Monumento e Acidente | TFG FAUUSP 2021

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85. Larkin, B. (2013), p. 333

descreve muito precisamente uma relação na qual as infraestruturas nos “formam enquanto sujeitos (...) através da mobilização de afetos e sentimentos de desejo, orgulho e frustração, sentimentos que podem ser bastante políticos”85. Anand et. al também descrevem a promessa das infraestruturas em termos similares:

86. Anand, N. et. al., (2018), pp. 20-1

s infraestruturas são lugares críticos através dos quais a política A se traduz de uma racionalidade para uma prática (...). Elas são um terreno material e aspiracional de negociação para as promessas e éticas da autoridade política, e para a construção e desconstrução de sujeitos políticos. Porque as infraestruturas distribuem recursos vitais que as pessoas necessitam para viver – energia, água, informação, alimento – elas frequentemente se tornam lugares de negociações ativas entre agências de estado e as populações que elas desigualmente governam86

87. Larkin, B. (2018), p. 182 88. Ibid., loc. cit.

Obras de retificação do Rio Tietê, em São Paulo. 1938

Still do filme "Bye-Bye Brasil" (1979), de Cacá Diegues. A cena mostra a companhia de circo Caravana Rolidei percorrendo a Rodovia Transamazônica, atraídos por rumores e promessas de glória da região amazônica

Lembremos, por exemplo, daquilo que implicam os “atos de fala”, dentre os quais a promessa pode ser isolada como um tipo interessante. Uma promessa, como todo ato de fala, é mais do que um fato comunicacional: é uma ordem de produção. A promessa é uma espécie de “monumento” no sentido tradicional; ela envolve o emissor da promessa, a promessa em si e o receptor da promessa numa relação contratual – uma “negociação” – da qual emerge um certo estado de coisas, sujeitos, histórias e expectativas. A promessa, como o monumento, é também um artifício de temporalização: primeiro porque ela tem algo de um marco histórico co-memorativo (“lembre-se do que você me prometeu...”), mas também porque ela representa e conserva suspenso um certo tempo futuro; a promessa produz uma antecipação, um desejo, uma expectativa que tem o poder de motivar e transformar os sujeitos aos quais ela é endereçada. Dizer que infraestruturas são promessas, nesse sentido, significa que elas se inserem sempre em um determinado arranjo afetivo e disciplinar entre sistemas técnicos e as populações que interagem com eles. Uma promessa infraestrutural pode surgir para apaziguar ou prorrogar conflitos urbanos, arrecadar capital político, construir identidades coletivas, e até mesmo para criar desejos antes inexistentes (o “marketing urbano”). No caso relatado por Larkin sobre a infraestrutura de rádio na Nigéria colonial, a promessa era a de expor uma população vista como “retrógrada” a “modos alternativos de vida que teriam o efeito cognitivo de libertá-los de seus tradicionais mundos-da-vida [lifeworlds]”87. A infraestrutura, enquanto promessa, “era uma máquina que operava sobre a cognição das pessoas, forjando novos sujeitos sociais”88. Da promessa infraestrutural emergem o que podemos chamar de sujeitos infraestruturais: os produtos de uma 161


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