55º EDIÇÃO

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ABRIL 2023 55º Edição

Indíce

ABRIL 2023

CAPA....... Ana Clemente

06 ....... A normalidade e a Justiça |

Gil Teixeira

08 ....... O Mar Logo Ali |

Ana Gomes

10 ....... Flores na Abíssinia | Carla Coelho

14 ....... Ommm! |

Alexandre Paulain

16....... Maria, Maria | Lícinia Quiterio

20....... Ruas de Lisboa | Joaquim Pessoa

22....... Ai Timor! |

João Severino

24....... Investigações Inconclusivas | Carlos Pinto de Abreu

28....... Cantinho do João | João Correia

30 ....... O embondeiro | António Manuel Monteiro Mendes

32 ....... Ré em Causa Própria | Adelina Barradas de Oliveira

34 ....... Pano para Mangas | Margarida Vargues

36 ....... Você corta a etiqueta | Margarida de Mello Moser

DIRECÇÃO: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA

DESIGN E PRODUÇÃO: DIOGO FERREIRA INÊS OLIVEIRA

SITE:

WWW.JUSTICACOMA.COM

FACEBOOK: JUSTIÇA COM A

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Usemos e brindemos.

Editorial

DIRECÇÃO: ADELINA BARRADAS DE OLIVEIRA

Joaquim Pessoa 1948 - 2023

Liberdade é, a capacidade de agir por si próprio é a autodeterminação a independência a autonomia.

Muito esquecido o significado, o conceito ou o uso de Liberdade.

Em nome dela restringem-se comportamentos, princípios, opiniões e direitos.

Tenho cá para mim que quanto mais a invocam mais a limitam enchendo-a de ideias e conceitos que delimitam regras de conduta, iguais para todos, politicamente corretas, ditatoriais.

E até a Liberdade de pensamento parece estar ameaçada.

Neste Mês de Abril falamos de muitos conceitos de Liberdade.

Procurem em cada texto onde está a Liberdade, não esqueçam que cada um dos que escreve na Justiça com A é livre de pensar, livre de discordar, livre de dar a sua opinião, livre de Ser e sentir.

Tenham em conta que todos respeitamos a liberdade de cada um de nós e de cada um de vós.

Os textos que escrevemos são de Paz, são de alerta, são de reflexão.

Ainda nos sentimos todos livres, talvez porque temos por limite o Mar e por ambição o Infinito.

Mesmo que algum texto vos pareça não falar de Liberdade, voltem a lê-lo, ela está lá, respira-se aqui.

Brindem e partilhem.

“Liberdade é uma palavra que o sonho humano alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”.

Adelina Barradas de Oliveira

- Num Abril de águas mil meio aqui meio ali, mas sempre no espírito que faz de mim o que sou

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“A LIBERDADE É UM VINHO DE EXCELÊNCIA.
NÃO FAZ SENTIDO QUE NÃO O COMPARTILHES.”

Cores de Primavera”.

De 17 de Maio a 11 de Junho

Jardim Botânico da Ajuda

A Ana Clemente - arquitecta paisagística - que já foi capa de revista da nossa JustiçA com A (e volta a ser) - por ocasião da Festa da Primavera - de 17 de maio a 11 de junho, - no Jardim Botânico da Ajuda, terá patente uma exposição com o tema “Gestos e Cores de Primavera”.

A exposição não é só dela mas também de um amigo seu, de longa data, Alberto Perry - arquitecto:

Estarão expostas obras de arte com diferentes técnicas de pintura, colagens e mixed media, e com diferentes visões e abordagens temáticas, paisagens, jardins e botânica.

E que tal vê-los do outro lado do reflexo no belíssimo interior da Estufa das Orquídeas, desfrutando da visita ao jardim em plena primavera ?

Há mais vida para além da profissão. Venha conhecer até onde podem ir algumas.

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“Gestos e
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GIL TEIXEIRA ADVOGADO

“Por norma nas notas autobiográficas o autor não invectiva o visado, o que seria baixa autoestima, e põe um pedacinho de sal para equilibrar os condimentos e fingir-se a imparcialidade. A forma de nos vermos como estranhos é lermos prosas sobretudo as que tenhamos publicado pelo menos com uma década atrasada.

Dito isto, à minha parte digo o que é normal dizer-se como seja depois de atravessar a idade das dúvidas da juventude passei a ter a certeza das dúvidas dos seniores.

A minha psicose pelos confrontos nos tribunais começou na infância, e retirado desse palco vou mantendo outras tendas noutros palcos. Apanhei o vício da leitura na infância e tive de me exorcizar dessa doença muitos anos depois embora com muitas recaídas. Além dessas psicoses sou marado pela democracia e transparência política que não sejam prisioneiras ou que vão além das cores partidárias. As injustiças transtornam-me. A música alentejana poupa-me as viagens além do Tejo e toda a música, que o seja, nunca jazz nem bossa nova, alimenta-me.

As palavras escritas são tramadas e a escrita alheia se não fizer ardor e também arder os pensamentos não me causam barulho na cabeça. Os políticos profissionais são uma desgraça e a maioria do jornalismo também não é muito rica.

Como disse noutro local falta-me sempre inteligência para as minhas necessidades. Chega, passe a conotação?”

A NORMALIDADE E A JUSTIÇA

As estatísticas são tramadas e muitas vezes aparecem-nos especialistas a vender o peixe que está em cima da bancada em vez de analisarem as causas que levaram à peixeirada.

Portugal, e haverá sobejas razões para isso nem sempre tem a melhor fotografia nacional e na estranja no campus da justiça no que respeita à qualidade e tempo de produção da máquina da justiça.

Os ditos especialistas, alguns pagos a

pesadas barras de ouro, juntam-se às portas dum partido que não esteja no poder na altura e concluem que é pão para a boca colocar mais uns tijolos na despesa pública da justiça para que Portugal saia da ponta do rabo do desgraçado do diabo.

Isto a par das grandes e diárias manifestações nacionais em que (quase) toda a gente grita por menos e melhor Estado, mas com mais gente, activamente e passivamente...

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Também há diagnósticos que descobrem que por debaixo do manto da justiça há bruxas que devem ser queimadas vivas ou mortas no pelourinho ou nos jornais ou telejornais por que se disfarçam com as manobras dos recursos, e delongas tudo com vista a safar os pré-condenados ou a prolongar-lhes a vida fora das prisões dos castelos dourados.

Falta pouco para que o pessoal da econometria entre todo em parafuso ou em burnout, que em Portugal é lume brando, por que o anormal é normal e a excepção a regra.

Imagine-se que a malta decide toda não pagar a conta do supermercado, ou a renda da casa, ou a conta do gaz e da luz e da RTP, EDP e primos, ou a farmácia, invocando que foi enganada pelo governo ou pelo chefe do governo, ou pelos chefes das oposições, que prometeu que as batatas e tudo seria de borla.

Neste cenário para resolver este imbróglio

seriam necessários milhentos de operadores judiciários e originaria de facto um tremendo tremor de processos judiciais que afectaria todo o país, embora tivesse a vantagem de acabar com o desemprego e o salário mínimo.

Aqui todos perceberiamos que a doença não está apenas na máquina da justiça mas noutras maquinarias e engrenagens a montante e que a justiça é apenas a foz do pântano onde desaguam os dejectos sócio-económicos dos portugueses, sem pretender desculpar as culpas que naquela eventualmente possam existir.

A justiça deve ser um assunto residual em qualquer país, e não a regra, e se o não for algo está muito mal na terra onde isso acontecer, e toda a sociedade deve centrar-se no problema real em vez da venda do sangue.

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Uma casa mobilada, sempre pensou, é a certeza de uma porta aberta de par em par, de mãos livres, de rua nova à espera dos seus pés.

