Monumento e Acidente | TFG FAUUSP 2021

Page 97

36. Embora De re aedificatoria (circa 1450), de Alberti, o primeiro tratado de arquitetura escrito na Renascença, tivesse sido concebido originalmente para o formato do manuscrito, sem nenhuma ilustração, e seu autor estivesse apenas parcialmente ciente das implicações da mídia impressa, Carpo aponta que a obra antecipava em muitos aspectos o teor sistemático e operativo das gerações subsequentes de tratados classicistas. “(...) De re aedificatoria não prefigurava uma antologia ilustrada de antiguidades arquitetônicas; essa seria uma invenção moderna que só se concretizaria duas gerações após Alberti e que seria completamente alheia ao seu projeto. Entretanto, Alberti de fato abriu o caminho para a padronização dos sistemas das ordens do século XVI. Permitindo o uso repetido, embora limitado, de componentes arquitetônicos descontextualizados, Alberti separou as ordens de qualquer associação com tipos particulares de edifícios – um passo que Vitrúvio nunca deu”. Carpo, M. (2001), p. 120. T.M.

clássico. Não teria sido possível, no entanto, falar em uma historiografia ou em qualquer outra disciplinação dessas formas (no sentido da elaboração de um sistema compartilhado, prescritivo e replicável de conhecimento), antes que elas pudessem se deslocar para o espaço do registro impresso; e que pudessem, enquanto fatos históricos, disseminar uma ideologia operativa do clássico. De forma semelhante, os manuscritos dos De Architetura Libre Decem, de Vitrúvio, que foram preservados e copiados durante toda a Idade Média no interior dos scriptoria eclesiásticos, não eram de forma alguma desconhecidos pelos intelectuais e construtores das catedrais romanescas ou góticas. Entretanto, seria somente com sua ampla disponibilização sob os suportes da mídia impressa, e com sua disseminação em toda a Europa, que os ensinamentos de Vitrúvio poderiam fundamentar um repertório público e uma gramática operável para o que viria a ser a disciplina arquitetônica. A antiguidade não era, portanto, “redescoberta”; era remidiatizada para um espaço abstrato, reprodutível, e posta a serviço de uma reorganização social. Com o livro impresso, suas formas concretas se tornariam, de repente e em toda a sua potência reprodutiva, símbolos: fatos compartilhados da memória social, instrumentos públicos de produção de significado. Emancipados da condição singular de artefatos únicos, ou da rigidez geográfica de edifícios, objetos como os manuscritos vitruvianos ou o Partenon eram transpostos, graças à reprodutibilidade técnica, para o campo público e universalmente apropriável da linguagem. Da mesma forma com que coisas concretas se tornam palavras para que sua memória nos permita agir sobre a realidade, os elementos da antiguidade clássica eram nomeados também com um objetivo produtivo, uma função social e um programa ideológico. Eis o gérmen da operatividade que caracterizaria a escrita arquitetônica durante os próximos cinco séculos. O livro impresso, e toda a literatura concebida e difundida por ele, tornariam-se, tanto quanto a edificação em si, parte fundamental da atividade arquitetônica. Era sobre esse suporte que se institucionalizariam disciplinas como a história, a crítica e a teoria da arquitetura, e sobre o qual seria possível que a arquitetura renascentista desenvolvesse seus primeiros códigos, estatutos e tratados36:

A partir do início do século XVI, tratados arquitetônicos passaram

a difundir uma nova teoria arquitetônica, conscientemente desenvolvida para os novos meios de comunicação. A teoria renascentista das cinco ordens da Arquitetura (Toscana, Dórica, Jônica, Coríntia e Compósita) é a pedra angular desse processo. O sistema das cinco ordens da Renascença, particularmente conforme definido no Livro Quarto (1537), de Sebastiano Serlio, era um catálogo de componentes gráficos padronizados e repetíveis – o que [Walter] Benjamin teria chamado de ‘projetado para a reprodutibilidade’. Cada elemento nesse sistema fora projetado para ser massiva97


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.