Edição 312 - Jornal Universitário de Coimbra - A CABRA

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7 DE MARÇO DE 2023

ANO XXXIII Nº312 GRATUITO PERIÓDICO

DIRETORA JOANA CARVALHO

EDITORES EXECUTIVOS LUÍSA MACEDO MENDONÇA E FÁBIO TORRES

ACADEMIA DE MULHERES

JOÃO CASEIRO 2022/23

RENATO DANIEL PEDRO MONTEIRO TOMÁS VIDAL

DANIEL AZENHA

JOÃO CASEIRO / CESÁRIO SILVA JOÃO ASSUNÇÃO

JOÃO ASSUNÇÃO MARIANA FELÍCIO JOÃO FIGUEIREDO

ALEXANDRE AMADO

DANIEL ARAGÃO JOÃO DIOGO DIOGO TOMÁZIO

RENATO DANIEL ANA RITA JESUS PEDRO MARQUES DIAS

DANIEL AZENHA PEDRO GOUVEIA ELISABETE SANTOS

JOÃO ASSUNÇÃO JOÃO FIGUEIREDO RAQUEL MARTINS

ALEXANDRE AMADO GONÇALO BENTO

Legenda: Os presidentes e os seus vice-presidentes da DG/AAC nos últimos anos

- PÁG. 2-5ENSINO

Repúblicos enfrentam problemas como inflação do preço de alimentos, degradação dos imóveis e possíveis despejos.

- PÁG. 6-8CULTURA

“Sempre fui verdadeira comigo própria e não me submeti a qualquer situação que cortasse os meus direitos como mulher e como profissional” - Lúcia Moniz

- PÁG. 9-10 -

DESPORTO

Num mundo em que desporto é sinónimo de homens, as mulheres da Académica lutam pelo destaque no futsal.

DANIEL AZENHA MARIANA GASPAR ANA FERNANDES

JOÃO CAROCHA JOSÉ DIAS

LEONARDO MARTINS

LUIS MONIZ

DANIEL REIS NUNES

- PÁG. 11 & 14-15 -

CIÊNCIA

Inteligência Aritifical pode ser auxiliar para o estudo. Apesar de avanços, investigadores avisam que os modelos não são perfeitos.

- PÁG. 16-18 -

CIDADE

O lado menos conhecido da prisão: a educação e formação profissional como medida de reintegração dos reclusos na sociedade.

JOSÉ DIAS ALEXANDRE AMADO DANIEL AZENHA BRUNO MATIAS 2021/22 2020/21 2019/20 2018/19 2017/18 2016/17 2015/16 2014/15

CR preocupado com sustentabilidade das casas

Desde o século XIV, as repúblicas são parte integrante da comunidade conimbricense. Consideradas património histórico e cultural da cidade, existem agora 25 repúblicas ativas, das mais de cem, desde o século XIX. Os repúblicos, moradores das casas, têm vindo a reivindicar melhores condições de alojamento: procuram autonomia dos senhorios e também fazer frente às adversidades que encontram, tanto em questões logísticas, financeiras, ou burocráticas.

A burocracia apresentada aos estudantes no momento de pedido de apoios à Câmara Municipal de Coimbra (CMC) compromete a sua capacidade de negociação. “As casas são feitas pelos repúblicos e muitos não sabem como proceder”, confessa Ricardo Gomes, repúblico dos Fantasmas. Acrescenta ainda que, apesar de os residentes terem “prioridade na compra dos imóveis”, o Novo Regime de Arrendamento Urbano causa o “agravamento da situação”. O estudante expõe a necessidade das repúblicas adquirirem as casas, sob pena de serem despejados. Contudo, “os preços são exorbitantes”, lamenta

O Conselho das Repúblicas (CR) deu o seu parecer sobre a situação da desejada compra dos imóveis da Real República dos Fantasmas e da Real República Rápo-táxo, por exemplo. Ricardo Gomes revela “uma intenção geral dos senhorios de vender [os imóveis] a alojamentos locais”.

O CR apresentou em Assembleia Magna uma carta aberta que, de acordo com Pedro Costa, representante dos Paços da República Baco, é a

“demonstração da atividade das repúblicas e da sua resiliência face às adversidades”. Sobretudo, tencionam mostrar aos outros estudantes presentes que “há consciência dos problemas por parte das repúblicas, que os estão a manifestar”. Quando questionado sobre o documento, Pedro Costa sublinha a necessidade de que “a mensagem seja partilhada e ouvida”, mas “da escuta à ação ainda vai um bocado”. “Esses comunicados já foram feitos antes em vários momentos”, garante. No entanto, segundo o mesmo, a resposta parece ser a mesma com o passar dos anos: “Há tendência para ignorar as repúblicas, porque não representam uma fonte óbvia de lucro”, declara. Esta é uma realidade contra a qual as casas tentam agir, sendo que “neste tempo de crise, surgem como uma alternativa face à insuficiência de alojamento para os estudantes mais carenciados”, reitera. Além disso, o estudante acredita que as repúblicas “fazem parte da identidade da cidade e da Universidade de Coimbra (UC)”. Por isso, considera que a atual situação de inflação económica é “incomportável” e que as casas estão preparadas para agir.

A carta é direcionada também aos Serviços de Ação Social da UC (SASUC), que fazem a distribuição de bens alimentares às repúblicas, mas que têm demonstrado “alguma deficiência de serviço”, menciona Ana Pereira, residente da República dos Galifões. “A distribuição de alimentos, que era semanal, agora é quinzenal devido à ausência de motoristas e carrinhas frigoríficas por parte dos SASUC", explica a portavoz. Refere ainda a “falta de variedade, o mau

acondicionamento dos alimentos e os produtos com a validade a caducar”. Ana Pereira também aponta para o facto de o plafom dos serviços continuar “a ser insuficiente” e que “não se sabe se vai aumentar, devido à falta de respostas por parte dos SASUC”.

De acordo com a representante dos Galifões, também a reitoria da UC tarda em responder, “mesmo àquelas das quais é proprietária”, como a República das Marias do Loureiro e os Paços da República Baco. Nestas duas casas são necessárias obras, uma vez que “as condições muitas vezes chegam a ser insalubres”, expõe.

O porta-voz dos Fantasmas revela que a CMC “considera as repúblicas como uma entidade de interesse histórico, cultural e social, mas não age como tal”. Este reconhecimento não é sentido pelos moradores, visto que o município “apresenta desculpas de enquadramento legal, que fazem sentido, mas não são uma resposta concreta”. Acrescenta que a instituição camarária não dá apoio monetário, ainda que pudesse conceder “isenção de imposto de selo na transmissão de imóveis às repúblicas”, assim como a “isenção de IMI e AIMI”, após a sua obtenção.

Os quatro porta-vozes do CR terminam por informar que ainda não existe uma data para a compra oficial dos imóveis que se dispõem a fazê-lo. Não obstante, há “esperança de que seja ainda durante o segundo semestre”. Conclui ao relembrar que “é importante manter uma comunicação ativa com todas as partes”.

7 de março de 2023 02 ENSINO SUPERIOR
CR expõe adversidades de manutenção e sustentabilidade das casas. CMC considera repúblicas uma entidade de interesse, mas “não age como tal”, declara representante dos Paços da República Baco.
- POR SAM MARTINS E MARIJÚ TAVARES - Por Sam Martins

Estudantes em situação de emergência por razões humanitárias: uma realidade diferente

Iniciativas de integração e apoio pela UC e SNS consideradas insuficientes. Reda Chihab destaca esforço de professores na integração linguística.

Acrise migratória na Europa é reconhecida como uma situação humanitária grave que, de acordo com o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), atingiu níveis críticos em 2015. Com oaumento de migrantes a tentar chegar à Europa, deu-se o maior movimento de pessoas em busca de proteção internacional desde a Segunda Guerra Mundial. O vice-presidente da Comissão Europeia, Frans Timmermans, apresenta as guerras, conflitos internos, fome e perseguição religiosa como razões para a chegada destas pessoas vindas da África, Médio Oriente e da Europa de Leste.

Foram enviados 1440 pedidos de asilo a Portugal no ano de 2021, a maioria dos quais, segundo o ACNUR, vieram do Afeganistão, de Marrocos e da Índia. No entanto, Portugal foi um dos países que menos recebeu refugiados da União Europeia, com uma taxa de recusa próxima aos 40 por cento, de acordo com o Relatório Estatístico do Asilo 2022, elaborado pelo Observatório das Migrações.

O mais recente conflito bélico, que provocou a deslocação de milhares de pessoas, foi a guerra Rússia-Ucrânia, que se iniciou em fevereiro de 2022. Desde então, estima-se que haja 14 milhões de nacionais ucranianos deslocados. Como resultado, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) relata que Portugal outorgou cerca de 53 mil proteções temporárias a estes cidadãos. Informa ainda que os pedidos de proteção de menores representam cerca de 25 por cento do total das requisições.

Esta realidade tem também atingido a Universidade de Coimbra (UC), cujo número

de estudantes em situação de emergência por razões humanitárias aumentou. Esta crise intensificou-se “sobretudo com os conflitos na Síria e na Ucrânia”, disse ao Jornal A CABRA Dan Klajnberg, aluno de mestrado de Relações Internacionais na Faculdade de Economia da UC (FEUC) e responsável pelo pelouro de Relações Internacionais da Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC).

Segundo o estudante da FEUC, a UC abriga 68 estudantes refugiados, dos quais 17 são nigerianos, dez são ucranianos, outros dez são marroquinos, oito são paquistaneses, outros oito são sírios e um é venezuelano. Reda Chihab, aluno do Departamento de Arquitetura da UC (DARQ), está na cidade há um semestre, proveniente de Marrocos. O estudante demonstrou satisfação em relação ao seu processo de adaptação ao ambiente universitário português. Por outro lado, Dan Klajnberg revelou que o sentimento não é partilhado por todos os alunos na mesma situação.

Apesar de reconhecer como “notórios” os esforços da UC na integração desta comunidade estudantil, Dan Klajnberg comentou que “ainda são substanciais as dificuldades dos refugiados na UC”. Aponta também que “o maior obstáculo que eles enfrentam é a língua”, e Reda Chihab concordou. Segundo o estudante marroquino, o idioma tem sido o maior obstáculo no seu processo de adaptação, pois nem todos os seus colegas sabem exprimir-se em inglês.

Como forma de facilitar a inclusão destes estudantes, o membro da DG/AAC pensou na realização de uma atividade que consistia “numa visita guiada ao edifício-sede da AAC, de forma

a dar a conhecer as secções culturais e a conviver com outros alunos”. A atividade iria servir para “criar uma rede de apoio mútuo” e “expor a AAC como um espaço que conta com diferentes apoios, pedagógicos ou sociais”, explicou. No entanto, a resposta das secções culturais foi escassa "para a importância e a complexidade do projeto”, destacou o estudante da FEUC.

Em relação a combater a xenofobia que estes estudantes podem enfrentar na UC, Dan Klajnberg considerou tratar-se de “uma situação complicada”, mas julgou que o primeiro passo é criar atividades “onde possa haver uma partilha de experiências”. Por outro lado, Reda Chihab mencionou não ter passado por nenhuma situação xenófoba desde que chegou à faculdade. Realçou ainda a amabilidade dos seus professores, que tentam diminuir a barreira linguística.

Segundo o estudante do DARQ, a responsabilidade de prestar apoio psicológico aos discentes refugiados é do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que, a partir de 2020, começou a disponibilizar linhas de apoio psicológico em inglês. Ainda assim, estes serviços do SNS e da UC “estão bastante lotados", destacou o membro da DG/AAC, o que significa que “vários estudantes saem prejudicados pela falta de disponibilidade”.

Por último, Dan Klajnberg fez um pedido de aproximação a todos os membros da comunidade académica aos estudantes refugiados, pois “passam por uma situação particular e precisam de apoio”. O responsável reforçou que estes “são ainda marginalizados” e que “um simples convite ou um contato fazem uma diferença absurda”.

03 7 de março de 2023 ENSINO SUPERIOR
Por Simão Moura

“A AAC é de todos, mas não é para todos”

No dia 20 de outubro de 2022, na primeira Assembleia Magna (AM) do ano letivo, o presidente da Pró-Secção de Boccia da Associação Académica de Coimbra (AAC), Bernardo Lopes, chama à atenção para a dificuldade de acesso a certos locais da cidade, onde se insere a AAC. Alguns dos problemas que os estudantes que se encontram nesta situação expõem de forma consensual são a falta de rampas no edifício-sede, o piso acidentado, e a diferença de tratamento espelhada por alguns funcionários da Académica.

Na consequência destes entraves, Bernardo Lopes elaborou um projeto em que elenca uma série de fotografias do que considera edifícios “bem adaptados”, como exemplos de possíveis soluções. Informa ainda que o envia todos os anos à Direção-Geral da AAC (DG/AAC), e, até agora, “não resultou em nenhuma ação significativa”. Na AM acima referida, sugeriu a criação do cargo de provedor do estudante com deficiência (separado do cargo de provedor do estudante, já existente) e de um grupo de trabalho dedicado a melhorar a acessibilidade de diversos locais da cidade. Apesar de ambas as propostas terem sido aprovadas, o dirigente afirma que, até ao momento, ainda não recebeu “nenhuma informação” sobre estas questões.

