Monumento e Acidente | TFG FAUUSP 2021

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com imagens e palavras, com revistas impressas e fotografias, etc. O projeto de Corbusier era, por excelência, um projeto discursivo e multissemiótico. O recurso ao “significado” na arquitetura já não pode, aqui, ser interpretado como uma mera concessão ao ornamento e ao simbolismo arbitrário. Por mais que o edifício moderno “em si” não fizesse uso de qualquer artifício representacional que pudesse comunicar algo que não fosse a sua presença concreta e imediata, ele próprio se transformava em signo, em algo infinitamente iterável e destinado à reprodução. A força política de um edifício canônico como a Villa Savoye, de Corbusier, não provinha da matéria que ela reconfigurava, da geografia em que ela se firmava, e muito menos da extensão do espaço social que ela reordenava (afinal, foi concebida como uma simples residência unifamiliar). A Villa Savoye não era, e nem pretendia, ser um edifício: ela estava muito mais próxima de uma forma literária ou um discurso publicitário – donde ela devia ser apreendida, necessariamente, como o complemento iconográfico dos célebres “cinco pontos” do manifesto corbusiano – do que de uma simples construção. A construção em si, ou sua finalidade prática (o uso doméstico) não passavam de álibis, pré-textos para um projeto discursivo muito mais amplo. A efetividade do empreendimento moderno não era mensurada apenas em relação à quantidade de edifícios que ele concebia, mas à capacidade iterativa e reprodutiva de seu material discursivo numa economia pública – ou publicitária – de símbolos. “Não há arquitetura sem construção”, diz um célebre aforismo moderno. Mas o que dizer, por exemplo, dos edifícios nunca construídos, dos projetos hipotéticos, das numerosas utopias, ou então de toda a multitude de palavras e conceitos que a arquitetura incessantemente produz e reproduz ? Não seriam eles, também, dignos da alcunha “arte da construção”? O que dizer, então, de toda a arquitetura falada que surge antes, ou mesmo independentemente da edificação “propriamente dita”? Brasília, como veremos adiante, era uma coisa falada muito antes de ser construída, muito antes de ser uma coisa arquitetônica “concreta” e visível. O Templo de Salomão, conforme descrito no Antigo Testamento, pode nunca ter existido – e não obstante ele existe até hoje, concretamente, enquanto arquitetura falada, nos mais diversos registros ideológicos e representacionais. Isso não o torna um objeto menos arquitetônico, e nem nos impede de dizer que ele é literalmente habitado (que estabelece vínculos materiais, geográficos, afetivos e 58

→ Bernard Tschumi, "Advertisements for Architecture", 1976. Copiado de Colomina, B. (1988)


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