingimentos 35 – Não sei… não sei… O que houve em Corinto, por Zeus! – aborreceu-se o rei. Medeia avançou, pôs-se diante de Egeu e, com graça e gestos encantadores, além de sua própria beleza femi nina, confiou-lhe: – Bem sei, meu rei, o que você foi fazer no Oráculo de –Delfos!Como soube… Que há? – Não a escute, meu rei, ela é uma feiticeira, uma mágica! – gritou Ceres. – Eu sei o que você quer, Egeu! – insinuou-se Me deia, diante do rei. Ceres puxou o rei pelo braço para retirá-lo do fascínio da feiticeira, mas Medeia foi mais forte. Ela tocou-lhe a ferida, por isso continuou: – Sei como lhe ajudar, se eu encontrar asilo. Você quer um filho, pois o terá, prometo!

– Quê!? – exclamou o rei de Atenas, com os olhos marejados. – Não, senhor, não lhe dê ouvidos, senhor! – pedia Ceres enquanto fazia de tudo para tirar Egeu da frente de NumMedeia.gesto absoluto, senhor de si, o homem mais melancólico do mundo pediu, humilde: – O que preciso fazer? O que você quer? Medeia cruzou os braços, feliz. – A sua proteção, o asilo em Atenas.

– Filtros? Como assim? – Tenho que entrar, está tarde e me vigiam… mas fique certo de que o varão sairá de seu sangue, meu bondoso rei! – E falando de tal maneira, Medeia voltou ao palácio. Egeu desconhecia os infortúnios que aterrorizavam a alma de Medeia. Ela fora expulsa de Corinto pelo próprio soberano, Creonte, que dera sua filha em casa mento a Jasão, que sem titubear aceitou, repudiando a filha de Eetes, rei da Cólquida. A amargura tomou conta do coração acabrunhado de Medeia, que pediu um dia para reunir suas coisas e sair de EntãoCorinto.umterrível

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plano a mulher traída concebeu, mas precisava fugir às pressas da cidade assim que o

– Cale-se, Ceres! – ordenou Egeu.

Teseu e Ariadne Ceres impacientou-se e gritou enérgico: – Mulher má, o que pretende fazer? Ela continuou, impassível, e respondeu: – Sou mulher e mãe. E amei! – Maligna! Planeja alguma coisa! – esbravejava Ceres.

O soldado prontamente obedeceu. – Como pode me ajudar? – Você terá formidável descendência em breve, meu rei, basta que eu providencie os filtros adequados.

– Para o papai?! – espantaram-se.

Medeia em fingimentos 37 executasse. Foi quando soube que Egeu, rei de Atenas, aportara e estava em sua embarcação aguardando um convite de Creonte.

Medeia recebeu-o primeiro e conquistou-lhe a con fiança graças à promessa de torná-lo pai de um menino.

– Por que não? Ele vai adorar o presente! Vocês o levarão com cuidado e não devem abrir em hipótese alguma: é um presente! Algo bom… e surpresa, meus queridos! – falou a mãe, animada. Falou e ba teu palmas. A alegria era contagiante, mas seus olhos brilhavam como vidro; o sorriso era forçado e a voz saía-lhe com esforço. Terminou: – Vão! Vão, meus queridos! Está na hora!

– Veja se, depois de tanto amar, deixarei Jasão à mercê dos caprichos de uma donzela bem-nascida; eles vão se arrepender, e muito – falou, sozinha, a feiticeira da E,Cólquida.emseguida, fechou a cara, tamanho o volume do ódio que guardava em seu coração. Chamou seus filhos, os belos Feres e Mérmero, e por eles enviou um presente de núpcias.

Ao entrar em seus aposentos, ela suspirou aliviada e tomou alento para realizar sua vingança. Abeirou -se da janela, observou o pouco movimento no cais e sentiu no rosto, na pele, a aragem proveniente do grande mar.

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38 Teseu e Ariadne As crianças entreolharam-se surpresas. Sabiam que Jasão e Medeia não estavam mais juntos e que briga vam, discutiam e quase se agrediam fisicamente quando se encontravam.

Por isso, Feres observou: – Um presente para o papai? – Sim, sim, meus filhos! Vamos! Não se demorem… e não sejam curiosos! – Então, então… vamos! – animou-se Mérmero, pu xando o irmão pelas mãos. Medeia petrificou-se, nenhum movimento fez. Parada, sem respirar. Após alguns instantes acercou-se da porta de saída e ficou a observar os filhos caminhando rumo aos aposentos régios, indo ao encontro de Glauce. Com a cabeça esticada para fora, Medeia alongava os olhos. Estava atenta feito uma cobra e com os ner vos em expectativa como uma águia. Não deixarei por bagatela a afronta e humilhação que suporto. Não me esquecerão jamais depois da noite de hoje!, pensava. As crianças chegaram à câmara da princesa, e criadas as acudiram, solícitas. – O que desejam?

– Trouxemos um presente para Glauce, a princesa –informaram sem se intimidarem. – Presente? O que é?

As criadas observavam enquanto as crianças se distanciavam:

– Obedientes e amigas como jamais vi! – falou uma delas, de pescoço comprido. Não demorou nem meia hora e Glauce chegou aos seus aposentos. Na animação da manhã, vinha cantan do e gritando os nomes dos criados.

– Como?! Um presente?

Feres voltou-se ao grande baú e depositou o embru lho, afastando-se em passos rápidos com o irmão, e nenhum dos dois olhou para trás nem por um instante.

Medeia em fingimentos 39 Feres tomou a palavra, resoluto.

– O presente só deve ser aberto pela princesa. Ninguém deve tocá-lo antes da princesa Glauce!

Os irmãos olharam-se e em seguida tomaram a decisão de deixar o presente e retornarem para casa.

As mulheres riram animadas pela atitude convicta das crianças e não as impediram de adentrar o salão íntimo da senhora.

– Colocaremos o pacote sobre o baú da princesa, porque assim logo o verá e o abrirá, não é?

– Façam o que quiserem; nós vigiaremos – respondeu a mesma criada.

– Senhora? Há um presente em seu quarto, não reparou? – falou a serva mais velha.

– A princesa não está, foi aos jardins conversar com a mãe e os amigos – comunicou uma das servas.

40 Teseu e Ariadne Sendo princesa e, principalmente, sendo mulher, Glauce encaminhou-se, contente e curiosa, ao embrulho sobre o grande baú.

– Presente? Pelos deuses! Meus súditos me enviam constantemente os presentes de casamento… Vejamos! O que deve ser? E abriu alegre o invólucro, surpreendendo-se pelo véu de fino tecido e a bela coroa que se destacaram ante seus olhos. Sua respiração falhou e, ofegante, encantada ante tão valorosos presentes, gritou: – Bendito Zeus, sou uma privilegiada! E deu voltas e reviravoltas, numa animação frenéti ca, ante os olhos admirados das criadas. Num gesto imperioso, numa súbita empolgação, prenúncio do casamento já marcado e de seu futuro como rainha, Glauce cingiu a fronte com a coroa e co briu também a cabeça e seus ombros com o véu.

Revelou-se ante os olhos das criadas em lindíssima e esfuziante imagem. Toda bela e graciosa, a Glauce de Corinto…Então um grito lancinante se fez ouvir. Um “ai!” profundo, penetrante, que arrepiou a todos, porque furioso e intenso fogo cobriu rápida e vertiginosamente o corpo da princesa, que se debatia em voltas estupendas peloAsquarto.criadas gritavam. As mulheres gesticulavam, desesperadas, mas nada conseguia conter o fogo avassalador.

Os corpos caíram sem vida ante os olhos aterrorizados dos súditos. Tamanho espanto estampava-se naqueles rostos angustiados. O fogo intenso logo consumiu Creonte e a filha Glauce. Foram incinerados rapidamente, tornando-se um monte de cinzas. Quando Jasão, aflito e resoluto, veio socorrê-los, deparou-se com aquelas cinzas e com a sala enfumaçada, tomada de um forte cheiro desa gradável de carne queimada. O filho de Esão entrou emJasãochoque.sentia seus olhos toldarem-se; todo seu cor po enrijeceu-se. Os movimentos não eram obedecidos, ele transformara-se em pedra, tal era a penetração da dor, tal era o alcance da perplexidade diante do infor

-

Glauce se consumia no fogo: cabelos, mãos, braços, tronco, pernas, toda a formosura de seus traços: uma tocha, uma tocha humana. Em meio à revolta, ardor e gritos, pai e filha estavam juntos na dor abraçados… Então os corpos se uniram: as mãos crispadas, os olhos esbugalhados, gestos imprecisos de socorro, ajuda, en quanto os criados, nervosos, tentavam apagar o fogo enquanto testemunhavam aquela cena tão formidável, na qual pai e filha abraçavam-se compungidos no hor rendo e constrangedor ato final.

Medeia em fingimentos 41 Creonte veio em socorro ao ouvir os gritos da filha. O pai chegou prestimoso, aflito, e ante a cena cruel e estarrecedora avançou, determinado.

-

42 Teseu e Ariadne túnio: a morte súbita e demasiadamente perversa da mulher que amava. Os ombros do homem cederam. Ele quase caiu, mas foi amparado pelos servos; todos estremeceram ao ou vir aquele grito rouco e abafado de Jasão, o lamento terrível de um apaixonado diante da morte.

Desvencilhou-se dos braços daqueles que o sustenta vam e tocou nas cinzas, naquilo que restava de Creonte e Glauce: os restos humanos de proteção e amor. Medeia reuniu seus filhos imediatamente. Havia ainda algumas coisas a realizar: uma tarefa tremenda que cogitava em seu interior enciumado, em seu íntimo devastado pelo ódio; reuniu os dois filhos e saiu do pa lácio real protegida pelas trevas da noite. No palácio, desconheciam quem havia mandado a vestimenta fatal, um crime tão hediondo que deixou criados e nobres em estado de choque, surpresos ante tamanha atrocidade. O estado de demência em que ficou Jasão comprometia qualquer outra atitude que não fosse protegê-lo. Os guardas vigiavam-no, anda vam às suas costas pelo longo corredor, enquanto o homem fungava o nariz e soltava de quando em quando um urro avassalador, toda a dor irremediavelmente contida no peito.

Protegiam-no porque estava vulnerável; suspeitavam que quem armara a cilada a Glauce e Creonte também podia querer atacá-lo. Vigiavam-no.

Tarde demais, Medeia já estava no templo de Hera, perto do altar, com o sangue dos filhos a escorrer pelo mármore branco. A mãe, numa crise violenta, matara os próprios filhos. Num gesto rápido, cruel e inacre ditável, abatera os dois filhos naquela vingança de mulher rejeitada. Os olhos feito vidro, imóveis, nada enxergavam. Ela sentou-se nos degraus, murmurando: – Jasão, tirei de você o que havia de melhor! Você agora não tem mais nada, nem o amor de Glauce, nem o amor de seus filhos. Todos estão mortos! Eu, eu era o seu melhor bem! E ali ficou sentada, na penumbra, protegida pela noi te e sob a proteção de Hera.

Subitamente, Jasão estacou os passos, ergueu firme a cabeça, arregalando os olhos num retrato de terror, e então gritou: – Não! Não! Meus filhos!

Medeia em fingimentos 43

5

ARMADILHAS DE PITEU Egeu partiu de Corinto sem tomar conhecimento daquela fatídica noite, não ficou sabendo do desvario de Medeia, dos atos ensandecidos da feiticeira da Cólquida.

TREZENA

Enquanto sua embarcação singrava por águas tran quilas rumo a Trezena, onde reinava o sábio Piteu, Jasão tomava conhecimento do assassinato de seus dois filhos. A notícia trágica foi tão comovente que várias pessoas gritaram desesperadas, rasgaram suas roupas e, juntamente com o pai desafortunado, desmaiaram.

Quando buscaram Medeia para levá-la presa, a mãe, infeliz, já estava longe, numa fuga pelo mar, na promes sa de asilo em Atenas como lhe garantia o rei Egeu.

Egeu, meu reino é o seu, sim? – pronun ciou com sinceridade Piteu. – Agradeço, meu irmão e meu caro anfitrião; agra decido estou por me receber – disse o rei de Atenas. Ceres observava satisfeito. Bem diferente da acolhi da em Corinto, pensou involuntariamente. Piteu caminhava à frente, passos rápidos, firmes, vez por outra olhava para trás, seus olhos fugazes, sem se reter demoradamente nos rostos que integravam a co mitiva. Então se voltou para Egeu, entusiasmado. Disse: – Daremos uma festa, devemos nos alegrar. Primeiro aos banhos, mandarei preparar os melhores aromas e ervas…Oreide Atenas, ainda cansado da viagem, preocupado com a sua situação de rei sem filhos, questionava-se: Por que não consigo um único filho homem? O que fazer? Desconsiderou seus furtivos pensamentos e concentrou-se nas últimas palavras de Piteu: – Minha filha, Etra, virá à festa, Egeu, e ela dança, dança muito bem – elogiou. – Filha, Piteu? – alvoroçou-se Egeu. – E é casada? Prometida?Piteupressionou os olhos, curioso, mas disfarçou di zendo que a filha era jovem – uma mocinha cheia de sonhos somente.

46

Teseu e Ariadne Ao aportar em Trezena, Piteu foi receber Egeu pes soalmente, num gesto de excelente receptividade e boa–acolhida.Meucaro

Ceres estacou e voltou-se prontamente.

– Ah! Sim, logo, logo contarei o que sucede, agora me deixe passar, senhor?

Armadilhas de Piteu 47 O rei de Atenas animou-se, olhou Ceres longamente e sorriu. Piteu reparou e ficou intrigado.

– Não por toda a noite, Piteu?

– Não desconfie de minha hospitalidade; meu palácio é seguro e eu sou um honesto anfitrião – disse Piteu.

– Não posso descuidar de meu senhor! – falou e ia prosseguir, mas Piteu pôs-se à sua frente.

– Uma metade eu garanto, a outra é por tua conta, meu rei! – E piscou um dos olhos, cúmplice. Egeu juntou as mãos, esfregando-as, e saiu em pas sos rápidos. Ceres seguia-lhe quando Piteu gritou: – Soldado? Guarda? Um instante!

– Vamos aos banhos, meu convidado, teremos di versão pela metade da noite!

– Não posso considerar palavras, minha função é proteger Egeu, meu senhor! – disse resoluto o guarda –fiel.Sim, sim, pode acompanhar, mas depois gostaria que fosse aos meus aposentos, sim? – Pra quê? – Porque é de meu interesse saber por que o rei de Atenas está fora de seu reino, passou por Corinto e agora está em meu palácio tomando banho, quando po deria ter retornado ao seu reino…

– Meu senhor está preocupado com o seu reino, é só isso! – explicava Ceres. Piteu estava sentado diante do melhor soldado de Egeu. A cabeça do rei de Trezena estava inclinada, mas seus olhos estavam bem abertos e as orelhas se mexiam num gesto esquisito. Piteu estava tenso.

– Vocês não estão aqui para matar-me e tomar-me o reino?–Não, não, meu senhor, nada disso! – insistiu Ceres.

48

Por que os olhos de Egeu se abriram daquele jeito quando falei de Etra? O que ele quer por aqui?, pensava, curioso, o rei de Trezena.

Teseu e Ariadne Piteu desvencilhou-se de Ceres e ficou imóvel com a cabeça erguida, o olhar preocupado, as sobrancelhas arqueadas e a testa franzida.

– O que querem? Vão invadir meu reino, tomá-lo? Ceres deu dois passos para trás.

-

– Não! Não, senhor! Não estamos criando um confli to. Estamos de passagem, porque visitamos o Oráculo de Delfos… – Ceres interrompeu-se, não precisava dar muitas explicações. Tarde demais. Piteu antes temia um conflito ou uma guerra, mas, ao ouvir falar em Delfos, o Oráculo, levan tou-se agitado.

Meia hora depois, Piteu estava diante de um dos ho mens de Egeu; na verdade, um dos guardas reais que acompanhavam o rei em suas viagens.

Armadilhas de Piteu 49 – Então me darei por satisfeito e oferecerei os melho res e mais bem temperados cervos, além de caprichar nos manjares! Não deixarei Egeu partir sem conhecer nossas melhores comidas e frutas – disse e dirigiu-se ao interior de seus vastos aposentos.

– Pode confiar em mim, homem, já lhe dei moedas de ouro suficientes para comprar um grande e fértil campo de trigo. Então? Custa tanto assim me contar o que Egeu foi consultar em Delfos? O homem tinha as mãos presas uma à outra; parecia tremer e sua boca mostrava seu nervosismo, porque seus lábios se abriam e se fechavam por segundos vertiginosos.

– Fale, homem! O que é? O que você sabe? O homem reunia forças. Era um fraco, que por moe das ou honrarias entregaria família, amigos ou o reino. Estava apenas nervoso, mas contaria o que fosse preciso, por isso negociou tudo e, sem estar arrependido, apenas se mostrava preocupado.

Ceres olhou-o desaparecer e retirou-se em seguida. Ele sabia que estava sendo observado. Dirigiu-se aos aposentos de Egeu.

Piteu fez um estalido com a boca, passou a língua pelos lábios e alongou a vista pelos campos, através da janela.

– Você deve me contar tudo, rapaz, porque senão eu aprisiono-o, corto-o em fatias bem pequenas e dou aos meus cães; então me diga de uma vez o que a Pítia recomendou, assim você ganha as moedas combinadas e retorna rico a Atenas! Com os olhos marejados, o traidor expôs o segredo de seu rei.

– Que ele não deve desatar a boca do odre antes de chegar a Atenas.

respondeu ao seu rei?

– Meu rei foi consultar Apolo em Delfos porque quer… quer ter um filho…!

– Finalmente, homem, já é hora! Suspirou contrafeito, tomado por súbita angústia.

Piteu estava cara a cara com o outro, sem piscar, sério e, com seus olhos fixos, inclinou-se mais:

50 Teseu e Ariadne – Falo. Vou falar…

– Isso creio que não devo dizer… porque já falei o suficiente, não é mesmo?

– Egeu teve inúmeras mulheres e ainda não tem um filho sequer, é isso, então?

– Sim, o rei Egeu não conseguiu engravidar nenhu ma de suas mulheres com um filho homem! – confessou o covarde.Piteuaproximou-se.–EoqueoOráculo

Piteu sabia exatamente o que deveria fazer naquela noite de

O outro logo desapareceu da sala, refugiando-se junto aos seus companheiros.

Címbalos,festa.cítaras

todos viam a formosura e a elegância do dançar da filha do anfitrião.

Quando Etra, a filha de Piteu, adentrou a sala, uma repentina salva de palmas a anunciou, enquanto um rufar estrondoso de tambores deixou Egeu impressio nado com a jovem. Etra logo principiou a dançar e mostrou-se leve e eficaz nos passos, atraindo para si o olhar cobiçoso do rei de Atenas.

