Monumento e Acidente | TFG FAUUSP 2021

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H.M. Drucker, “Marx’s Concept of Ideology” in: Philosophy, no. 180 (Cambridge: Cambridge University Press, abril 1974), p. 154

além do caráter arbitrário e impositivo da linguagem, a sua natureza invariável. Como sabemos, a mais importante condição de existência de um contrato não é necessariamente a agradabilidade entre as partes envolvidas (pois um contrato pode nos ser feito assinar sem que conheçamos ou concordemos com seus termos), mas a imutabilidade: caso qualquer um de seus termos seja modificado, o contrato se invalida completamente. Um contrato, ou uma “convenção” (termo que Saussure utiliza com mais frequência), sugere uma determinação prévia, única no tempo e no espaço: para além de um acordo determinante, ele é um evento necessariamente passado. Tudo o que o contrato convenciona deverá se desenrolar num depois do qual ele é sempre o antes, e com o qual ele, separado que é no tempo, nunca se comunica. Seria possível, no entanto, conceber uma linguagem, uma ideologia ou um sistema de signos sequer que permaneça, tal como o contrato, completamente inviolável ao longo da história? Se podemos concordar que não, então talvez imagens como a do “contrato social” ou da “convenção arbitrária” falhem em descrever corretamente o domínio do ideológico (ou, como para Bakhtin, o domínio mesmo dos signos). É que o signo ideológico, diferentemente do que quis Saussure, não se origina em convenção a priori alguma: se há nesse sentido algo que podemos chamar de “convenção”, falamos na verdade não de um antes inatingível, mas de um evento contínuo e heterogêneo que não se desenrola a partir, mas na história. O signo não nos é “dado”: ele se configura no contexto social e histórico ao qual é continuamente exposto. Foi precisamente essa ideia que permitiu a Bakhtin, em sua crítica da teoria saussuriana, expandir o escopo da teoria semiótica:

17. Bakhtin, M. (2006), p. 43

odo signo, como sabemos, resulta de um consenso entre indiT víduos socialmente organizados no decorrer de um processo de interação. Razão pela qual as formas do signo são condicionadas tanto pela organização social de tais indivíduos como pelas condições em que a interação acontece. (...) Só esta abordagem pode dar uma expressão concreta ao problema da mútua influência do signo e do ser; é apenas sob esta condição que o processo de determinação causal do signo pelo ser aparece como uma verdadeira passagem do ser ao signo, como um processo de refração realmente dialético do ser no signo17

O signo não responde a uma estrutura soberana e transcendental (o “contrato” da ideologia), mas a um sistema normativo cuja única condição de manutenção é a de que se permita modificar e ceder. A linguagem e a ideologia não são conjuntos demarcados ou demarcáveis: são estados de eterno conflito e transformação. São campos de batalha: implicam uma multitude de adversários, acidentes, baixas, concessões, reavaliações, etc. “Consequentemente, em todo signo 27


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