Juliana Azevedo, membro da Seção de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH/AAC), faz suas as palavras de Bernardo Lopes quando explica como a acessibilidade do edifício impactou a sua

atividade nas estruturas da casa. Para além das escadas, a seccionista indica as condições do próprio chão como um entrave para estudantes de mobilidade reduzida, “sobretudo estudantes de cadeira de rodas”, que precisam de “pisos planos”. Ciente da presença de uma rampa na entrada virada para os Jardins da AAC, a associada relembra que esta, “por causa da chuva e do frio”, já foi fechada. "Se não está a ser utilizada, não se pode sequer considerar que temos uma rampa”, lamenta. “A Académica é de todos, mas não é para todos” conclui a estudante.

Francisca Tralhão, estudante de Jornalismo e Comunicação na Faculdade de Letras da UC, fala também das condições do acesso ao edifício através dos Jardins, que as descreve como “um bocado vergonhosas”, devido às mesmas razões. Outra questão que aponta é a forma como é abordada pelos funcionários da Académica: “as pessoas têm tendência para pensar que, se alguém tem um problema, deve ser tratada como se tivesse cinco anos, e eu tenho 25”.

De forma a dar resposta a estas questões, o administrador da DG/AAC, Diogo Tomázio, deu a conhecer um concurso em que vai ser possível apresentar projetos para melhorar a acessibilidade do edifício. Apesar de não haver datas delineadas para o início, o membro da DG/AAC declarou que a intenção é “ter esse projeto a funcionar até ao final do ano letivo”. Até lá, Diogo Tomázio mencionou a possibilidade da criação de uma sala de reuniões no piso zero com o pro -

pósito de resolver o problema de forma temporária. “A acessibilidade a outros pisos, pelo menos até ao segundo, já seria uma evolução tremenda”, refere o estudante. Quando questionado sobre a comunicação para a resolução dos problemas entre dirigentes e estudantes com mobilidade reduzida, o administrador manteve que a direção da casa se pauta pela “proximidade, quando se reúnem os fatores necessários e os estudantes o permitem”.

Em relação às propostas da criação do cargo de provedor do estudante com deficiência e de um grupo de trabalho para melhorar a acessibilidade em Coimbra, apresentadas por Bernardo Lopes, o administrador afirmou que “garantir que esses estudantes sejam defendidos é um dos objetivos”. No entanto, revela que este processo está “de momento, em pausa” devido à passagem de pasta para uma nova equipa reitoral. Ainda assim, Diogo Tomázio acredita que a DG/AAC vai voltar a procurar soluções em breve, a começar com a nomeação de um novo provedor do estudante. Para o administrador, alargar as funções do cargo para englobar toda a comunidade académica com dificuldade motora, de modo a incluir funcionários e docentes empregados pela UC, é uma das possibilidades.

Com Luísa Macedo Mendonça, Simão Moura e Maria Inês Pinela

7 de março de 2023 04
Condições do edifício-sede condicionam estudantes de mobilidade reduzida. Administrador da DG/AAC sugere criação de sala de reuniões no piso zero e, a longo prazo, concurso de projeto para adaptação do edifício-sede.
ENSINO SUPERIOR Por Simão Moura

Uma utopia musical no feminino

- POR SIMÃO MOTA -

Reunidas em roda, num ambiente de comunhão, de braços no ar e sorrisos na cara, trocam olhares de cumplicidade. O ensaio, de duas horas, começou por volta das 20h30, com uns aquecimentos vocais. Num altar improvisado, o piano dedilhado por Neli Beloti, uma das coordenadoras, de 58 anos, segura a afinação para os primeiros exercícios. A coordenadora, que organiza e estrutura os arranjos do coro, interrompe uma e outra vez os aquecimentos, em busca de uma voz que, escondida pelo grupo, se desviou do tom. A reação do coro não é de embaraço, mas de tranquilidade. A harmonia e a cumplicidade são os tons que ligam os diversos naipes. “Normalmente há três vozes... nós chamamos baixas às contraltos, as rasas são as mezzo-sopranos e as ribas são as sopranos”, diz Neli com um sorriso. Depois de voltar a afinar no tom certo, o coro retoma os aquecimentos. Em meia-lua, as mulheres levantam os braços, gargarejam e baloiçam ao ritmo do exercício. Vão testando segundas e terceiras vozes, ao mesmo tempo que se distribuem pela sala do Atelier A Fábrica - o espaço cultural, situado na baixa da cidade, que recebe o coro todas as quartas feiras. Os movimentos de baloiço vão-se tornando circulares e, aos poucos, forma-se uma grande roda que simula o trabalho no campo. As rédeas do ensaio são, nesta altura, entregues a Vânia Couto, música profissional e outra das impulsionadoras do coro. Desta vez, ao alternar entre viola e um adufe, o trabalho intensifica-se, com uma demorada análise de cada parte do coro. Os naipes têm que estar bem conjugados e em sintonia.

A ideia do coletivo parece ser a mais importante e todas fazem questão de salientar esse motivo recorrente. Apesar desta filosofia, a presença de Vânia Couto é a que todas parecem reconhecer como a que mais sobressai. No entanto, a coordenadora tenta contrariar esta ideia: “existe uma espécie de anarquia orgânica - todas decidem, votam, sabem quais são os ‘cachets’, quem ganha o quê, o que se faz e as decisões surgem de forma natural”. Apesar de rejeitar o título de líder, reconhece que “um coletivo é utópico”, mas acredita na possibilidade de “um coletivo em que todas podem decidir”. A coordenação dos assuntos correntes está de tal forma assegurada pelas equipas de gestão que, durante os ensaios, Vânia e Neli podem dedicar-se ao trabalho musical.

Embora só tenha iniciado a sua atividade em outubro do ano passado e ter estreia prevista para novembro deste ano, o coro tem aproveitado uma grande divulgação mediática e uma onda de apoios. O trabalho em torno do tema popular “Desenrola o Teu Cabelo” foi motivo de interesse por parte de Tiago Pereira, diretor do projeto A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, que decidiu gravar o grupo em janeiro deste ano.

Durante o ensaio, este tema volta a ser trabalhado e parece estar mais assente, passadas duas repetições. Depois de um demorado esforço por uma passagem de um tom maior para menor, surgem os aplausos espontâneos...

“Às vezes tenho vontade de chorar, fico muito emocionada. Fico mesmo feliz ao saber que sentiram união e beleza naquele momento”, con-

fessa Vânia Couto. Para a música, o trabalho de recolha e de escolha de repertório está intimamente ligado com a filosofia do coro: “eu estive em casa de uma senhora nas aldeias do xisto a fazer recolhas e trouxe esta canção... quando eu sinto que esta gente está a cantar a canção que essa senhora me ensinou, choro. Isto é uma homenagem a todas as pessoas que nos dão o património musical que herdámos”.

A vontade de fazer parte de um coletivo musical feminino, com um repertório de música popular, ligou pessoas de áreas distintas como Cláudia Morais, responsável de comunicação, Sofia Coelho, atriz, e Katrin Pieper, doutoranda. “Era mesmo disto que o grupo precisava, sentia-se a falta de um espaço como este, um coletivo só de mulheres e com música tradicional portuguesa”, diz Cláudia Morais. Apesar da exigência dos ensaios, Catherine confessa: “faz-me muito bem vir cá e sentir o espírito do grupo. Durante a semana toda fico ansiosa pela próxima quarta-feira”.

Quanto ao futuro, segundo Vânia Couto, os planos são “fazer concertos em salas, auditórios e apresentar um espetáculo performativo com encenação própria, movimento, texto, ilustração, totalmente concebido e executado pelas mulheres do coro”. No final do ensaio arrumamse os materiais, organizam-se os transportes e fazem-se as despedidas. Ficou a imagem singular de que n´A Fábrica, onde ensaia o Coro das Mulheres, as máquinas são afinal vozes, o ruído é harmonia e as operárias constroem, com o seu canto, uma utopia no feminino.

05 7 de março de 2023 CULTURA
O Coro das Mulheres da Fábrica afina pelo mesmo tom: o coletivo, a música popular, a igualdade e uma cumplicidade feminina.
Por Simão Mota

As multitudes artísticas de uma mulher: a carreira de Lúcia Moniz

Artista compartilha maiores desafios enquanto mulher no seio da indústria artística em Portugal. “É preciso acreditar que tem de haver igualdade: não só nas artes, mas em todas as profissões”, defende.

Tem-se destacado em diferentes ramos artísticos. Sente que ficou alguma coisa por fazer?

Quando achar que já fiz tudo não é bom sinal. Eu não faço uma 'checklist' do que já fiz ou não. Considero-me uma pessoa privilegiada no meu percurso profissional, tenho sempre conseguido seguir as minhas aptidões no mundo das artes e concretizar projetos que as envolvem, tanto na música, como na representação. Com a escrita não arrisco tanto, gosto mais de ler do que escrever.

Alguma vez pensou em seguir outro tipo de percurso profissional?

Não. Quando era pequenina queria ser bailarina. No meu oitavo ano queria ser ‘designer’ e foi o que estudei na faculdade por dois anos. Lá está, tudo rondava as artes. Já tive vários sonhos de outras facetas, mas sempre no seio artístico, porque cresci nesse meio. Não só os meus pais, como também as pessoas que frequentavam a minha casa, que conviviam com eles… tive um contacto muito direto com artistas. No meu caso, foi algo natural.

Diria que ter crescido com pais músicos influenciou a sua relação com a música?

Sim, sem dúvida. O meu avô era pianista e o meu bisavô era maestro de orquestra e violinista. Está-me no sangue. Também cresci a ouvir música, fiz muitas tournées pelo país na barriga da minha mãe. Estudei no conservatório, portanto também tenho essa formação musical de escrever e ler música, o que é sempre um bónus. Esse foi um percurso muito natural. A representação é que já foi fora do esperado, mas, mesmo assim, não está totalmente fora do meu ADN.

Como é que surgiu a representação na sua vida?

A minha avó materna foi a primeira funcionária pública e a primeira mulher a fazer rádio na ilha Terceira, onde chegou a criar uma personagem. Pode ter sido daí que herdei o meu jeito para teatro e gosto pela representação, mas era algo que estava muito longe daquilo que eu projetava no ramo profissional. Estava muito focada na música, mas tive a oportunidade de compor para uma peça de teatro e, no decorrer dos ensaios, chamaram-me para cantar

no espetáculo. Isto aconteceu logo a seguir ao Festival da Canção, tinha 19 anos. Aí comecei a ter um envolvimento diferente com o teatro, mais presente, vivo. Durante os ensaios o encenador escreveu-me um texto e criou uma personagem para mim. Tudo isso foi novo, mas tive imenso prazer e foi aí que comecei a ponderar seguir o ramo da representação.

Em 2003 recebeu um convite para participar no filme britânico ”Love Actually”, estreando-se a nível internacional. Também foi premiada com a longa metragem “Listen”. Como foi fazer este salto para fora do país?

Fiz o ‘casting’ para o “Love Actually” em Portugal, que foi depois enviado para Madrid e daí para Inglaterra. Foi a minha primeira experiência de ‘casting’ de cinema, e ajudou-me a perceber o que queria daí para a frente, além da música. A oportunidade surgiu porque fazia pequenos trabalhos como atriz. Quando me vi naquele meio, a lidar com aquele nível de trabalho, apercebi-me de que, se eu quisesse seguir cinema, estava na altura de o levar mais a sério. Foi então que comecei a fazer mais 'workshops' e formações que me dessem ferramentas para enfrentar outros desafios desta área.

Qual foi o convite mais irrecusável da sua carreira? E qual o mais desafiante?

Em relação aos desafios, gosto sempre de encarar aquele com que estou a trabalhar no momento como principal. Há, sem dúvida, projetos que me marcam e que vão marcar o meu percurso para sempre. Por exemplo, lembrome que li uma das primeiras páginas do guião do “Listen” e deu-me alguma coisa… sei lá... quis ligar à realizadora a dizer-lhe "eu quero fazer isto!". Sabes quando não queres perder mais tempo porque achas que um segundo depois já é tarde demais? Disse-lhe: "só estou nas primeiras páginas, mas já percebi que quero fazer parte desta mensagem, desta causa que estás a abraçar a partir da tua expressão artística, portanto conta comigo!", e foi assim. Não me desiludi, de todo. Foi muito especial. A nível de desafio mais recente como atriz, a série Santiago, que estreou na Opto, foi uma grande montanha russa.

O que nunca se imaginaria a fazer? Não sei. Não quero dizer não a uma coisa que

eu ainda não tentei fazer, mas também não diria que sou capaz de tudo. Se me chegasse um desafio que não estava nada à espera, eu iria querer analisar de forma a perceber se é para mim ou não. Para já, não gosto de prever isso.

Tem alguma colaboração de sonho?

Tenho colegas atores, atrizes e até realizadores, que admiro muito e com quem gostaria muito de trabalhar. Às vezes cruzamo-nos em encontros de artistas e fica no ar a ideia de uma colaboração, não é algo que idealize ou um objetivo. São coisas que eu gostaria muito que acontecessem, mas acho que não tem de ser forçado ou influenciado.

Como foi a experiência de sair do 'spotlight' e encenar a peça infantil "João Sem Medo"?