Maria Judite de Carvalho, “George” em “George e Seta Despedida”, 2015, Porto Editora

E O MAR LOGO ALI
Ana Gomes

Liberdade, liberdade

E chega abril e no dia 25 a verificação de que nem tudo se cumpriu, ainda, para, a seguir, ficar a promessa de que que todos os desígnios da Revolução vão ser realizados.

Georgina, 70 anos, acabadinha de se jubilar depois de uma carreira de 40 nos Tribunais, lembra a canção de Sérgio Godinho Só há liberdade a sério/Quando houver/A paz, o pão, habitação/Saúde, educação. É sobre isso que falam os jornais: o preço dos alimentos, a crise na saúde e na educação e a falta de casas a preços que um português médio possa pagar.

No curso de direito, Gi teve noções básicas de economia, as suficientes para conhecer a lei da oferta e da procura que dita que quanto mais alto for o preço de um bem, menor será a quantidade que as pessoas estão dispostas a comprar e quanto mais baixo for o preço de mercado desse bem, mais unidades serão procuradas. A ajudar à lei, outras leis e promoções houve que incentivaram a procura de habitações por pessoas com rendimentos disponíveis muito superiores, e que fizeram subir os preços, a ponto de quem vive do trabalho em algumas zonas ter dificuldade em encontrar um teto.

Georgina volta à estrofe que solta um Ai e dita que Só há liberdade a sério (…) e reflete que a liberdade da pessoa se funda no princípio da dignidade humana que, por sua vez, se consolida com a limitação da liberdade a casos excecionais e contados, como resulta do art. 27.º da Constituição. Depois, sim, vem a paz, o pão …

A Comissão Eventual para a Revisão Constitucional, em atividade desde 4 de janeiro de 2023, discute duas propostas sobre a inclusão da alínea i) ao n.º 3 do artigo 27.º que

foram lidas em direto no Canal Parlamento, no dia 2 de março. Georgina assistiu atónita à proposta do PSD e à justificação para aceitar a limitação da liberdade das pessoas: i) Confinamento ou internamento por razões de saúde pública de pessoa com grave doença infectocontagiosa, pelo tempo estritamente necessário, decretado ou confirmado por autoridade judicial competente. O PS propõe: i) Separação de pessoa portadora de doença contagiosa grave ou relativamente à qual exista fundado receio de propagação de doença ou infeção graves, determinada pela autoridade de saúde, por decisão fundamentada, pelo tempo estritamente necessário, em caso de emergência de saúde pública, com garantia de recurso urgente à autoridade judicial.

A intervenção prévia ou posterior de um Juiz parece ser irrelevante para as propostas apresentadas, tendo chegado a afirmar-se que, num dia em que houve milhares de casos de covid, os Tribunais não iriam ter capacidade de resposta e que, por isso, a solução passaria por uma possível intervenção posterior, em sede de recurso. PSD e PS somam 197 dos 230 deputados.

Mais de trinta anos ligada ao crime enquanto Juíza, a ponderar com extremo cuidado em que situações é que determinava ou mantinha alguém privado da liberdade, algumas vezes em poucas horas, Gi questiona-se como é possível ao povo e aos meios de comunicação social discutirem o pão, o teto, a saúde e a educação e não debaterem o que está na base da nossa existência, a li-ber-da-de.

Hoje, Georgina tem casa mobilada. Está disposta a abrir a porta, de mãos livres, de rua nova à espera dos seus pés. A mesma rua fica à espera de outros pés.

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FLORES NA ABISSÍNIA

ALOIS VOGEL,

uma personagem no seu pequeno mundo

Alois Vogel, protagonista de Espanto e Encantamento (o novo livro de Pablo d’Ors) propõe-se contar-nos as suas recordações de vinte e cinco anos a trabalhar como vigilante no Museu dos Expressionista em Coblença (Alemanha). A escolha profissional que faz é um dos mistérios do livro. É certo que em determinado momento Alois nos revela que durante anos e anos o seu pai lhe prometeu levá-lo em visita ao local, promessa que se gorou. Contudo, não é evidente que a sua decisão de passar os dias entre os quadros de Matisse, Kokoscha, Chagal, Klee, Modrian, Munch e outros, decorra de uma superação da quebra da promessa parental.

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O QUE ME LEVOU A LER ESTE LIVRO?

Eis um pequeno mistério. Tirando as leituras que temos de fazer de forma obrigatória, o que nos conduz a esta ou aquela obra é sempre uma espécie de enamoramento (pelo menos, para mim).

Devo dizer que os vigilantes dos museus sempre me intrigaram. A maior parte deles parece-me totalmente desinteressada das obras que guarda. Em algumas situações, pressinto um certo descaso por aquelas e alguma incompreensão sobre o que leva os visitantes a deslocarem-se a museus e ali passarem várias horas, vendo quadros e legendas, tentando reter o que não pode ser apreendido de imediato, fotografando, arfando

e procurando um banco ou sofá onde descansar durantes uns minutos.

Esta minha ideia sobre os vigilantes dos museus é talvez fruto do preconceito. Seguramente, acarreta alguma injustiça, como todas as generalizações. Recordo-me de há alguns anos em Varsóvia ter sido alertada para a parte detrás de um quadro de Rembrant que era ele próprio uma tela apenas parcialmente utilizada (contraface do quadro Uma rapariga à janela). E também há semanas atrás um vigilante do Museu de Arte Antiga em Lisboa indicoume dois percursos alternativos para chegar à sala onde se encontra O Jardim das Delícias, indicando-me com evidente entusiasmo as obras que poderia ver em qualquer dos percursos. De onde se pode talvez concluir que foi a excepcionalidade destes vigilantes em contraste com o aparente descaso dos outros que me conduziu à leitura destas memórias de Alois Vogel.

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FLORES NA ABISSÍNIA

Por outro lado, tenho de admitir que tenho um fraco por personagens que contam a sua própria vida, sobretudo as que são anónimas e (para quem não tem imaginação) sem grande história.

É com as obras que compõem as várias salas do museu que Vogel vai dialogando ao longo dos vinte e cinco anos em que ali trabalha. Com algumas cria mesmo uma relação privilegiada que dura anos, reconhecendo-lhes o mérito de lhe terem ensinado a olhar para o mundo e a descobrirse a si próprio. Este é um dos pontos interessantes do livro que nos convoca para o poder da arte e a sua lenta capacidade de nos

transformar.

Aliás, diria que este é também um livro sobre a lentidão enquanto elemento essencial ao conhecimento de si. Numa sociedade como aquela em que estamos a viver, com constante bombardear de acontecimentos e informação, o encontro desse tempo e espaço é um acto de resistência e de propósito. Ninguém, creio, tem uma vida lenta por acaso. Ela tem de ser cultivada. E, Alois Vogel, faz isso mesmo.

A quase ausência de acontecimentos exteriores que caracteriza o livro resulta de uma opção narrativa. Não tenho dúvidas de que foi esse o propósito do narrador (e do autor),

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pois certamente que se pretendesse narrar acção não faltariam episódios, entre as pessoas que trabalham no museu e as que diariamente o visitam. Contudo, embora Vogel recorde os vigilantes e outras pessoas com quem partilhou o espaço de trabalho, pouco ficamos a saber sobre elas. Seguramente, por não interessarem a Alois Vogel. O mesmo se diga dos visitantes que frequentam o museu. São referidos, mas com excepção de duas mulheres pelas quais Vogel se sente atraído, não deixam marcas nas quase trezentas páginas que compõem este livro.

Nas suas deambulações pelas salas do museu em que vai sendo colocado, Vogel não está alheado. Está quase sempre é numa dimensão distinta que é a da vida interior. Se ele é tantas vezes por nós negligenciada, Vogel poucas veze a deixa, dando-lhe a sua quase exclusiva atenção. O grande tema do livro é a consciência de si e é sobre isso que Vogel escreve. Sobre o modo como o convívio diário com as obras de arte o vai ensinando a ver o mundo e sobretudo a conhecer-se. Mas será que ter com um museu a grande relação da nossa vida é assim tão rico em termos existenciais?