– Minha filha é um tesouro, Egeu! Veja como desliza pelo pavimento… Não parece ter pés, mas asas! Olha como dança e como parece mais um cisne que mulher; não é bela minha filha, Egeu? – dizia Piteu, frenético e empolgadíssimo.Egeuconcordava:

e outros instrumentos de corda animavam o salão onde estavam os melhores homens da corte de Trezena, além de mulheres da nobreza acom panhadas por seus maridos ou pais.

Armadilhas de Piteu 51 O rei de Trezena meditou no enigma por alguns ins tantes e, em passos céleres, correu aos seus aposentos.

– Gostei muito de sua filha, Piteu! – disse Egeu ao outro, que estava sentado ao seu lado.

– Então devemos fazer alguma coisa melhor, não é mesmo? O outro, já embriagado, não entendia mais nada, mas ouviu as palavras: –Bem, o reino de Atenas precisa de um príncipe e eu posso muito e muito bem favorecer um! O rei bêbado riu alto, satisfeito, e todos riram concordes.Quando

– Gostou? Fico muito feliz, é uma boa menina. – Não, é verdade, gostei demais de Etra! Os olhos pequenos de Piteu arregalaram-se.

Egeu foi posto em seu leito estava completamente embriagado e nu. Etra foi ao seu encontro e deitou-se ao lado do rei.

52 Teseu e Ariadne – Querem beber… Que bebam! Estamos bem hoje, não é mesmo? Dois reinos em paz… E a dança de Etra! Bebam! Bebam, meus convidados! – exigia o fascinado Piteu. E bebiam todos: bebia Egeu a goles largos, bebia Ceres, bebia o traidor e bebiam também os outros. E havia música boa, instrumentos afinados e bem to cados e Etra, que se exibia, feliz.

Subitamente o quarto iluminou-se. Uma luz intensa, que Etra não sabia de onde vinha ou de onde se projeta va, iluminando todo o cômodo, fez surgir a deusa Atena.

– Quem é você? O que quer? – perguntou Etra, confusa.

Ainda abraçada ao apaixonado Egeu, Etra viu-se diante da deusa e cobriu-se imediatamente.

Etra retraiu-se constrangida, mas mesmo assim foi abraçada pelo homem, contente de se apossar de um belo corpo.

– Me beije com carinho, meu bem – sussurrava o rei.

Em instantes viu-se tomada pelos braços daquele que desejava ardentemente um filho, porque queria ter um legítimo sucessor.

– Sou Atena e desejo um sacrifício.

A princesa estava ali convencida pelo próprio pai. Pi teu esforçou-se por persuadir a filha, que logo cedeu ante o charme e os modos elegantes do rei de Atenas.

– Você vai me oferecer um sacrifício numa ilha bem próxima daqui, sim? – falou Atena, tranquilamente. Etra sorriu a contragosto, tudo lhe parecia tão fantástico que emudeceu enquanto contemplava a deusa.

Armadilhas de Piteu 53 Na possibilidade de consciência, um homem, mes mo alcoolizado, sabe quando uma mulher se deita ao seu lado, por isso Egeu voltou-se, dizendo:

– Um sacrifício? Como assim, agora, um sacrifício?

– Você dança bem, espero melhores coisas agora…

– O que faz aqui, Posídon? – perguntou perplexa.

– Não pense, não me rejeite, apenas fique comigo; quero estar contigo, meu bem…

Instantes depois de ser transportada, vestida, sem a companhia de Egeu, a princesa de Trezena viu-se dian te de Posídon, o vigoroso deus das águas.

– Como isso se sucede? O que devo fazer, meu senhor e amado?

– Não posso, estou ao lado de Egeu, estou sonhando com o senhor dos mares…! – falou, não convicta. Posídon aproximou-se, beijou-a na testa, nas bochechas e tomou-a para si, colando sua boca na de Etra. Relutante de início, mas cedendo em seguida, a prince sa, sem abrir os olhos, pronunciou, encantada:

Teseu e Ariadne Atena fez um gesto e Etra transportou-se à clareira de um bosque numa ilha próxima ao palácio.

– Vim por tua causa, filha de Piteu.

Etra deixou-se possuir pelo soberano dos oceanos – enquanto jazia na cama também ao lado de Egeu. Misteriosamente, era amada terna e apaixonadamente pelo senhor das profundezas abissais.

54

6

NASCIMENTO DE TESEU

A o amanhecer, Egeu viu-se ao lado de Etra. O rei, ainda confuso pela ressaca, não compreendia como a bela dançarina havia adormecido ao seu lado. Etra, por sua vez, estava perturbada pela noite transcorrida ao lado do rei, de Atena e de Posídon.

TAREFAS E CUIDADOS

Ambos olharam-se e, após instantes de reconhecimento, abraçaram-se, como se protegendo cada qual de seus medos ou temores.

– Fique quieta, tudo vai dar certo! – confortou Egeu. – Pode confiar em mim, não sou tão vulgar quanto pareço, sim? – murmurou a moça. Os dois permaneceram abraçados e na cama toda a manhã.Àtarde, anunciaram a Piteu que em breve se casariam. O rei de Trezena não se cabia em contentamento.

– Mas Egeu não é mais um estranho; é um homem generoso e sensível…

– Quero ficar por aqui… Tudo aconteceu tão rápido, ainda não estou preparada para morar num reino como o de Atenas, ao lado de Egeu… – respondeu evasiva, nada convincente.

O filho, que Egeu supunha ser seu, nasceu forte e belo, um robusto menino a quem deram o nome de Te seu – aquele que é forte por excelência.

No nascimento de seu filho primogênito, Egeu ficou tão contente e tão emocionado que chorou convulsiva mente por todo o dia, ao lado do fiel Ceres.

58 Teseu e Ariadne

Numa ocasião, Piteu aproximou-se da filha, curioso, querendo saber por que Etra não partia para Atenas, a fim de morar num reino tão próspero e tão requisitado.

– Que você enganou na primeira noite em seu reino, papai!

– Consegui um filho, um herdeiro, e é um macho, um homem! – balbuciava o rei de Atenas. Sua permanência em Trezena provocou confusão e co mentários maldosos em Atenas. Os súditos não queriam ser governados à distância; não obstante foi o que aconteceu: Egeu ficou ao lado de Etra e não cogitava qual seria o motivo de a princesa não se afastar do reino de seu pai.

– Acalme-se, meu senhor – confortava o outro.

Constrangido, Piteu não conseguia pronunciar uma palavra sequer; sua voz e seus gestos estavam como que suspensos. Era um corpo inerme, era um ser sem atitudes, contudo reuniu forças e balbuciou:

– Não sei, não sei mais, agora não tenho mais ânimo.

– Basta! Lástima de garota de tamanha reclamação, o que queria que eu fizesse? Etra baixou a cabeça, não mais insolente.

– Pai, o filho que tenho em meu ventre não é de Egeu! O homem, num gesto instintivo de rejeição ou aversão, desvencilhou-se da filha, assustado, sem saber o que fazer, desnorteado.

– Mas o que é isso, minha filha, tudo não está bem? Etra avançou resoluta, enlaçou os braços na cintura do pai, comovida.

– Não é, pai, não é, bem sei!

– Ou para o bem do reino de Trezena, todo endividado, cheio de problemas, quase tomado pelos inimigos? Você me convenceu a seduzi-lo, a enganá-lo.

– O que há? Quer me dizer o que está acontecendo? Não quero você infeliz ao meu lado, filha. Etra ergueu a cabeça, as lágrimas desciam em torrentes, os lábios tremiam e o pai contemplou o belo rosto da filha e, comovido, estreitou-a mais e mais ao peito.

– Como não é filho de Egeu, Etra? Como não pode ser do rei de Atenas?

Tarefas e cuidados 59 – Mas tudo para o bem seu!

Dias depois do nascimento de Teseu, Egeu soube que os palântidas, em sua maioria formada por seus so brinhos, queriam tomar seu reino.

Ele sabia que não mais poderia olvidar ou mesmo descuidar daquela inacreditável situação de um reino sem o seu soberano. Tudo estava a se perder; necessita

60 Teseu e Ariadne – Quem é o pai, filha? Quem é? A princesa deixou o corpo cair no chão e, uma vez deitada, com as mãos cobrindo-lhe o rosto, disse:

– Egeu não pode saber disto jamais, filha! – pronunciou Piteu, tal qual uma ordem, uma sentença obrigatória.

– Ele não saberá, meu pai! Confie em mim! Então Piteu aproximou-se, estendeu a mão à filha e ouviu a história inteira, de como Atena apareceu a Etra e a conduziu às outras paragens, ao encontro de Posídon.

Falou e olhou fixamente para os olhos do pai.

Piteu olhava e nada via, estava assombrado com a notícia; raiva, rancor e ciúmes invadiam a alma do rei de Trezena, perplexo ante a nova situação que se des cortinava diante de si.

– O filho é de Posídon!

– Posídon esteve contigo quando?

– Na mesma noite que estive ao lado de Egeu, ele apareceu como em sonho…

– Cônidas educa muito bem, certamente meu filho terá apoio e proteção garantidos. Piteu iluminou o rosto ante as palavras de Egeu e comunicou alegremente:

Tarefas e cuidados 61 va retornar para pôr ordem na corte e se fazer respeitar pelos enciumados e revoltados súditos.

compreensivo. Os dois reis se tolera vam, a alegria consistia na criança: Teseu entusiasmava o coração do avô.

– Tenho que ir; urge minha saída desta terra para correr à minha. Tudo se põe a perder caso não apareça imediatamente.Piteuolhava-o,

– Etra ficará amparada aqui em casa e o menino aos cuidados de Cônidas – comunicou Piteu. Egeu sorriu, satisfeito. Ele sabia quem era Cônidas; confiava no tutor. Era homem de magia, cheio de com paixão e afeito às coisas do divino.

-

– Ele está na antessala, aguardando a permissão… Permitirei seu ingresso? – quis saber Piteu. Egeu abriu os braços, num gesto de espanto.

– Como impedir o melhor pedagogo da região de falar comigo? Sou eu quem quer abraçá-lo, beijar-lhe a mão, Cônidas, meu caro Cônidas – falava nervosamen te o rei de Atenas. Então, a porta contígua foi aberta e entrou na sala uma figura esguia e alta. O homem que se apresentava

Na sala nobre dos reis, Egeu despediu-se do sogro.

– Sim, senhor, pode confiar, assim será!

62 Teseu e Ariadne diante dos reis se impunha de maneira solene. A pre sença de Cônidas era imperiosamente atraente. Sendo um homem de avançada idade, seus passos eram ágeis como os de um rapaz e seus gestos suaves como os de um cisne. O homem aproximou-se e se curvou em sinal de respeito, pronunciando: – Senhor Egeu, aqui estou, aos seus serviços! Egeu avançou na direção dele e o abraçou ternamente.

– O que foi, Cônidas, alguma coisa a dizer?

– Sim, meu senhor, sim! – O que é? Fale!

– Ninguém substitui um pai, minha educação está garantida no vento… O pai é o melhor exemplo, Egeu, e eu sou uma brisa passageira. Egeu inclinou a cabeça, emocionado. Quando a er gueu, tinha os olhos marejados de lágrimas. A emoção, a dor da separação tomou-lhe o alento. Ele sofria… Gemeu ao cruzar os braços, mas sacudiu a cabeça e disse convicto, em tom forte: – Não! Você tomará conta de meu filho, ele terá o melhor exemplo e a melhor educação, eu confio em você!

– Cuide bem de meu filho, ensine-lhe as boas coisas, as belas e importantes artes, Cônidas, para que sirva de exemplo, para que seja o modelo de todos, sim? Cônidas fitava o pai apaixonado e ao final esboçou um sorriso contrafeito.

– Eu voltarei em breve, minha Etra. Cuide de nosso filho, sim? – Cuidarei, sim, cuidarei… – confirmou a filha de E,Piteu.sem querer partir, Egeu, rei de Atenas, embarcou rumo ao seu reino, deixando mulher e filho para trás.

Tarefas e cuidados 63 Egeu fitou longamente Piteu, depois se voltou e viu seu fiel amigo, Ceres. Principiou a caminhar em direção à porta de saída; caminhava lento, deveras devagar, cada passo como parecendo o último. Ele tinha um andar cansado, parecia exausto, quase a desfalecer, não sabendo como se separar daqueles que amava e por isso os pés estavam pesados e o coração entristecido. Mas Ceres estava à porta, com os braços estendidos, solícitos. E qual não foi a surpresa do rei quando adentrou a sala e viu Etra com a criança nos braços. Seus passos vacilaram. Ceres acudiu-o de pronto e o susteve nos braços.

– Não deve partir sem beijar na fronte e no peito o menino que é seu! Egeu chorava convulsivamente. Com o barulho, a criança despertou e, assustada, chorava também. Etra abraçou Egeu e todos estavam compungidos, inflama dos pela dor da separação.

– Senhor, fique bem, senhor! Etra avançou amorosamente.

Na tarde anterior à sua partida, Egeu confiou a Etra alguns segredos.

– Bem, saiamos daqui, vamos ao campo, vamos lá fora, que mostrarei o que deve ser feito, querida. A princesa obedeceu e seguiu o homem. Andaram em silêncio por trilhas e veredas até estacarem diante de um rochedo.

– Acho que entendo um pouco, agora – murmurou a mãe de Teseu.

– O que é? O que devo fazer, Egeu?– quis saber Etra.

64 Teseu e Ariadne

– Então? O que há por aqui?– indagou a jovem, curiosa. Egeu pôs-se diante de Etra e confiou-lhe o segredo:

– Consegui o filho de meus sonhos, por isso devo preservar sua herança, devo cuidar de sua vida e dos favores obtidos em minha descendência – falou ante a mulher, toda ouvidos, bebendo cada palavra, marcada pela sinceridade de um pai cheio de carinho.

– Bem, enterrarei minha espada neste local e guar darei minhas sandálias por aqui, entende? Etra não respondeu, não compreendia o sentido. De imediato o rei de Atenas iniciou um ritual composto por alguns passos e gestos, palavras pronunciadas em murmúrios e, logo, sua espada e suas sandálias esta vam definitivamente preservadas.

Tarefas e cuidados 65 Egeu ajoelhou-se diante da mulher, dizendo: – Quando Teseu chegar à adolescência, quando se sentir quase um homem, quando você perceber que o menino adquiriu força e brio, peça a ele que venha aqui e, se tiver coragem e resistência suficientes para erguer a rocha e retirar os objetos escondidos… – … O que devo fazer, Egeu? O que digo a ele? – Que me procure! Que o meu filho me procure em Atenas! E assim ficou determinado.

TESEU, A FORÇA CONTRA MONSTROS

Entre gritos, correrias e vivas, em meio a rapazes vigorosos e moças soberbamente lindas, destacava -se, sentado na escadaria do palácio, diante do jardim interno, Teseu, filho de Etra. Os olhos puxados de um verde intenso jaspeavam escandalosamente ante os seus observadores. O rosto in dômito tranquilizava quem o contemplava, e ele, cheio de si, numa alegria transbordante, gritava, todo sorrisos: – Vamos! Vamos! Joguem o dardo! Joguem! E obedeciam-no todos, era um líder seguro. O encon tro era esportivo, estivo e costumeiro; depois corriam ao lago próximo e banhavam-se animadamente até o anoitecer. A felicidade era contagiante, envolvente.

7

Teseu e Ariadne A companhia de Teseu era disputadíssima, ele era leal e sincero em palavras e por isso todos o queriam por perto, rapazes e moças.

A vida era confortável no palácio de Piteu, mãe e avô prodigalizavam ao jovem tudo que desejava. Ele, Teseu, sentia-se constantemente tomado pela alegria divina, então organizou uma viagem a Delfos com seus compa nheiros prediletos.

– Vamos a Delfos, Alano?

– Claro, querido, mas pra quê?

– Então precisamos avisar aos outros e arrumar nos sas bagagens o quanto antes. Quando partiremos?

68

– Quero oferecer a Apolo metade de meus cabelos…

– Conte comigo, está confirmado, avisarei os ou tros, principalmente Péricles, Astor e Lutio – lembrou o amigo com entusiasmo. Teseu retornou aos seus aposentos, pensativo. Quando entrou na ala principal do palácio, rumou aos aposentos de Etra.

– Em breve, tão logo avise minha mãe e o vovô, certo?

Diante do quarto da mãe, ficou alguns instantes parado, pensativo. Não abriu abruptamente, como de costume, mas sussurrou o nome da mãe duas vezes e bateu três vezes à porta. Uma criada permitiu que ele entrasse. Etra surgiu em trajes íntimos, pronta para acomodar-se na cama.

Tão logo afastou-se, entrou Piteu.

permanecia tenso, seu rosto contrafeito.

– Sim, claro, foi algo bobo… Já estou bem! Mãe e filho se abraçaram mais uma vez, ternamente.

– Você está me assustando, filho, o que houve? –perguntava Etra, preocupada.

Teseu, a força contra monstros 69 – Quem é?… Ora, você, filho? O que houve? O que aconteceu? Está muito sério, filho, o que houve?

– Então é isso, Teseu. Que coisa, você estava me assustando!Teseuainda

Teseu tinha o rosto fechado, nenhuma emoção trans parecia. Fitava a mãe de maneira impassível.

– Não é nada, subitamente algo me tomou, uma tristeza… vontade de chorar, me vi quase aos prantos, como jamais me senti, mamãe! Etra arrepiou-se, puxou o filho contra si e animou-o.

– Quero pedir permissão para ir a Delfos oferecer uma mecha de meus cabelos a Apolo! – balbuciou Teseu.

– Deixa! Esqueça isto, filho, já passou! Teseu voltou-se firme para a mãe.

– Passeio concedido, filho, espero que tudo corra bem, na proteção de Zeus! Teseu beijou a fronte de Etra, feliz.

– Mãe que é um tesouro pra mim! E saiu, satisfeito, com passos leves, deslizando pelo pavimento, acompanhado pelo olhar preocupado da mãe.

Numa tarde chuvosa, entre relâmpagos e trovões, Etra quis contar os segredos ao filho, que já havia retor nado de sua Chamou-oaventura.àsalaprincipal

Teseu olhava-a sorrindo. Nada respondia.

– Nada, não, só curiosidade!

– Tão logo chegue do Oráculo de Delfos.

– O que foi? Por que ri?

– Porque você está nervosa, falando rápido… Posso saber o que se passa, mãe?

– Ah! Sim, como você mente bem, mãe! Etra empalideceu vivamente. Suspirou e fitou o filho por longos minutos. Teseu avançou alguns passos, fez-se sério e indagou, preocupado.

– Sim, pai, contarei-lhe a verdade…

– Agora ou mais tarde? – interrompeu Piteu.

– Assim espero, papai! – animou-se Etra.