Isso foi outro desafio! Foi algo proposto pelo Marco Medeiros que é um encenador da companhia Palco13. Ele propôs-me: "gostava muito que encenasses as aventuras do João Sem Medo". Eu nunca tinha dirigido uma peça na vida e ainda lhe disse "és maluco" (risos). Lá está, uma coisa que eu se calhar diria “nunca vou fazer”. Fiquei assim a pairar um bocado e a pensar "faço ou não faço?”. Então, desafiei o meu irmão, porque não me sentia ainda preparada para pôr um espetáculo de pé sozinha. Isso foi fantástico, já tinha visto peças produzidas pelo meu irmão e acabámos por trabalhar juntos. Ele foi o meu assistente, mas, na verdade, acabou por ser um trabalho em conjunto. Foi a primeira vez que dirigi atores, tive imenso prazer em fazê-lo, até mesmo de perceber como é que eu gostaria que a história fosse apresentada a nível estético. Foi um espetáculo muito bonito que vou sempre recordar com muito amor.

Qual a área a que tem dedicado mais tempo? Neste momento, na ilha Terceira, eu e o meu irmão vamos dar aulas de teatro, que é o que vou fazer daqui a bocadinho. Temos um grupo de 28 jovens no qual abordamos todas as técnicas teatrais e exercícios de improvisação, bem como tudo o que possa acontecer a partir daí... É uma forma de nos desinibirmos, discutir assuntos, ter um espaço democrático para exprimir opiniões e percebermos quais são as nossas inseguranças e vencê-las. O teatro tem todas essas capacidades! Está a ser um desafio espetacular.

7 de março de 2023 06 CULTURA

Já estamos no terceiro ano e todos os anos encenamos um espetáculo com eles.

Aproximando-se o Dia Internacional da Mulher, qual a sua figura feminina de referência?

Ahh! Isso é... uff... Não consigo nomear uma figura! Posso falar de três mulheres. Estou agora a trabalhar nas "Novas Cartas Portuguesas", obra literária da Maria Isabel Barreno, da Maria Teresa Horta e da Maria Velho da Costa. Nestes últimos meses têm sido as minhas grandes referências femininas. Estou a organizar uma espécie de maratona de leitura com a obra para assinalar o Dia Internacional da Mulher. Portanto, estas três mulheres são, sem dúvida nenhuma, uma referência enorme de resistência, coragem e luta pelos direitos da mulher através da arte.

Que dificuldades é que sentiu enquanto mulher no seio da indústria artística em Portugal?

Umas de forma mais direta, outras menos, porque o sistema funciona assim… Só pelo facto de sabermos que há mais papéis para homens do que para mulheres. Há pouco tempo

recordei uma história, que me chocou e me fez perceber a minha condição de mulher. Na altura do "Love Actually", em 2003, antes do filme sair, encontrei uma agente inglesa - porque o filme ia sair e ia ser exibido no mundo inteiro - e íamos começar a trabalhar. Entretanto engravidei e liguei-lhe, estava super feliz quando lhe disse: "estou grávida, vou estar um bocadinho mais condicionada, a barriga vai crescer! Queria que soubesses disto". Ela disse-me: "vais ter de escolher, porque estás numa altura da tua carreira em que tens todas as oportunidades à tua frente. Portanto, ou és mãe ou segues a tua carreira". O pior é que foi uma mulher a fazer-me isto, o que é mais grave. Aquilo bateume... pff sei lá! Eu fiquei congelada. Fiquei chocadíssima, triste, foi muito chocante. Só consegui descrever o que senti anos mais tarde. Na altura ela diz-me aquilo - escolhe. Eu disse, "ok, já escolhi, vou ser mãe"! E foi o que aconteceu. Não hesitei, porque não tinha sequer dúvidas. Agora, ser posta nesta situação é muito grave.

Como é que a arte pode servir de forma de contestação em prol da luta feminista?

As "Novas Cartas Portuguesas" são um grande exemplo, o que é transversal a toda a arte

interventiva, que queira dar voz a quem não a tem devido à opressão. Este livro deu-me força para falar. A literatura e, em especial, esta obra, foi e é um grande exemplo de manifestação pela arte, por ter conseguido fazer o chão tremer. A arte tem essa força de provocar quem não quer ser provocado.

Que mensagem gostava de passar a uma mulher que está agora a iniciar um percurso nas artes em Portugal?

Eu nunca tive jeito para fazer esse tipo de coisas, não arrisco. No meu percurso comunico com outras mulheres, já servi de apoio a algumas e fui apoiada por outras. Uma coisa que eu possa dizer concreta, não sei. Que horror! Posso dizer que aquilo que fiz no meu percurso foi ser verdadeira comigo própria e não me submeter a qualquer situação que sinta que é um cortar dos meus direitos como mulher e como profissional. É preciso acreditar que tem de haver igualdade: não só nas artes, mas em todas as profissões, as mulheres e homens podem exercer todo o tipo de funções.

Com Marília Lemos

07 7 de março de 2023 CULTURA
Por Duarte Nunes

Rodrigues e Mota: o renascer das cordas de Paredes

Peças inéditas de Artur Paredes gravadas por trio de guitarristas. Contacto com familiares e amigos do músico permitiu “acesso a um outro lado do artista, muito mais pessoal”.

- POR BRUNA PASSAS - COM MARÍLIA LEMOS E ANA FILIPA PAZ -

Empregado bancário e músico nos tempos livres, Artur Paredes tornou-se um dos principais nomes de referência da guitarra de Coimbra. Fez da música popular e da canção coimbrã aliados, tendo conseguido revolucionar a arte da qual já era mestre. Criou a sua própria técnica de mão direita, que manteve para si, até mesmo quando tocava em público. Hoje, as “variações” de Artur Paredes fazem-se ouvir pelas mãos de Tiago Rodrigues, acompanhado por Simão Mota, na guitarra, e Vasco Rodrigues, na viola.

Tiago Rodrigues e Simão Mota contam que a vontade de fazer um estudo dos temas de Paredes surgiu quando Jorge Gomes, professor de guitarra na Secção de Fado da Associação Académica de Coimbra, e Jorge Serra, colecionador do trabalho do músico, lhes mostraram “gravações inéditas de espetáculos ao vivo e programas de rádio”. Tiago ficou responsável por decifrar as peças, que interpreta como “te -

souros”. O guitarrista caracteriza Artur Paredes como perfecionista: “chegou a tirar o seu trabalho do mercado por sentir que não estava bom o suficiente”, relata.

A sonoridade específica do pai da guitarra de Coimbra deve-se a uma técnica própria: “o dedilhar da guitarra portuguesa toca-se com o indicador para dentro e fora e o polegar para dentro”. Através de gravações e algumas fotografias antigas, “percebeu-se que Artur Paredes usa o dedo anelar e às vezes o médio”, explica Simão Mota. Foi necessária uma escuta “atenta e demorada” das gravações, por parte de Tiago Rodrigues, cuja qualidade estava comprometida pela tecnologia rudimentar da altura. Este trabalho minucioso acabava por “ser recompensado pela descoberta”, ao mesmo tempo que validava aquilo que o membro do grupo tinha escrito, confessa.

Segundo Simão Mota, o grupo regista a importância fundamental de algumas pessoas para a

continuidade e sucesso do projeto: “tivemos a sorte de ser acarinhados e quase apadrinhados” durante todo o processo. Uma destas pessoas é a compositora Luísa Amaro, que trabalhou com Carlos Paredes, herdeiro do legado de Artur Paredes. A também guitarrista proporcionou ao trio “uma viagem fantástica”, ao partilhar um espólio de fotos da família Paredes, relata Simão. Ao terem acesso a retratos privados, o trio conseguiu retroceder no tempo e ter “acesso a um outro lado de Artur Paredes, muito mais pessoal”, confidencia o membro do grupo. Para Tiago, Simão e Vasco, a importância deste projeto passa por divulgar as peças nunca antes ouvidas, com o maior número de pessoas possível. O trio estreou-se no Convento São Francisco e fez outra atuação no Museu Nacional da Música. Neste momento, os três músicos estão a gravar um disco e a preparar uma apresentação no Palácio de Monserrate em abril.

CERAMICAR-TE: novo espaço para criar

No dia 24 de fevereiro o CERAMICARTE abriu as portas à cidade. O atelier surge com o objetivo de promover um maior contacto dos habitantes locais com a cerâmica. O espaço está localizado no Lufapo Hub, um centro que impulsiona a aceleração de projetos artísticos aliados a indústrias criativas.

Segundo a proprietária do CERAMICAR-TE, Juliana Marcondes, a inauguração foi um sucesso e o público “gostou bastante do espaço e do que viu”. A ceramista refere que, nesse dia, foram deixados pedaços de barro espalhados pelo local e as pessoas passaram a maior parte do tempo a moldá-los. Juntaram-se a este buffet artístico a música e a poesia, algo que a proprietária anseia repetir.

A paixão de Juliana Marcondes pela cerâmica não é algo recente. Começou a frequentar aulas num atelier há sete anos, no Brasil, pelo que

tinha de conciliar o gosto pela arte de trabalhar o barro com a sua vida profissional. Só quando chegou a Portugal lhe foi possível dedicar-se apenas à cerâmica e fazer um curso na área. Terminada a formação, a artista e uma colega decidiram iniciar o seu próprio projeto. Quando a iniciativa arrancou, abrir um atelier no centro da cidade não era uma opção, por motivos financeiros. Além disso, a necessidade de adquirir materiais - como o forno e a roda de oleiro - acabou por pesar na decisão de descentralizar o espaço. No entanto, Juliana considera a existência de um espaço de contacto com a cerâmica como “algo revolucionário”.

A ceramista enfatiza “a necessidade de as pessoas virem experimentar” o processo de trabalhar o barro até à formação das peças. Para tal, o atelier dinamiza oficinas de cerâmica em três modalidades: a “Ceramicar”, que proporciona uma experiência pontual; a “Ceramicando”,

de maior duração e com material incluído; e a “Ceramicando na Roda”, a longo prazo, para iniciantes que queiram trabalhar com a roda de oleiro. Todas estas atividades acarretam um custo associado.

Juliana refere ainda que, apesar da sua “forte trajetória” na cultura portuguesa, a arte de trabalhar o barro “não está na rua” e as pessoas não a experimentam, pelo que a missão do CERAMICAR-TE é contrariar esse rumo. “A cerâmica devia ser mais valorizada enquanto arte e não apenas como algo utilitário”, declara. O atelier pretende, assim, aproximar as pessoas à produção de cerâmica e adota como lema “colocar a mão na massa e experimentar”. No futuro, Juliana Marcondes ambiciona tornar o CERAMICAR-TE num “centro multicultural, que possa abarcar diversos tipos de arte, para que as pessoas possam, não só ver, mas também fazer”.

8 7 de março de 2023
“Colocar a mão na massa e experimentar” é lema do atelier. Projeto conta com cursos de três modalidades diferentes.
- POR JORGE CORREIA -
CULTURA

Futsal feminino dignifica nome da Académica

ASecção de Futsal da Associação Académica de Coimbra (SF/AAC) é a casa da equipa de futsal, onde reina a união e se trabalha sempre para ter resultados de topo. Quatro jogadoras do futsal sénior feminino da AAC deram o seu testemunho, bem como o treinador, João Soares, da paixão comum que sentem por este desporto.

A equipa subiu à primeira divisão após um ano agarrada à segunda. O treinador, há sete anos no cargo, confessa que “o segredo foi nunca ter desistido e acreditar no valor” que o grupo tem, bem como “sentir que estava no caminho certo” e que a subida ia acontecer. O treinador refere que “ano após ano, a equipa conquistou todos os troféus a nível distrital” e a taça nacional era também uma meta. Acrescenta que sempre houve a ambição e o sonho da equipa subir para a primeira divisão.

No final de cada época, segundo João Soares, o objetivo passa por “apetrechar a equipa com mais soluções, com mais qualidade e quantidade”. Tudo aconteceu de forma natural e nada programado, visto que o mais importante foi “o grupo manter-se junto, coeso e procurar ser cada vez mais forte”, explica. O treinador reforça com a frase incentivadora: “insiste, persiste e não desiste”.

No entanto, a desigualdade de género conti-

nua a ser frequente no desporto, com o futsal incluído. Isa Fontes, jogadora da equipa sénior de futsal feminino, acredita que “as mulheres têm de provar de forma habitual que sabem fazer tão bem ou melhor que os homens para conseguir ter o mesmo impacto no público”. A equipa, apesar de ter alguma divulgação, como no Canal 11, consideram que “não é a suficiente”. Bruna Dias, outra jogadora, reforça que nas modalidades desportivas masculinas nota-se uma visibilidade muito maior: “nem precisam de pedir que a modalidade seja transmitida”. Já a colega Mariana Rodrigues menciona que “igualar os géneros” é um desafio e um objetivo “difícil de se conseguir”.

A equipa sénior de futsal feminino apurou-se o ano passado para o Campeonato do Mundo de Futsal. As jogadoras sentem, no entanto, que não estão a receber a devida divulgação. Mariana Rodrigues revela que, apesar do apuramento, continuam “a aparecer em pequenos cortes de jornais, em rodapés ou em cantos”.

Quanto ao apoio dado por parte da AAC, as jogadoras federadas acreditam de forma unânime que não lhes é oferecido o apoio necessário para alcançar mais títulos e terem as devidas condições para treinar. Joana Dinis adiciona que “é um projeto que está a evoluir e que precisa de outras considerações”. Para complementar, Isa

Fontes refere que a casa “pode fazer mais para ajudar”, ao ter em conta que “a equipa se encontra numa primeira divisão e está a dignificar o nome da Académica na elite do futsal nacional”. Já Mariana Rodrigues menciona que “jogam por adorarem o símbolo que levam ao peito e o que ele significa”. Acrescenta ainda “o bom caminho em que está o futsal”, com a esperança de que a comunidade comece a “perceber que o futsal feminino também pode dar muitas alegrias aos portugueses e ao mundo em geral”.