Fiquei a pensar sobre o tema e sobre Vogel, bem para lá do momento em que terminei a leitura do livro.

Por um lado, ecoa em mim o seu desinteresse e mesmo incapacidade de actuar perante o mundo exterior, mesmo quando este o interpela. É assim quando se sente atraído por uma visitante em particular. E é também assim quando tem a possibilidade de agir de forma directa, alterando circunstâncias com as quais não concorda.

Alois evita o contacto com outros seres humanos, estabelecendo relações directas com quadros e indirectas e vagas com seres humanos. Destes últimos, parece fugir, algo que apenas sofre alteração no fim do livro. Ainda assim, a relação que estabelece com Gabriele pareceu-me cerimoniosa e pouco natural, incompatível com as emoções que Alois pretende fazer crer (ou fazer-se crer) que está a viver. Outro aspecto que me desagradou no personagem é a sua incapacidade de corrigir a

sua inércia. Detecta-a, expõe-a, mas nunca se questiona sobre a mesma. Não sabe de onde vem e não procura averiguar a sua fonte.

A meu ver, estar atento e estar presente não é um exercício umbiguista. Deve antes ter reflexos no modo como estamos no mundo. Talvez o longo solilóquio de Alois tivesse mais impacto se conseguisse pensar no motivo pelo qual escolhe viver retirado do mundo. Sim, sai todos os dias para trabalhar, vai à cervejaria, cumprimenta os colegas, faz o seu trabalho, reconhece nas ruas um ou outro concidadão que vê todos os dias (como connosco sucede com aquelas pessoas que vemos à hora de almoço perto do nosso local de trabalho, por exemplo). No entanto, todas estas pessoas são encontros adiados. E aqui reside uma das frustrações de acompanhar Alois. Por muito rico que seja o nosso interior é no encontro com outros seres vivos (e não apenas com a sua representação pictórica) que descobrimos também quem somos. Há dimensões da experiência humana que apenas o contacto com a vida nos pode dar. Sem isso, mesmo o encontro com a arte pareceme um exercício de estilo que não explora todas as potencialidades.

Aconteceu-me com este livro, algo nunca antes registado na minha vida de leitora: oscilei entre a admiração e o tédio. Vejo-o como uma obra que explora a consciência de si no mundo.

Alois Vogel parece achar que sim. Já eu estou certa de que não. E quanto mais avançava nas suas memórias mais me persuadiu de que sendo tentador refugiarmo-nos (no caso dele, num museu) perdemos com isso uma grande parte do que torna a nossa presença no mundo significativa.

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PODEMOS ESTAR NO MUNDO SEM VER VERDADEIRAMENTE OS OUTROS?
MAS

Alexandre Paulain

Praticante de yoga desde 2001 e de ayurveda desde 2006, certificado pelo SUDDHA DHARMA MANDALAM, reside e trabalha em Lisboa com atendimentos e aulas particulares. Instagram @ayurvegan

Ommm!

A primeira vez que me ouvi a entoar esse ancestral som, fiquei rubro, abri disfarçadamente os olhos a buscar por outros que compartilhassem do mesmo estranhamento que eu sentia… A aula de yoga começou. Minha jornada iniciou. Isso foi em 2001 e desde então tornou-se um caminho sem volta com tentativas frustradas de negação ao que já estava impresso em meu ADN espiritual.

Yoga significa união. Nascemos num Mundo de dualidades: masculino/feminino, alto/baixo, quente/frio, prazer/dor etc.

Porém, no momento em que unimos as palmas da mão direita e esquerda diante do peito, simbolizamos com o corpo a união desses

opostos, simbolizamos Deus. Não posso ser desrespeitoso a ponto de definir yoga. Posso falar da minha experiência. Quando subo sobre o meu tapete para a prática, preparome para uma odisseia na qual me transformo em cão, sapo, pavão, macaco, guerreiro e deuses. Durante todas essas posturas, a mais importante e fundamental ação que realizamos é respirar. É esse ato o mais importante numa prática. Respirar…

Não precisa ser a campeã da ginástica olímpica e nem a top model das revistas. Precisa respirar. Com presença.

É este ato de respirar que nos define como vivos. Apesar de a maioria sobreviver, respiramos. E

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um dia teremos a nossa última expiração.... Entre esta última e a primeira inspiração ao nascer acontece um evento chamado vida. E todos esperamos ter vivido com alegria e amor entre estes dois sopros.

As práticas físicas de yoga são compostas por asanas. Há muitas pesquisas sobre os imensuráveis benefícios dessa prática. A minha única certeza é que a yoga nos torna uma versão melhor de nós mesmos. Ao elevar os braços para a primeira saudação ao sol, sequência de posturas geralmente no início da prática, sente-se uma reconexão muito negada em nossa sociedade: a conexão connosco.

Elevar os braços, apenas isso, é um movimento anti telemóvel, computador, redes sociais e depressão. Sim. Abrir o peito, inspirar, olhar para cima e deixar a alegria nos transbordar. Sim. Sentimos a vida.

O corpo muitas vezes martirizado no cristianismo como uma fonte de pecados tem sua redenção na Yoga. Ele é um caminho de autoconhecimento e libertação. A prática exige que habitemos esse templo chamado corpo. A prática é essa oração com o corpo. Portanto, não se preocupe com o seu alongamento, com sua forma e com a sua idade. Ocupe-se! Esteja presente! A Yoga tem todo um método para te trazer para o aqui e agora. Os asanas desenham o nosso corpo para que o prana, energia vital, possa alcançar territórios abandonados por nós mesmos.

Além dessa prática física, há também um código ético e moral que deve ser rigorosamente seguido

por aqueles que estão nessa vereda. Chamamos de Yamas e Nyamas. Eles são dez.

Ahimsa ou não violência é o primeiro Yama. Não deveríamos causar dor e sofrimento a nenhum ser. Este princípio justifica o vegetarianismo tão disseminado na Índia. Na bíblia, há o “não matarás!”. Porém, parece que aplicamos essa lei apenas aos humanos. Nunca se mataram tantos bichos. Há mais gado que pessoas no mundo. E a fome não justifica esse exagero. Morre-se muito mais pelo que se come do que pela falta de comer. É muita gordura animal, eu diria um oceano de gordura, a entupir veias e artérias humanas. Verdade, não roubar, contenção, não cobiçar, purificar-se, contentamento, disciplina, estudo do eu e dedicação ao supremo são os outros ítens que formam a ética e comportamento a ser seguido por um praticante.

E se você é católico, islâmico, judeu, umbandista etc, essa prática é para você. Não precisa adorar Shiva, Krishna ou Ganesha. Como diz um grande professor: yoga só não é para os preguiçosos… Porém, discordo. Se você respira, tem potencial para praticar.

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Yoga é esse resgate de nosso ser abandonado no automatismo da sobrevivência.

LICÍNIA QUITÉRIO MARIA, MARIA

O seu nome? O seu nome? O Zé Neto emite sempre um duplicado das suas frases. Pediu-me: Um cigarro, um cigarro. E lume, e lume. Só depois me perguntou o nome. Maria , disse. Virou-se para os poucos circunstantes, o cigarro aceso entre o dedo médio e o anelar e anunciou, na voz volumosa e rouca: O nome oficial é Maria. Maria o nome oficial. Ninguém o ouviu. Também ninguém o olhou.

Um destes dias, encontrou-me numa loja e disse: Iogurte, iogurte. Acompanhou-me ao expositor e, antes que lhe perguntasse, apontou com os dedos grossos e sujos, peremptório: Destes, destes . Por entre a profusão de marcas que me confunde, O Zé Neto sabe o que quer.