70 Teseu e Ariadne – Ouvi tudo, filha, e acredito que chegou a hora de revelar-lhe a verdade, não acha?

– Bem, que as coisas se arrumem no agrado dos deuses – ponderou o rei.

e, nervosa, mas disfarça damente, perguntou: – A sua viagem foi tranquila, deu tudo certo? Não houve nenhum contratempo grave?

Etra suspirou profundamente e principiou a falar: – Muita coisa não aconteceu como você acredita, meu filho. Eu não fui tão fiel e verdadeira quanto parece, querido… – Então? O que houve entre nós? Não sou seu filho? É isso?Amãe pareceu estar ainda mais assustada. Ela o abraçava ternamente enquanto falava, com aparente nervosismo, porém sempre compreensiva: – Não! Não! Mas o que é isso, Teseu? Claro que você é meu filho, meu, todo meu, meu filhinho e tesouro dos deuses…! E olhou-o fixamente, afastando-se um pouco dele.

Etra pôs-se a chorar timidamente. – Ah! Não, não chore, mãezinha, o que houve? –consolava Teseu.

Teseu, a força contra monstros 71 – Algo ruim com o vovô, mãe? – Não, filho, com você…! Ah! Não com você, mas o que devo contar-lhe, sim? Teseu aproximou-se terno, carinhoso, e abraçou a mãe, dizendo: – Mamãe, o que há? Eu conto com as suas palavras sempre, nada de mal espero, pode falar comigo!

– Choro porque você é um grande presente pra mim, filho! – Fico muito feliz com isso, mãe, mas me diga, por favor, o que está acontecendo?

– Quem é meu pai, mãe? – murmurou o filho. Fez-se alguns instantes de silêncio. Etra olhava sem direção, envergonhada. Olhava e nada via. Seus lábios se moviam, mas o jato de ar era impronunciável.

– Egeu, então, não é meu pai! Etra estava de costas: cabeça inclinada, imóvel e pá lida, com um soluço preso na garganta.

– Não sabe? Como assim não sabe?

Teseu fitava a mãe, seu rosto denunciava enter necimento. Avançou carinhoso até ela e apertou-a afavelmente.

– Porque Posídon me possuiu na nossa noite de núp cias, com o consentimento de Atena; fui enganada, era uma armadilha. A deusa me conduziu a uma ilha, dizendo que eu faria um sacrifício, mas quem estava por lá era Posídon, e então não pude escapar…

– Quem, mãe?– indagou mais uma vez.

– Você me perdoa, filho? Na verdade, essa é uma história bem desagradável, nem o próprio Egeu sabe que você não é filho dele…

72 Teseu e Ariadne Teseu fez-se sério, compreendeu o mistério, a con fusão da mãe.

– Mãe, pode confiar em mim. O que aconteceu a você foi terrível… Sou filho de Egeu, apesar do que

– Posídon, filho, Posídon! Teseu bebeu as palavras e nada disse. Etra tomou coragem e avançou no assunto, timidamente.

– Meu filho! Filho querido meu!

Teseu, a força contra monstros 73 houve com Posídon. O segredo ficará guardado para sempre, mãe! Etra chorava feliz, agradecida. Beijava o filho na tes ta, nos cabelos, nos olhos e abraçava-o fortemente.

Teseu desvencilhou-se brincalhão.

– Assim você me sufoca; quer me matar, mãezinha?

Etra sorriu e respondeu: – Por certo, filho, aqui estão as coisas de Egeu, guar dadas para você.

– A espada e as sandálias! – juntou o rapaz.

– Então é hora de tomá-las, porque são suas agora. Erga a rocha, filho! – incentivou Etra. Resoluto, dono de seus movimentos, Teseu avançou e ergueu a grande rocha, sustendo-a em seus braços. A mãe viu com alegria os rijos músculos de Teseu, mas pensou: Estes braços e músculos não são do vigor de Egeu, mas sim de Posídon: meu filho é um filho de deus!

Diante da enorme rocha, Teseu não se intimidou. Voltou-se para a mãe, confiante.

E ambos riam de suas aventuras.

No dia seguinte, ainda sob o sereno da madrugada, mãe e filho se dirigiram ao local onde Egeu escondera a espada e as sandálias.

– É esta a pedra? Aqui estão as coisas de meu pai?

– Tenho força suficiente e devo amadurecer minha vontade para reconquistar minha terra, a terra de meu pai, dos monstros que a infestam e incomodam – disse convicto, já um homem dono de si. Etra calou-se, admirando-o, porque o filho demonstrava segurança e honestidade e, apesar de temer por sua vida, sabia que forças invisíveis impulsionavam-no à luta e à guerra.

– Temo por sua vida, mas sei que algo o impele, o impulsiona…

Teseu e Ariadne Teseu pôde resgatar os presentes de Egeu e os reco lheu com evidente satisfação. Diante da mãe ergueu a espada, brandiu-a no ar, depois vestiu as sandálias.

mas você é o meu amor!

74

– Tudo permaneceu intacto; nada se perdeu, mãe. O couro não apodreceu, nem a espada se corroeu – disse realmente emocionado.

– Mãe, farei de tudo pelo bem e por nós! Pode con fiar em mim, sim? Etra aquiesceu juntando as mãos, que foram beijadas por Teseu Abraçaram-seamavelmente.eseretiraram

do lugar, sem olhar para trás; seguiram em frente, como se certos da sepa ração próxima. Não falavam, mas o vento fustigava-lhes as vestimentas e seus passos estalavam os gravetos e folhas da trilha. Mãe e filho, silenciosos…

– Agora, filho, você possui a independência, pode procurar seu pai, ir ao reino que também é seu, percebe?

Parte II L utas e aventuras

– É bem mais seguro, um caminho que você pode dominar facilmente – acrescentou a mãe.

Um clarim ressoou, festivo. A noite era agradável; acontecia a festa de despedida de Teseu. Ele partiria ao encontro de provas e tarefas, pois conseguiu erguer a rocha e se apoderar dos objetos de valor. Os jovens bebiam, dançavam e comemoravam entu siasmados. Teseu era o centro das atenções. As melhores iguarias foram servidas e o melhor vinho circulava pelos convivas. Teseu era, enfim, um herói, pronto para as suasElefaçanhas.levantou-se e foi ao encontro do avô e da mãe. Sentou-se junto a eles e inclinou sua cabeça no peito da –mãe.Amanhã é o dia! – Sim, nós sabemos, filho – confirmou Etra. O velho rei intrometeu-se.

8

A CAMINHO DE ATENAS

– Seria melhor seguir pelo mar, Teseu – aconselhou.

Teseu e Ariadne Teseu olhou-os, encarando mais demoradamente a mãe.

E Piteu não ousava falar, pois não podia, sua voz sairia embargada. Era o neto que sabia escapar-lhe das vistas velhas e cansadas, contudo murmurou entre os dentes, sofrido: – Se ao menos esperasse minha ida ao Hades para que, então, seguisse seu destino, meu querido filhinho –murmurou, contemplando o alegre Teseu.

Três encontros, nada fortuitos, fizeram o filho de Etra provar sua bravura e sua justiça. Seu primeiro encontro foi com Perifetes, um bandido de grande maldade. Ele tinha o costume de atacar os peregrinos que se dirigiam a Epidauro.

– Não, irei por terra, prefiro passar pelo istmo de Corinto. Além disso, a rota terrestre me fará encontrar aqueles que quero com maior facilidade. Etra fitou o pai. Ambos pareciam compreender o desejo do herói e se calaram. Teseu aninhou-se fei to um bebê no colo da mãe, beijou-lhe as duas faces e em seguida levantou-se para se juntar aos amigos, que o chamavam. No meio deles, pôs-se a dançar animadamente, mas de longe não podia enxergar as grossas lágrimas que a mãe derramava.

78

-se

-

Teseu estacou, seus músculos enrijeceram, mas quedou-se imóvel e nada falou, nem ao menos voltou ao impertinente. O filho de Hefesto então ergueu a clava e, como se não mancasse, num ímpeto de crueldade e desejo as sassino, avançou rápido, entusiasmado, pronto para atacar o filho de Egeu. Avançava sedento, com os olhos abertos, a boca cerrada e com a mão direita erguida. Em um único golpe acertaria em cheio a cabeça de Teseu e mais um viajante mataria em seu impulso violento.

Teseu fingiu não escutar e continuou caminhando distraído.–Falo com você, por que não me responde? O que há pra tanta arrogância? – indagou Perifetes.

A caminho de Atenas 79 O homem era coxo, mas isso não o impedia de ser cruel. Apoiando-se numa muleta e sempre carregando uma clava de bronze consigo, feria a muitos que atra vessavam seu caminho.

Perifetes não desconfiou de quem era Teseu quando abordou o filho de Posídon no caminho, fingindo-se in gênuo e revelando desconhecer o local.

Subitamente, num movimento rápido, quase im perceptível, Teseu segurou a clava de bronze e voltou-a contra o agressor que, recebendo-a em cheio na cabe ça, tombou, sem ao menos pronunciar um gemido, tão rápida foi a morte, tão certeiro o golpe.

– Por que anda por aqui? Aonde vai, rapaz? – quis saber o homem coxo.

-

80 Teseu e Ariadne Teseu recuperou-se rápido, trouxe para si a arma, uma bela peça de bronze, limpou-a e prosseguiu o caminho.

O cruel tinha acabado de matar um pastor. Ele usava de um estratagema perverso: vergava enor me pinheiro até o chão, pois seus músculos potentes feito aço facilmente executavam a ação, e obrigavam que um infeliz mantivesse a árvore de tal maneira. No entanto, ninguém suportava a retração e eram todos jogados longe, despedaçados pelo arremesso vertigi noso e Sínis,fatal.assim que avistou Teseu, pôs-se logo às escon didas, mas o filho de Etra observou-lhe os movimentos escusos. Sabia da fama do gigante perverso, por isso diminuiu os passos e fez-se de desentendido. Logo começou a assoviar e, quando próximo do cruel ho menzarrão, cantarolou uma cantiga comum, de história singular. Teseu fez-se de despreocupado para se assemelhar a um incauto forasteiro.

– Agora este caminho está livre para os incautos via jantes, porque o pior bandido está morto – falou em voz alta o corajoso neto de Piteu.

-

Em seu caminho, pois preferiu a rota terrestre àquela marítima, sugerida pela mãe e pelo avô, Teseu encontrou o perigoso e igualmente mau gigante Sínis.

Teseu fingiu assustar-se e deu alguns passos, trêmulo, e gaguejou:

Teseu concordou com a cabeça, obediente, mas seus olhos se crisparam e a raiva turvou-lhe a vista. O outro, no entanto, não percebeu, sedento como estava de matar, destroçar ou despedaçar mais uma indefesa e inocente pessoa.

– Aonde vai, homem? Por que a pressa? – disse, che gando bem perto.

– O que o senhor quer que eu faça? – perguntou, docemente, o filho de Egeu. Sínis lambeu os beiços e olhou ávido para o belo rapaz

– Mas tenho pressa… senhor? – disse com timidez, de modo quase inaudível.

A caminho de Atenas 81 O gigante, quando viu o desconhecido avizinhar-se das grandes árvores, apareceu subitamente.

Sínis alterou a voz, avançando resoluto: – Preciso! Preciso de ajuda agora!

Os olhos esbugalhados do monstro arregalaram-se mais e mais, então ele inclinou a cabeça, convidativo.

– V… vou… vou visitar meus… meus pais, senhor! –respondeu, nervoso.

– Ah, é? Pois bem, meu caro moço, bem gostaria que me ajudasse… você pode? Teseu estacou, parecia um homem inofensivo qualquer: as mãos balançando rente ao corpo, ombro ligeiramente vergado e rosto sem expressão.

– Não largue, senhor, outro será vergado, está bem?

– Ah, sim, posso… é só isso? – fez-se de displicente Teseu.–Quê?

Sínis prontamente correu ao encontro de Teseu e quando deu por si estava segurando o pinheiro.

– Bem, preciso vergar alguns pinheiros, mas me falta a força, e vejo que o moço tem fortes braços, não é? Então, que tal? Bem, poderia me ajudar, não? – falava o monstro com voz mansa e o corpo imponente, a cabeça desproporcional meneando de um lado para o outro.

– surpreendeu-se Sínis. – Ah! É, sim, só isso mesmo, meu bom rapaz! – o malvado disse, esfregando as mãos.Assim que entraram na clareira, Teseu rápido ver gou o primeiro pinheiro até o chão, surpreendendo o gigante, que imediatamente obedeceu ao convite de Teseu quando este pediu: – Meu senhor, segure aqui, rápido! Não largue por que vergarei outro.

– Em que posso lhe ser útil, meu senhor? – insistiu o neto de Piteu.

82

Teseu e Ariadne que tinha diante de si, jamais desconfiando de quem ele era. Ao menos não suspeitava que o filho de Posídon, ele mesmo, estava testando, averiguando a audácia e a pe tulância de quem o julgava vulnerável, um fraco mortal. Teseu estava imóvel, mostrando-se dócil, e Sínis alimentava seu desejo de sangue e morte.

O filho de Etra vergou o pinheiro mais próximo e, quando tocou com a copa no chão, num salto pulou so bre o monstro.

– Não sabemos o que fazer… Tamanha a nossa infelicidade, moço! – exclamava um velho com lágrimas nos olhos.

– O que é isso, rapaz? O que pretende fazer? Por que me segura e agride?

A caminho de Atenas 83 Abobalhado, o monstro segurava, contrariado e sur preso ao mesmo tempo.

Teseu nada respondia. Deu-lhe dois violentos socos no estômago e um medonho murro na cara, desacordando-o. Depois amarrou-lhe a cabeça na copa de um pinheiro, aquele mesmo que Sínis segurava, prendeu-lhes os pés em outra copa e, quando tudo estava perfeito, num zás viu o corpo do gigante despedaçar-se no ar.

– Pronto, pronto, meu senhor. Agora você teve o mesmo castigo que infligia a todos que passavam por aqui… Agora não precisa mais de ajuda, não é mesmo? – falava sozinho o filho de Egeu.

Prosseguindo seu caminho terrestre, o filho de Egeu soube, pelos moradores de um vilarejo, que Féia, monstruosa e antropófaga porca, provocava grandes danos à vida dos habitantes.

– Féia é a bruxa que deixa a porca comer nossos filhos e filhas, moço! – explicou uma mulher diante dele.

– Sim – concordaram, em uníssono, todos.

– Onde a fera se esconde? – perguntou.

– Não! Não, ela mata a todos! – gritaram convictos.

Teseu estava comovido. Enquanto aqueles homens e mulheres lhe serviam a pouca comida que lhes restava, contavam suas misérias com a esperança de que ao menos contando expurgavam seus males. Os habitantes do vilarejo pareciam viver em cons tante temor. Mesmo desconhecendo quem era Teseu, queriam tão-somente contar, falar, chorar… Nada mais!

– Numa grande cova, no meio da floresta.

Todos se ergueram a fim de impedi-lo.

– O que me importa? Tenho força suficiente! – Não, não tem; não faça isso, meu jovem – falou um homem com voz tranquila.

– Ah… Féia é o nome da bruxa, então? – disse Teseu, compreendendo melhor agora.

84 Teseu e Ariadne – Ela já matou muitos dos nossos e, insaciável, sem pre quer mais! – gritou, aflita, uma senhora com as mãos erguidas aos céus.

– Quero vê-la hoje, agora! – disse, corajoso.

– Você é belo e vigoroso, não cometa tal tragédia!

– Mas quem possui fera tão ruim e que tanto preju dica a comunidade? – quis saber Teseu.

Teseu tinha a clava de Perifetes e a espada de Egeu, além de ser filho de Posídon.

Féia não gostará de me conhecer, senhores. Ao final da tarde, retorno com a sua cabeça aqui! – E apontou a mão direita.

Os olhos seguiram os passos de Teseu até a entrada da escura e amedrontadora floresta de Féia e sua ma ligna cria.

belamente.–Creioque

Teseu, a passos firmes, em pouco tempo viu o casebre carcomido da bruxa. O herói escondeu-se por entre os arbustos e penetrou no terreno sem ser percebido.

Teseu caminhava com segurança, sem espantar os pássaros, pisando levemente nos gravetos, em surdi na, pronto para, em um só golpe, exterminar a porca atrás de si ouviu um grito estridente.

A caminho de Atenas 85 Teus pais querem te ver, moço! – suplicou uma mulher quase gritando, descontrolada.

Em cova rasa, no extremo do vasto terreno, a nefasta porca jazia adormecida.

Todos emudeceram ao constatarem o vigor muscular do jovem, fascinados por suas palavras e esperançosos de verem concretizados seus desejos: a devoradora de ho mens, Féia, de uma vez por todas estaria morta, eliminada da região, e o perigo seria transformado em alívio e paz.

monstruosa.Desúbito,

Teseu ergueu-se e enrijeceu os músculos, sorrindo

Quando retornou ao vilarejo com a cabeça decepada na mão direita, os moradores bradavam, dando gritos

Teseu e Ariadne A porca abriu somente um dos olhos, que divisou o filho de Etra. Num átimo a criatura ergueu-se. E Féia gritou, brava: – Porquinha, cuidado! Ele é filho de Posídon e quer matá-la! Mate-o logo!

86

Féia gritava e esperneava, num entusiasmo de ódio e medo:–Mate-o, menina, não deixe nada desse maldito! A bruxa estava a alguns passos de Teseu. Quando a porca deu a mais rápida investida, ele segurou com a mão direita a espada do pai e com a mão esquerda a cla va de bronze e, girando sobre si mesmo enquanto a porca em trote enlouquecido passava por ele, desferiu-lhe dois golpes na cabeça e, no desgoverno mortal, tombou sobre a dona, esmagando imediatamente a bruxa sobre seu pesado corpo.

Teseu sentiu o chão trepidar com a corrida vertiginosa da porca, que vinha poderosa, em disparada poeirenta e fatal rumo ao herói.

Tenho que acertá-la em cheio, na cabeça, senão é o meu fim, pensava Teseu, enquanto via a porca vindo furiosa e violentamente ao seu encontro, a boca aberta e as patas tocando ruidosamente o chão. Tudo tremia, tudo se agitava, tamanho era o furor do animal.

Teseu correu e sem titubear decepou a cabeça da porca.

atormentado,

A caminho de Atenas 87 de alegria e intenso regozijo. Ofereceram-lhe flores, vi nhos, festas e o queriam como seu protetor.

– Ao menos fique conosco por alguns dias, filho? –pediu aquele mesmo homem de voz branda.

Teseu fixou-lhe o olhar, enternecido. Sabia que o filho amado fora devorado pela porca em luta desigual e covarde.

– Ficarei o tempo suficiente pela alegria de todos vocês! – aceitou o filho de Etra. Durante três dias e três noites aquele povo, antes festejou a morte certa da porca maldita.

– Não, não posso ficar, tenho que prosseguir meu ca minho! – respondeu.

Parte paternoReencontroIIIeciladas

Os ilustres descendentes do ateniense Fítalo reconheceram-no de imediato.