Todas as jogadoras reconhecem o facto de ser difícil a conciliação da vida pessoal, académica ou profissional com a vida desportiva, o que leva a ser “precisa uma gestão de tempo grande”, mas “quando se gosta, arranja-se sempre forma de o fazer”. Joana Dinis comenta que, para quem quer começar a fazer desporto, basta “estabelecer prioridades e objetivos”.

João Soares revela que os objetivos para o futuro são “os quatro jogos que ainda faltam este ano”. O mesmo constata que a equipa “tem sido muito mais competitiva”. O plano vai passar por “tentar encurtar a distância que já têm de cinco pontos para o topo”. Conclui que “querem aproximar-se das melhores [do país] para que o nome da Académica seja visto como um elemento forte do futsal feminino”.

09 7 de março de 2023 DESPORTO
Equipa federada da AAC alcançou objetivo de chegar à primeira divisão. Para jogadora da equipa, é um projeto em evolução que merece “outras considerações”.
- POR LUCÍLIA ANJOS E MARTA TAVARES -

RYHEALTH e a promoção de hábitos saudáveis

Projeto

europeu coordenado pela UC visa promover atividade física entre jovens. Iniciativa começa em Coimbra com olhos postos no resto do mundo.

- POR TOMÁS BARROS -

AUniversidade de Coimbra (UC) vai coordenar um projeto europeu, denominado RYHEALTH. Este Tem como principal objetivo incentivar a atividade física junto de crianças entre os seis e os 16 anos. A responsável pela iniciativa, Paula Tavares, também docente da Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física da UC (FCDEFUC), defende que o exercício físico pode ser o catalisador que os jovens precisam para adotar hábitos saudáveis sem que estes lhos sejam impostos.

O projeto alicerça-se em quatro pilares: educação física, alimentação saudável, alegria e sustentabilidade. Com este último como pano de fundo, a coordenadora considera que é fundamental “ter um planeta limpo e bem conservado para ser possível manter os outros pilares”. Paula Tavares deixa claro que o que se pretende é que “os hábitos não sejam impostos pelo exterior, mas que sejam intrínsecos”.

A iniciativa, que se encontra ainda numa fase embrionária, ambiciona que os próprios jovens, numa segunda instância, levem até casa novas rotinas e dinâmicas que desafiem os próprios encarregados de educação a aderir a estilos de vida mais benéficos para a saúde. “Uma criança que faz exercício de forma regular vai ser mais seletiva e vai procurar alimentos mais saudáveis”, assim defende Paula Tavares.

Nome de origem inglesa, mas com um significado transversal

Paula Tavares admite que ainda não foi conseguida uma tradução “muito boa para português” de RYHEALTH. Esta sigla, que simboliza uma abordagem mais abrangente para a promoção de uma vida saudável, pode ser resumida pela possibilidade de se ser saudável e de se ter liberdade de escolha, explica..

A docente vinca que o RYHEALTH almeja

“começar a intervir o mais rápido possível”, e adianta ainda que, primeiro, algumas escolas do distrito de Coimbra vão servir de estudo piloto para a aplicação do projeto. Foram estabelecidos protocolos com escolas de Vilarinho do Bairro e da Sertã, o que no entender de Paula Tavares é importante porque, mesmo dentro da cidade, existem realidades e contextos sociais distintos.

Esta iniciativa vai tentar deixar uma marca significativa até 2025, data em que finda, naquele que Paula Tavares afirma ser um “programa mais abrangente” que outros do mesmo âmbito. Por esta razão, o objetivo não é ficar por aqui, mas sim estender a ideia pelo resto da Europa, uma vez que conta com a colaboração de instituições espanholas e alemãs para esse mesmo efeito.

Andebol da Académica continua na batalha pela manutenção

- POR GUSTAVO ELER -

ASecção de Andebol da Associação Académica de Coimbra (SA/AAC) ocupa o décimo terceiro lugar da Zona 2 da Segunda Divisão do campeonato nacional. Com esta classificação, a equipa encontra-se nos lugares de despromoção e luta pela permanência na liga. Com 25 pontos, a equipa masculina de andebol está a quatro pontos da ADC Benavente.

Sandro Gomes assumiu o cargo de treinador da equipa no ano passado, durante a época 2021/2022. No dia 28 de fevereiro, a AAC sofreu, nas palavras do mister, uma “derrota complicada” contra o Estarreja FC. Não obstante Sandro Gomes garante que o plantel continua com o “trabalho árduo para atingir o objetivo” desta temporada, que tem sido, tal como no ano passado, garantir a manutenção.

A equipa conta com jogadores vindos de várias zonas do país. Parte dos membros são es -

tudantes que ingressaram na Universidade de Coimbra. Ao mesmo tempo, têm elementos que subiram pelas camadas jovens, ou pessoas que se mudaram para a cidade em trabalho e praticam o desporto por gosto.

Segundo o treinador da equipa, o “desempenho não é o ideal” e acreditava ser possível “conseguir a manutenção um pouco mais cedo do que o esperado”. Sandro Gomes aponta para a falta de investimento na secção, pois “todas as outras equipas [do campeonato] têm-no superior ao da SA/AAC e estão muito mais fortes”. Contudo, salienta que “não é necessário grande investimento financeiro, pois é mais uma questão de apoio e de protocolos”.

Na presente temporada, os atletas da Académica contam com três vitórias, um empate e 15 derrotas. Para Sandro Gomes, a base para uma melhoria no desempenho é o investimento, mas não apenas o

financeiro: “para subir à primeira [divisão], é preciso profissionalizar a equipa muito mais”. Acima de tudo, “é importante haverem mais jovens em formação, para daqui a uns anos a equipa conquistar troféus”, ressalta.

Não é apenas a SA/AAC que sofre destes problemas. De acordo com o técnico, o problema é nacional: “as pessoas só veem futebol, pelo que o andebol não tem tanta transmissão na comunicação portuguesa”. Nas palavras de Sandro Gomes, a falta de visibilidade do desporto gera desinteresse também por parte de possíveis investidores e empresas, o que atrasa as melhorias necessárias.

De momento, faltam à Académica oito jogos a disputar. O próximo acontece dia 18 de março, contra o Sport Clube Horta, que se encontra em terceiro lugar, com mais 19 pontos.

10 7 de março de 2023
Treinador aponta para necessidade de investimento na Secção de Andebol. Académica conta com oito jogos para garantir objetivo.
DESPORTO

Quando for grande quero ser Engenheira

Onúmero de empregados na área da tecnologia a tempo inteiro chegou aos 62 milhões no início deste ano, segundo a plataforma Statista. De acordo com a mesma fonte, profissionais no campo são “dos mais requisitados a nível mundial”. O European Institute for Gender Equality afirma que há ainda uma “proporção baixa" de mulheres nas áreas STEM - ‘Science Technology Engineering and Mathematics’.

Segundo dados da Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC), as mulheres lideraram na finalização de ciclos de estudo no Ensino Superior em 2020. A maior parte destas estudantes forma-se, na sua generalidade, nas áreas de Direito e da Saúde. No gráfico 1 pode-se reparar a relação entre estudantes do género feminino e todos os inscritos em cursos do Ensino Superior. As áreas representadas são referentes aos dois campos mais escolhidos pelas mulheres universitárias e a Tecnologia e Engenharia. Estes últimos são os menos feminizados de entre as dez principais categorias, com cerca de 17 e 28 por cento de taxa de feminização, de forma respectiva.

Ana Brito, coordenadora de projetos no Instituto Pedro Nunes, é formada em Engenharia Biomédica, o que afirma ser uma “engenharia diferente”. Admite que, durante o seu percurso, se sentiu “privilegiada”, em parte devido à área de formação, mas que noutras engenharias pode haver algum estigma na contratação de mulheres. Remata que o seu percurso “não reflete o que vejo noutras mulheres no meio”.

Mariana Cação, antiga estudante de engenharia informática no Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC), partilha que durante o seu estágio final foi convidada a ficar na empresa, mesmo sem ter terminado

o curso. “Não é muito comum haver mulheres em tecnologia” e admite que, quando entrou, tinha apenas duas colegas mulheres da área. Apesar da discrepância de números, garante que apenas sentiu diferenças significativas durante a licenciatura.

“Não é bem discriminação por saber menos como mulher, mas sermos sexualizadas”, a antiga estudante partilha. Afirma que “às vezes ouvia coisas bastante desagradáveis” e confessa que isto afetou as suas interações sociais dentro do curso. Mariana Cação testemunha que mesmo professores demonstravam atitudes discriminatórias, como “apenas chamar raparigas ao quadro” e subvalorizar a participação das mesmas em trabalhos de grupo com membros masculinos.

A coordenadora Ana Brito escolheu Coimbra e o IPN como seu local de trabalho, onde atua desde julho do ano passado. O motivo foi por gosto, apesar de considerar a cidade “difícil”, já que “não tem muitas oportunidades”. Destaca, por outro lado, o seu local de trabalho como uma “gema” no panorama da cidade, em especial na área da tecnologia. Este instituto foi casa de uma das empresas a expandir para fora de Portugal, a Critical Software, ainda com sede

no concelho. Coimbra foi escolhida também como sede de outras empresas na área, como a The Loop Co., onde Maria Cação se encontra empregada, e a Bettertech, com edifícios na Praça do Comércio.

Em 2015, a Organização das Nações Unidas (ONU) introduziu a comemoração do Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência, celebrado a 11 de fevereiro. Esta data foi criada como forma de promover o acesso destes grupos à educação, formação e investigação científica. Segundo a sua plataforma online, a igualdade de género sempre foi um dos objetivos principais para a ONU, em parte para alcançar os objetivos da 2030 Agenda for Sustainable Development.

Em relação às mulheres já empregadas em Ciência e Tecnologia, Portugal tem uma proporção maior face aos homens. Segundo a Eurostat, a região lusitana conta com cerca de 53 por cento de feminização, face a 52 por cento médio na União Europeia no ano de 2021. A entidade estatística confirmou também que, no mesmo ano, mais de metade dos cientistas entre as idades de 25 a 34 eram mulheres.

“Há muito para mudar, um homem ou uma mulher são iguais, não é por poder ter filhos que se tem menos valor ou se é menos produtiva”, enfatiza Mariana Cação. Conta como sempre foi incentivada a seguir a área da saúde e, como inicialmente os pais ficaram “muito chocados” e questionaram o porquê da decisão. A profissional acredita que “oferecer um carrinho a um menino e a uma menina uma boneca” influencia o percurso dos mesmos. “Em casa ninguém me perguntou se queria ser engenheira informática”, frisa.

Ana Brito defende a existência do Dia Internacional das Mulheres e afirma que esta é uma data de “afirmação”, não de “divertimento”. “Não se deve olhar para mulheres ou homens, na engenharia tem de se de olhar para pessoas”, remata a coordenadora.

11 7 de março de 2023 CIÊNCIA E TECNOLOGIA
Áreas de tecnologia e engenharia com menos de trinta por cento de feminização. Coordenadora do IPN defende data de “afirmação” do Dia Internacional da Mulher.
Mulheres Total
Percentagem de mulheres empregadas por setor Secundário Terciário Primário Por Eduardo Neves Por Eduardo Neves

Conselho Feminino: a outra metade da História

- POR ANA CARDOSO, LENA HERTEL E DISA PALMA -

Em 1947, surgia numa Via Latina (VL): “A realidade é esta: elas estão aqui. Aqui e nas outras universidades. No entanto, ainda ninguém as viu…”. Este artigo afirma que a nova Direção-Geral da Associação Académica de Coimbra (DG/AAC) prevê a criação de uma Comissão Feminina e realça a necessidade de pensar os problemas “culturais e especificamente femininos” para a rapariga “cumprir a missão que traz”. Assim, em 1948, os Estatutos da AAC incluem o Conselho Feminino (CF) e, em 1949, acontece a primeira eleição para o órgão. Composto por uma representante de cada Faculdade e Escola, criava atividades “mais apropriadas e do interesse do público feminino”.

“A mulher é principalmente mulher ou estudante?” (Revista FLAMA, 1954)

Manuela Cruzeiro, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (UC), analisou a participação das mulheres nos movimentos associativos. Na sua perspetiva, “a evolução do CF refletiu as contradições, os avanços e os recuos no que respeita à participação das mulheres”. Explica que, no início, era um “grupo de jovens destinadas à missão de mães, esposas, fadas do lar”. Registos na VL sobre a sua atividade - como costura ou culinária - corroboram esta afirmação. “Era um órgão pouco valorizado, tanto que funcionava numa cozinha, o que indica para onde as raparigas eram remetidas”, continuou.

Contudo, a sua participação na AAC - secções, organismos autónomos e Assembleias Magnas (AM) - continuava a ser escassa. A presidente do CF em 1960/1961, Eliana Gersão, refere que esta ausência se devia à falta de atividades e também “à imagem da mulher recatada, que tinha de ter cuidado com os meios que frequentava e ser bem comportada”.

Apesar da visão conservadora do CF e da sua desvalorização, as estudantes eleitas procuravam que as raparigas “tivessem o seu lugar dentro da Academia”, como se lê num artigo publicado na VL, em 1955. Manuela Cruzeiro refere que “só nos anos 50 é que elas começam a entrar no ambiente académico”. Acrescenta que estudar era uma “mera adição à natureza da essência feminina”, que não era suposto mudar.