Quando os demónios o atormentam, cruéis e insuportáveis, grita ou canta. Sabe estribilhos de canções e repete-os. Por vezes, cria as suas próprias letras. Tão loucas como as de qualquer poeta em confusão.

Zanga-se muito. Só ele saberá com quem. É quando solta palavrões, alto e bom som, em duplicado, em triplicado, tantas vezes quantas a raiva o exigir. Como qualquer de nós gostaria de fazer.

O Zé Neto tem sempre muito calor. Há dias em que não suporta a roupa e se despe. Chega a ficar só com as cuecas. Claro que escandaliza as pessoas de bem. O Zé Neto não sabe que não é um jovem atlético e que a rua da vila não é uma “passerelle”.

Já o tenho visto dançar. Nas ancas tem ritmo de “twist” e os braços ensaiam figuras de ginástica aeróbica. De fazer inveja a muito pé-de-chumbo que por aí anda.

Devo dizer que nem sempre é assim destrambelhado e exuberante. Hoje pude admirá-lo sentado numa esplanada, de perna traçada, recostado, fumando

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Fotografia gentilmente cedida por Fernando Corrêa dos Santos

RUAS DE LISBOA

Ruas da minha cidade veias que o meu sangue abraça e põe cravos de ansiedade na lapela de quem passa.

Ruas da minha cidade onde perco o coração. Poema diz a verdade! Diz a verdade canção!

Ruas da minha cidade amanhecendo a firmeza duma ponte entre a saudade e um Abril à portuguesa.

Ruas da minha cidade onde vingo as minhas asas. O meu nome é liberdade e moro em todas as casas.

Ruas da minha cidade praças da minha alegria onde antes da claridade era noite todo o dia.

Ruas da minha cidade onde o velho é sempre novo: as ruas não têm idade porque são todas do povo.

Ruas da minha cidade becos de ganga puída. Oficinas da verdade dos operários desta vida.

Ruas da minha cidade janelas do meu olhar onde os pardais da amizade à tarde vêm poisar.

Ruas da minha cidade rasgadas por minha mão. A gente passa à vontade quando pisa o nosso chão.

Ruas da minha cidade Aonde eu quero morrer Com cravos de eternidade Dos meus olhos a nascer.

Joaquim Pessoa 1948 - 2023

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Fotografias gentilmente cedida por Fernando Corrêa dos Santos

João Severino

Ai Timor!

Timor teve uma longa história sob administração ou soberania portuguesas. Aconteceu naquela terra onde o sol em nascendo vê primeiro um pouco de tudo. Governadores decentes e indecente. Magistrados de alto nível e outros corruptos. Militares que só se preocuparam em roubar o erário público e outros que apenas visaram melhorar as condições vivenciais do povo timorense. Médicos que deram tudo de si para salvar as vidas dos nativos.

Timor é apresentado ao mundo como paradisíaco e local inesquecível para quem o visita. Tudo o que existe em Timor deixou o povo apaixonado

por Portugal, sem que o nosso país lhe desse o que merecia. Timor devia ter continuado como uma Região Autónoma portuguesa igual aos Açores e à Madeira. Não sei se viram as centenas de motociclos e os milhares de bandeiras portuguesas a festejar as vitórias recentes de Portugal no Mundial do Catar? Essa foi a prova mais provada de que os timorenses devem ter sangue português.

Timor sofreu com a segunda guerra mundial. Os japoneses mataram milhares de nativos e alguns portugueses. Timor sofreu a invasão militar indonésia nos nossos dias e a intenção primária do invasor era o extermínio de todos os timorenses. Os indonésios não conseguiram vencer uma resistência a todos os níveis, incluindo porque a língua portuguesa servia de intermediária entre os lutadores radicados nas montanhas e

os motoristas de táxi, em Díli, que tudo faziam para recolher os haveres necessários para a sobrevivência dos resistentes heróis de uma invasão fratricida.

Timor transformou-se em Timor-Leste e nasceu a esperança de que a independência política trouxesse o bem e o progresso de um povo que era proprietário de petróleo, gás natural, café, mármore, ouro e de tantos metais precisos. Debalde. Há mais de vinte anos que o povo aguarda que os seus governantes tomem consciência do que é o mínimo de qualidade de vida. A corrupção tem imperado a papel químico da Indonésia. Os governantes e deputados do parlamento só se preocupam em ganhar muito dinheiro, construir grandes palacetes e fingir que os milhares de milhões de dólares resultantes da exploração do petróleo e gás natural no Mar de Timor, no acordo com os australianos, resolveria os problemas socias. Não resolve porque esse pecúlio desaparece sem se ter qualquer justificação, mesmo que as autoridades anunciem que é depositado num fundo americano. O que o povo sente e vê é que nada é feito em seu benefício, não existe saneamento básico, água potável,

electricidade contínua, transportes públicos decentes que cubram a mobilidade nacional. Existe um hospital que não merece esse nome, não se constroem bairros de habitação social, as escolas não têm carteiras decentes quanto mais ar condicionado num país onde impera um calor insuportável. O futuro de Timor-Leste é negro. Já lhe indicaram a porta de “Estado falhado”, mas os seus governantes nada fazem para que Timor-Leste seja um país dos melhores da Ásia. Condições profícuas não lhe falta, mas só para terem uma ideia, não se encontra um advogado timorense competente para um caso que seja bicudo, e se não fossem os juízes portugueses há muito que era mesmo em Estado falhado.

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CARLOS PINTO DE ABREU

INVESTIGAÇÕES INCONCLUSIVAS

CASOS NUNCA RESOLVIDOS

Jack the Ripper e Jack the Stripper

Jack the Ripper. O caso mais mediático de um serial killer, de um homicida em série, nunca identificado será muito provavelmente o do indivíduo ao qual foi atribuído o pseudónimo de Jack the Ripper em português, Jack o Estripador na sequência de uma carta assinada com esse nome e na qual se presume ter sido feita referência a um dos crimes que viria a cometer. São-lhe imputados os homicídios de várias prostitutas na zona de Whitechapel em Londres no ano de 1888. Tal como no caso do Assassino do Machado de Austin, associa-se a um único autor a prática de vários crimes com características semelhantes. De facto, para além de um padrão quanto à identidade e localização geográfica das vítimas, verificase a existência de traços comuns quanto ao modus operandi: os corpos apresentavam mutilações, sendo que as gargantas da maior parte das vítimas haviam sido esfaqueadas e, em três casos, os órgãos internos haviam sido removidos.

Os ficheiros da Polícia Metropolitana revelam, na verdade, que caberiam no âmbito da mesma investigação onze assassínios separados, praticados em Whitechapel entre 1888 e 1891. Se assim é, apenas cinco dos homicídios são, porém, considerados quase universalmente como a obra de um único assassino, sendo designados colectivamente como os ‘assassínios canónicos’.

Quanto a estes cinco crimes, verificam-se vários aspectos comuns.

A primeira vítima, Mary Ann Nichols, alcunhada de “Polly”, apresentaria dois cortes na garganta, assim como várias incisões do lado direito do corpo realizadas violentamente com um faca, uma das quais revelando amplamente o abdómen. A segunda, Annie Chapman, também revelaria cortes ao nível da garganta e do abdómen, tendo-se descoberto posteriormente que o seu útero havia sido retirado.

Seguidamente e no mesmo dia apareceriam mortas mais duas mulheres, no que se viria a denominar o “duplo evento”. Uma, Elizabeth Stride, mostraria igualmente uma incisão no pescoço, tendo-se atribuído a causa da sua morte à perda de sangue resultante do corte da artéria do lado esquerdo. Neste caso, porém, não havia mutilação do abdómen, o que levaria a alguma incerteza inicial quanto à atribuição ao mesmo indivíduo deste homicídio. A outra, Catherine Eddowes, a quarta vítima, revelava porém exactamente os mesmos sinais que as anteriores vítimas, sendo que o rim esquerdo e a maior parte do útero haviam sido retirados.

