Monumento e Acidente | TFG FAUUSP 2021

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118. Ibid., loc. cit.

119. Rem Koolhaas, Nova York Delirante (São Paulo: Cosac Naify, 2008), p. 107

120. Ibid., p. 109

extremamente improvável que elas funcionem de acordo com os planos de qualquer um em particular118

Mas embora produza novas emergências culturais e formas urbanas a cada dia, essa propriedade “acidental” dos sistemas infraestruturais não é um fenômeno novo, e os desafios que ela impõe para arquitetos e planejadores estão há bastante tempo anunciados. Se, até agora, identificamos a “fragmentação” como um modo de se olhar para o espaço infraestrutural como um acidente logístico-administrativo altamente consequencial para o espaço urbano e para o trabalho dos planejadores, resta ainda pensar o “acidente” em função das próprias tendências técnicas destes sistemas. Podemos nos questionar, então: de que modo a performance das infraestruturas, seu funcionamento real e frequentemente imprevisível, dá forma às cidades? E qual é a arquitetura, quais são os monumentos que emergem destes acidentes intrínsecos ao funcionamento das infraestruturais? Rem Koolhaas, em Nova York Delirante (1978), observou que a paisagem da metrópole novaiorquina resulta, em boa parte, de alguns dos mais consequenciais “acidentes” da tecnologia infraestrutural na modernidade. A invenção do elevador de passageiros em 1852 (ocorrida na própria cidade), conjugada ao posterior surgimento da estrutura de aço, faria de Nova York o laboratório para o surgimento de uma série de novas configurações urbanas, arquitetônicas e sociais impensáveis por qualquer modelo cultural preexistente. A consequência imediata do elevador, implicada em sua própria tendência técnica (a conquista do deslocamento vertical irrestrito), era a de que “qualquer área poderia ser multiplicada ao infinito para criar a proliferação do espaço em andares que chamamos de arranha-céu”119. Mas a acidentalidade do arranha-céu, enquanto tipologia arquitetônica, não se resumia apenas ao fato de ter sido, ao invés de planejada por arquitetos, induzida pela tendência técnica interna ao mecanismo do elevador. Na verdade, o arranha-céu era, ele mesmo, um proliferador de novos acidentes. É que a própria tendência técnica do arranha-céu (em sua capacidade de replicar uma área urbana genérica, sem destinação particular) fazia dele, por natureza, um dispositivo de indeterminação: m termos de urbanismo, essa indeterminação significa que um E terreno deixa de corresponder a uma finalidade predeterminada. Daqui em diante, cada lote metropolitano acomoda (...) uma combinação instável e imprevisível de atividades simultâneas, o que faz com que a arquitetura já não seja tanto um ato de antevisão e que o planejamento seja um ato de previsão bastante limitada. Tornou-se impossível ‘demarcar’ a cultura120

À maneira do objeto técnico de Simondon, a tipologia do arranha-céu surgia de um processo quase autônomo de “concretização”: um acúmulo cada vez maior de funções (elevador: deslocamento vertical irrestrito; estrutura metálica: planta livre, etc.) integradas em um 181


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