Monumento e Acidente | TFG FAUUSP 2021

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40. Aureli, P. V.; Tattara, M. (2009), p. 39. T.M

41. Ibid., p. 41

← P. V. Aureli e Martino Tattara (DOGMA), "A Grammar for the City", 2005

na verdade sintomas de uma completa resignação com os processos de desregulamentação e com a total ausência de planejamento da cidade neoliberal. O incontrolável espraiamento urbano, a reprodução da cidade informal e os novos modos de exploração do trabalho na economia do consumo e dos serviços – ou seja, a própria forma da cidade contemporânea – seriam assimilados não como objetos de intervenção e projeto, mas como reflexos naturais de processos urbanos automáticos e autogenerativos. Em oposição a essa espécie de “naturalismo” neoliberal endossado por uma arquitetura indulgente e apologética, Aureli e Tattara recuperam a ideia da forma, entendida “não apenas como algo arbitrariamente imposto ou como sintoma de algo mais ‘profundo’ (superestrutura), mas mais como uma tentativa de intervenção que tem a possibilidade (e a responsabilidade) de alterar a estrutura das coisas”40. Num projeto intitulado A Grammar for the City, proposto por ocasião de um concurso público organizado pelo governo da Coréia do Sul, em 2005, para construção de uma nova cidade administrativa, Aureli e Tattara situam a possibilidade de autonomia da forma arquitetônica no que eles acreditam ser, dentre todos os campos de atuação da arquitetura, o seu mais relevante espaço de aplicação: o projeto da cidade. Podemos dizer, em referência ao nosso exemplo anterior, que o projeto de Aureli/Tattara é concebido, literalmente, como um sistema de paredes: um plano para a cidade que representa não tanto um conjunto de objetos, mas um sistema de clausuras, normas e limites. Em outras palavras, a forma da cidade é entendida menos como uma somatória de edifícios e mais como um conjunto gramatical que “define os princípios de composição [da cidade] mais do que seu desenho”41. Para isso, o esquema do grid quadrangular, onde as linhas representam normalmente o “vazio” da cidade (ruas e avenidas) e cujos “quadrados” compreendem a massa edificada (as quadras), é propositalmente invertido. Agora, o espaço tradicionalmente ocupado pelo sistema viário – a parte “imaterial” e reguladora da cidade – se torna a própria forma da cidade: um sistema de edifícios cruciformes, a formar uma enorme e indiferenciada malha construída, abrigando os programas habitacional e administrativo. Inversamente, o espaço tradicionalmente reservado às quadras edificadas se torna o conjunto vazio (os “quartos” da cidade), sem função definida, e aberto a uma espécie de indeterminação programática controlada. Aqui, a ideia de uma “gramática da cidade” adquire um significado importante. O que se tem por “gramática”, quando falamos de sistemas linguísticos, se refere mais precisamente ao conjunto geral de normas, classes e relações que regem o funcionamento de uma língua e que determinam, como numa espécie de legislação morfossintática, o emprego de suas formas (como a fala e o texto). O mesmo poderia ser dito, por analogia, da cidade: haveria um sistema imaterial e norma39


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