Sabemos que mataste diversos monstros e malfeito res, por isso queremos cuidar de tua saúde, cuidar de teu corpo e de tua aparência, e cuidar de tua alimentação –falaram, diante da porta da cidade, próximo ao rio Cefiso.

Não fiz nada demais para tamanhas honrarias, meus senhores! – Bem sabemos como falam e como se comportam os melhores, o verdadeiro herói: a modéstia e a simplicidade se derramam pelos seus lábios! – pronunciou um senhor de longa barba branca.

Teseu ruborizou-se quando duas jovens se encaminharam até ele, retiraram-lhe as vestes e dirigiram-no ao rio para o banho de purificação.

O REINO DE ATENAS

9

P róximo a Atenas, junto ao rio Cefiso, Teseu viu-se em meio aos fitálidas.

– Não, não é possível que ele já esteja aqui em Atenas?! Não! Não é possível! Estou perdida! – gritava a mãe assassina. Selênia, mulher alta e esguia, olhava pela janela e via, com os seus olhos puxados, o casario ateniense. Ela tentava perscrutar mais distante ainda o que fosse pos sível ser visto.

92 Teseu e Ariadne – Estão me mimando, não fiz nada mais que o ne cessário, mas o que é isso? – reclamava, com a voz embargada pela emoção. Uma das jovens enlaçou-o pela cintura e confortou-o:

Então Teseu compreendeu seu significado e calou-se imediatamente. Observava os movimentos, as atitudes, a alegria indisfarçável dos fitálidas preparando-lhe o banho, a comida, as vestes e os perfumes. Nem um rei tem tal tratamento, pensou.

Medeia soltou um furioso grito e disparou pelo corredor imenso do palácio. Seus passos ecoavam fortes pela laje e ela cobria a cabeça com as mãos. Nervosa, a mulher entrou em seus aposentos, seguida por sua dama de companhia, a hipócrita Selênia.

– Mas é verdade, senhora minha. Teseu foi visto nas imediações de Atenas. Os fitálidas hospedaram-no e cuidam dele como a um grande homem!

– Meu senhor, tu nos fizeste um grande bem!

– A menos que alguém o detenha ou o impeça, se nhora – concluiu a outra. Medeia ergueu-se. Até então estava caída sobre a cama, aterrorizada com a notícia da chegada do famoso enteado.

– O que fazer? Por Zeus, que estarei perdida, logo serei banida do reino… mais uma vez o infortúnio! –gritando. – Senhora, senhora, acalme-se. Por que puxar ou danificar os cabelos? Acalme-se, porque ainda podemos reverter a situação… – sibilou a ferina Selênia.

– Quem mais como Teseu? Quem mais para ser reconhecido imediatamente como aquele que é des truidor de monstros, malfeitores e criaturas abjetas, senão Teseu?

O reino de Atenas 93 – Então ele virá logo ao palácio… e reivindicará o que é seu – balbuciou, aflita, Medeia.

– É… é… ele mesmo? Tem certeza de que é o filho de Egeu, não é outro?

lamentava-se,

– Como assim, reverter? Não entendo. Que poderei fazer ainda contra o filho de Egeu? Matá-lo? É isto? A outra deu uma risada, breve e de ruindade, e continuou: – Matar? Pra que sujar as mãos? Devemos afastá-lo do reino, logo, logo! Medeia aproximou-se, confusa, e a raiva fazia-lhe doer a cabeça. Perguntou, aos gritos:

94

Teseu e Ariadne – Fala, mulher, fala! Como podemos afastar o filho querido de Egeu? Selênia aproximou-se da execrável Medeia e disse: – Ora, minha senhora, aumente a fama ruim e peri gosa do destruidor de monstros! Medeia ficou alguns instantes pensativa. Então disse, como se falasse consigo mesma: – Ah! Sim, claro, claro. Egeu não deixará entrar um homem perigoso em seu reino já tão desgastado por conspirações e problemas políticos! Selênia juntou-se à senhora reclinada na cama e sus surrou-lhe, maligna, aos ouvidos: – Esperemos amanhã ou começaremos agora mesmo, neste tempo favorável? Os olhos de Medeia abriram-se demasiadamente, o ódio era a tradução de seu estado emocional. – Agora! Agora mesmo, antes que o rei tome conhecimento… Agora! – E assim saiu de seus aposentos, à procura de Egeu. Teseu despediu-se dos fitálidas com abraços, beijos e fortes apertos de mão. – Volta sempre! Tu és o nosso melhor hóspede! Podes permanecer entre nós o tempo que desejares! –felicitavam-no e homenageavam-no os filhos de Fítalo.

O reino de Atenas 95 Homens, mulheres e crianças acenavam, felizes, desejosos de lhe tocarem as mãos, os braços, o torso, qualquer parte do corpo.

– A jovem não tem boca? Por que não fala? – gri touEmoutro.seguida, dez homens cruzaram seu caminho, in terceptando seus passos. Um deles tocou-lhe o rosto, outro puxou-lhe os cabelos, e nada incomodava o futu ro príncipe, pois acabara de ser tido pelos fitálidas como um vitorioso. Aqueles pedreiros não o conheciam, mas quando lhe cuspiram na face e tentaram retirar-lhe as vestimentas e rasgá-las, ele correu até um carro de bois, ergueu-o e atirou com violência contra os seus adversários, esmagando-os de pronto.

E então prosseguiu seu caminho, calmamente, ante os olhos aterrorizados dos circunstantes.

E, coberto com uma luxuosa túnica branca, o filho de Etra rumou à sede de seu futuro reino.

– Tu és um bem para nós! Tua mãe é e sempre será uma mulher feliz! – gritavam, extasiados.

No meio do caminho, porque tinha os cabelos cuidadosamente penteados e porque a túnica lhe dava aparência feminina, um grupo de pedreiros, homens que trabalhavam no templo de Apolo Delfínio, ridicularizaram-no. Um deles gritou: – Vejam, é homem ou mulher que estamos vendo passar por aqui? Teseu ouviu e fingiu não dar importância.

-

iante do rei, à mesa do jantar, Medeia incutia novos temores sobre o forasteiro perverso que assustava e matava nos arredores de Atenas.

– Mas é tão perigoso assim? Soube que os fitálidas gos taram dele, até preparam-lhe um banquete e danças!

– Sim, meu senhor, ele é um homem mau, cheio de vícios e maldades – concluía a feiticeira.

– Ele é, na verdade, um sedutor. Um homem de traços indômitos, corpo avantajado e palavras gostosas de se ouvir. Mais conquistou as mulheres do que aos homens, sabia? – falava, cheia de enganos, aquela que tirou a vida dos próprios filhos e que arruinara os pro pósitos de Jasão.

DPERFÍDIA10EEMBUSTE:MEDEIAINSINUANTE

– Pois bem, que faremos, então?

– Por que não? Somente assim o teremos em nossas mãos, querido Egeu! Egeu não sabia que tramava contra a vida do próprio filho.

– O que houve? Sentiu-se mal? – indagou Medeia.

– Arrepiei-me e senti um forte enjoo quando falou que o perigoso estrangeiro cairá morto – confessou o homem.

– Um banquete em honra a um homem perigoso? –espantou-se o rei.

– Prender? Não, querido, vamos envenená-lo du rante o banquete e zás! Cairá morto aos nossos pés! – respondeu, rindo, a assassina. Durante toda a vida, Egeu não soube dos detalhes trágicos e fatais que envolveram as duas crianças de Medeia naqueles tumultuados dias de Corinto. Ao ouvi-la, subitamente um forte arrepio percorreu-lhe a espinha e suas mãos crisparam-se, irritadas. Um gosto ruim subiu-lhe à boca e ele estremeceu.

– Como faremos para prendê-lo? – questionou.

Teseu e Ariadne A feiticeira da Cólquida ergueu-se, andou de um lado para o outro, sedutora. Fitava sua cúmplice, Selênia, que estava encostada à porta principal, aguardando o término do jantar dos senhores. Medeia piscou o olho esquerdo, esboçou rápido sorriso e disse, com voz melíflua: – Vamos convidar o belo forasteiro para um banque te festivo em sua honra!

98

Medeia olhava aflita o rei. Nada podia, agora, impedir-lhe de executar o plano certo: liquidar Teseu, tirando-lhe a vida em ocasião propícia, diante do próprio pai.

– O que houve, senhor? Fale comigo! Egeu encarava-o perdido, sem expressão.

A noite maldormida provocou-lhe do res no pescoço e os intestinos apertavam-lhe, fazendo movimentos incômodos e irregulares. Ceres, diante do amigo, não sabia o que fazer.

– Não sei, não sei – principiou a falar –, não sei o que se passa comigo desde que soube das façanhas desse

– Vamos, vamos nos recolher. Amanhã será um dia cheio e devemos fazer os devidos convites e preparati vos! – desconversou a mulher.

– O que houve, senhor, por que mandou me chamar? De pé, com a cabeça inclinada, o rei se sentia mal, desconcertado.

Perfídia e embuste: Medeia insinuante 99 As duas mulheres entreolharam-se, perplexas. Am bas sabiam quem era o pretenso e perigoso estrangeiro.

Egeu levantou-se, desgostoso, alguma coisa tocava-lhe o íntimo. Queria saber mais sobre o forasteiro, não queria lhe fazer mal. Subitamente, uma forte compai xão assaltou-lhe o coração, enternecendo-o.

Ao amanhecer, após uma noite de sonhos pesados e so bressaltos repentinos, Egeu mandou chamar o fiel Ceres.

100 Teseu e Ariadne estrangeiro que anda por aqui; esse estrangeiro famoso em atrocidades… O que sabe dele, Ceres? O outro desanuviou o rosto, tranquilizando-se.

– Ele lhe parece perigoso? Uma ruína para Atenas, Ceres? – perguntou Egeu, preocupado.

– Você gostou do forasteiro, Ceres, viu nele o quê?

– Então foi provocado mas se conteve… manteve-se controlado. Ele parece ser um homem disciplinado?

– Se-senhor, ele ficou quieto, é um homem que se revelou cheio de virtudes, próprio para estar a serviço de um rei e do seu reino. Um homem pacífico

Parecia preocupado e observava atentamente a todos.

– Não, não me parece perigoso; está sozinho e não se meteu em confusões, apesar de muitos desconfiarem dele e de muitos homens afrontarem-no com olhares e gestos. Manteve-se quieto, sempre alheio às provocações, entende, senhor?

– Muito controlado, um homem seguro de si, senhor, que não se deixa abater por bagatelas mesquinhas ou tolas! – respondeu Ceres, entusiasmado. Egeu ouviu em silêncio e pôs-se a fitar longamente Ceres.–Por que me olha dessa maneira? O que disse?

– Ontem estive com ele numa taberna. Estava bem quieto. Bebeu pouco e não deixou que as mulheres se aproximassem.

Ceres desconcertou-se e titubeou ao responder.

– O que devo fazer, meu senhor?

Ceres nada respondeu. Tinha a boca entreaberta, o olhar turvo e seu coração estava acelerado.

Perfídia e embuste: Medeia insinuante 101 e senhor de si como não encontramos por aqui, em nosso reino.

– Quero que se dirija ao homem, convide-o a vir à presença do rei, numa festa, e que não rejeite o convite, pois queremos lhe homenagear as virtudes e a intrepidez.

Egeu andou pelo quarto e foi à janela, mais nervoso.

Ceres ouviu, aquiesceu e retirou-se, sem fazer qual querEgeucomentário.tombouna cama, desalentado, e murmurou: – Por Zeus, o que estou fazendo? Meu coração aperta demais. Que homem é ele que me molesta tanto assim o coração, meus sentimentos? E fechou os olhos, queria descansar um pouco. Agora que o sono lhe pesava demais, insistindo no recolhimen to com o sol levantado e toda a cidade em burburinho agitado de manhã.

Demorou-se olhando o campo defronte e voltou-se, re soluto. Disse: – Em poucas horas ele estará morto, num banquete oferecido por mim. Temo que seja um assassino, um usurpador do trono. Vamos matá-lo diante de todos! –falou e sentou-se à borda do leito.

O estafeta de Egeu aproximou-se.

– Sou obrigado a aceitar? Posso recusar? – Não pode recusar: ou aceita, ou se retira do reino, agora mesmo! – informou Ceres, secamente.

– Em que posso lhe ser útil?

102 Teseu e Ariadne Ceres encontrou Teseu no porto, conversando com os marinheiros. Na verdade, estavam combinando uma luta.

– Devo acompanhá-lo agora ou posso me banhar e me perfumar para ocasião tão comemorativa?

– Em duas horas esteja às portas do palácio e será convidado a entrar no salão principal.

Ceres começou a se retirar e, quando estava a alguns passos do outro, ouviu: – Diga ao rei Egeu que me sinto lisonjeado pelo con vite e que também sou nobre e sei como me comportar à mesa. Tenho avô e mãe nobres, de reino não tão dis tante – falou Teseu, com voz forte.

-

Ceres diminuiu o passo em alguns instantes, mas prosseguiu seu rumo sem olhar para trás, porque, de

– Então aceito, aceito o convite! Ceres estava imóvel. Teseu aproximou-se.

– Quero falar-lhe, forasteiro! Teseu prontificou-se, rápido.

– O rei deseja lhe oferecer um banquete pelos seus feitos, além de querer saber de onde você veio e o que veio fazer aqui em Atenas. O filho de Etra sorriu espontaneamente.

Perfídia e embuste: Medeia insinuante 103 novo, sentiu aquele mal-estar no coração. O que era? O que havia naquele estrangeiro que lhe provocava sensações estranhas?

Queria ver o pai. Queria apresentar-se como o filho desejado, mas agora tinha receio. Sua fama atrapalhou -lhe a recepção, temiam-no como a um malfeitor e logo o eliminariam. Como ser morto pelo próprio pai? Queria correr, gritar a plenos pulmões que era Teseu, filho de Etra e neto de Piteu, rei de Trezena. Egeu recordaria que deixara um filho em outra ter ra? Recordaria-se do filho? Ter-lhe-ia carinho? Ainda lembraria os lábios, a boca, os olhos do filho quando criança nos braços da mãe? Sozinho, observado pelos circunstantes e, pela pri meira vez, sentindo medo de continuar, Teseu baixou a cabeça e dirigiu-se à casa onde encontrou comida e banho. Queria ficar sozinho e tomar a decisão acertada: ficar e ver o pai ou retornar a Trezena? O que fazer? Como continuar?

Teseu fez um gesto furioso. Desconfiava que lhe ar mavam uma cilada. Como evitar? O que fazer?

O salão estava repleto de convidados ilustres, que se destacavam com suas roupas elegantes e luxuosas. A alegria era certa e ouviam-se gargalhadas longas, risos esparsos e gritos de vivas. O melhor vinho era bebido e os criados não se cansavam de servir os deliciosos manjares e as apetitosas iguarias, por entre olhares ávidos para não perder nenhum fuxico.

11

O RECONHECIMENTO

U ma festa era a ocasião ideal para a população ate niense mostrar sua verdadeira vocação para a dança e para a música.

Quando Teseu assomou à porta principal, não passou despercebido. Seu porte altivo, sua vasta cabeleira e o traje que usava fez com que todos se voltassem em sua direção. Subitamente, houve silêncio e todos fixaram o olhar nele, o estrangeiro. Medeia levantou-se, pressurosa, mas Egeu tomou-a pela mão. O rei fixou os olhos em Teseu, admirava-o, cami

106

– Ele não me parece mau, seus olhos têm alguma ternura, é um bom homem, não? – murmurou, comÉ um assassino! Deve ser morto e aqui o será!

Forte arrepio percorreu-lhe a espinha, por isso apertou a mão de Medeia, que compreendeu. Ela tinha que eliminar o quanto antes Teseu das vistas do rei, senão seria tarde demais.

– O lugar deste homem, com o veneno preparado, é bem próximo da gente! – falou baixo a feiticeira. Egeu não se sentia bem.

O rei sofria, alguma coisa em Teseu lhe agradava muito, agora que vira seu rosto, percebia que o rapaz nada tinha de perigoso.

placente.–Quê?!

– Não queremos que se aproxime demais do rei! –sussurrou o guarda principal. Teseu sorriu. Egeu desviou o olhar, desconcertado.

Teseu e Ariadne nhando resoluto ao seu encontro. Ceres interceptou-o. Teseu estacou obediente.

Súbito um acorde prolongado foi emitido e os canto res puseram-se a cantar, festivos. Teseu foi acomodado próximo a Medeia e o rei, enquanto Ceres estava à sua frente,Entãoatento.gordo porco assado foi trazido, animal prepa rado desde a véspera, cheiroso e bonito. Medeia olhava, aflita, a taça com o veneno diante de Teseu, que não ousava beber. Os olhos da mulher lacrimejavam de ansiedade.

Ceres, atônito, encaminhou-se ao jovem forasteiro.

Todos os olhos se viraram ao ouvi-lo. Fizeram silêncio; os movimentos foram suspensos, parecia que a respira ção dos circunstantes suspendeu-se. Homens e mulheres observavam Egeu, ninguém entendia o que estava acontecendo. O silêncio foi interrompido quando, com muito custo, Egeu conseguiu erguer-se. O rei assemelhava-se a um homem atemorizado, em estado de choque, pois colocou as mãos à cabeça e gritou desatinadamente:

– Por favor, senhor, por favor, senhor, seu pai quer lheSomentefalar! assim Teseu ousou levantar-se e encami nhar-se ao choroso pai. Egeu avançou célere, gesticulando, gritando e batendo com as duas mãos no peito.

O reconhecimento 107 Egeu pousou os olhos em Teseu, que correspondeu o olhar; demoraram-se um pouco os dois, um olhando o outro e Ceres contemplando a cena com interesse; mas o rapaz sorriu e, para se fazer reconhecer ao pai, puxou a espada para cortar a carne…

Egeu escancarou a boca e perdeu a voz. Os olhos reviraram, aflitos, enquanto as mãos gesticulavam pela força da emoção. Medeia assustou-se, mas pôde com preender o que estava acontecendo. – M-meu… meu… fi-filho! – gemeu Egeu.

– Este!… Este!… Este homem é o meu filho! Teseu! Meu filho Teseu está aqui! – E apontava para o forasteiro.

Teseu e Ariadne – Meu filho, meu amado filho, Teseu! – E beijou-o nas duas faces, acariciando-lhe em seguida, para, enfim, abraçá-lo, terna e comovidamente.

Ceres ouviu e também ele compreendeu por que Te seu lhe intrigava, ligado como estava a Egeu pelos laços de amizade e fidelidade: adivinhava-lhe as coisas boas ou ruins. Teseu não o perturbava, muito pelo contrário, incitava-o à curiosidade, porque sua força era excepcio

Egeu era confortado por Ceres. – Senhor, senhor, acalme-se! Tudo está bem! – dizia o fiel companheiro. Os olhos de Egeu crisparam-se, revoltados. Ele não escondeu sua raiva, então bradou: – Prendam Medeia! Ela não pode escapar do palá cio! Esta mulher queria matar meu filho, e hoje ele seria envenenado! Oh! Não! Não! Ela deve ser morta! Não a deixem escapar! Jamais! – gritava o bom rei.