O mesmo artigo relata um conjunto de iniciativas desportivas e “femininas” organizadas e termina com um apelo à participação: "É às raparigas, a todas nós, afinal, que compete reagir contra a apatia e lutar para que não volte a perder-se o terreno conquistado”. As lamentações “surgem muitas vezes quando a inércia e o comodismo nos invadem”, conclui.

Todavia, a proatividade destas estudantes não era a norma. “Notava o choque que tinham as meninas que vinham sobretudo do interior e dos colégios de freiras”, conta-nos a vice -presidente do CF em 1962, Isabel de Alarcão. “Vinham de um mundo muito conservador, muito fechado”, relembra. É neste contexto que

tinha conhecimento deste e, ao notar a sua reduzida expressão, almejou dinamizá-lo.

“Ou os comunistas ou nós”

No mesmo ano, em maio, começou um clima de mudança. Uma lista de esquerda, representante do Conselho de Repúblicas (CR), vence as eleições para a DG/AAC. A vitória de Carlos Candal surpreendeu a Academia, já que “perdiam sempre as eleições”, conta Eliana Gersão. A nova equipa promoveu novas atividades e secções. Eliana revela “um certo deslumbramento por conhecer novas pessoas, novas atividades e novos sítios”, tal como aconteceu a “centenas de raparigas e rapazes”. Este ambiente fez-se sentir no CF. Mantiveram as atividades anteriores, mas fizeram outras, como a criação de sessões de educação sexual disfarçadas, que tiveram “muito sucesso”.

Devido a estas alterações, começou a intensificar-se a oposição de setores conservadores face à DG/AAC, uma vez que não aceitavam uma atitude tão favorável a uma direção de esquerda. Assim, para Eliana Gersão, a maneira que se arranjou para fragilizar a AAC foi “atacar as raparigas”. Os dois meses que se seguiram foram “verdadeiramente infernais”.

Com o intuito de fortalecer a cooperação entre as academias de Lisboa, Porto e Coimbra, em fevereiro de 1961 organizou-se um convívio InterAcademias com atividades sobre os problemas estudantis, bailes e conversas. Contudo, “a cidade [surgiu] coberta de panfletos” anónimos -

12 7 de março de 2023
CENTRAL
“A realidade é esta: elas estão aqui. No entanto, ainda ninguém as viu…”. A história do órgão que tentou incluir mulheres na AAC nas décadas de 50 e 60.
Por Lena Hertel Da esquerda para a direita: Eliana Gersão, Manuela Cruzeiro e Isabel de Alarcão Por Ana Cardoso Por Joana Carvalho

metidas pelas raparigas, como dormirem em repúblicas, vistas como casas de boémia apenas frequentadas por rapazes, relata Eliana.

Perante estas críticas, o CF apoiou a posição da DG/AAC e lançou um comunicado no qual repudiava “as injúrias e mentiras” dos panfletos. Isto valeu-lhes um voto de louvor da AM, que manifestou “a sua alegria pelo progressivo interesse das raparigas nas iniciativas académicas”. Todavia, em resposta a este voto de louvor, foi convocada uma Assembleia Geral de Raparigas, por estudantes sobretudo dos lares católicos, que aprovaram um voto de censura “pelo modo independente como [o CF] atuou”.

Eliana conta ainda que foi obrigada a escolher entre “os comunistas” ou permanecer na Juventude Universitária Católica Feminina.

“Na AAC ninguém me perguntou se ia à missa, se acreditava em Deus”, revela. Para a entrevistada, era “evidente que nunca iria deixar a AAC”. Porém, foi uma “rutura difícil porque, de certo modo, era cortar com uma etapa” da sua vida, explica. “Houve muitas pessoas que deixaram de me falar e cumprimentar, assim como à minha família”, expõe.

“Separa-nos um muro alto e espesso”

Em 19 de abril de 1961, após os ânimos acalmarem, surgiu publicada na VL aquilo que Isabel de Alarcão denomina “uma pedrada no charco”: a “Carta a uma jovem portuguesa”. Por Artur Marinha de Campos, mas assinada anonimamente, ousou defender o amor livre, denunciou a existência de um muro entre rapazes e raparigas, e a condição subalterna a que era submetida. Este artigo suscitou “uma reação muito grande, sobretudo do setor católico”.

Segundo a antiga estudante, a carta apresenta “uma certa sensualidade para a época”.

Para Isabel de Alarcão, a Carta surge na altura em que “a água começava a ferver”. Acrescenta ainda que, “subjacente, está sempre a ideia de que para chegar à liberdade é preciso a libertação”. Já Eliana considera que “foi inoportuna porque se estavam a preparar as eleições para o ano seguinte”. Especula que o facto de a censura ter autorizado a sua publicação pode ter sido “uma armadilha para fragilizar todo o movimento associativo”.

Deste modo, o CF volta a uma situação complicada. Não podiam tomar uma posição a favor, porque também representavam as estudantes conservadoras. Por outro lado, não podiam tomar uma posição contra, visto que “isso seria trair a Associação Académica”. Eliana conta que com a ajuda do Padre Miguel Pereira, professor de Filosofia ligado a um setor progressista, escreveu um comunicado “que dá tanto para um lado como para o outro”.

Ao reler a Carta anos depois, Isabel de Alarcão e Eliana concordam que tinha um tom paternalista. Eliana diz que isso pode ter contribuído para irritar algumas raparigas. Contudo, refere que, numa época em que os “comportamentos sexuais entre jovens eram muito conservadores, a Carta foi um marco onde as coisas começaram a mudar”.

“Significa que a jovem e o jovem trabalham finalmente lado a lado” (VL, 1961)

Segundo Manuela Cruzeiro, o CF começou a fragmentar-se quando Eliana Gersão e Maria da Glória (vice-presidente) ficaram sozinhas, devido aos episódios relatados. Todavia, com

o aumento da presença das estudantes na AAC e a “avalanche de acontecimentos” ao longo da década de 60, o seu trabalho “foi engolido”. Aliás, Isabel de Alarcão tomou posse em 1962 e recorda-se de ter organizado uma atividade com pouca adesão das estudantes. Tudo isto leva a que o CF perca relevância e deixe de fazer sentido.

Em 1964, já havia vontade de acabar com o órgão, mas o seu caráter estatutário dificultava o procedimento. Em 68, começa a ser repensado, como consta no programa eleitoral da DG/ AAC eleita, pois “o rapaz e a rapariga têm os mesmos problemas”. No âmbito de uma problemática estudantil “não nos parece lícito estar a distinguir”. A propósito, Manuela Cruzeiro conta que “a discriminação positiva não estava plenamente assumida” e que ”as bandeiras do feminismo não tinham sido ainda postas às claras”. As relações íntimas eram ”matéria do foro pessoal”, adiciona. Refere ainda o “grande cuidado” nas demonstrações de afeto em público, pois, ainda que fossem aceites entre alguns estudantes, "seriam penalizadas se fossem bandeiras assumidas publicamente".

Assim, a luta da mulher era abafada pelas lutas sociais e políticas. Elas colocavam os interesses do país e o combate às desigualdades sociais como prioridades. No entanto, o desaparecimento do CF era previsto por Eliana em 1961, num artigo escrito para a VL: “não significa que os seus interesses foram esquecidos, significa que [a estudante] tomou finalmente consciência do papel que lhe pertence dentro da AAC”

13 7 de março de 2023 CENTRAL
Tomada de Posse do Conselho Feminino para o mandato 1960/1961, onde se pode ver Eliana Gersão e Carlos Candal a assinar o livro de atas. Cedida por Eliana Gersão

Portugal, um país de inventoras

Percentagem ultrapassa média europeia. UC dispõe de iniciativa de promoção de igualdade de género na investigação.

- POR LUÍSA RODRIGUES -

OInstituto Europeu de Patentes (IEP) realizou um estudo designado de “Participação das mulheres na atividade inventiva”, no qual Portugal foi considerado o segundo país com mais mulheres inventoras na Europa. A percentagem encontra-se nos 27 por cento, o que é mais do dobro da média europeia, de 13,2 por cento. Este estudo, que foi o primeiro da IEP, analisou todos os pedidos de patentes submetidos entre 1978 e 2019 pelos países que pertencem a esta entidade. De todas as regiões europeias, o Alentejo foi a que registou a maior percentagem de mulheres inventoras.

Daniela Rodrigues, investigadora do Centro de Investigação em Antropologia e Saúde da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, salienta que a sua área é composta, na sua maioria, por alunas e investigadoras do sexo feminino. Neste sen-

tido, destaca que, no seu campo, não “tem a perceção de existirem desigualdades”. Porém, acredita que, noutras áreas, “deve haver um esforço para se verificar mais igualdade e atratividade de oportunidades”.

A antropóloga, quando questionada acerca da promoção da Mulher na ciência, refere que existem “cada vez mais esforços” nesse sentido por parte da Universidade de Coimbra (UC). Daniela Rodrigues menciona a existência de “atividades para investigadoras e divulgações de iniciativas externas relativas à ciência para o sexo feminino”.

Segundo a página oficial da universidade, através da iniciativa Gender@UC, existe a intenção de promover a igualdade de género dos projetos dentro da instituição. Destaca-se também o objetivo de promover a “diversidade nas equipas de investigação científica, processos

de recrutamento, formação e comunicação inclusivos”. Além disso, com o propósito de promover o trabalho de investigadoras, foi criada uma rubrica designada “Mulheres da UC na Ciência”. Este projeto publica, a cada mês, o trabalho profissional de uma investigadora, como consta no site oficial.

Em Portugal, quer as instituições públicas de ensino superior, quer as de investigação, são as que integram o maior número de mulheres inventoras, com o número a fixar-se nos 36 por cento. Por outro lado, nas empresas privadas registam-se apenas 19,4 por cento de pedidos de patentes submetidos por mulheres. Em relação às áreas de investigação, a química é a área com mais mulheres inventoras e a engenharia mecânica é a que regista a percentagem inferior.

Prevenir para não remediar: Especialistas alertam para a necessidade de preparação para terramotos no país

Portugal está inserido numa zona de fronteira de placas tectónicas. Investigador Fernando Carlos Lopes prima foco pela prevenção de sismos.

Um mês passou desde que a Turquia e a Síria registaram um terramoto de magnitude 7.8 na escala de Richter. O desastre registou mais de 170 mil vítimas, entre o abalo e as sequelas da destruição causada. O terramoto foi o quinto mais mortífero do século XXI. Fernando Carlos Lopes, docente e investigador no Departamento de Ciências da Terra da Universidade de Coimbra, afirma que a intensidade foi “bastante elevada”. Explica também que a quantidade elevada de estragos foi devida a falhas “estruturais”.

Os terramotos são formados por acumulação de energia em estruturas geológicas, o que leva à fragmentação destas rochas. Estes processos são fruto de movimentos na crosta terrestre e são definidos como fenómenos de vibração brusca da superfície terrestre. A maioria deste tipo de terramotos ocorre perto de bordas tec-

tónicas ou entre falhas rochosas. Outros sismos podem ocorrer por atividade vulcânica ou deslocamento de gases.

Fernando Carlos Lopes acrescenta que “há tremores de terra diários, mas que não são sentidos”. Este é o caso de Portugal, visto que se encontra num local de fronteira de placas tectónicas, o que contribui para uma zona "sísmica ativa”, como afirma o docente. O país está inserido na placa euroasiática e tem um regime divergente com a placa americana, assim como um complexo com a placa africana. Em concreto, a nação encontra-se na microplaca da Península Ibérica, em conjunto com Espanha. Por outro lado, as ilhas das Flores e do Corvo encontram-se já na placa americana, e a Madeira na africana.

Na sua história, o país já registou mais de cinco abalos com uma magnitude superior

ao registado na Turquia. São exemplos o de Benavente, em 1909, e o de Lisboa, em 1531, este último com dezenas de milhares de mortes. O mais destrutivo em Portugal foi o terramoto de Lisboa de 1755. Com o epicentro no oceano atlântico, ao abalo seguiu um maremoto, que afetou toda a região sul de Portugal.

O docente remete para a capacidade das infraestruturas como um ponto importante para evitar repercussões neste tipo de catástrofes. Lamenta “não haver preocupação por parte das autoridades” para o assunto dos sismos. Explica que estas entidades pecam na falta de ordenamento de território e acredita que, na eventualidade de um terramoto, o país pode ficar “bloqueado”. O investigador afirma que “a previsão é difícil” e, portanto, deve haver foco na prevenção.

14 7 de março de 2023
CIÊNCIA E TECNOLOGIA
- POR EDUARDO NEVES -

Escreve-me aí a tese, se faz favor

A utilização de ferramentas como ‘ChatGPT’ chega ao contexto académico. Tecnologias atuais de Inteligência Artificial criam sistemas cada vez mais autónomos.

AInteligência Artificial (IA), como conta Ernesto Costa, professor catedrático da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC), tem por fim o desenvolvimento de programas capazes de resolver problemas como os resolveriam pessoas reais. Estes sistemas, no fundo, imitam o raciocínio e os passos formulados no domínio cognitivo humano, aquando da realização de uma nova tarefa, elabora.