Mary Jane Kelly seria a última vítima desta série, tendo-se descoberto o seu corpo largamente mutilado e do qual haviam sido

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retirados vários órgãos, incluindo o coração.

Havia outros aspectos coincidentes nestes cinco crimes. Eram geralmente perpetrados durante a noite e no fim-de-semana ou perto dele, em local esconso, mas de acesso público, no final do mês, ou na semana seguinte.

No entanto, também havia diferenças em todos os casos. Eddowes, por exemplo, seria a única a ser morta dentro da City. Nichols, por outro lado, seria a única a ser encontrada em plena rua, embora se tratasse de uma viela escura e abandonada. Parece, aliás, que a demarcação destes cinco crimes relativamente a outros não será necessariamente resultante apenas da sua relativa semelhança no quadro de vários crimes praticados na mesma época, mas do facto de se ter seguido a autoridade, por um lado, do director do departamento de investigação criminal de Londres, em cujas notas apareceria a ideia de que “o assassino de Whitechapel fez cinco vítimas — e apenas cinco”, e, por outro, a de um cirurgião afecto aos casos, que viria a ligá-los entre si.

Na verdade, verificar-se-ia um grande número de ataques a mulheres nesta altura, sendo difícil estabelecer-se com algum grau de certeza uma ligação entre os mesmos e a sua imputação a um mesmo autor.

Seis outros assassínios praticados em Whitechapel seriam associados, em todo o caso, e pela polícia, aos cinco “canónicos”, sendo que alguns elementos da investigação, assim como outras figuras, viriam a atribuir alguns deles a Jack o Estripador.

Dois desses casos eram anteriores: Emma Elizabeth Smith, sobrevivente inicial a um ataque durante o qual lhe fora colocado um objecto cortante na vagina, dissera à polícia ter sido atacada por dois ou três homens, tendo morrido pouco depois. Martha Tabram, por sua vez, morrera em consequência de 39 facadas. O padrão de cortes no pescoço verificado nos outros crimes não se verificava nestes, mas mesmo assim a proximidade geográfica e no tempo da prática dos crimes permitia que fossem agrupados com os outros.

Os outros quatro revelariam também significativas diferenças de procedimento. Um dos mais próximos seria o de Alice McKenzie, que morreria em virtude de lhe ter sido cortada a carótida esquerda e revelaria vários outros cortes menores ao longo do corpo. Neste caso, verificar-se-iam mesmo assim diferenças de entendimento quanto à imputação a Jack o Estripador do crime, sendo que viria a especular-se da possibilidade de um outro assassino se querer aproveitar da publicidade em torno dos casos anteriores e de ter tentado imitar o padrão conhecido para passar responsabilidades para esse homicida anónimo.

Em condição semelhante seria encontrada Frances Coles. Alguns cortes observados ao longo da sua nuca e costas eram sugestivos de que teria sido violentamente atirada para o chão e arrastada antes de lhe ter sido cortado o pescoço. Não sofrera, no entanto, quaisquer mutilações no corpo.

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Investigações Inconclusivas

Diferentemente destes dois casos de incisão no pescoço, Rose Mylett seria estrangulada “com uma corda atada à volta do pescoço”. Seriam entretanto descobertos também dois troncos de mulheres na rua, os quais gerariam renovada especulação quanto à acção de Jack o Estripador. Uma vez que o modus operandi nestes casos era diferente, o escritor Don Rumbelow tem posto de lado qualquer ligação com Jack o Estripador.

Os processos policiais relativos aos assassínios de Whitechapel permitem uma análise detalhada do procedimento de investigação no tempo vitoriano. Uma grande equipa de polícias realizou inquéritos casa a casa, elaborou listas de suspeitos e entrevistou uma grande quantidade deles, tendo-se ainda recolhido material forense.

Por outro lado, devido em parte à insatisfação verificada quanto aos esforços policiais, um grupo de cidadãos que se auto denominou Comité de Vigilância de Whitechapel veio a patrulhar as ruas de Londres em busca de pessoas com carácter suspeito, enviou uma petição ao governo para que oferecesse uma recompensa relativa a qualquer informação que pudesse ajudar à identificação do assassino, e contratou mesmo detectives privados para que realizassem inquéritos a testemunhas independentemente dos realizados perante a polícia.

Depois dos homicídios de Elizabeth Stride e Catherine Eddowes, a polícia realizou buscas na área do crime num esforço para localizar um suspeito, testemunhas ou provas. Foi encontrado um escrito em giz branco numa parede, descrito em termos diferentes, e que numa das versões relatadas diria que “não é por nada que os judeus são os homens que serão culpabilizados.” No entanto, no ambiente de forte sentimento anti-semita da época, a polícia, temendo uma reacção, viria a apagar a mensagem.

É relevante registar, em matéria de processo de investigação, que a importância crescente das ciências médicas nesta época levava a um

cada vez maior envolvimento de patologistas no mesmo. O trabalho que a maior parte deles desenvolviam era sobretudo um: a consideração dos autores dos crimes como desprovidos de sanidade mental. Não surpreenderá portanto o facto de durante a década de 1880 vários agentes de saúde terem vindo a considerar apropriado emitir a sua opinião quanto às características dos autores dos crimes em casos concretos.

O mesmo se passaria precisamente quanto aos casos de Whitechapel, possuindo-se por exemplo a seguinte opinião do cirurgião da polícia, Thomas Bond, que ligaria especificamente os cinco casos “canónicos” e que é tido por alguns especialistas como o primeiro profiler ou “perfilador” criminal: “os cinco homicídios foram certamente todos cometidos pela mesma mão. Nos primeiros quatro, as gargantas parecem ter sido cortadas da esquerda para a direita. No último, devido à extensa mutilação, é impossível dizer em que direcção foi perpetrado o corte fatal, mas foi encontrado o sangue na parede perto do local onde terá estado a cabeça da mulher. Todas as circunstâncias dos vários crimes levamme a formar a opinião de que as mulheres terão estado deitadas quando foram assassinadas e que em todos os casos a garganta foi cortada primeiro.”

Thomas Bond opunha-se fortemente à ideia de que o assassino possuísse qualquer tipo de conhecimento científico ou anatómico, ou mesmo “o conhecimento técnico de um talhante ou de um matador de cavalos”. Na sua opinião, seria um homem de hábitos solitários, sujeito a “pulsões periódicas de manias homicidas e eróticas”.

Se era esta a sua ideia, tem-se no entanto afirmado categoricamente, em sentido contrário, que ele tinha conhecimentos médicos e que era canhoto, tendo em consideração a sua prática de remoção de órgãos e a direcção tomada nos golpes desferidos às suas vítimas. Num sentido como no outro, porém, era sentida a noção da possibilidade de identificação de padrões de acção criminosa, tal como já se concluíra no caso do Assassino do Machado de Austin.

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Mudando de agulha e passando da história para a ficção, não perca a leitura do excelente e divertido romance de Jô Soares, O Xangô de Baker Street.

Jack the Stripper. A designação Jack the Ripper esteve na origem da de Jack the Stripper (ou, agora Jack o Despidor) atribuída ao autor de uma série de crimes ocorridos em Londres (na zona de Hammersmith) entre 1964 e 1965 e com características semelhantes às dos cometidos por Jack o Estripador. Mais uma vez as vítimas eram prostitutas, sendo que neste caso os corpos eram encontrados nus, com excepção das meias.

Ao todo, segundo as contagens, seriam seis, ou teriam chegado a oito, as suas vítimas dependendo da atribuição ou não ao mesmo indivíduo de dois homicídios com um modus operandi distinto do dos outros.