108

Ceres acalmava-o, e então Teseu falou: – Meu senhor, eu estou bem, estou aqui, pode ficar calmo, eu não lhe quero mal! Egeu aproximou-se do filho, beijou-o mais uma vez.

– Eu sabia, meu coração dizia que havia alguma coi sa em você familiar, alguma coisa minha; meu coração tentou evitar a tragédia! – murmurou o rei.

Teseu deixava-se abraçar e beijar, surpreendido pela extrema demonstração de afeto e carinho: foi quem mais ficou desconcertado diante de todos.

O reconhecimento 109 nal, contada como sobre-humana. Teseu era diferente dos outros homens, com seus traços indômitos, gestos de boa educação e vestimenta nobre. Não aparentava ser comum.

– Meu pai, fique calmo, vamos ouvir os cantores, dançar com os dançarinos e nos alegrar, sim? – convidou um alegre Teseu. Egeu bateu palmas duas vezes, festivo e alegre como nunca esteve.

– Música! Canto! Quero dançar também! – incentivou o rei de ImediatamenteAtenas.foi obedecido. Teseu suspirou alivia do, percebendo que Egeu parecia descontrolado ante a emoção de vê-lo, o filho de Etra.

EXPULSÃO DE MEDEIA

E

LIBERTAÇÃO12

– O que você quer? Fale! – exigiu entredentes.

Egeu descia, silencioso e triste. Quando chegou ao último degrau, soltou um profundo suspiro. Não queria pôr os olhos em Medeia, mas era necessário cumprir as obrigações de soberano, enquanto senhor de –Atenas.Pediu que eu aqui viesse, pois bem, aqui estou! –falou, sem erguer a cabeça, pois não queria fitá-la. Ele a considerava como uma serpente do deserto, venenosa ao extremo, maligna e perigosíssima.

– Não me odeie tanto, Egeu… não me odeie!

– Mas você não pouparia a vida de meu filho, sua mulher ruim! – sussurrou com desdém.

– Poupe, poupe minha vida! Não me mate! Egeu engoliu em seco e inclinou a cabeça, comovido.

– Sim, sim, eu pouparei a sua vida! Não quero mais ouvir sua voz! Assim dizendo, tapou os ouvidos e tomou uma atitude severa, distante. Medeia pôs-se a chorar. Remorso e medo inundavam-lhe a alma.

Dito isto, subiu célere os degraus, afastando-se do calabouço, um lugar sombrio, malcheiroso e inquietan te, porque a presença de Medeia o enjoava deveras. No dia seguinte, o rei espiou pela janela diversas ve zes o momento em que o navio se afastaria do cais.

– Amanhã, não pode deixar de ser amanhã, quero que esta mulher saia de meu reino e retorne à Cólquida! – ordenou o rei.

112 Teseu e Ariadne Ela não se intimidou.

-

– Me poupe a vida, suplico! – implorou a ex-amante.

– Perdão! Perdão! Me perdoe! – Medeia gritava en quanto ia sendo retirada pelo carcereiro e levada ao interior da cela.

Medeia e sua companheira, Selênia, foram conduzi das à embarcação sob uma chuva torrencial. As duas fo ram observadas por uma pequena multidão que se aglomerou nas imediações do porto. Queriam ver aquela que tencionava eliminar o filho do rei. Como se sabe, a curio sidade acoberta a vingança, e o despeito é indiferença acomodada, assim nenhum circunstante xingou ou desacatou a infeliz, mas fitaram-na com desdém e frieza.

– Não fale mais comigo, infeliz. Egeu poupou-nos a vida, mulher! Que os deuses tenham piedade de nós! –falou e emudeceu, tensa. Sem nenhum privilégio, entraram no navio. Si lenciosa e espertamente, Medeia acomodou-se num tamborete, perto da amurada, e ali ficou bem quieta enquanto a tripulação a observava.

Libertação e expulsão de Medeia 113 Ela desconfiava que pudesse ser ferida ou ape drejada, por isso atravessou as ruas cabisbaixa, nada arrogante como antes se apresentava. A vergonha to lhia-lhe os membros; Medeia, de maneira furtiva, pela primeira vez, temia sua sorte. Seus crimes poderiam ser revelados e, ali mesmo, frente a todos, poderia ser trucidada como execrável. Suspirava forte e seus passos eram vacilantes.

– O que será de nós? O que será de nossas vidas? –perguntava a escrava, também aflita.

– A desgraçada já entrou, vamos levá-la para longe daqui! – gritou alguém. Medeia retornava à Cólquida, de onde partira um dia.

– Senhora? Senhora? – sussurrava, aflita, a cúmplice.

– O que é? Não fale comigo agora, mulher!

Parte IV Guerra, amor e terror

VIDA13ADOIS:PAIEFILHO

E geu não tinha outra alegria ou outro olhar além de Teseu. O reconhecimento dado ao filho trouxe-lhe uma felicidade constante. Promovia festas e mais festas, encontros animados e ruidosos; mas vez por outra uma nesga de tristeza atravessava-lhe a lembrança: quase matara o filho. Medeia era um fantasma assusta dor. Ela entrava-lhe nos sonhos, assustando-o, e aterrorizava-lhe as noites. Sobressaltado, acordava aos gritos. Em seus pesadelos, Teseu ora era envenenado covarde mente à sua frente, ora decapitado. Era comum agora um grito furioso sacudir a madrugada. O filho e os criados acudiam-no, e ele, chorando, abraçava Teseu, suplicando-lhe por seu perdão. – Meu bem, meu querido, perdoe-me! Perdoe-me! Teseu não sabia mais o que falar. O homem se corroía em remorso. Sofria pelo que não praticou. Medeia planejou, Egeu não executou.

– Temos notícias ruins! – disse Nausítoo.

Foi por essa época que Teseu se viu à mercê de novos contratempos em Atenas, por ocasião da morte de Androgeu, filho de Pasífae e Minos, o rei de Creta. Androgeu era intrépido, um verdadeiro atleta, e suas habilidades trouxeram-lhe problemas com os es portistas atenienses. Estes, ressentidos porque aquele conseguira inúmeras vitórias, mataram-no. A notícia espalhou-se por uma manhã chuvosa entre as bocas dos ambulantes e nas praças cheias. Todos es tavam consternados e aflitos. Quem trouxe a funesta notícia ao quarto de Teseu foram os amigos Menestes, neto de Ciro, e Nausítoo, acompanhado pela bela Eribeia. Ela curvou-se exageradamente sobre o dorso seminu do filho de Posídon, curvou-se tanto que seu hálito acordou-o imediatamente. Seus olhos refletiram-se um no outro, tão próximos estavam. – Quê?! – espantou-se.

118 Teseu e Ariadne – Pai, deixe disso, vamos beber água e esquecer tudo. Está tudo bem, tudo bem! E mais uma vez Egeu beijava o filho, acariciava-lhe o rosto e o abraçava enternecido.

– Meu pai? O que aconteceu? – Sossegue, sossegue, Egeu vive e dorme no quarto ao lado – amenizou Menestes.

Adivinharam-lhe os pensamentos e o acalmaram com palavras fúnebres e terríveis: – Androgeu está morto! Mataram Androgeu esta noite, meu caro amigo! Os olhos de Teseu fecharam-se, em seguida a boca, depois as duas mãos crisparam-se, nervosas. Ele morria? Nada enxergava? Um gosto amargo subiu-lhe a garganta e um jato repentino e intenso de vômito jorrou no chão.

Vida a dois: pai e filho 119 Teseu apoiou-se nos cotovelos.

Tornaram-se amigos inseparáveis, homens de jogos, partidas e eventos ruidosos. Tudo era vigiado pelo rei, que temia pela vida do filho até a véspera dos jogos que mandou celebrar em Atenas.

Teseu não acreditou; como acreditar quando até uma mulher entrou em seus aposentos e o acordou?

– N-n-não! Não! NÃO! Meu irmão! Meu amigo! –gritava Teseu, desesperado. A amizade entre os dois cresceu rápida e benéfica nos poucos meses depois que o filho de Etra foi reconhecido como filho de Egeu e herdeiro do trono.

120 Teseu e Ariadne – Meu filho, gostaria que participasse de todos os jogos, sim? – convidou Egeu.

-

-

– Meu senhor, desconhece as habilidades de Androgeu?

– O quê?! Como assim, habilidades?

– Todos os jovens desejam participar dos jogos, por que não? – acrescentou, apenas.

– Claro, claro que sim! – incentivou o amigo. Egeu não se opôs, porque desconhecia a destreza e desenvoltura do filho de Minos, rei de Creta.

E em poucos dias estavam os dois príncipes trei nando árdua e habilmente diversos instrumentos e exercícios. Queriam mostrar um corpo adequado e esbelto e, quando o fizeram, exibindo os belos corpos para toda a população na festividade solene de aber tura dos jogos atenienses, aplaudiram-nos de pé e gritaram seus nomes: – Viva! Viva Teseu! Viva Androgeu! Viva! Egeu, ao ouvir o nome do outro, incomodou-se e chamou Ceres. – Sim, senhor, pode falar?

– Claro, meu pai, por que não? Fico feliz quando vejo você feliz! – assentiu Teseu. Androgeu, posto que não foi convidado, ousou intro meter-se.

– O que houve com os atenienses? O que é isto de ovacionar meu filho Teseu e este outro, Androgeu?

– Posso participar também?

Vida a dois: pai e filho 121 – Pois bem, senhor, Androgeu é um habilidoso joga dor, homem dedicado e grande vencedor! Os olhos de Egeu voltaram-se para o filho de Minos. Seu olhar não era mais indiferente, era um olhar ferino e despeitado.

– Quê?! Pai querido, não, não, ele é o melhor, meu pai! – respondia sorrindo, Teseu.

– Por que faz isto, filho? – O quê?

– Viva! Viva! Androgeu mais uma vez! – gritava, sem inveja, o herdeiro do trono de Atenas. Egeu, no entanto, não aprovava aquela atitude. Acreditava que Teseu fingia perder para que o outro vencesse.

E Androgeu obteve uma vitória após a outra, en quanto tinha toda a aprovação de Teseu, que lhe erguia o braço, feliz, no centro de arena, diante da multidão.

– Por que perde para que Androgeu vença?

– Como?! Que nada, o melhor desta terra é você, meu filho! Teseu ria, nada toldava-lhe o espírito, porque era um bom amigo e amava Androgeu.

– Ele não pode vencer! Meu filho e somente ele é o vencedor, Ceres! O outro calou-se, não tinha o que responder. A partir desse instante, Egeu sentiu-se mortalmente voltado contra Androgeu; passou a hostilizá-lo e tudo nele o aborrecia muito.

– Egeu morre de ciúme de você, Teseu, ele só tem os olhos para você! Ele está fascinado e apaixonado pelo filho, porque você era e ainda é a esperança de Atenas. Então aparece um ginasta melhor, dinâmico, excepcio nalmente superior ao filho do rei? Não pode ser… Ele deve sucumbir, ser morto, porque usurpou a glória que era devida ao filho máximo do senhor de Atenas!

– Gosta mais do cretense do que dos atenienses! –comentavam, movidos pela inveja e pelo ódio. Contudo, Teseu a todos ignorava e mais e mais se devotava ao amigo e aos exercícios atléticos.

– Quem fez a maldade? Quem retirou a vida de meu amigo? – gemeu Teseu. Menestes desviou o olhar. Nausítoo fez o mesmo, encaminhando-se ao parapeito da janela, mas Eribeia encarou-o e respondeu: – Não podemos apontar diretamente para Egeu, mas quem o executou foram os atletas atenienses…

122 Teseu e Ariadne Outros olhos também não se agradavam de Androgeu, aquela intensa e recíproca amizade enciumava a muitos.

– Como? Meu pai? – interrompeu. – Meu pai planejou para matar Androgeu? – gritou, enfurecido. Eribeia estava firme, não abaixou a cabeça.

– Numa casa, perto do cais, velado por duas senhoras, mulheres de pescadores.

– Onde ele está? Onde o puseram? – quis saber, com a voz abafada.

Teseu debruçou-se sobre o amigo com ternura. Eri beia encostou-se à parede, estava silenciosa e chorosa. Menestes também se inclinou para examinar melhor os estragos feitos no belo corpo do atleta. Nausítoo

– Quero vê-lo… Quero ver Androgeu – disse, cho rando, e se ergueu, resoluto. Os amigos acompanharam-no, silenciosos. Cada passo dado era como avançar em caminho tenebroso e cheio de perigos. Teseu vacilava, mas era amparado pelos outros. A morte inesperada de Androgeu tocou-lhe no âmago de sua experiência de vida: quem era confiável? Como sobreviver ao mal da decep ção? Meu pai não fez isto! Como pôde praticar ato tão hediondo, tão infame?, e seus pensamentos apertavam-lhe a alma e os passos. Ao entrar na casa, viu o corpo de Androgeu no chão, sobre uma esteira de folhas secas. Parecia estar dor mindo, mas havia no dorso uma grande ferida, uma clava abriu-lhe as carnes com impetuosidade assassina.

Vida a dois: pai e filho 123 Teseu apenas fitava Eribeia, seus olhos fixos, vol tados para a companheira, mas lágrimas vertiam, incessantes porque o filho de Egeu era compassivo.

124 Teseu e Ariadne ficou à porta; estava amuado, seu semblante revelando angústia e dor.

– Vamos! É hora, ele descansou, a dor não lhe fere mais. Os deuses ampararam sua alma logo que lhe foi retirada a vida. Os olhos encharcados de lágrimas e a boca trêmula mostravam a dor de Teseu.

– Covardia… Covardia! – disse ele, comovido. Eribeia aproximou-se de Teseu.

– Vou, sim, espere um pouco, quero olhar bem, estar firme, porque até o último dia de minha vida estrangu larei, com estas mãos, os inimigos de Androgeu! Eribeia desviou o olhar, mas seus pensamentos acusavam Egeu. Até ao pai ele dará a morte? Veremos! O que fazer com tamanha covardia?, pensou Eribeia. Em passos lentos, corpos curvados, todos se retiraram, acabrunhados. Teseu estava em pedaços, seu coração pulsava em ritmo lento, entre a dor e a vingança.

Passados três dias do funeral de Androgeu, seu cor po retornou a Creta, para seu pesaroso pai, Minos. Foi quando Teseu começou a vingança. Todo o seu ser tremia só em relembrar o amigo morto, ferido de modo tão ingrato, tão doloroso e na traição da inveja.

Egeu, no entanto, desconfiou, mas como Teseu não lhe dirigia a palavra e nem ao menos erguia a cabeça para fitá-lo, não ousou perguntar-lhe ou tomar-lhe satisfação.

Os atenienses, em sua maioria, lamentaram o fim trágico de Androgeu. A população desconhecia que o rei também estava envolvido no crime. Contudo, o mor to necessitava de vingança, e eles conseguiram armar ciladas, criar embustes e atrair os mais valorosos para armadilhas inéditas. Eram cinco atletas e eles sacrificaram todos com requinte e criatividade: o primeiro foi despe daçado numa gruta por um urso; o segundo foi picado ou quase devorado por milhares de abelhas; o terceiro foi coberto por pez e azeite e em seguida incendiado e torrou feito um carvão; o quarto teve as pernas esmagadas por uma armadilha enterrada num fosso e simultanea mente degolado por uma grande tesoura que foi armada em duas frondosas árvores; e o quinto foi perseguido por uma matilha que, além de devorar-lhe as carnes, comeu -lhe os ossos, não restando nada de seu corpo.

Todos tiveram mortes incríveis e nenhum deles foi tocado nem sequer viu os antigos amigos de Androgeu. As mortes não criaram suspeitas, mas toda a Atenas la mentou o desaparecimento de seus heróis, os atletas.

Vida a dois: pai e filho 125 Iniciou seu plano com o apoio de seus fiéis amigos, Nausítoo e Menestes, tendo como conselheira Eribeia, que conseguia desvendar os escusos abrigos, grutas e ilhas por onde tencionavam esconder-se os inimigos de Androgeu.

126 Teseu e Ariadne Reunidos em um bosque próximo ao palácio, os ami gos comemoravam. Comemoração sossegada, a vingança é seu prato frio, e eles estavam em luto. – Androgeu, descanse, meu amigo! – proferiu Teseu erguendo uma taça.

Os outros, silenciosos, fizeram o mesmo. Eribeia fitou Teseu e viu-lhe os olhos marejados en quanto uma sutil lágrima desceu-lhe pela face.

MINOS INDIGNADO

Desta vez apenas tocou a porta e esta se abriu de par em par.

14

–Não fale assim, sou seu pai! – Como? O quê? Tenho vergonha e vou embora daqui! As mãos do rei tocaram-lhe as faces, Egeu num átimo abraçava apertadamente o filho.

A tenas estava sitiada há três semanas quando, numa tarde chuvosa, Egeu encaminhou-se ao aposento do filho para falar-lhe.

O criado temeroso meneava a cabeça. Egeu se retirava com vergonha, humilhado e sofrido.

–O que você quer comigo, homem? – desafiou o filho.

O rei batia todos os dias à porta, o criado abria-lhe a porta assustado e ele sempre dizia: Não vou lhe fazer mal, responda: meu filho não quer me atender?

– Então você não queria que ele vencesse, meu pai? Mas ele era um vencedor intrépido!

– Você me ama? – Sim, amo! – Pai, deixe que eu parta, quero ir embora! Egeu arregalou os olhos, as mãos trêmulas e balbuciou: –Não, meu filho, não isso, eu quero o perdão, me peça tudo, meu reino, mas não vá embora!

– Sei, agora sei; antes do sequestro já sabia, por cau sa de você, eu não soube o que fazer direito, querido, me perdoe, me perdoe, filho! – pedia aos prantos o homem, senhor de Atenas. Teseu fez-se sério, encaminhou-se ao pai.

130 Teseu e Ariadne – Você é meu filho, eu o amo! – gritava Egeu. Teseu comoveu-se e inclinou a cabeça, choroso. Não tinha ódio, mas repulsa.

Teseu saiu de diante do pai e trancou-se no quarto. A dor ainda lhe massacrava a alma.

– Eu não pedi que o matassem, pedi que o sequestrassem e o escondessem a fim de não se sair mais uma vez vitorioso! – confessava, também chorando, o rei de Atenas.

– Por quê?! Por quê? O que houve, pai? – falava e chorava, Teseu, de pé.

Minos indignado 131 Alguns dias depois, quando as forças de Atenas fraquejavam e o povo estava angustiado e esfomeado, Ceres compareceu perante o rei e seus ministros.

Mas Egeu definhava e mostrava nas faces os traços da grande preocupação.