O campo surgiu nos anos cinquenta através de abordagens simbólicas, “como num jogo de xadrez em que, para cada turno, podem existir várias jogadas possíveis, cada uma com regras bem definidas”, explica o docente. Adiciona que, neste momento, os métodos principais passam por “entregar um problema ao computador para ele o aprender e resolver”.

Assim, graças a esta mudança de paradigma, as máquinas são dotadas de uma “capacidade de aprendizagem”, através de dados, experiência e interação com o ambiente, “como faz o ser humano desde a nascença”, esclarece Ernesto Costa. No entanto, para o professor catedrático, que já leciona há 47 anos, estas técnicas, apesar das soluções que trazem, continuam com muitos problemas “em aberto”.

Ernesto Costa, também investigador no Centro de Informática e Sistemas da Universidade de Coimbra (CISUC), ilustra ainda, como exemplo destas inovações, os veículos autónomos. “A tecnologia atual já permite que não sejam necessários condutores humanos”, apesar de serem levantados outros problemas, como decisões éticas e morais, expressa o mesmo. Fora essas questões, para o docente, são já “bastante perfeitos”.

Segundo Ernesto Costa, a Aprendizagem Profunda (AP), que desenha os sistemas informáticos de acordo com o funcionamento do

cérebro, é “a expressão atual mais avançada da IA”. Estes modelos, de acordo com o próprio, se bem treinados, permitem a um computador “reconhecer, por exemplo, qual o tipo de animal presente numa imagem, tal como faria uma pessoa”.

O cérebro humano é uma “imensa rede composta por milhares de milhões de neurónios”, aponta o investigador. Cada um deles é sujeito a estímulos elétricos e, mediante estes, são provocadas respostas de forma a cumprir um objetivo. A AP é baseada nesta teoria, em que cada neurónio artificial “recebe sinais de entrada e, em função destas, produz sinais de saída” e categoriza o resultado, ministra Ernesto Costa.

Hugo Oliveira, docente e investigador nas mesmas instituições que Ernesto Costa, transmite que o Processamento de Linguagem Natural (PLN) abrange a capacidade de um programa informático “compreender, utilizar e responder com a língua humana”. Doutorado na área, acrescenta que esta não se prende apenas pela criação de diálogo entre computadores e pessoas, mas também é útil em áreas como a criação de imagens artificiais a partir de texto.

Os primeiros agentes conversacionais surgiram com “conjuntos de respostas e passos a seguir, consoante as perguntas do utilizador”, elucida o docente. Porém, os maiores problemas que existiam nessas máquinas eram a falta de recordação de conversas anteriores e a fraca habilidade de lidar com contextos linguísticos, adiciona.

Com o avanço tecnológico, foram desenvolvidos “agentes melhorados que já suprimem estas

lacunas”, afirma o investigador. A novembro de 2022, é aberto ao público o ‘ChatGPT’, um agente conversacional que, em poucos dias, se tornou uma referência na área. Salienta ainda que a sua popularidade é notória entre estudantes que, cada vez mais, utilizam esta ferramenta. Apesar do elevado desempenho, a sua utilização deve ser “ponderada”, visto que o modelo “não é perfeito, mas é convincente nas suas respostas”, que podem estar erradas, explica Hugo Oliveira. A complexidade do sistema, indica o investigador, torna “difícil, ou até mesmo impossível” a compreensão das suas tomadas de decisão. Outro problema que aponta é o facto de o agente utilizar, como treino, o conteúdo disponível na internet, que “pode conter opiniões extremistas e discriminações raciais ou de género”.

Sobre a sua aplicação no ensino, o docente apresenta vantagens como “poder orientar um estudante que não saiba por onde começar”, ou o aperfeiçoamento de textos. Em contraste com o motor de busca da ‘Google’, o investigador avisa que o ‘ChatGPT’ não dá referências corretas nas suas respostas, o que torna a informação “menos confiável”.

Já Ernesto Costa concorda que esta tecnologia pode ser um “auxiliar razoável para o estudo”, apesar de alertar que, para o desenvolvimento de trabalhos para as disciplinas, este “não conhece o contexto de ensino”. O professor, que se vai reformar no final deste semestre, receia a sua “má utilização” e os riscos inerentes ao plágio e à escrita de documentos sem uma autoria própria.

15 7 de março de 2023 CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Experiência da JMJ passa também por Coimbra

JMJ é uma oportunidade para aprofundar fé das pessoas, segundo coordenador do Comité Organizador Diocesano de Coimbra. Cidade espera receber 20 mil pessoas na pré-jornada.

- POR LUÍS GONÇALVES -

Na semana de 1 a 6 de agosto vai decorrer, em Lisboa, a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Portugal temse preparado para receber o Papa e os jovens de todo o mundo. A diocese de Coimbra não é exceção, e tem-se organizado através do Comité Organizador Diocesano (COD) e dos vários Comités Organizadores Territoriais (COT’s) da diocese. Hugo Monteiro, coordenador do COD de Coimbra e também engenheiro civil, explica que “quem se candidata a uma JMJ é uma diocese e, neste caso, a que se candidatou foi a de Lisboa”. Depois da capital ter sido eleita, as dioceses de Santarém e Setúbal também se juntaram “de forma a conceder uma maior capacidade logística”, acrescenta. Estas três dioceses são chamadas de Comité Organizador Local (COL).

O coordenador do COD acrescenta que cada diocese tem a sua equipa de trabalho, com o objetivo de preparar o caminho para a JMJ. Além disso, também lhe compete a organização dos dias nas dioceses. Na semana anterior, de 26 a 31 de julho, vêm milhares de peregrinos, a nível mundial, participar em experiências locais com o apoio dos COT´s. Hugo Monteiro explica que “diocese não tem nada que ver com distrito” e dá o exemplo da diocese de Coimbra, que “apanha parte dos distritos de Leiria, Aveiro, Viseu e Santarém”.

Quanto ao envolvimento da diocese de Coimbra, são esperados por volta de 20 mil peregrinos, de cerca de 40 nacionalidades, na pré-jornada. O dirigente incentiva à abertura da comunidade e hospedagem em famílias de acolhimento. Para Hugo Monteiro, neste último caso, “tem-se uma melhor experiência do que ficar num pavilhão”. Em relação a dificuldades, estas passam pela explicação do evento e envolvimento de toda a diocese.

A JMJ, além de ser uma oportunidade de fé e de abertura da comunidade católica, tem também uma dimensão cultural e turística. O engenheiro civil refere também a vertente económica, uma vez que “as unidades hoteleiras já estão a encher”, tanto para a primeira, como para a segunda semana.

O Jornal A CABRA saiu à rua para questionar a população conimbricense acerca do assunto. Cecília Figueiredo Meireles, de 27 anos, acredita que a JMJ é um evento católico “que junta jovens de todo o mundo”. Apesar de ser organizado pela Igreja Católica, Hugo Monteiro

refere que “é aberto a todas as pessoas” e que “todos podem participar, apesar do nível de fé”. Acrescenta que é “uma grande oportunidade para falar de várias temáticas e, ainda, acrescentar uma riqueza multicultural à conversa”.

Para o bispo auxiliar da Diocese de Lisboa e presidente da associação JMJ 2023, D. Américo Aguiar, “o apoio do Estado Português foi decisivo para avançar com a organização da jornada”. O bispo adianta que são esperadas cerca de um milhão de pessoas em Lisboa e de cem a 200 mil jovens na semana anterior nas dioceses.

Quando se fala na JMJ de 2023, um dos temas que é referido é o palco-altar que vai ser construído. O primeiro pensamento de Luís Lourenço, de 23 anos, foi o valor inicial do palco, que estava previsto custar cerca de 4,5 milhões de euros. Já para Carlos Luís, de 84 anos, “como o dinheiro não é do governo, mas de todos os cidadãos portugueses, tem de haver um certo cuidado ao gastá-lo”. Acrescenta também que “agora resta aguardar para ver se o trabalho foi bom ou não”.

Em relação aos locais, o bispo auxiliar informa

que a realização da maior parte das atividades da JMJ vai ter lugar no parque Tejo-Trancão, espaço onde o palco-altar se vai encontrar. Confirmou ainda que outros locais que vão receber atividades são o parque Eduardo VII, Belém e o Passeio Marítimo de Algés, onde vai decorrer o encontro do Papa com os voluntários.

O presidente da associação JMJ 2023 explica que vão ser investidos oito milhões de euros “para a reabilitação, manutenção e segurança do aterro”. Segundo D. Américo Aguiar, a sustentabilidade é uma das temáticas centrais desta edição, com dinâmicas diferentes nas catequeses, sem livros impressos e com a utilização de garrafas de água recicladas.

Como Hugo Monteiro indica, “Portugal nunca realizou uma JMJ e poucos portugueses participaram [fora do país], pois a primeira edição realizou-se em 1987. Por isso, termina com um apelo a todos os portugueses: “deixem-se aventurar, desafiem-se e façam da jornada um primeiro passo de algo incrível, que é transformar a vida de cada um ao encontro do outro”.

16 7 de março de 2023 CIDADE
Por Luís Gonçalves

A educação vale a “pena”

Entre os milhares de indivíduos que cumprem pena de prisão em Portugal, cerca de 2700 frequentam aulas desde o primeiro ciclo até ao ensino superior. Em protocolo com diversas instituições de educação, o Estabelecimento Prisional de Coimbra (EPC) colabora com a Universidade de Coimbra (UC), o Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) e a Universidade Aberta. O diretor do EPC, Orlando Carvalho, garante que “de 120 indivíduos que iniciaram o ano letivo, 20 frequentam o ensino superior”.

O principal objetivo do processo para os reclusos é “adquirir ferramentas úteis e que possibilitem a sua reintegração na sociedade”, explica Orlando Carvalho. Para o nível básico de ensino, o EPC possui um acordo entre o Ministério da Educação e o Ministério da Justiça, que responde à necessidade inicial do desafio, desde o primeiro ciclo até ao ensino complementar. O diretor destaca que “há casos de alunos que realizam todo o seu percurso [na prisão] e que chegam ainda a frequentar o ensino superior”. Acrescenta que o diploma do grau académico é fornecido “pelo instituto de formação profissional” em que o estudante está matriculado.

As instituições de ensino fornecem os materiais de estudo necessários aos reclusos em formato digital. Além desse modelo, os alunos recebem livros e sebentas de anos anteriores para que haja um estudo complementar. As pro -

Durante o processo, segundo Orlando Carvalho, surgem algumas complicações, visto que “o facto de as pessoas se encontrarem presas é por si só um constrangimento”. Refere ainda que, quanto à inscrição no ensino superior, o aluno é que “manifesta a intenção de se inscrever no curso pretendido, desde que reúna as qualificações e habilitações para o fazer”. Caso este se encontre numa fase mais adiantada da pena, num regime aberto ao exterior, o sujeito detido “pode frequentar as aulas presenciais, como qualquer aluno normal”.

Orlando Carvalho menciona ainda que “a maior parte das pessoas não se encontra habilitada nem interessada em frequentar o ensino superior”. Porém, afirma ser “notório o interesse pela educação, conhecimento e atividade física” demonstrado por certos reclusos. Um destes, que foi entrevistado pelo Jornal A CABRA, está no terceiro ano da Licenciatura em Turismo em Áreas Rurais e Naturais no IPC. Revela que “está a ser uma boa experiência”, embora as matérias lhe cheguem a “conta-gotas”, através de plataformas que os professores utilizam.

A Técnica de Reeducação Superior, entidade responsável pela ponte entre os reclusos e as instituições de ensino superior, é representada no EPC por Graça Neto. O seu auxílio só é prestado antes de os reclusos se encontrarem em regime de precária - ou seja, quando lhes é permitido estar fora da prisão por um certo tempo. “Quando os reclusos estão nesta condi-

ção, pode-se ir à faculdade recolher materiais”, explica o entrevistado.

O aluno declara que “enquanto se está focado no curso, não se tem tempo para focar no lado mais negro da reclusão”. Considera que “quando se está a ler um bom livro ou a ver um bom filme é como se não se estivesse na prisão”. Conclui o raciocínio ao articular a importância de ter um foco, e refere também Aristóteles: “o pior que pode acontecer a alguém é acordar e não ter nada para fazer”. Assumiu-se como uma pessoa enérgica, que não se consegue inserir no estilo de vida de outros reclusos que “andam a deambular pelo estabelecimento, a jogar ‘Playstation’ até às quatro da manhã e a acordar tarde”.

A maior dificuldade com a qual o estudante se deparou foi o acesso aos conteúdos, já que “não há recurso a algo tão simples como a internet, pelo que as aulas práticas são um problema”. Segundo o mesmo, “devia apostar-se mais na reinserção social”. Declara ainda que “a prisão é um ambiente complicado, muito diferente do lado de fora”. Além disso, confessa que “ir à rua é um choque”, no entanto, termina ao destacar o “excelente capital humano” que encontrou no EPC.

O órgão penitencial procura também promover várias atividades formativas e profissionais em conjunto com o Centro Protocolar da Justiça. “Além do leque de pessoas e cidades que procuram dar resposta”, o diretor do estabelecimento prisional admite que “por mais que o edifício se encontre isolado da sociedade, é um microcosmo que a reflete”.

17 7 de março de 2023 CIDADE
Reclusos em Portugal têm acesso ao ensino superior. Um dos estudantes declara que se “devia apostar mais na reinserção social”.
- POR MIGUEL SANTOS E TIAGO PAIVA -
Por Pedro Mendes

Tipografia Damasceno, uma casa de memórias

Rui Damasceno partilha momentos marcantes da vida da tipografia. Ator caracteriza espaço como espelho da passagem de uma época.