As vítimas cuja morte é geralmente imputada ao mesmo assassino sem grandes hesitações, Hannah Tailford, Irene Lockwood, Helene Barthelemy, Mary Flemming, Margaret McGowan, e Bridget “Bridie”

O’Hara, seriam todas encontradas em condições semelhantes. Haviam sido assassinadas por asfixia, estrangulamento ou afogamento. A todas faltavam um ou mais dentes. Alguns dos corpos haviam sido guardados em locais de calor intenso, sendo que quatro dos mesmos mostravam marcas de tinta aplicada sob a forma de spray. Os dois casos incertos, relativos às prostitutas Elizabeth Figg e Gwyneth Rees, caracterizam-se pelo facto de terem envolvido estrangulamento manual e de os corpos das vítimas terem sido encontrados no Tamisa. O Superintendente-Chefe John Du Rose da Polícia Metropolitana, que conhecemos melhor como Scotland Yard, o detective responsável pelo caso, entrevistaria quase 7.000 suspeitos e enviaria centenas de detectives a visitar garagens e fábricas seguindo a pista da tinta em spray. Viria finalmente a anunciar publicamente que havia reduzido o número de suspeitos a 20 homens, seguidamente a 10 e finalmente a 3, dando a entender a rápida resolução do caso. Não se verificaram mais mortes depois da primeira conferência de imprensa convocada. Na sequência da investigação, viria a estabelecer-se elementos de contacto entre as próprias vítimas. Duas delas — Hannah Tailford e Francis Brown — estavam perifericamente relacionadas como o Caso Profumo de 1963, um escândalo político no Reino Unido relacionado com o Secretário de Estado da Guerra, John

Profumo, que tivera uma relação com uma showgirl, supostamente amante de um espião russo conhecido.

Todos os indivíduos relacionados com o escândalo seriam questionados, tendo-se porém eliminado qualquer relação com o mesmo. Por outro lado, algumas das vítimas participavam no meio da filmografia pornográfica, pelo que se tem apontado a possibilidade de as vítimas se conhecerem e de o homicida ter algum contacto com o meio também. Tal como nos casos do Assassino do Machado de Austin e de Jack o Estripador, os homicídios ocorreram durante um período limitado de tempo, não tendo sido descobertos indícios suficientes para identificação do autor dos crimes. Mesmo assim, seria descoberto o local onde haviam sido guardados os corpos de Helene Barthelemy e Bridget “Bridie” O’Hara, e que era próximo de uma loja de tintas e nas traseiras de uma fábrica em Acton. Du Rose, passado já algum tempo sobre o último crime, quando parecia não vir a repetirse mais nenhuma situação criminosa, procederia então a uma investigação de todas as situações de suicídio, morte acidental ou prisão ocorridas em Londres, na busca de alguma pista que permitisse uma relação dos indivíduos envolvidos com os casos ocorridos.

Seria dado como suspeito principal um homem de 45 anos ao qual viria a ser dado um pseudónimo, Mungo Ireland, para protecção dos sentimentos dos familiares. Esse homem trabalhara de facto como guarda em Acton, estando incluída nas suas rondas a loja de tintas próxima do local onde haviam sido escondidos os corpos depois dos crimes. Não seriam encontrados indícios fortes que permitissem atribuir-lhe os homicídios, mas a verdade é que ele se suicidara logo após a descoberta do corpo de Bridie, tendo deixado uma nota na qual deixava a ideia, incompreensível para os seus mais próximos, de que “estava incapaz de continuar a aguentar a pressão.”

Até hoje, mesmo tendo em conta o tempo decorrido, não surgiu qualquer pista válida que permitisse o relançamento das investigações ou o esclarecimento do caso. Infelizmente, também Portugal tem o seu serial killer nunca, até hoje, descoberto.

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Artigo publicado na Revista da Polícia Judiciária Modus Operandi.

O Caminho de Santiago é um caminho único. Único entre todos os restantes.

Já muito se escreveu sobre este caminho, sobre as reflexões que se têm durante o mesmo, sobre a sua dificuldade, a beleza do mesmo e por fim, sobre a sensação de alegria quando se alcança a Catedral de Santiago de Compostela.

Seja como for, e na minha perspectiva das coisas, o caminho português de Santiago é um caminho comum percorrido por pessoas incomuns. Tem momentos de uma beleza incontornável, outros não tão aprazíveis, outros até (atrevo-me a dizer) feios, porém, a realidade demonstrou-me que percorrer

o mesmo é, muito provavelmente, uma das melhores experiências que se pode ter nesta nossa curta existência.

Tínhamos um grupo bom, liderado por alguém que a quem eu, com a maior das facilidades, confiava a minha vida na selva ou montanha e, digamos, tivemos sorte pois … não choveu, o que na Galiza não é comum.

Seja como for, e espiritualidade à parte, há sempre que reter os pequenos prazeres mundanos que sabem melhor durante experiências como esta, tais como a minha

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CANTINHO DO JOÃO

João Correia

primeira noite num albergue para peregrinos, em camaratas, e as quais me fizeram lembrar a experiência de recruta militar que nunca tive. Cada uma delas com um cacifo no qual poderíamos guardar as nossas coisas desde que, claro, os conseguíssemos abrir (ou fechar) situação essa a qual motivou uma certa vontade de perder a cabeça e arranjar um pé-de-cabra que resolvesse o problema.

Para além do mais, e na mesma localidade, aquando da nossa presença numa esplanada local, vi um sósia de Miguel Esteves Cardoso e fiquei tentado a conversar com o mesmo, manifestandolhe a minha admiração pelo escritor e, ao mesmo tempo, pelo facto de este ser tão parecido com aquele. Seja como for, não aconteceu, com muita pena minha. Talvez num próximo caminho, pois não tenciono ficar por este.

No mais, nada é igual à solidariedade que naturalmente surge entre os peregrinos e

qual se revela em pequenos detalhes tais como quando cada um de nós comprava uma garrafa de água e dava por si a comprar duas ou três, ou seja, uma para nós e as restantes para quem precisasse, não fosse o diabo tecê-las.

Vi jovens com uma postura muito “cool”, vi pessoal menos jovem com uma postura igualmente “cool” e velhotes com uma atitude que eu gostaria de ter daqui a uns (poucos) anos. Cada um fazia o seu caminho, olhava por si, refletia e olhava pelos outros. Vi uma família que fez o caminho com um (nem sei como lhe chamar) carrinho no qual carregavam sempre um dos seus filhos, chegando assim, mais lentamente (mas chegando) ao final.

E chegar lá é (mais uma vez falta-me vocabulário) inesquecível.

Bom caminho.

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António Manuel Monteiro Mendes

O EMBONDEIRO.

Poderia tentar escrever uma tese sobre o Embondeiro, partindo como casa da Justiça. Como Tribunal silencioso. Mulher e homem, crianças. Dignidade. Justeza comunitária.

Não o farei.

Nunca a acabaria.

É simples.

Prefiro saber que o foi, ainda é, no sentido mais puro do equilíbrio da Justiça Além -Terra, crendo no sussurro das profundezas do mato, era assente, imaginem, na pesagem, entre mãos “Digitata/Balança”(só eles conheciam o segredo dessa oralidade) do órgão/coração. Do novo viajante.

Ali, na imensidão ainda vivo. Fui jovem.

Louvei-crescimento, velho sou e seguro a mão da nubilidade.

Ali, em mim, só em mim, mestre sem cor serei teu, tribunal aconchegado.

Num cajado anoso, cinzelado em várias camadas, “O Martelo” era o alerta, o respeito e a ordem para o silêncio.

Tu, nu, nua, serás depois do Soba, do Mestre clamar a verdade, uma outra verdade que não era tua.

Sem ti, árvore minha, nossa, da humanidade, seremos Babilónia, Babel, seríamos cegos. A audição para o velho negro, trajado de negro até aos pés, “A Toga”, rodeado

de outros idosos, cercado de homens e mulheres de vestes coloridas, acocorado, era, de olhos fechados, “A Venda”.