– Ah! Ah! Meu filho, Ceres, estamos mal, muito mal! Minos nos quer perdidos! Ceres avançou, resoluto.

O rei e as cortes política, militar e diplomática estavam reunidos no salão nobre, aquele mesmo da apresentação de Teseu. Os olhos de Egeu estavam inchados, o filho não só não o recebia como desdenhava dele e passava dias e noites em bebedeiras colossais, sempre embriagado e sem o menor sinal de respeito ao pai.

– Ele não é meu pai – dizia –, meu pai verdadeiro é Posídon – afirmava constantemente, e, apesar de ser verdade, ninguém lhe dava crédito.

– O que deseja, senhor? – apresentou-se.

– Como?! A peste nos mata os melhores guerreiros, porque Zeus está favorável a Minos, retirando-nos o que há de mais vigoroso e saudável!

– Senhor, chamou-me? – falou Ceres, percebendo o alheamento do rei.

– Majestade, já sofremos coisas piores. Atenas vai resistir, a nossa deusa Atena nos protegerá! – acalmou-o o fiel comandante.

– Posso ir ao encontro de Minos e propor-lhe, se nhores – ofereceu-se Ceres. E, após intensa discussão e propostas objetivas e ne gociações não tão boas, Egeu determinou:

-

– Quem está vindo ao nosso encontro? – quis saber.

Ceres fixou o olhar em Egeu.

– O que nos resta a fazer? – perguntou-lhe, alheio, sem saber o porquê.

– Senhor, será necessária uma intervenção, uma ne gociação, não é mesmo? – lembrou o ministro.

– Bem sei, bem sei, não é preciso me lembrar desse infortúnio e desgraça!

132 Teseu e Ariadne – Mégara foi assolada pelos cretenses! – contou-lhe um dos ministros. – Sabemos que ele marcha com novos e mais cruéis soldados.

– Minos, o rei de Creta, para vingar a morte do filho – retrucou Egeu, entristecido.

– Resta-nos pedir trégua ou nos render! – proferiu outroEgeuministro.soltouum

grito:

– Arre! Arre! O que é isso? Não, nunca! Que a peste nos mate! Que não fique pedra sobre pedra, mas não me humilharei! É Zeus que protege esse rei sanguiná rio! – gritou.

– Minos quer vingar o filho, meu rei! – insistiu Ceres.

– Certo, faremos isso! O que negociaremos? – interessou-se o rei.

– Quero me redimir ante meu filho. Cometi grave delito e é preciso humildade, paciência e força! É isso que será! Parta amanhã, Ceres, e convença Minos a vir à minha presença! E todos entreolhavam-se, nervosos, mas silenciosos, já que a situação de Atenas necessitava de atos extremos. Egeu tinha razão, mas se expor ante a vingança de um pai irado e vingativo parecia loucura!

Minos indignado 133 – Que ele venha ao palácio e fale comigo, diante de mim!–Senhor, isto é extremamente perigoso! – falaram todos.

Ceres falou-lhe do convite de Egeu. O homem olhava os atenienses com desdém. Ele tinha profundo despre zo por todos os atenienses, porque via neles a armadilha e a traição que levaram à morte o filho. Ao receber o convite de Egeu, perguntou:

Minos recebeu friamente a delegação chefiada por Ceres. Era um homem de alta estatura e voz forte. Em seus olhos se viam mergulhados ódio e tristeza.

– Por que o assassino de meu filho me quer em seu salão nobre? Tenciona também me matar? Creio que não seja tão ingênuo, porque caso ouse fazer qualquer mal, Atenas será destruída totalmente em menos de três dias.

134

Teseu e Ariadne Ceres avançou resoluto e notificou formalmente: –Venho, senhor de Creta, como embaixador do senhor de Atenas para uma possibilidade de paz, não mais que isso. Que eu saiba, Egeu, rei de Atenas, não matou seu filho Androgeu, tampouco almeja matar o rei de MinosCreta!adiantou

alguns passos e, frente a fren te com Ceres, proferiu com voz lenta e monótona as palavras mais tristes que os ouvidos de Ceres jamais haviam escutado: Meu filho está morto! Minha vida está agora pela metade. Tenho uma vida cortada, sem graça e sem brilho. Sou um infeliz; um rei de nada, um homem de angústia. Eu irei ao encontro de quem me retirou a paz! Admiro, soldado, sua lealdade e fidelidade ao rei de Atenas. Amanhã estarei diante do mal – e assim dizendo, logo voltou-se e retirou-se aos aposentos

Ceresinternos.apressou-se a comunicar Egeu sobre a aceita ção do rei Minos. No dia seguinte, cercado dos mais valorosos guerreiros, Minos subiu a longa escadaria do palácio real e foi recebido por Egeu. Todos os soldados de Minos seguiram-lhe até o salão da conferência, mas Egeu estava apenas acompanhado por Ceres. Ele recusou terminantemente segurança e proteção, porque reconhecia seu erro fatal.

– Meu filho era o meu bem, Egeu, por isso serei bre ve e firme: me retiro de Atenas com a condição de que, anualmente, sete moços e sete moças sejam enviados ao Labirinto e sirvam de pasto ao Minotauro! Os olhos de Egeu abriram-se assustados, porque rápido calafrio percorreu-lhe a espinha. Era terrível a condição. O que fazer?

– Alguma objeção, senhor de Atenas? – perguntou Minos.Egeu permaneceu calado, então Minos replicou:

O rei de Atenas fez que sim com a cabeça.

– Aqui estou, Egeu, rei de Atenas! – apresentou-se. Egeu não conseguia falar. Parecia que tinha perdido o ânimo, a voz.

– Então, a partir de amanhã, ao meio-dia, a guerra entre Creta e Atenas estará finda! E sem olhar para trás, Minos retirou-se, enquanto Egeu cambaleou pela sala e foi amparado por Ceres.

– Posso entender que seu silêncio seja o mesmo que assentimento, Egeu?

– Senhor, está passando mal?

– Estou morto, Ceres, meu coração dói e minha alma está pequena, apertada. Eu morro, meu amigo!

Minos indignado 135 Minos avançou até ao centro da sala e ficou em silên cio por um instante.

– O que… o que poderemos fazer para cessar esta guerra? – murmurou.

– Pai! Eu irei e isto é certo! – gritou Teseu. Então Egeu teve que ceder. Como reconquistar o filho senão pelo caminho do sofrimento: saber que o Minotauro poderia matar o filho querido angustiava o coração do rei.

– Eu irei e matarei o monstro!

136 Teseu e Ariadne E desmaiou, tamanha era a angústia que sentia. Os criados conduziram-no aos seus aposentos. Ceres observava seu senhor. Minos escolhia com seleção rigorosa e pessoalmente todas as vítimas; também irônico ante o desespero dos jovens, sempre dava esperança, dizendo: – Caso consigam matar o Minotauro, poderão regressar livremente à sua pátria! Mas o monstro estrangulava, matava a todos, e a ruí na abatia os atenienses, que não suportavam mais assistir aos seus jovens massacrados um por um pelo Minotauro. Então Teseu intrometeu-se e dirigiu-se ao seu pai.

– Não, nunca! Jamais o permitirei! Além de me des prezar, quer que eu aceite tamanho despropósito?

– Despropósito? Meus amigos, meus melhores amigos como Menestes, Nausítoo e até a princesa Eribeia, filha do rei de Mégara, estão partindo para a morte, e eu ficarei, aqui, assistindo?

– Meu filho!

-

O Minotauro era uma criatura que fora encerrada no Labirinto construído por Dédalo. A criatura monstruosa, com forma humana e cabeça de touro, habitava os antros subterrâneos, abaixo do palácio real de Creta. Solitária, nutria-se de carne humana; era insaciável, voraz no apetite e seus dentes e patas po diam em instantes dilacerar um homem robusto. Pasífae, mulher de Minos, concebeu tal aberração por ocasião de seus encontros furtivos com Posídon. A mulher, quando teve o filho nos braços, horro rizou-se tanto que o escondeu dos olhos alegres dos visitantes e ocultou-o para sempre no ambiente da confusão, o Labirinto. A criança deformada jamais obteve carinho ou ter nura. Sujeitou-se à escuridão, à lama, à frialdade das lajes e ao silêncio costumeiro. A solidão era sua com panhia frequente, assim o medo, o ódio e a vingança cresceram em seu coração que, enrijecido pela indife rença, tinha apenas vontade de matar e matar: a morte era o seu fim.

Minos indignado 137

No cais, pai e filho puderam ao menos trocar algumas palavras. Egeu, choroso, tentava ao mesmo tempo pedir perdão e se despedir do filho. Eribeia comoveu-se pelo choro contido de Egeu e intercedeu, dizendo: – Perdoa, Teseu, perdoa! O rei chora demais e te ama!TeseuPerdoa!olhou-a, também comovido. A princesa também mostrava piedade ao rei de Creta enquanto era conduzida ao Labirinto para ser pasto do miserável monstro. Teseu admirava tamanha abnegação mostrada pela filha de Alcátoo, rei de Mégara. Ela não era indiferente à dor. O jovem então voltou-se ao pai, foi-lhe ao encontro e o abraçou. Egeu chorou mais ainda, convulsivo; a tristeza e a dor sacudiam-lhe o corpo.

15

TESEU PERANTE MINOS

140 Teseu e Ariadne – Meu querido, perdoa teu pai! – suplicava. E, pouco a pouco, Egeu foi se tranquilizando.

Ao aportarem no final de uma tarde em Creta, Minos quis conhecê-los melhor, então convidou-os para um jantar festivo. Os jovens atravessaram a longa sala, sujos, esfomea dos e medrosos. A viagem quebrantou-lhes o espírito de aventura ou intrepidez. – Viva! Viva aos heróis de Atenas! – recepcionou-os com sarcasmo Minos.

que se ouvia na praia, dos gritos dos pais, irmãos e parentes, Teseu, o herói da Ática, estava de pé, cabeça erguida, olhar voltado ao horizonte, impassível enquanto pensava: O que irei fazer? Terei que proteger meus amigos! O monstro, o Mi notauro, não machucará nenhum destes! Todos estão sob minha proteção! E calado permaneceu, não desejava trazer aos ami gos a falsa confiança: se era protetor, protegeria e basta!

Na embarcação, estavam os jovens exigidos por Minos: Menestes, neto de Ciro, rei de Salamina; Eribeia, filha de Alcátoo, rei de Mégara; Nausítoo, piloto, entre outros filhos de nobres atenienses ou de EstadosDiantevizinhos.doclamor

-

Teseu perante Minos 141 A alegria do monarca disfarçava o horror e ódio que nutria aos atenienses. Seu filho fora covardemente ma chucado, assassinado por parentes e amigos, por mãos de alguns deles, os cruéis atenienses.

Teseu apresentou-se de maneira intrépida, não o impediriam, quem quer que fosse, de dizer a verdade.

-

– Sou Teseu, filho de Egeu. Teu filho Androgeu era meu amigo, melhor, meu muito e muito bom amigo, senhor; Androgeu me amava e eu o amava como a um irmão…! Ele foi traído não por mim, nem ao certo sei o que lhe aconteceu… A perda de teu filho é tamanha perda para mim, senhor Minos de Creta! – falou e jun tou-se aos seus amigos.

O rei não esperava palavras de tão reconhecidas considerações ao seu filho, até desconhecia que Teseu era tão próximo de Androgeu, ou ao menos havia esquecido após o acontecimento fatal. Ouviu, demorou-se alguns instantes e pensou antes de se pronunciar: – Como é belo o filho de Egeu! Belo, robusto, alto e de grande graça! Meu filho está com Hades e ele aqui, vivo e belo como jamais vi um jovem em minha terra! Você não me disse nada, filho de Egeu, onde estava en quanto meu filho era morto? Com quem estavam seus braços, olhos, imaginação e vigor enquanto retiravam a vida de meu herdeiro? Amigo que não soube poupar o infortúnio do outro? Onde?

Teseu tinha lágrimas nos olhos e sua voz tremia; os braços se agitavam frenéticos enquanto respondia:

142 Teseu e Ariadne – Meu senhor, eu não sei de nada, mas meu coração bate sofrido com a perda de meu amigo!

– Ora, ora, que o Minotauro resolva a quem retirar a vida e a quem poupar, sim!? – gritou, possesso, Minos. Teseu prostrou-se sobre a terra, ergueu os braços em gesto de súplica.

– Suplico, senhor, eu suplico que poupe a vida dos demais, todos outrora amigos de seu filho quando ele entre nós vivia! Suplico que não os encerre no Labirinto para que sejam pasto do Minotauro…!

-

– Como? O que pretende, covarde? Teseu ergueu-se prontamente e ofereceu-se: – Que eu vá sozinho. Que meus amigos sejam pou pados, mas que eu pereça em lugar deles! – Cale-se! Cale-se, homem mau, o que é isso?! Que ro todos no Labirinto! Imediatamente! – gritou o rei de OsCreta.guardas aproximaram-se, servis. – Não! Espere, senhor, eu suplico! – pediu Teseu, humilhado e novamente prostrado. Sua cabeça tocava o chão enquanto todos os amigos choravam, abraçados, tentando erguê-lo. Minos não gritou mais. Estava estupefato. Não es tava habituado a uma demonstração de coragem e abnegação como aquela de Teseu. Não mais falou, mas fitou longamente o filho do rei de Atenas e não lhe res pondeu mais; estava deveras confuso.

-

Teseu perante Minos

– Não, Teseu, não faça isso, iremos todos nós ao Labirinto, e que seja logo!

– O que deseja? Quem é você? – indagou Eribeia, intimidada.

– Me chamo Ariadne e quero ajudar. Sou uma das filhas de Minos – disse, ainda fitando Teseu.

– Por que quer nos ajudar, Ariadne? – perguntou, interessado.–Nãoposso

Fitaram-se longamente e Eribeia ergueu-se de imedia to, pois ainda estava debruçada sobre Teseu, no chão.

dormir bem todas as vezes que sei quantos estão sendo encerrados no Labirinto, junto ao

Eribeia estava confortando Teseu, quando se aproxi mou Ariadne, filha de Minos.

-

Teseu viu-a vindo ao seu encontro e foi tomado pelo encontro com a suave beleza da filha de seu opressor.

143

– Por que devemos acreditar em você? – desconfiou Eribeia. Ariadne fitou a outra demoradamente, mas deixou a timidez de lado. Olhava com certa arrogância contida, isto é, desviou os olhos e voltou a pousá-los em quem lhe interessava: Teseu.

Os outros se acotovelaram em torno da jovem, en quanto Teseu se pôs em pé, rápido, mostrando-se em sua altura e charme.

-

–Mas o que pode fazer por nós? Minos nos quer logo como pasto do Minotauro! – falou, ríspida, Eribeia. Ariadne nem sequer voltou-se à outra, aproximou-se ainda mais de Teseu e confiou:

–Ao menos o amor pode salvar Teseu e a todos nós! –disse, irônico.

–De que está falando, homem? – falou, enrubescido,–Teseu.Estou falando dessa moça que aqui estava e só olhou para você. Ela foi bem clara que nos salvará porque quer você livre, entende? Não é nada disso, Menestes. Ariadne não é cruel ou criminosa como o pai! – enfatizou Teseu. Ora, Teseu, que a moça seja justa e boa, tudo bem, mas agora se juntou outro motivo… – falou Nausítoo.

144

–Não aguento mais essa atrocidade; sou filha do rei, mas não compactuo com sua ordens, entendem? – desculpou-se a enamorada de Teseu. Eribeia logo compreendeu. Seus olhos iam num vaivém de Teseu para Ariadne, num frenesi de ciúme e despeito.

–Hoje mesmo vou interceder por vocês, sim? Farei de tudo para salvá-lo… para salvá-los! – disse e retirou-se. Menestes esfregou as mãos, contente.

Teseu e Ariadne Minotauro. Meu pai sabe que não concordo com essa matança, essa oferenda injusta, criminosa… – falou Ariadne, e, enquanto falava, sua voz se embargou, seus olhos se marejaram e ela voltou-se a Teseu.

como estavam em conversa entre ho mens, esqueceram-se da presença de Eribeia; mas Teseu olhou-a furtivamente, viu-a com os olhos baixos, bela, com a cabeça inclinada e os cabelos caindo-lhe pe las faces, então desconversou.

– Basta! Conversa tola, não estamos aqui para pensar em besteiras de amor. Queremos solução!

– Graças a Zeus temos uma! – disse Menestes.

– O motivo da paixão! A filha de Minos está apaixonada por Empolgadosvocê!

Teseu perante Minos 145 – Qual motivo? – interrompeu.

TRAMASSUAS

ARIADNE16E

– P ai, eu estou suplicando como jamais ousei pedir! – falava Ariadne nos jardins com o pai. Minos parecia transtornado. – Pedido impróprio e incômodo esse, como poderei livrar Teseu? E a promessa? Minha palavra, Ariadne? Como dizer que devo ter catorze jovens e só entregar treze? – respondia o homem de maneira desagradável e com um olhar sério, desconcertado diante da filha com a sua súbita intromissão. Ariadne mexia os cabelos, inquieta. Não estava satis feita, pois queria livrar o homem por quem seu coração enamorou-se deveras. O que fazer? Como livrar seu amado de terrível vingança? O que fazer? O Minotauro não deixaria ninguém vivo. Jamais alguém escapou; era

148 Teseu e Ariadne uma morte certa. Sua única opção era demover o pai de seu projeto vingativo e perverso. –Pai… o que posso fazer? Que posso pedir para que liberte Teseu, amigo de meu irmão, íntimo de seu filho? –advogava, súplice.

Minos desviava o olhar, não sabia mais o que responder. Então, por fim, fixou os olhos em Ariadne, pousou suas mãos nos ombros dela e disse, firme: Amanhã, filha, deixe-me por hoje. Amanhã darei uma melhor resposta, sim? – falou com voz mansa aquele que tinha forma de mau e grosseiro. Ariadne deixou escorrer uma lágrima, Minos ficou mais um pouco desconcertado e disse: O que é isso, filha? O que é isso? Vamos, tenho que descansar e pensar melhor, sim? Amanhã terei os pen samentos mais arrumados. A moça ouvia o pai, contudo o coração lhe apertava no peito. Um pressentimento ruim indicava que o resultado não seria bom, então se jogou no chão, abraçou forte mente as pernas de Minos e gritou a plenos pulmões: Não, meu pai! Não, meu pai! Não deixarei ir até que permita que eu fale com Teseu! – e gritava mais e mais, então Minos ordenou que os guardas trouxes semOTeseu.reifoi prontamente atendido; Ariadne só se desvencilhou do forte abraço nas pernas do pai quando viu Teseu aproximar-se acompanhado pelos guardas.

Ariadne demorou a responder, bem que desejava transmitir melhores palavras, uma boa notícia, mas retrucou calma, esperançosa: – Amanhã… ele disse que amanhã terá melhor res posta, porque precisa pensar melhor… – replicou com voz alegre, não obstante a cara triste.