O45B da Rua Montarroio alberga uma casa com mais de 50 anos de história - a Tipografia Damasceno. Ao entrar, o visitante é presenteado com uma visão que quase permite uma viagem ao passado. A coleção de máquinas - entre elas, um prelo do século XIX, uma máquina de braços e uma pedaleira - transmite a lembrança de uma era. Ao som de música clássica, o ator e atual proprietário do espaço, Rui Damasceno, partilha memórias passadas dentro e fora daquelas quatro paredes.

Fernando Rui da Silva Damasceno de Albuquerque, mais conhecido por Rui Damasceno, nasceu a 10 de março de 1957. Tirou o curso complementar de eletrotecnia na Escola Secundária de Avelar Brotero. No entanto, nunca usufruiu deste, pois começou a trabalhar na tipografia no ano da sua fundação, em 1969, quando tinha apenas 12 anos. Antes desse momento, passou pela Imprensa da Universidade de Coimbra, onde, como conta o próprio, aos dez anos aprendeu “a caixa e as marotices todas dos tipógrafos”.

Odete Paixão e João Damasceno, fundadores do histórico espaço, eram tipógrafos e compositores de profissão, que trabalharam em diversas imprensas coimbrãs. Rui Damasceno conta que a passagem dos seus pais pela antiga Tipografia Progresso foi a alavanca decisiva para a construção de um negócio familiar. O sítio, localizado no Pátio da Inquisição, chegou a conhecer outro nome: Damasceno, Santos e Batista Lda. No entanto, João Damasceno ficou “farto da sociedade” e comprou uma tipografia em Lorvão, que forneceu os materiais necessários para a tão conhecida casa conimbricense.

Rui Damasceno recorda com orgulho a memória da sua mãe, Odete Paixão. Explica que esta foi, durante muitos anos, a única compositora na Gráfica de Coimbra, devido à proibição imposta às mulheres de exercerem a profissão: “considero a minha mãe como uma das grandes fundadoras desta casa”.

O ator relata também as passagens do seu pai, João Damasceno, pela Fortaleza de Peniche e pela prisão de Caxias, motivadas pela sua militância comunista. Emocionado, condena a atuação do empregador da sua mãe, o padre Assis, ao despedi-la “na altura mais difícil da vida dela”. Relembra assim as palavras proferidas pelo pároco: “agora tu já não és a Odete Paixão, tu és a mulher de um comunista. Portanto, vamos fazer contas e rua”. Rui Damasceno reforça o seu relato com uma reflexão sobre os tempos da ditadura, pois considera que “as pessoas falam dos presos políticos, mas não falam das suas famílias”.

O tipógrafo descreve um “episódio curioso” ocorrido em 1971, se não lhe falha a memória. Já em liberdade, o seu pai imprimia peças que não eram visadas pela censura. Desta vez, foram uns prospetos para o Dia da Mulher, que lhe concederam uma visita da PIDE. Quando o seu pai se apercebeu, mandou-os para um caixote e colocou aparas por cima. Rui Damasceno menciona que um deles estava tão perto de os descobrir que “estavam mesmo quase a queimá-lo”. No entanto, a busca não deu em nada.

À frente do negócio desde 1989, o ator considera que o espaço tem uma “importância imensa” devido à “história incomensurável” que possui. Antes do aparecimento das novas tecnologias,

a tipografia era “a alavanca do mundo que fazia as ideias andarem”, reitera.

Rui Damasceno acredita que a passagem da gravura por tipo de chumbo, muito utilizada nas décadas de 1980 e 1990, para a impressão digital foi um momento que as artes gráficas não conseguiram acompanhar. Nesse sentido, posiciona a revolução informática como a culpada pelo “descalabro da arte tipográfica”.

Os tempos áureos em que era possível empregar 11 trabalhadores não foram esquecidos pelo tipógrafo. Hoje em dia, está reduzido “ao Fernando, ao Rui, ao Silva, ao Damasceno e ao Albuquerque”, diz em tom de brincadeira. No entanto, acredita que a tipografia tem futuro, pois ainda existem entusiastas pela arte, o que impede o seu desaparecimento. Quanto ao seu sucessor, confessa que esse tópico não o preocupa. “Há pessoas interessadas em trabalhar aqui quando eu fechar a pestana”, admite.

Rui Damasceno atribui a sobrevivência do negócio à impressão de livros de faturas e livros de pequena tiragem, entre cem a 200 exemplares. No entanto, confessa que é um trabalho moroso, uma vez que todos os livros são cosidos à mão.

O ator termina por realçar a importância da casa como um símbolo da mudança dos tempos, já que qualquer pessoa que a visite tem ao seu dispor a história que a sustenta. As paredes, decoradas com quadros artísticos e objetos de militância comunista, refletem o passado e o presente desta tipografia, que fez parte da resistência portuguesa ao Estado Novo.

18 7 de março de 2023
- POR DANIELA FAZENDEIRO -
CIDADE
PorDaniela Fazendeiro

CABRA DA PESTE

O EPISÓDIO DO BONÉ

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Nas últimas semanas a Academia e a cidade foram confrontadas com a alteração do Cortejo da Queima das Fitas para terça-feira. Contrariamente ao repetido ad infinitum nas caixas de comentários das redes sociais, o Cortejo nem sempre foi à terça-feira. Até meados dos anos 50, o Cortejo acontecia em dia fixo a 27 de Maio, irrelevantemente do dia da semana. Tal dia era celebrado como o dia do Cortejo devido, ao famoso episódio do Boné. O episódio do Boné foram vários acontecimentos, que culminaram com o roubo do boné de um Tenente da GNR no dia 27 de Maio de 1913. Um Comissário, de nome Floro Henriques, tinha imposto grossas limitações às festas Académicas visto que estas causavam grande incómodo à cidade. No dia 24 de Maio, aquando duma manifestação contra estas medidas, o Comissário ordenou carga policial sobre os Estudantes que se viram vencidos e muitos foram colocados sob prisão.

No entanto, na tarde de 27 de Maio, um Tenente da GNR foi visto a almoçar num restaurante da Alta. Sebastião Fernandes, um estudante madeirense, apercebendo-se que o Tenente tinha deixado o boné num bengaleiro, subrepticiamente se apoderou dele. A aclamação Académica não tardou a vir. Por todo o dia seguinte, os Estudantes fizeram troça da GNR com gritos de "Olha o boné!" e "Oh Floro, dá o boné ao Tenente!" para gáudio da populaça e vingança dos Académicos. Em pouco tempo apareceu também a seguinte canção afixada pela cidade:

"O tal tenente da guarda Nem já pensa no banzé, Anda a ver se deita a garra Ao larápio do boné.

Ó Floro, ó comissário Não sejas tão inclemente, Entrega o boné roubado

Ao desgraçado tenente."

Tamanhos foram os tumultos e a humilhação sentida que a 29 de Maio, o Intendente da Polícia acedeu a colocar todos os Estudantes presos na manifestação em liberdade. O Episódio do Boné foi celebrado por todas as gerações vindouras de Estudantes, tendo sido fixado o dia 27 de Maio como sendo o dia oficial para o Cortejo da Queima das Fitas. "

19 7 de março de 2023
- POR PEDRO MENDES -
ESPAÇO PATROCINADO PELO MCV CABRA DA PESTE
- PELO CONSELHO DE VETERANOS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA - MAGNUM CONSILIUM VETERANORUM -

CRÓNICAS DO TRODA

- POR ORXESTRA PITAGÓRICA -

que se preocupam com a UC, mas o que importa mesmo é manter o tachinho.

Agora vamos falar de assuntos sérios… então não é que os nossos líderes já não arranjam cerveja para a malta? Se havia coisa que nunca falhava na nossa academia eram os barris! Sabem se no Fórum Internúcleos os barris faltaram? Se calhar ficaram na carrinha da AAC…

Por falar em cerveja, então não é que o Carlitos o tio Zé Manel mudaram o cortejo para terçafeira? Por nós tudo bem, há menos mitras a roubar latas ao pessoal.

Não se esqueçam é que é preciso pedir justificação de falta ao Carlitos.

Como é que estamos suas gostosas? Estão com saudades nossas?

Pois é, na última edição da Cabra a internet no edifício da AAC não funcionou e não conseguimos enviar o nosso texto para a senhora diretora. Nada temam, no ISCAC a internet não falha.

Desde a última vez que conversámos muita coisa mudou… O edifício da AAC estava a cair de podre, agora já empobreceu. As cantinas azuis não serviam carne de vaca e agora também não servem para fumar um cigarro cá fora abriga-

do da chuva. Os grelhados recebiam convívios, agora são o novo muro de Berlim.

Mas não se preocupem… isto agora é que vai! O Pedrinho assumiu as rédeas do disciplinar e vai por todos na linha, exceto quando tem que voltar a ser afilhado de praxe de um alentejano qualquer…

Achavam que nos tínhamos esquecido dos nossos melhores amigos? Nunca!

Temos que dar os parabéns ao tio Amílcar e ao primo Matias. Depois de vencerem as suas eleições vão passar mais uns aninhos a dizer

Beijinhos molhados dos vossos marotos preferidos

ÉXTÉGUES DA ISABEL

Aluta de classes está na rua... os desfavorecidos e mal remediados "não ganham tudo mas têm de ganhar alguma coisa" para que a paz social continue, e o capitalismo sabe disso.

#hávidanestepaís

cabreando por aí...

20 7 de março de 2023 SOLTAS

Lítio: Solução ou Greenwashing?

Aapropriação pelo grande capital das alterações climáticas e do anseio da população na resolução dos problemas ambientais, tem como motor o lucro e a poluição, paradoxalmente contribuindo ainda mais para a degradação daquilo que promete preservar. Propaga uma narrativa catastrófica e de urgência, com o objetivo de desviar do espaço mediático a discussão de medidas alternativas nos setores com soluções duradouras que não sacrifiquem o planeta, as pessoas e a economia nacional.

No setor automóvel assistimos, cada vez mais, à expansão dos veículos elétricos aliado ao crescente aumento do fabrico das baterias de lítio, sustentadas numa ótica de solução única para a mobilidade financiada pelo “greenwashing”.

Em termos práticos, tudo se resume numa substituição de fontes energéticas e tecnologias e na promoção da compra de carros elétricos, isolando a necessidade de uma real aposta na eficiência, reutilização e reciclagem energética. Porque não é o lítio uma solução

eficaz no setor automóvel?

O lítio tem como base o método extrativo, o que por si só já é prejudicial para o ambiente. No entanto, quando a motivação da extração é a obtenção do máximo lucro possível acabamos por assistir a casos como o de Portugal. Devido à produção demasiado intensiva são emitidos altos níveis de CO2 e/ou não são cumpridos os planos de proteção ambientais estipulados, como aconteceu em Covas do Barroso. Desde o anúncio que as explorações de lítio são alvo de desagrado, quer pela falta de transparência dos processos, quer pela carência de avaliação sobre os impactos ambientais e sociais. Seja, ainda, pelo encobrimento das intenções das empresas no requerimento das licenças e no contrato de concessão ou pela omissão de informação às populações e o incumprimento dos direitos humanos, na segurança e nas precauções ambientais. Tudo isto numa ótica de mercantilização dos recursos naturais, colocando o seu valor ecológico e económico ao serviço de interesses privados, ignorando desde

OBITUÁRIO

- POR CABRA COVEIRA -

Até a chapa abana...

´Tás todo chapado, bro. Oh, milkas, querias instalar um campo de padel na AAC, dizias, oh atleta. Fáxabor, prende esse cabelo. Enganaste-te a aprovar o projeto, que o teatro dizia ACARDÉMICO. Para além de proibir espetáculos, proíbe o que de mais cultural há nesta casa: os convívios!

'Tás todo Trump, bro, mas aqui não há mexicanos, só COQFers. É o chamado mercado mágico (juro por tudo). Eu sei que estamos todos chateados com os preços dos bilhetes da Queima, mas daí a construir um muro vai um Míssil.

Tal como Berlim, este muro vai cair, nem que seja pelas infraestruturas. O Gil que vá pó c******, que as secções estão em lata, visto que o BarAAC abana.

Pia fininho, ou levas com um belo processo discplinar em cima...

logo o artigo 66º da Constituição da Républica Portuguesa. Podemos afirmar que se adotou uma estratégia que não protege as populações locais e o património natural, contribuindo gradualmente para a degradação da riqueza natural e a privação das populações.

A degradação ambiental para além de denunciada tem de ser unida à luta contra o capitalismo verde e a, já mencionada, estratégia de “lavagem verde”. Assim, são precisas políticas que deixem os transportes individuais a médio e longo prazo como função supletiva nas famílias. Como fazer isto?

Implementando políticas públicas que reforcem e invistam em transportes coletivos, políticas de mobilidade sustentáveis que deem centralidade ao transporte público e assegurem a sua qualidade, alarguem a sua rede e que garantam, numa fase inicial, preços acessíveis que apontem para a sua gratuitidade.

O BarAAC tanto abanou que a pala não aguentou. A malta quer apanhar cabras, não traumatismos ucranianos. Os nossos amigos lá de cima decidiram resolver o problema da oferta, eliminando a procura... e o problema dos sem-abrigo.

O turismo da UC é tão importante que nos presentearam com uma arte contemporânea.