Para além da cegueira, não teríamos a imparcialidade. Com um gaveto na mão, que não a do cajado, riscava o chão usando-o como “Uma, A espada”.

Separava o bem e o mal, protegendo um, punindo o outro, sem nunca revelar a inclinação.

As pálpebras só abririam para os detalhes. Pessoais. Sem serem em função da cor, credo, ou outro elemento visível a olho nu. Terrestre.

O rolieiro-de-peito-lilás é uma ave corajosa. Desde as Savanas até aos limites do Deserto, espalha a profusão das suas cores.

Dizem “os mais velhos” que nidificam, também, (é verdade) nos BaobásEmbondeiros.

São aves corajosas, de visão extraordinária, Unificadora da família, com sentido de Justiça Comunitária.

Será a ave substituta da Coruja?

Não sei.

Sei sim que o Baobá, o meu Baobá l, em Angola, tinha riscos leves, outros mais profundos nas suas cascas, como se fosse um livro de memórias, decisões, de validades.

Um mundo fantástico. Real.

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Contigo, fomos e somos, a feliz identidade nos cinco dedos do juiz, voz fecunda, oralidade, hoje, papel.

Os embondeiros não nascem, são velhos mesmo! Não se curvam perante ninguém.  Tenta só..

Vento de Leste, mais forte que seja, que o tente inclinar!

Dão flores uma vez.

Não dá mais. Uma Só. Num ano...Tem sim...tem flor. Se não tiver... não tem mal...

Fruto inebriante para beber, Múcua meu mano... Pendurado nos gordos ramos... Múcua fruta filamento, agridoce, como o amor.

Porque lhes apetece, porque têm tempo. Porque dormem, os soberanos!

Quando o Cristo nasceu, “os embondeiros da minha terra já dominavam a cena”.

Não veio com o redentor, nem este saberia o que lhes dizer.

Foi a essência da terra que o fez acordar.  Abrir o dia com a criação dos elementos. São cultos.

Como o povo, simples.

Ouve-se o sopro de um estulto que o tentou domar. Nos dias de calor, é a sombra que te protege. Morres, se fugires.

Sem água.

Porque líquido sem cor, inodoro é casa de jus.  Naquele tronco oco, pela enorme protecção serve de amparo.

Alguns dos maiores exemplares podem abrigar no seu tronco oco dezenas de pessoas, oferecendo protecção contra animais selvagens, vento forte, chuva torrencial e seca.

Possui uma sagrada associação com o parto no continente Africano, sendo considerado por muitas tribos como o local de descanso dos seus antepassados.

São espaços reverenciados, princípios da íntima

convicção, oralidade e imediação.

A longevidade é eterna.

Como a do sorriso que se perde na arena da saudade.

Ao longe, por vezes, permitem-nos ver um gesto.  Um vento suão, que lhe agita as folhas da raiz!

Sim, isso mesmo, da origem.

Pode ser miragem...se te rires... Sendo sábio, foi castigado.  Injustamente, pois serviu e servirá sempre de abrigo aos fantasmas do deserto, da savana.

Sabedoria do Céu e da Terra, é pilar, sustentáculo das mãos justas, digitata.

Foi e é refúgio das almas penadas como ele.

Com os pés para cima e a cabeça enterrada na areia.  Nessa areia, onde os olhos procuram o céu sente na raiz a seiva que lhe corre nos braços, um pecado original, a múcua.

Eu gosto.

Existe um provérbio da cubata, “a Sabedoria é como o tronco do embondeiro.  Uma só pessoa não o consegue abarcar”.

O professor diz que é do profeta. Não é.  É do bom aluno.

Serve o oposto. Aiuê...

Sei que não será assim, mas numa dessas lendas, conta-se, que quem por bem for sepultado num embondeiro, a sua alma viverá enquanto a planta existir.

Um guerreiro disse-me... Só...vem só...dorme...

O embondeiro nunca morre…

*****

O Piloto de Casablanca ou

De quando um trabalho de pesquisa (quase espionagem), e a História, se misturam com Hollywood.

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Adelina Barradas de Oliveira RÉ EM CAUSA PRÓPRIA

Quem diria que uma biografia podia transformarse numa aventura para quem a escreveu e para quem a lê?

Quem diria que a Biografia de um português, piloto de hidroaviões, militar da marinha portuguesa, de quando a marinha tinha asas, haveria de figurar num filme que nos marcou a todos e marcará outras gerações se o virem?

Quem diria que encontraríamos no livro Gago Coutinho e Sacadura Cabral, e que o herói do livro seria um Ás em acrobacia aérea, convidado pela América para tomar parte no meeting de Cleveland.

E do General Gomes da Costa, lembram-se?

Também faz parte do livro e do tempo em que havia um Ministro (o Sr Ministro), da Guerra. O livro desliza pela história e por personagens históricas e não deixa de contar episódios marcantes como a passagem além da Taprobana, mas no cabo Espichel até ao Bugio do nosso piloto aviador.

É a história de um “piloto aviador”, como se usava dizer era eu pequena e lia pelo Livro da 4ª Classe Deus Pátria e Família, com criaturinhas iguais às dos livros de catequese, mas sem inferno.

Capataz de “avoação” em Macau, por onde passou com o Santa Cruz que está hoje no Museu da marinha passeia-se da aviação naval à força Aérea e no tabuleiro dos jogos e interesses políticos da época.

Circula da Aero Portuguesa, que já não existe, antecessora da TAP que ainda existe. O livro é sedutor e devora-se como uma aventura. Demonstrativo de um trabalho de pesquisa intensa, de um interesse ilimitado pela personagem escolhida, piloto aviador, português alguns anos de idade, não esquece quem escreve, o que se passava à volta e não deixa de ligar os fios entre isto e aquilo, um avião e um piloto e uma companhia aérea e um filme, até chegar ao lendário Casablanca produzido em 1942. Mas se quiserem passear por Lisboa, dos espiões, da linha do Estoril, dos anos 50, leiam o livro. E se quiserem saber das intrigas políticas de quando havia um Ministro do Ultramar, e das angústias politicas relativas a Goa e Bombaim, leiam o livro.

E do segredo de Natália Correia que, viajando para Lisboa desde os EUA queria deixar a mensagem eterna ao homem com quem não casara, de que, morrendo no voo de regresso, lhe dissessem, que era a ele, não obstante ter-se casado, que ela amava.

Mas a personagem principal desta biografia não era só um charmoso piloto aviador nem um homem de sucesso, era um homem que fazia perguntas políticas em defesa de direitos.

O Biografado foi o piloto do filme Casablanca que no fim aguarda, esperamos nós, o embarque de Rick (Humphrey Bogart) com Ilsa (Ingrid Bergman) mas, onde embarcam Ingrid Bergman e o marido Victor Laszlo, líder da resistência checa, interpretado por Paul Henreid em direção em Lisboa no meio de uma segunda Guerra Mundial.

O livro além de uma biografia fantástica é um passeio maravilhoso pela história em forma de cinema.

Espero sinceramente, que não seja alvo de nenhuma censura por “almas sensíveis”.

E se o título é tentador, acreditem que o que está para além dele é vertiginosamente envolvente e absolutamente enriquecedor, deixando-nos à espera de uma “segunda temporada”.

E sim, porque não passá-lo ao grande ecrã?

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PANO PARA MANGAS

Margarida Vargues

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DO LUGAR ONDE ESCREVO

Depois de um dia imersa a lançar notas - daquelas em que as mais altas podem ser um cinco ou um vinte, consoante o nível de ensino - a preparar reuniões e a rever minutas de actas, já só vejo o ecrã do computador aos quadradinhos. Com certeza, quem inventou as plataformas que vieram substituir os livros de ponto, as cadernetas e as pautas em papel, nunca deu aulas e tem algum amigo numa daquelas ópticas que há por todo o país e onde qualquer pessoa pode entrar.