– O que você tem? Por que está assim? O que ele fez? – indagava apreensivo. – Nada, nada não; ele não me fez nada, eu pedia por sua vida e a de seus amigos. Sou contra essa matança no Labirinto, já disse, não entendo como pode isso ainda acontecer! Não é mais possível tolerar tal carnificina… Pedi que poupasse sua vida e a de seus amigos…! Teseu subitamente compreendeu a circunstância em que estava envolvido e interessou-se.

Ariadne e suas tramas 149 – Veja! Veja, filho de Egeu, você foi admirado pelo meu querido filho, agora minha filha também devota a você grande afeto, espero que Ariadne não se perca como o outro, porque não confio em você, Teseu! Teseu mantinha a cabeça erguida, mas não respondeu e voltou-se com olhos amáveis para Ariadne, ainda caída ao chão, chorosa. Ele se aproximou, solícito, para erguê-la. Minos observava, mas ao vê-lo estender a mão para a filha, avançou com passos rápidos para fora da sala.

– Então, o que ele disse? Vai me poupar e aos meus?

princesa.NemTeseu

nem seus companheiros dormiram, por que temiam pela sua sorte. Tanto os homens quanto as mulheres desdenhavam da possibilidade de sucesso, por isso criticavam ora a perversidade de Minos, ora a generosidade da filha.

– Eu estou muito agradecido, moça! – disse enterne cido ante os olhos perplexos de Ariadne.

– Tenho maneira propícia para que escape do Labirinto e das garras do Minotauro! – sussurrou-lhe aos ouvidos.

Num impulso rápido, sem se intimidar com os circuns tantes, Teseu avançou, apertou Ariadne em seus braços e em seguida beijou-lhe longa e ternamente a testa.

– Como? Diga-me agora, sim? – pediu ele. Ariadne pôs-lhe o dedo na boca. – Amanhã, amanhã lhe direi tudo, caso meu pai não isente você e os demais do suplício – acalmou-lhe a

150 Teseu e Ariadne Teseu fixou-lhe o olhar e lhe exprimia carinho e ter nura. Aquela moça mal o conhecia e enfrentava seu tirânico pai, enfrentava com palavras e presença o terrí vel Minos; não era moça qualquer, mas mulher de fibra, de convicções e de resolutas decisões, como não abraçá-la? Como não até beijá-la, porque era uma garota de caráter, empenhada em suas decisões?

– Creio que mais por você do que por nós! – acres centouTeseuEribeia.nãorespondeu, apenas olhou compreensivo para a companheira enciumada.

– Seja por Teseu ou por nós, a princesa prometeu ajuda a todos! – explicou Menestes.

– A filha do rei também nos quer confundir e afrontar! Como pode prometer que nos libertará? Quem mais pode roso que Minos, tirano cruel, capaz das piores atrocidades, para cumprir quaisquer de suas resoluções malignas? Não estou certa de que a vingança seja pela morte do filho ou apenas porque deseja fazer sofrer, matar, mostrar-se se nhor de todos! – falava Eribeia, com raiva.

– Veremos amanhã o resultado. Veremos o que somos perante o rei de Creta e se sua filha pode nos

– Ariadne não prometeu, ela pediu ao pai por nós! –comentou Teseu.

Ariadne e suas tramas 151 – O rei ainda tem presente, diante de seus olhos, o sangue do filho. Se pudesse com as suas próprias mãos nos esganava a todos, ora se não fazia isso?! – falava, com tom áspero, Nausítoo. As vítimas estavam trancadas num cubículo. Tristeza e revolta povoavam as lembranças e as palavras. A possibilidade real de enfrentarem o monstro, além da confusão labiríntica e dos famosos corredores que não permitiam a saída ou fuga dos prisioneiros deixavam a perplexidade e o mal-estar no recinto.

152

De fato, Minos comunicou aos ministros no dia seguin te, às primeiras horas da manhã, sua irrevogável decisão.

Quando Ariadne soube, soltou um grito e partiu em busca do pai, que não a recebeu. Furiosa, foi ao encontro dos prisioneiros, chorando angustiada e batendo no próprio peito. Diante da porta de ferro, diante dos sol dados de Minos, gritou: – Teseu! Teseu, venha falar comigo! – Por que insiste? Por que nos atormenta com suas

Teseu e Ariadne valer para alguma coisa…! – desdenhava Eribeia, sem olhar para Teseu. Ele, por sua vez, não discordava; considerava pru dente continuar calado. Estavam confinados num cubículo imundo e quente, sem alimentação adequada e muito aflitos. Eles podiam falar o que quisessem enquanto ele pensava numa maneira de salvar os com panheiros e a si próprio.

Teseu ouvia na escuridão os gemidos, suspiros e soluços involuntários. Cada qual queria sustentar a esperança, mas o golpe do desespero permeava sutil mente os ânimos.

Todos aqueles de Atenas deveriam ser encerrados no Labirinto e enfrentar o Minotauro. Aquele que escapas se retornaria à sua pátria!

– Soldados, abram! Deixem-no passar por aqui! –ordenou a princesa.

– Meu querido, vou salvá-lo, pode confiar! – disse

Teseu ficou surpreso com a proposta, não respon deu prontamente, e ela insistiu:

esperançosa.Exigiuque

– Ariadne, quer falar comigo? – Sim, quero; a sós, porque tenho novidades!

– Vá embora, mulher! – gritou, impaciente, Nausítoo. Então silenciaram-se. Um silêncio que parecia um mundo. A voz de Teseu se fez ouvir.

– Mentirosa! Está contente com a nossa sorte e nos quer mal! – gritou Eribeia.

– Eribeia! Vamos, Eribeia, não temos nada a perder em ouvi-la – aclamou Teseu.

Dois soldados conduziram Teseu perante Ariadne. Assim que o viu, ela o abraçou, feliz.

– Repare em meu pedido, se você se livrar do Mino tauro e do Labirinto, se isto ocorrer, você casa comigo e me leva para Atenas? – indagou a filha de Minos.

– Teseu! Teseu! Fala comigo! – pedia Ariadne.

-

Ariadne e suas tramas 153 falsas promessas? Nosso mal já nos oprime tanto, por que não nos deixa em paz?! – respondeu Eribeia.

– O que tem a falar? O que é? – quis saber Teseu.

os soldados a deixassem a sós com o prisioneiro, apesar da relutância dos homens. Eles se afastaram a um tiro de pedra, mas observavam-na.

– Toma, cuidado! Estão nos olhando! Não deixe que vejam, guarde isso consigo. Sei que é bravo e forte para matar o Minotauro, e o novelo vai fazer você entrar e sair do Labirinto! – Abraçou-o mais ainda e o beijou na Aturdido,boca.

Teseu não correspondia espontaneamen te, mas gesticulava de um jeito mecânico. Ele escondeu o novelo. Queria ser salvo.

O jovem suspirou embaraçado, dizendo: – Sim, caso e você retorna comigo!

Alegre, abraçou-o com força. Então lhe passou um novelo rapidamente.

154

Teseu e Ariadne – Casa comigo e me leva a Atenas?

Ariadne afastou-se, célere, mas olhava para trás, fe liz e com lágrimas nos olhos, emocionada.

– Desenrole o novelo a cada vez que adentrar mais e mais no Labirinto! Você entrará bem, matará com a sua força o monstro e retornará feliz na companhia de seus amigos! – falava Ariadne com voz segura, ainda abraçada a ele. Teseu, então, compreendeu a circunstância. Seus olhos abriram-se felizes, pois o novelo o salvaria do Labirinto. Só assim beijou correspondente Ariadne; o beijo era o selo do acerto de contas.

156 Teseu e Ariadne

– Que desgosto ter uma filha assim – murmurou, sem emoção.

hora determinada, os atenienses foram encaminha dos ao Labirinto e lá aprisionados. Grande multidão seguiu os soldados e as vítimas. O rei ficou à janela de seus aposentos. Não ousava sair porque Ariadne gritava a plenos pulmões nas escadarias do átrio. Gritava con tra o pai, gritava contra a tirania, em favor das pobres vítimas. Ninguém ousava fazê-la calar-se e Minos não ordenou sequer que a retirassem do local.

– Injustiça! Injustiça! Crime! Ninguém mais deve ser dado ao Minotauro! – gritava Ariadne. E quando não tinha mais forças, quando seus músculos enrijeceram, tombou sem sentidos no chão, mas os criados da cozinha, que a vigiavam, acudiram-na solícitos e a leva ram para ser tratada da crise. Minos observava da janela.

17

O LABIRINTO À

– Aonde? Ir para onde? – quis saber Menestes.

– Ariadne fez tudo que pôde, enfrentou o próprio pai, homem que não deixa por menos até os ataques de filhos! – confortou Teseu.

-

– Não sei, não sei, Teseu, porque seremos mortos pelo Minotauro devido à morte de Androgeu, um filho querido de Minos – lembrou Eribeia.

Dédalo construiu complexa edificação, lugar de muros altíssimos com voltas e ziguezagues, longuíssimos corredores e caminhos retorcidos.

– Vamos! Vamos daqui! – incentivou Teseu.

– Ariadne zombou de você e de todos nós! – gritou Nausítoo.–Calem-se!

158 Teseu e Ariadne

Calem-se, Ariadne está sofrendo por nós! – gritou Teseu.

– Ela nos enganou, mulher má, mulher enganado ra… disse que tiraria você, nós, e nada! Infeliz mulher, que morra! – falava exasperado Nausítoo.

Teseu e os outros estavam à boca do Labirinto; um lugar frio e sujo. Uma caverna de pedras afiadas, in dicando às vítimas todo o desconforto, prenúncio do terror que ali encontrariam.

Na escuridão do antro, na caverna do monstro, os companheiros de Teseu ficaram juntos, medrosos e amontoados, agarrados uns aos outros.

O Minotauro sentiu o cheiro de carne viva, de presas novas, então lançou forte rugido, alçou a cabeça para que as narinas captassem melhor de onde vinha o aro ma de comida fresca e partiu em corrida frenética, pois nada comia há três dias e três noites consecutivos.

– Quero proteger você, sim? Eribeia não respondeu, mas deixou-se ficar de mãos dadas com o outro.

– Acalmem-se! Acalmem-se, eu cuidarei dele! O Minotauro é forte, mas não é tudo! – acalmou-os Teseu. Ninguém lhe obedeceu: gemidos, suspiros e gritos eram ouvidos; vários desmaiaram em pânico, então Te seu tomou uma decisão.

– Temos que ir, então vamos, não sei pra onde – fa lava absorto. Em passos lentos, afligido pelo medo e pela escuridão, o grupo seguiu o caminho em voltas.

O labirinto 159 – Por você, talvez; por nós, não creio! – asseverou a enciumada Eribeia. Teseu não respondeu. Menestes adiantou-se ao gru po, patético, em choque.

– É ele! – gritaram todos. O coração de Teseu acelerou, os músculos do pesco ço retesaram-se, as mãos crisparam-se e forte calafrio percorreu-lhe o corpo.

Teseu buscou a mão de Eribeia e a segurou forte mente.–Por quê? O que houve?

160 Teseu e Ariadne – Fiquem aqui! Eu irei adiante e o enfrentarei! As sim evito uma desgraça maior! – Não, não permitirei, Teseu; o que é isso? Estamos juntos, ficaremos com você! – falou Menestes.

– Isso mesmo, estamos juntos! – concordou Eribeia.

Todos os olhos estavam bem abertos, os corações ba tiam descompensados, então Eribeia falou:

– Vamos nos sentar próximos uns dos outros e nos proteger bem!

Teseu desvencilhou-se com brusquidão das mãos de Eribeia e sumiu nos becos sinuosos do Labirinto.

Teseu viu-se rodeado de companheiros leais, mas acrescentou:

– Não falem mais porque vocês farão o que eu de terminar – interrompeu Teseu com voz forte, resoluto.

Os outros homens e mulheres permaneceram calados, aterrorizados com os uivos e rugidos da fera que se encaminhava a eles com fúria mortal.

– Morreremos todos e juntos! – confirmou Nausítoo.

O pequeno grupo estacou. Amparavam-se nas pedras úmidas, sentindo o cheiro de carne podre e sabendo que eram presas fáceis da fera.

Menestes abraçou-a choroso, enquanto Nausítoo fi cou na outra extremidade do grupo, atento, vigiando.

– Sei, sei que estamos juntos, mas não quero que morram comigo, posso poupá-los e vou enfrentar sozi nho o monstro! – Não!

E não falaram mais enquanto o silêncio e o terror os envolveram como um manto espesso, um manto de impotência.Teseucorria muito, e sua corrida era vertiginosa, a corrida certa de eliminação. Aquele monstro deveria ser liquidado de uma vez por todas. Como subsistia uma fera tão hedionda? Preciso matar, exterminar o mal e conseguirei isso! Estou ouvindo seu grito, sinto o cheiro de seus pelos fedorentos, mas quero tocar com as minhas mãos seus grandes dentes e suas patas!, e Teseu corria mais do que era possível correr.

O labirinto 161 – Ele conseguirá! Ele é forte! – sussurrou em voz trêmula Eribeia. – Sim, conseguirá! – confirmou Menestes.

E o Minotauro avançava aos galopes, rugindo, mas pressentindo que a presa vinha ao seu encontro tam bém às pressas. O bicho diminuiu a marcha, confuso. O que estava acontecendo? Todas as presas fugiam e tentavam se esconder, a que vinha ao seu encontro era destemida e avançava? Mas prosseguiu, raivoso, gru nhindo mais e mais. Teseu desenrolou o novelo, deixou-o correr, abai xou-se e buscou uma pedra pontiaguda e comprida e, quando percebeu que, em uma ou duas voltas do Labi rinto estaria diante do monstro, estacou e agachou-se.

Teseu e Ariadne O Minotauro continuou sua corrida frenética e pas sou por Teseu sem pressenti-lo. Quando o percebeu e voltou-se, tarde demais, o filho de Egeu acertou-lhe o olho direito, furando-o. O bicho tombou, gritando de dor, e numa investida rápida, forte, Teseu jogou-se por cima da fera e rasgou-lhe com um golpe intenso e fundo a garganta, gesto tão espontâneo quanto doloroso para o seu braço.

162

E o Minotauro nem rugiu de dor, tamanha foi a força que lhe decepou a cabeça.

Quando, na escuridão, Teseu ergueu a cabeça ensan guentada, soltou um grito tão profundo que ecoou pelos corredores, passou pelos companheiros e esbarrou nas grades de entrada do Labirinto.

– Teseu! – gritou Eribeia. – Teseu! – bradou, despertando, Ariadne. Minos arrepiou-se e Egeu sentiu o coração acelerar.

O braço de Teseu erguia ainda a cabeça, quando forte tonteira fez o filho de Posídon tombar sem sentidos sobre o corpo inerme do Minotauro.

Teseu e Ariadne

18

Ao despertar, Teseu procurou seus companheiros.

– Você é um herói em Creta e em Atenas, Teseu! –gritouMinosanimada.surgiu acompanhado de sua guarda pessoal.

– Sim, e vitorioso como sou, exijo que me apron tem um navio para que eu saia destas terras ingratas o quanto antes! O rei ficou em silêncio, observou-o e perguntou: – Não deseja uma festa de comemoração?

TESEU VITORIOSO

– Não desejo nada que me recorde as mortes dadas por este monstro naquele Labirinto! – falou e jogou a cabeça monstruosa do Minotauro, que estava escondi

Mostrou-lhes a cabeça do bicho, troféu de sua for ça, e encaminharam-se à saída do Labirinto, seguindo em frente e invadindo o palácio de Minos. Ariadne correu-lhes ao encontro, feliz.

– Você venceu, Teseu, enfim! – disse o rei.

166

– Por que ela vem conosco? – queria saber.

– Porque nos salvou e nos quis vivos – respondeu Teseu.

Ariadne embarcou também, não obstante a repulsa dos companheiros de Teseu, principalmente Eribeia.

Teseu e Ariadne da e envolvida em um saco. A cabeça escapou e foi bater aos pés do rei. Este recuou dois passos e, enjoado com o que viu, respondeu: – Saia o quanto antes daqui e leve-a consigo! – apon tou Ariadne e retirou-se.

No porto, Teseu e os companheiros inutilizaram as embarcações cretenses, temerosos de perseguição. Estavam felizes, pois retornariam vivos e sãos e salvos a Atenas.

– O novelo não foi tão importante, o braço fez mais que a ideia da retirada do Labirinto! Você matou o monstro, encontrar a saída do Labirinto era tarefa me nor! – falou Menestes. Teseu aborreceu-se e se afastou. Foi ao encontro de Ariadne, distante, do outro lado do convés, solitária.

A embarcação saiu do porto sob a vigilância dos sol dados de Minos. Não houve retaliação do rei por conta dos estragos cometidos por Teseu e seus companheiros. O rei entendeu que seria melhor deixá-los ir do que retê-los; a morte do Minotauro trouxe desagradáveis lembranças ao tirano de Creta.

– Quero visitar a ilha. Vamos? – voltou-se a Teseu, empolgada.–Sim,vamos sim! – animou-se ele. E a ilha foi se aproximando, o navio avançando e as terras, que antes pareciam mínimas, foram se avoluman do, quantificando-se, até que um tripulante gritou forte: – Naxos à vista! E o casal se estreitou mais e mais…

A moça voltou-se, o belo rosto e os olhos penetran tes cativaram Teseu. A meiguice da princesa seduziu-o ternamente.–Teseu, bem sei que muitos não gostam de mim; Eribeia mesmo me detesta, mas você me agrada, gostei muito de você, por isso peço que me leve também a Atenas – falou, mansa. O homem enlaçou-a pela cintura, conduziu-a à amu rada, voltou-a ao mar e permaneceram quietos, olhando a imensidão do mar, longe dos perigos…

À frente, na ilha de Naxos, o navio faria escala e poderiam descansar em terra firme.

– Bonita ilha, que local magnífico! – murmurou Ariadne.–Aágua aqui é verde, verde, muito límpida! Lugar dos deuses, Ariadne – falou, encantado, Teseu.

Teseu vitorioso 167 – Posso me aproximar? – Claro que sim, por que não? – Você está bem? É isso mesmo que quer, Ariadne?

Teseu e Ariadne

DESTINO E FATALIDADE

Remorso? Arrependimento ou arrogância exasperada? O que quer que fosse, deixou-o retraído por dias, e, confinado, não respondia aos companheiros.

– Porque tirou a princesa de Creta, fez com que ela acreditasse em você e a abandonou numa ilha! Teseu não acreditava no que ouvia.

A riadne foi abandonada na ilha de Naxos. Teseu não saiu do quarto por três dias e recusava-se a falar com quem quer que se aproximasse do recinto na embarcação.

19

– Por que sou covarde?

Eribeia, preocupada, foi-lhe ao encontro.