Infelizmente, foi à hora do chá, não deu para acompanhar com arroz doce. O pagamento online significa pagamento à distância, já que não dá para entrar.

Pelo lado positivo: a pró-secção de Boccia pode finalmente ir almoçar. Já há acessibilidade para a malta de cadeira de rodas: é descer para as amarelas ou subir para o céu azul.

FRANCAMENTE! Que obituário de m****, não morreu ninguém.

21 7 de março de 2023
SOLTAS
- POR JESSICA SÁ - GRUPO ECOLÓGICO DA ASSOCIAÇÃO ACADÉMICA DE COIMBRA -
...e a pala cai.

CARTAS À DIRETORA

'Xora Diretora

Na segunda metade de fevereiro, a Universidade, por meio de uma das suas página no instagram - Universidade de Coimbra BRASIL - publicitou a entrada de brasileiros e a aceitação do ENEM como processo seletivo. Dois de meus amigos, Isabel e Mateus, bem como outros brasileiros, fizeram uso desse espaço para dar sua opinião acerca do tratamento discriminado que recebemos da instituição com as propinas internacionais. Foi minha surpresa, depois, receber a notícia que a Universidade não apenas apagou os comentários como bloqueou a conta do Mateus para que o mesmo não

quarta feira, 1 de março de 2023

repetisse os comentários: "E a mensalidade de 700 euros para brasileiros, 10 vezes mais que a de um nacional português", "Uma pena terem apagado meu comentário sobre as propinas infladas para brasileiros. Se não querem que eu exponha um fato, mudem a posição de vocês" e finalmente "Quais os planos de igualar a propina entre os nacionais brasileiros, que pagam 10 vezes mais que os portugueses?".

É certo que as propinas não condizem mais com a condição económica brasileira, equivalendo a aproximadamente 3 vezes o salário mínimo. Mas a questão foi muito além disso quando a Universidade se mostrou disposta a

censurar estudantes descontentes com a situação. Uma instituição de ensino superior que se preza perdeu qualquer moralidade e eticidade necessária à discussão académica ao se diminuir à censura covarde, e fica agora em questão quais são as reais motivações que levam essa Universidade à frente.

Claramente, a de um ensino superior de qualidade, de um espaço aberto ao aprendizado e da luta pela liberdade não o são. Uma instituição que lutou contra a censura e contra a ditadura é agora a perpetuadora desses mesmos atos.

quarta feira, 1 de março de 2023

‘Xôra Diretora, Conversando com amigos sobre as propinas a que nós, estudantes brasileiros, estamos sujeitos na Universidade de Coimbra (UC), um deles me mostrou um email que recebeu do reitor, à época João Gabriel Silva, onde dizia que o estado português era incapaz de financiar o estudante internacional, e que a partir dali estávamos sujeitos ao pagamento integral de nossos custos, que foram estão estimados em 700 euros por mês. Entretanto, em acordos firmados bilateralmente entre o Brasil e Portugal, os brasileiros estão sujeitos a um estatuto de igualdade quando residentes em solo português. Ainda assim, a Universidade do Porto, de acordo com o regulamento da CPLP, reduz suas propinas a estudantes provenientes desses países em até 45 por cento, com a propina total regulada por faculdade. De volta ao email, a principal razão citada pelo antigo reitor é de que os brasileiros que vêm a Portugal apenas para tirar o curso devem pagar o mesmo por inteiro. Logo, se por cá decidimos residir depois do curso, imagino que a Universidade se prontifique em devolver-nos o montante pago

com juros. A cobrança a brasileiros de uma propina que vale mais que dois salários mínimos brasileiros, e que é quase igual ao salário mínimo português atual, é imoral e de um descaso imenso com a história que a Universidade de Coimbra diz ter, em suas campanhas publicitárias, com o Brasil. Principalmente quando se trata de sua propaganda em terras brasileiras como uma Universidade gratuita, narrativa essa sustentada inclusive por famosos influenciadores da educação, como a Professora de História Débora Aladim que, através do patrocínio da UC, fez divulgações em suas redes sociais como se a faculdade fosse para nós, brasileiros, isenta de custos. Uma clara tentativa de emboscar alunos brasileiros para o financiamento da instituição. Instituição essa que formou, por séculos, pensadores lusófonos dos dois lados do Atlântico, e hoje se mostra incapaz de regular as próprias finanças, sendo dependente de remessas de dinheiro enviadas do Brasil. É evidente essa dependência quando a própria Universidade nutre uma página de instagram separada para estudantes brasileiros, onde bandeiras do Brasil são agitadas no Paço,

mas quando chegamos aqui vemos realmente o que somos para essa instituição. O motivo de não existir uma página direcionada a nenhum outro país falante de língua portuguesa é que somos nós, os brasileiros, os sacos de dinheiro para essa gente sem escrúpulos. Relatos de xenofobia por parte dos próprios colegas e professores, de assédio moral e sexual, de maus tratos, de não aceitarem nossa maneira de falar ou escrever em exames são comuns dia após dia nos corredores dessa Universidade, que sequer é capaz de tratar-nos como seres humanos iguais. Não há progresso sem mudança, e a Universidade se mostra incapaz de angariar fundos de financiamento de pesquisa por empresas, precisando ainda de nossas propinas, sendo a única que a cobra integralmente a estudantes brasileiros. Somos nós que mantemos essa instituição em pé, e somos nós que atravessamos o Atlântico em busca do nosso sonho. Somos nós os Lusíadas.

Anónimo

22 7 de março de 2023 CARTAS À DIRETORA
Luiz Eduardo Lopes Paneguini

CINEMA

UMA TRAGÉDIA GRECO-IRANIANA

- POR BRUNO OLIVEIRA -

Com a urgência de um thriller e o simbolismo e a clareza de uma fábula aparece World War III (Jang-e Jahani). Um filme simples até se tornar complexo, uma narrativa linear até se distorcer e uma fotografia crua enquanto o espectador não repara em todas as camadas.

O protagonista Shakib é um trabalhador de luto pela sua família que faleceu num terramoto. Compreensivelmente desiludido com o mundo, vai sobrevivendo. Arranja trabalho onde consegue e tem vindo a desenvolver uma

relação com uma prostituta surda-muda. O acaso leva-o a conseguir o papel principal de um filme, onde representa o ditador alemão Adolf Hitler. Sem nunca o ter desejado, acaba por trabalhar à força num emprego de sonho (para muitos daqueles que o rodeiam).

Por mais bizarra que a premissa possa parecer, não é indicativa das voltas que a narrativa dá durante duas horas. Os paralelismos com o holocausto carregam o filme para uma dimensão sugestiva, ou até filosófica, levantando questões como: será que opressor e oprimido

MÚSICA

ESPERAR PELA CHUVA ANTES DA COLHEITA

Já tinha passado demasiado tempo sem que Francisco Santos, conhecido no circuito do hip-hop tuga como xtinto, nos agraciasse com o seu álbum de estreia. O rapper de Ourém, que surgiu nos radares em 2019 com os EPs “Ventre” e “Inacabado”, brotou, de imediato, com a maturidade característica de um veterano. O seu arsenal, que trazia confiança na expressão vocal e um ‘wordplay’ singular, vinha envolto numa promessa efetiva de grandeza; só carecia um longa-duração que a comprovasse.

Em 2023, xtinto arregaça enfim as mangas e entrega-nos o seu primeiro disco, apropriadamente batizado de “Latência”. Lançado em fevereiro, este projeto deixa transparecer, a partir do seu título, a inércia e procrastinação do artista que, nas palavras do próprio, deixam de ser só suas “para passar a ser nossas”. O seu conteúdo, no entanto, revela uma disposição diferente, de maiores proporções, e um carácter resoluto e ambicioso, faminto (e merecedor) de devido reconhecimento.

Na estreia discográfica de xtinto encontra-

mos um retrato sonoro das suas vontades talhado no solo fértil que é a MUNNHOUSE, cooperativa artística da qual o rapper faz parte e de onde surgiram os nomes responsáveis pela cristalina produção do projeto, como Beiro, Lunn ou benji price. Tal como a capa do álbum sugere, este é um trabalho que flui com agilidade entre os vários estados de espírito do protagonista, evidenciando facetas distintas. A garra de faixas como “Katrina”, “Pacemaker” ou “Éden” (com benji price) disputam com o coração mole de “Android” ou “Diabo”. A descontração de “Tontura” (com Wugori) e “Iglu” (com Mike El Nite) adversam com o aguerrido foco de “Marfim”, “Carvão” ou “Cadáver”. São contrastes que, no entanto, se complementam e que alteiam a escrita imaculada do autor, que é sua raiz e seu cerne, e que impera sobre qualquer outro atributo.

A ilação que se retira deste álbum é simples e clara: se, com projetos anteriores, xtinto trouxe uma fundação sólida à ainda jovem sonoridade da sua psique, então “Latência” vem edificar o seu estatuto como figura maior do hip-hop

são categorias intrínsecas/estabelecidas, ou apenas papéis que desempenhamos quando surge a oportunidade. No entanto, a natureza do enredo e o estilo da produção é suficiente para colocar a obra numa posição de destaque. O diretor usou uma frase de Hannah Arendt para comentar o filme – nas ditaduras tudo corre bem até quinze minutos antes de tudo colapsar. O colapso aqui aparece sob forma de tragédia, no sentido clássico, que custa a descer, mas da qual não queremos desviar o olhar.

nacional contemporâneo. Crava nas pedras da cena portuguesa um grande X: está aqui, sabe que não veio tarde e que “um dia ainda vai ser rei cá”. A sua energia é contagiante, a sua promessa ainda longe de ser consumada. Ora, se for para uma colheita destas, vale com certeza a pena de esperar que venha a chuva.

23 7 de março de 2023
ARTES FEITAS
- POR PEDRO DINIS SILVA -

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Editorial

Mulheres sem maneiras

- POR JOANA CARVALHO -

“ Senhores, sou mulher de trabalho, e falo com poucas maneiras…” Assim começa a Cantiga Sem Maneiras, música do Grupo de Ação Cultural, característica do Processo Revolucionário em Curso. Escolhi começar este editorial com esta passagem, porque muito se espera do comportamento das mulheres. Que sejam bem educadas, que sejam dóceis, que tenham as “boas maneiras” que a cantiga tanto critica. No entanto, qual é o verdadeiro peso destas expetativas? Não só elas são desiguais em relação aos restantes membros da sociedade que reconhecemos enquanto homens, como acarretam ainda consequências muito reais na vida de imensas mulheres.

Vem-me agora à memória várias situações da atualidade que ainda revelam que a luta por uma verdadeira emancipação ainda estão longe. No final do ano transato, por exemplo, soube-se que o regime talibã, no Afeganistão, proibiu raparigas de frequentarem o Ensino Superior. A esta conjuntura junta-se a situação no Irão, após o assassinato de Mahsa Amini, jovem curda, por parte da Polícia da Moralidade. Também a revogação da decisão Roe v. Wade, que enquadrava a interrupção voluntária da gravidez enquanto direito cons -

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titucional ou a condição da mulher na ciência merecem a nossa atenção. E muitas outras podiam ser enumeradas. Por que falo eu destas situações? Porque todas elas necessitam de uma resposta. E a resposta não pode passar pela boa educação. O ódio e a agressão machista só conhecerão limites quando nós começarmos a reclamar as nossas próprias vozes e nos insurgirmos contra os mesmos. Temos de conseguir reconhecer que quando nos pedem “boas maneiras”, estão na realidade a comprar o nosso silêncio. Por todas as mulheres e meninas que ainda hoje são vitimizadas por simplesmente nascerem, viverem e serem mulheres: tenhamos poucas maneiras.

Diretora Joana Carvalho

Equipa Editorial Luísa Macedo Mendonça & Simão Moura (Ensino Superior), Raquel Lucas & Ana Filipa Paz (Cultura), Larissa Britto & Fábio Torres (Desporto), Eduardo Neves & Sofia Ramos (Ciência & Tecnologia), Clara Neto & Daniel Oliveira & Sofia Variz Pereira (Cidade), Gabriela Moore & Sofia Ramos (Fotografia) Colaborou nesta edição Lucília Anjos, Ana Cardoso, Frederico Cardoso, Matilde Dias, Gustavo Eler, Andreína de Freitas, Luís Gonçalves, Lena Hertel, Marília Lemos, Raquel Lucas, Sam Martins, Luísa Macedo Mendonça, Sofia Moreira, Simão Moura, Eduardo Neves, Mariana Neves, Bruna Passas, Ana Filipa Paz, Maria Inês Pinela, Sofia Ramos, Luísa Rodrigues, Marijú Tavares, Marta Tavares

Conselho de Redação Luís Almeida, Tomás Barros, Inês Duarte, Filipe Furtado, Leonor Garrido, Hugo Guímaro, Margarida Mota, Bruno Oliveira, João Diogo Pimentel, Paulo Sérgio Santos, Pedro Emauz Silva

Fotografia Ana Cardoso, Joana Carvalho, Daniela Fazendeiro, Luís Gonçalves, Lena HertelSam Martins, Simão Mota, Simão Moura, Marta Tavares

Paginação Joana Carvalho, Luísa Macedo Mendonça, Fábio Torres

Impressão FIG - Indústrias Gráficas, S.A. Telf.239 499 922, Fax: 239 499 981, e-mail: fig@fig.pt Produção Secção de Jornalismo da Associação Académica de Coimbra

Tiragem 2000

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