Levanto-me, e chego à conclusão de que preciso de uma cadeira mais confortável. Janto à pressa qualquer coisa igualmente cozinhada sem esmero e volto para a cadeira que me está a deixar as costas moídas. Ligo novamente o computador que, entretanto, adormeceu.

Tenho, ainda, um artigo para escrever. Não pode passar de hoje. Estou quase no limite e gosto de cumprir datas. Mas o que me irá sair do teclado? Não sei. A inspiração teima em não vir, talvez atordoada pelo cansaço. Continuo a ver quadradinhos em vez de uma folha em branco.

Olho à minha volta e procuro ideias naquilo que me rodeia: quadros pintados por diversas pessoas, fotografias - muitas! -, que me trazem memórias de dias felizes e uma estante com livros, que normalmente deslumbra quem aqui entra. Não percebo bem o porquê, mas imagino que deva ser a mesma sensação que tenho quando espreito por um passaporte repleto de carimbos.

Tal como esse que denuncia por onde o dono deambulou, também os meus livros dizem sobre quem eu sou. Os “da escola” estão noutra divisão, bem como as gramáticas, os dicionários e os de leitura obrigatória ao longo do terceiro ciclo e secundário. Qual pequena biblioteca, esta estante arrecada leituras para quase todos os momentos da minha vida: poesia, romance, desenvolvimento pessoal, marketing digital, livros infantis, de crónicas e de contos, outros que não sei categorizar, de astrologia e - pasme-se - um tarot! Numa palavra apenas: eclética.

“Já leste estes livros todos?” - perguntam-me amiúde. Assim, a olho nu, e da cadeira onde estou sentada, conto cerca de duas centenas. Não são assim tantos e não, não os li todos. Há muitos que gosto de ir lendo - que é como quem diz: abrir, ler, sublinhar e reflectir. Todos os livros trazem algo de novo, mesmo que os leia mais do que uma ou duas vezes. São como as pessoas na nossa vida: há as que estão de passagem e há as que chegam e não mais vão embora. Para os dois casos, o fado encarrega-se de nos dizer o porquê de assim ser.

De regresso aos livros. O último que li? Curiosamente, foi também o mais recente a ser comprado: O Barco das Crianças, de Mario Vargas Llosa. Está catalogado como juvenil e embora já não seja para a minha idade - se é que isso existe -, assim que soube que um dos personagens era o mesmo que aparece noutras duas obras do mesmo autor, tive a certeza de que tinha de o ler: Fonchito! Alfonso, que às vezes é Alfonsito ou Foncho e outras é Fonchito, é, deveras intrigante. Tanto pode ser um dócil e ingénuo menino como uma criatura ignóbil, capaz de deixar os mais sensíveis de estômago revoltado.

Nas três obras em que surge, o pai é o mesmo e em duas delas aparece a figura da madrasta. Numa, vive num apartamento; noutra, numa mansão e na terceira no que parece ser, apenas, uma casa. Será o mesmo Fonchito que leio?

As três obras em causa são:

Llosa, Mario Vargas, Elogio da Madrasta, Dom Quixote, 2012

Llosa, Mario Vargas, Fonchito e a Lua, Editorial Presença, 2021

Llosa, Mario Vargas, O Barco das Crianças, Editorial Presença, 2019

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DIREITOS ... VISTE-LOS ... JÁ FORAM!

Todos sabemos que quanto a direitos .... estamos a ficar pouco abonados. Conversa - muita, do melhor, palavrosa e cheia daquelas expressões estrangeiras que soam a global, a gente informada, a gente do mundo.

Também não nos podemos queixar muito. Afinal, começámos a achar que só tínhamos direitos ... e os deveres eram sempre para outros. E depois, começámos a ter opinião sobre tudo, sobre todos e, isso, é a maior montra da nossa ignorância. As pessoas permitem-se cada coisa! Não posso, obviamente, escrever aqui tudo o que me vai na alma sobre esta matéria. Não há tempo nem espaço e, mais do que isso, estas linhas não pretendem acabar com o vosso bom humor nem com a esperança de que hão-de vir dias melhores.

Hoje, os direitos que me estão a dar volta ao estômago, são os direitos de autor.

E passo a citar dois nomes grandes da

escrita, agora insultados por esse mundo, com justificações ridículas, caricatas, insultuosas para qualquer coeficiente de inteligência:

Agatha Christie e Enid Blyton são duas autoras sobejamente conhecidas. Não precisam de apresentação. E, no entanto, embora os seus livros de ficção tenham feito o maior sucesso ao longo de décadas, o que significa muitas, muitas vendas, não consta que tenham prejudicado o crescimento de ninguém, ou, melhor dizendo, de alguém.

Tanto quanto se sabe, não tiveram consequências nefastas no comportamento humano.

E, tanto quanto se sabe, fizeram companhia a milhões de leitores de todas as idades, por esse mundo fora ...

São só estas autoras a sofrer estes golpes inqualificáveis? Claro que não. E a cena já se passa também em filmes, não tarda

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na música, e vai alastrar a tudo o que esta moderna mentalidade se lembrar de calar. Porque é disso que se trata: calar! E a imaginação, a criatividade, as ideias, bom isso tudo tem regras muito rígidas, imagine-se, neste admirável mundo novo.

Os castradores, que se chamavam antigamente censores, os homens do lápis azul, são agora - imagine-se - leitores de sensibilidade.

Isto não vos assusta? Assusta, com toda a certeza. Porque quem dita as regras está a virar o mundo do avesso. E com um nome tão pomposo, até parece que estão a fazer um bem ao mundo, muito concretamente aos autores.

Em Portugal a coisa parece ligeira. Parece! Ainda não se passa ao nível dos direitos de autor. Mas havemos de lá chegar. Com a pressa que sempre temos de estar à frente, também chegamos primeiro à beira do precipício.

VOCÊ CORTA A ETIQUETA?

Este desabafo foi provocado pela ligeireza com que estas notícias foram tratadas. Pelo que vi, li, senti, por aí, a revolta foi passageira. Mas este Mal parece que veio para ficar.

E quanto à etiqueta?

Pois parece que isto tem tudo a ver. Andam a cortar nela forte e feio. E - nós? Nós temos aquele papel fundamental de umas vezcortar ... e outras - nem por isso, porque o tempo anda para a frente e nós ... nós, às vezes, andamos a correr para trás.

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MARGARIDA DE MELLO MOSER.
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DIREITOS ... VISTE-LOS ... JÁ FORAM!

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pages 36-37

DO LUGAR ONDE ESCREVO

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O Piloto de Casablanca ou

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pages 32-34

O EMBONDEIRO.

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pages 30-31

CANTINHO DO JOÃO João Correia

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pages 29-30

O Caminho de Santiago é um caminho único. Único entre todos os restantes.

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Investigações Inconclusivas

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pages 26-27

INVESTIGAÇÕES INCONCLUSIVAS

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pages 24-25

Ai Timor!

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pages 22-24

RUAS DE LISBOA

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pages 20-21

LICÍNIA QUITÉRIO MARIA, MARIA

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pages 16-19

Ommm!

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pages 14-15

ALOIS VOGEL,

5min
pages 10-14

Liberdade, liberdade

2min
pages 9-10

A NORMALIDADE E A JUSTIÇA

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pages 6-8

GIL TEIXEIRA ADVOGADO

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Jardim Botânico da Ajuda

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DIREITOS ... VISTE-LOS ... JÁ FORAM!

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LICÍNIA QUITÉRIO MARIA, MARIA

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A NORMALIDADE E A JUSTIÇA

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GIL TEIXEIRA ADVOGADO

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Jardim Botânico da Ajuda De 17 de Maio a 11 de Junho

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