– Como? Você é contraditória! Antes eu não podia levá-la, agora sou covarde?

– Sim, covarde, porque não concordo com o que fez desde o início. Você é um herói pela metade: sedu-

– Covarde! Você é um covarde! – disse.

– Vejo velas negras, Ceres, velas de defunto! – gritava em desespero. – Acalme-se, senhor! Senhor, não é nada demais, na da mesmo! – confortava Ceres e fazia sinais aos soldados. Egeu entrava mais e mais na água; tropeçando, caindo, levantando-se.

170 Teseu e Ariadne ziu, deixou-se seduzir e em seguida abandonou. Minha admiração por você diminuiu, você mata monstros, malfeitores, mas não suporta o amor. Basta! Como pôde deixar a moça numa ilha? – falou Eribeia e retirou-se. Lágrimas desciam pelo rosto de Teseu. Ele não sabia o que falar e seus pensamentos estavam confusos. O que fazer? Acabrunhado, trancou-se no recinto e chorou com amargor.

Ceres corria atrás, preocupado com o súbito desespero do rei.

Subitamente estacou e gritou ao fiel Ceres. – O que vejo, Ceres? – Como, senhor? O quê? – quis saber o outro.

A tristeza acomodou-se na embarcação e Teseu não suspeitava a nova tragédia que o afetaria profundamente.Aproximando-se o navio de Atenas, Egeu foi avisado de que a frota retornava ao porto. O rei correu ao local para receber pessoalmente o filho, por isso desceu à praia e atento observava, e a ansiedade era tamanha que avançava pelas ondas, na expectativa de ver o filho.

– Meu pai… meu pai querido! Que meu pai não te nha avistado as velas negras! – falava e chorava o filho, recostado na amurada, tendo Atenas à sua frente.

Ceres compreendeu então o desatino do rei, mas an tes que o segurasse, Egeu lançou-se nas águas, sendo imediatamente engolido, submergido ante os olhos do fiel companheiro, que mergulhou, procurou e não mais encontrou o rei de Atenas.

Tarde demais, Egeu não mais reinava; estava submerso, mergulhado no reino de Posídon.

Ao atracar no porto de Atenas, Ceres contou-lhe a tragédia. Teseu cambaleou ante a notícia. Seu regresso não foi de vitória e alegria.

Teseu nutria o remorso pelo abandono e pela fa talidade brusca de Egeu em se suicidar, afogando-se no mar.

Destino e fatalidade 171 – Velas negras, eu pedi, pedi a Teseu que se fosse vitorioso, velas brancas; na derrota, velas negras! Meu filho, então, está morto! – gritava.

-

Num pressentimento súbito, Teseu olhou as velas negras e viu ao longe a Acrópole, por isso, num grito rouco e estupendo, gritou: – Abaixem as velas! Abaixem! Que meu pai não as veja! – gritava feito louco.

172 Teseu e Ariadne E enquanto caminhava à frente, sozinho, Menestes, Nausítoo e Eribeia seguiam-no. Mais atrás, Ceres, os soldados e uma grande multidão de curiosos estavam no átrio do palácio. Teseu se tornaria rei da Ática. Ainda que um rei poderoso, era triste e solitário.

SOBRE TESEU E ARIADNE

O AUTOR E SUAS MOTIVAÇÕES PARA ESCREVER A OBRA

AVENTURA, ABANDONO E TERROR E sta seção tem por finalidade contextualizar o autor, a obra e seu gênero literário. Para isso, apresen taremos a biografia do autor e suas motivações para escrever a obra, seguidas de breve contextualização da lenda retratada neste livro. Em seguida, abordaremos o gênero literário deste livro, bem como as características que o definem, exemplificando-as para melhor compreensão e aprofundamento.

175

Carlos Alberto de Carvalho é mestre e doutor em Letras com ênfase em Literatura Brasileira pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), tí tulos conquistados em 1996 e 2005, respectivamente.

Antes disso, graduou-se em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) com habilitação em

A mitologia grega sempre foi um tema muito caro ao autor, que já romanceou outras lendas dessa civilização em diversos outros livros: Os amores de Perseu – Dâ nae e Andrômeda; Eros e Psique – a alma apaixonada; Helena de Troia – o destino de um povo; Perséfone –amor e abismo e Apolo e Ártemis: sol, força e sedução – este último selecionado pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ) para o catálogo da Fei ra de Bolonha de 2010. É notável como o autor consegue abarcar cada epi sódio dos mitos que se propõe a narrar, adentrando

176 Teseu e Ariadne português e italiano (1991). Atualmente é professor titu lar da Universidade Estácio de Sá, professor vigente de Literatura Brasileira no Colégio Santa Maria e professor da rede estadual de ensino.

Suas experiências literárias tangem à mitologia, às fábulas e à ficção histórica, e que o autor expressa tanto em formato de romances como de novelas, abordando temas das culturas grega, africana e brasileira. Em 2001, lançou seu primeiro livro, Heróis de ideal e coragem, e desde então já soma mais de quinze obras publicadas, dentre as quais Histórias de ouvir da África fabulosa, Filosofia para crianças: Sócrates e Platão e Chica, Sinhá!.

177 seus significados ao mesmo tempo recônditos e uni versais, o que denota uma pesquisa minuciosa acerca da narrativa mítica.

CONTEXTUALIZAÇÃO

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Na Grécia antiga, era comum a criação de lendas e mi tos para explicar alguns fatos, como os fenômenos naturais e a origem da vida, entre outros. À reunião desse conjunto de lendas damos o nome de mitologia grega. Sendo a civi lização grega fundamentada em uma religião politeísta, ou seja, que cultiva diversos deuses, a mitologia grega é repleta de figuras mitológicas e divinas, dentre elas ninfas, sereias, centauros, deuses e semideuses, ou seja, filhos de deuses com humanos. Esses semideuses eram também chamados de heróis e, entre eles, Teseu é um dos destaques. Diz a lenda que Teseu tinha dupla paternidade: era filho de Egeu, rei de Atenas, e de Posídon, deus dos mares. Isso porque sua mãe, Etra, deitou-se com Egeu no mundo terreno e com Posídon em sonho na mesma noite. Sabendo do desejo de Egeu por um filho, Etra manteve segredo e cuidou da criança enquanto Egeu voltou para Atenas, com a promessa de que o filho o pro curaria quando estivesse forte o suficiente. Sobre Teseu e Ariadne

DA LENDA ABORDADA NA OBRA

178 Teseu e Ariadne Quando pai e filho se reencontraram, a relação en tre eles foi de carinho e cumplicidade, mas também de muito ciúme por parte de Egeu. Foi esse sentimento que o levou a ordenar um ato que teria consequência para sua própria vida e para a de Teseu: o assassinato de Androgeu, filho de Minos. Para compensar esse crime, Atenas teve de obedecer Minos e entregar, anual mente, sete rapazes e sete moças para alimentar o Minotauro. Em uma dessas ocasiões, Teseu se ofe receu para ir, com a intenção de matar o Minotauro em seu Labirinto. Na ocasião, o herói recebeu a ajuda de Ariadne, filha de Minos, que não concordava com o sacrifício proposto pelo pai. A moça se apaixonou por Teseu e lhe ofereceu ajuda: deu-lhe um novelo de lã para que ele conseguisse sair do Labirinto após matar o monstro. Como contrapartida, ela pediu para ser levada junto a ele a Atenas, mas Teseu abandonou Ariadne em uma ilha a caminho de casa. Ao chegar a Atenas, Egeu viu as velas pretas do navio de Teseu e acreditou que seu filho estava morto. Desesperado, ele se jogou no mar e morreu afogado, perpetuando assim a tragédia iniciada por ele próprio. Por isso o mar leva seu nome, o mar Egeu.

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DISCUSSÃO SOBRE LITERATURA: LINGUAGEM E GÊNERO Uma das manifestações artísticas do ser humano, a li teratura é chamada de arte das palavras, pois representa comunicação, linguagem e criatividade em prosa e verso.

Por intermédio da literatura, a realidade é recriada de modo artístico com o objetivo de proporcionar maior ex pressividade, subjetividade e sentimentos ao texto. “O texto repercute em nós na medida em que reve le emoções profundas, coincidentes com as que em nós se abriguem como seres sociais”, conceitua Domício Proença Filho, em seu livro A linguagem literária .1 Mas nem todo texto possui linguagem literária. Uma reportagem, por exemplo, pode contar uma história que provoca reações e reflexões no público. Ela usa, porém, linguagem jornalística e seu conteúdo se limita aos fatos apurados pelo repórter. Ou seja, a função do texto é informativa e não literária.

Sobre Teseu e Ariadne

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“O que faz de um texto literatura é o tratamento que a ele se dá”, explicam Cinara Ferreira Pavani e Maria Luíza Bonorino Machado em seu livro Criatividade, atividades de criação literária.2 “Uma mesma frase

1 PROENÇA FILHO, D. A linguagem literária. São Paulo: Ática, 2007. p. 7-8. 2 Porto Alegre: UFRGS Editora, 2003.

Assim, justifica-se a classificação de Teseu e Ariad ne – aventura, abandono e terror como obra literária, já que recria uma lenda, com lirismo e subjetividade, como é possível notar na página 51: – Minha filha é um tesouro, Egeu! Veja como desliza pelo pavimento… Não parece ter pés, mas asas. Olha como dança e como parece mais um cisne que mulher; não é bela a minha filha, Egeu? – dizia Piteu, frenético e Comoempolgadíssimo.existemvários

No livro Monstros e heróis,3 utilizou-se o gênero história em quadrinhos para recriar diversas lendas 3 SRBEK, W.; WILL. Monstros e heróis. Belo Horizonte: Nemo, 2012. Série Mitos recriados em quadrinhos.

180 Teseu e Ariadne pode expressar o que suas palavras indicam, literal mente, ou ir além, sugerindo significados que exigem um ato interpretativo por parte do leitor.”

tipos de produções literárias, os especialistas decidiram agrupá-las de acordo com suas características em comum. São os chamados gêneros li terários. Entre eles estão biografia, autobiografia, poema, romance, novela, história em quadrinhos, entre outros. Ou seja, um fato pode ser contado de formas diferentes, dependendo do gênero que se utiliza para contá-lo.

181 da mitologia grega, entre elas a de Teseu e o Minotau ro. O livro conta ainda outras batalhas entre heróis e monstros mitológicos, como o embate entre Hércules e a temida Hidra de Lerna, Perseu e Medusa, Ulisses e Ciclope, entre outras histórias famosas.

O livro Teseu e Ariadne – aventura, abandono e ter ror optou pelo gênero romance para contar a história do casal Teseu e Ariadne, um clássico da mitologia grega. Forma literária escrita em prosa, o romance se po pularizou na literatura ocidental no século XIX. Sua característica principal é ser uma narrativa longa, divi dida em capítulos, com vários conflitos e uma complexa rede de personagens. Isso o difere da novela, outro gênero literário com que é frequentemente confundi do por ter características em comum. Na novela, o que predomina é o evento principal, a história a ser conta da em meio a poucos conflitos e personagens. Ou seja, uma novela seria comparável a um filme enquanto um romance seria como uma série, com muitos episódios, em que é possível desenvolver amplamente tramas e subtramas e focalizar diferentes personagens que, em suas vivências, mostram um mundo complexo e repleto de diferentes interpretações.

Sobre Teseu e Ariadne

Teseu e Ariadne Em Teseu e Ariadne – aventura, abandono e terror, a narrativa ficcional se desdobra em um determinado espaço-tempo, o que possibilita aos leitores que imaginem parte da história de um lugar e de um período, além de envolvê-los com a narrativa de sentimentos e particularidades que não caberiam em um livro de His tória comum. Os romances desse tipo conquistam seus leitores exatamente por essa possibilidade de imaginar uma lenda cheia de encanto. Ao dar carne e sangue a personalidades mitológicas, o romance permite conhecer o dia a dia e os sentimentos dos personagens, que adquirem materialidade e se tornam, aos olhos dos leitores, gente como a gente. a seguir alguns exemplos que justifi cam a classificação do livro no citado gênero literário. Ao longo da obra, notamos a existência de diversos conflitos. Entre eles, temos: Egeu tentando resolver seu problema por não ter um filho homem, contando com a ajuda do amigo e general Ceres, como mostra o trecho da página 21: Enquanto os outros homens se distraíam com jogos e músicas, Egeu acercou-se de Ceres.

Mostraremos

182

– Que é isso, senhor, não fique assim, o divino Apolo aten derá seus rogos, claro que sim! – acalmava-o o fiel servo.

– E ele sabe desse seu desejo? – quis saber Ceres. Medeia olhou-o com frieza.

– Não sei mais quem é Jasão, ele só tem olhos para Glauce, a princesa, filha de Creonte. A criação de Teseu longe do pai, sob os cuidados da mãe e do avô: A vida era confortável no palácio de Piteu, mãe e avô prodigalizavam ao jovem tudo que desejava. Ele, Teseu, sentia-se constantemente tomado pela alegria divina, Sobre Teseu e Ariadne

– Será que obterei do divino boas respostas?

183

– Meu senhor, o deus Apolo é benigno!

O relacionamento de Medeia e Jasão, conturbado pelo interesse do marido em outra mulher, mostrado no trecho da página 33: – Fui desprezada pelo homem que amei, por isso quero ir embora – confessou.

– Quero um filho homem, Ceres, logo estarei velho, frouxo, não conseguirei mais, não é mesmo?

Teseu e Ariadne então organizou uma viagem a Delfos com seus compa nheiros prediletos. As aventuras de Teseu para finalmente conhecer seu pai: – Agora, filho, você possui a independência, pode pro curar seu pai, ir ao reino que também é seu, percebe?

184

– Tenho força suficiente e devo amadurecer minha von tade para reconquistar minha terra, a terra de meu pai, dos monstros que a infestam e incomodam – disse con victo, já um homem dono de si.

A amizade entre Teseu e Androgeu: Teseu ria, nada toldava-lhe o espírito, porque era um bom amigo e amava Androgeu. Outros olhos também não se agradavam de Androgeu, aquela intensa e recíproca amizade enciumava a muitos.

– Gosta mais do cretense do que dos atenienses! – co mentavam, movidos pela inveja e pelo ódio. Contudo, Teseu a todos ignorava e mais e mais se devo tava ao amigo e aos exercícios atléticos.

Ao longo da história, o autor nos apresenta não só as características mas também os pensamentos dos personagens, evidenciando assim um elemento cita do importante do gênero: a narrativa de sentimentos e particularidades que não caberiam em um livro de História comum.

Por exemplo, nas páginas 67 e 68, o autor descreve o herói: Sobre Teseu e Ariadne

Todos esses conflitos vão se desenvolvendo e se en tremeando, abordando assim uma complexa rede de personagens – uma das principais características do gênero romance. Entre os personagens estão, além do casal Teseu e Ariadne, Egeu, Ceres, Etra, Medeia, Jasão, Glau ce, Androgeu, Minos, Piteu, Eribeia, entre outros.

185

E o relacionamento de Ariadne e seu pai: – Não posso dormir bem todas as vezes que sei quantos estão sendo encerrados no Labirinto, junto ao Minotau ro. Meu pai sabe que não concordo com essa matança, essa oferenda injusta, criminosa… – falou Ariadne, e, enquanto falava, sua voz se embargou, seus olhos se marejaram e ela voltou-se a Teseu.

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186 Teseu e Ariadne

Os olhos puxados de um verde intenso e puro jaspea vam escandalosamente ante os seus observadores. O rosto indômito tranquilizava quem o contemplava, e ele, cheio de si, numa alegria transbordante, gritava, todo sorrisos: – Vamos! Vamos! Joguem o dardo! Joguem! A[…]companhia de Teseu era disputadíssima, ele era leal e sincero em palavras e por isso todos o queriam por perto, rapazes e moças. E na página 140, um de seus pensamentos corrobora e complementa essa descrição: Diante do clamor que se ouvia na praia, dos gritos dos pais, irmãos e parentes, Teseu, o herói da Ática, estava de pé, cabeça erguida, olhar voltado ao horizonte, impassível enquanto pensava: O que irei fazer? Terei que proteger meus amigos! O monstro, o Minotauro, não machucará nenhum destes! Todos estão sob minha proteção! Os pensamentos dos personagens, mesmo os coadju vantes, aparecem também em diversas partes da obra, pintando assim um quadro mais profundo de cada um

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A trama incentiva o leitor a se colocar no lugar do ou tro, a conhecer seu ponto de vista e suas motivações. Ao trazer ao leitor novos contextos, mundos e realidades por intermédio da leitura, a obra literária proporciona a compreensão das narrativas produzidas ao longo da História a fim de entender e ressignificar o presente, além de estimular a projeção do futuro. Ela incentiva ainda a imaginação, a criatividade, auxilia na amplia ção de vocabulário e na construção de conhecimentos de múltiplas áreas do saber.

187 deles. Como exemplo, o pensamento de Medeia na página 38 confirma a ideia de uma mulher má e vingativa: Com a cabeça esticada para fora, Medeia alongava os olhos. Estava atenta feito uma cobra e com os nervos em expectativa como uma águia. Não deixarei por ba gatela a afronta e humilhação que suporto. Não me esquecerão jamais depois da noite de hoje! , pensava. Portanto, ao imaginar como se deu a lenda de Teseu e Ariadne, Carlos Alberto de Carvalho criou um romance que exalta a força de figuras mitológicas, dispostas a sacrifícios que revelam o lado humano de cada um para a conquista de um bem maior.

Sobre Teseu e Ariadne

188 Teseu e Ariadne Há que se notar também a presença de questões atemporais nas entrelinhas da obra, como amor, ami zade, ciúme, traição e vingança, aspectos que fornecem elementos para uma reflexão mais do que necessária sobre a atualidade. Afinal, como defendeu o antropólogo e filósofo Edgar Morin, a literatura nos oferece antenas para entrar no mundo.

Existem muitas narrativas célebres em meio à mitologia grega, e certamente a história de Teseu e Ariadne é uma delas. Nesta adaptação épica de Carlos Alberto de Carvalho, o herdeiro do trono de Atenas, Teseu, é um rapaz carismático e querido por seu povo – um verdadeiro herói. Inconformado com os sacrifícios humanos impostos por exigência de Minos, rei de Creta, em vingança pela morte do filho, o herói Teseu se resolve a encerrar esse massacre. Sua determinação, no entanto, é posta à prova pela difícil missão de eliminar o Minotauro, um monstro horrendo com corpo de homem e cabeça de touro, que se alimenta exclusivamente de carne humana, a quem os sacrifícios são oferecidos. Não bastasse essa provação, o Minotauro ainda mora em um labirinto, intrincado e perverso, do qual ninguém é capaz de sair. Mas é na bela e doce Ariadne, filha do rei Minos, que reside sua salvação: ela lhe proporciona uma ideia genial que o ajudará a cumprir seu objetivo.

9 788554 178178 ISBN 978-85-54178-17-8

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