1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE RIO GRANDE INSTITUTO DE LETRAS E ARTES CURSO DE ARTES VISUAIS LICENCIATURA FÁBIO MAFRA DE ORLEANS Trajetórias de uma lama litorânea: peças cerâmicas, arte educação ambiental e ações relacionais RIO GRANDE RS 2021
2 Trajetórias de uma lama litorânea: peças cerâmicas, arte educação ambiental e ações relacionais RIO GRANDE RS 2021
3 FÁBIO MAFRA DE ORLEANS Trajetórias de uma lama litorânea: peças cerâmicas, arte educação ambiental e ações relacionais Este exemplar corresponde à redação final da Monografia de graduação defendida por Fábio Mafra de Orleans e aprovada pela Comissão julgadora em __/__/__. Orientadora: Profa. Dra. Roseli Nery. Profa. Dra. Rita Patta Rache Prof. Dr. Gustavo Tirelli RIO GRANDE RS 2021
À Professora Fabiane Pianowski, que me fortaleceu no envolvimento da cultura da cidade e à Professora Rita Patta Rache que se tronou grande exemplo e aliada na construção de tantas práticas que só fortaleceram o meu aceite para envolver o ensino das artes, com a educação ambiental. E com certeza, meus colegas que se tornaram amigos e grandes parceiros: Guille, Alison, Cissa, Fábio, Aninha, Samuel, Iuri, Pablo, Bernardo, Luz, Linda, Cleberson, Gabrieis, Julianas e todos que não esqueci, mas que espero estarem representados pelos que citei.Filho amado, que este trabalho te aponte caminhos e ajude a olhar para suas escolhas no futuro próximo.
O caminho que segui trilhando em Rio Grande se preservou no princípio que vivi desde pequeno em meu lar. Sou grato a meus pais, que me direcionaram a um olhar solidário e comprometido com o outro em primeiro lugar. Minha mãe que sempre foi um referencial artístico, através da pintura e das artes aplicadas, também foi meu exemplo de professora a ser seguido. Meu pai, a fortalecer os movimentos sociais, políticos e culturais, mostrou que unir forças é um ato de coragem e que implica muita luta, é dele também que encontro forças à beira do mar. Aprendi a reconhecer suas marés, suas correntes e seus marulhos. Este mar infinito de possibilidades me transporta das águas do Campeche, agora para outro litoral, seguindo meu norte, vou parar ao extremo sul do Brasil. Meu Norte, meu amor, desbravadora destes mares, Eleonora abre os caminhos, para que nossa semente, Azucena, crescesse nos Pampas, nossas raízes agora entrelaçadas, fortalecia uma árvore disposta a dar sombra às oportunidades, respirar e viver convictos na construção harmônica, orgânica e em movimento futuro.
Em Rio Grande, o acolhimento, o aceite por um pombeiro, feirante fazedor de cerâmica curioso e à disposição do ouvir e receber conselhos para os caminhos a serem seguidos. A quem não agradecer? Miguel, Celinha e todos envoltos no Arte Estação, Calheiros, Wagner e outros artistas ativistas, Mari, Andreia, Roseli, Vivi e amigos da relação educativa ambiental, Ricardo, Gorete e Secretaria de Cultura, o panela d´Expressão, Waldo, Volney e Tati que só fortaleceram a cerâmica em nossa cidade, cidade que assumimos sendo estrangeiros de tempo determinado, mas que ainda permitiu o aceite universitário, ao Professor Marcelo Gobatto, gratidão por acreditar, à professora Roseli Nery, a dedicação expressa neste trabalho, valeu demais seguir suas orientações.
4 AGRADECIMENTOS
5 | PEPA | QUE PARTE ME CABE QUE PARTE EU COMPLETO QUE PARTE ME FALTA PARTE DE MIM UMA QUEQUEQUEENVOLVIMENTOUMAPARTEQUEQUEQUEPARTILHARINTENÇÃO:PARTETECABEPARTETUCOMPLETASPARTETEFALTADETIPROVOCAÇÃO:PARTENOSCABEPARTENÓSCOMPLETAMOSPARTENOSFALTA PARTE DE NÓS UMA QUEPROVOCARAÇÃO:PARTE LHES CABE QUE PARTE ELES COMPLETAM QUE PARTE LHES FALTA PARTE DELES UM ACEITAÇÃODESEJO: AiO (2021)
O Presente trabalho expressa uma trilha consciente e criativa, dentro do processo de formação e pesquisa na Licenciatura em Artes Visuais e parte dos questionamentos: será possível transformar a Lama da praia do Cassino em material cerâmico eficiente para práticas artísticas, educativo ambientais e de autonomia produtiva? Teria a lama o potencial para despertar a necessidade de uma urgente arte educação ambiental no contexto da cidade de Rio Grande? E o que resultou como resposta está expresso em um método de análise química e microscópica, conformação de massas cerâmicas, objetos e experiências artísticas relacionais, educativas e que permitem gerar autonomia produtiva. Porém, o caminho dessa pesquisa não se faz isolado de uma análise e transformação crítica frente à gestão dos recursos naturais que nos vislumbram à volta. Alinhar conceitos, saberes e fazeres, proporcionou atitudes ecosóficas que expandiram a percepção do território para além da lama, fizeram reconhecer micro sociedades e com elas relacionar tempo e pensamento. Nossas intersubjetividades ganharam força com projetos transdisciplinares, evidenciando que, para além da conformação de uma resposta à pergunta inicial, o que se conquista com a práxis da arte educação ambiental é o envolvimento e a expansão do conhecimento, de dispositivos pedagógicos e uma visão ampliada para usufruir do pouco e convertê-lo em muito. Envolvidos à causa ambiental, fizemos a lama falar, o bambu elevar nossos olhos, acolher ações educativas e estruturar espaços de produção cerâmica, práticas pedagógicas e de difusão de pesquisas científicas.
6 RESUMO
Palavras chave: Lama do Cassino; Arte educação ambiental; arte relacional; ecosofia; sustentabilidade;
The present work expresses a conscious and creative path, within the process of graduation and research in the Degree of Visual Arts, and it originates from a question: will it be possible to transform the mud from Praia do Cassino into efficient ceramic material for artistic practices, environmental education and autonomy production? Does the mud have the potential to awaken the need for an urgent environmental education art in the context of the city of Rio Grande? And what resulted as a response is expressed in a method of chemical and microscopic analysis, conformation of ceramic masses, objects and experiences that are artistic, relational, educational and that allow the generation of productive autonomy. However, the path of this research is not isolated from an analysis and critical transformation facing themanagement ofnatural resources thatwesee around us. Aligning concepts, knowledges and actions, provided ecosophical attitudes that expanded the perception of the territory beyond the mud, acknowledged micro societies and related time and thought with them. Our intersubjectivities gained strength with transdisciplinary projects, evidencing that, in addition to shaping an answer to the initial question, what is achieved with the praxis of environmental education art is the involvementand expansionofknowledge,ofpedagogicaldevices andanexpandedvision to enjoy the little and convert it into a lot. Involved in the environmental cause, we made themudtospeak,thebambootoraiseoureyes,tohosteducationalactionsandtostructure spaces for ceramic production, pedagogical practices and the dissemination of scientific research.
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Keywords: Cassino’s Mud; Environmental education art; relational art; ecophilosophy ; sustainability;
ABSTRACT
13:
FIGURA 15: OFICINA DE VERÃO COM JOVENS, NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2018. 44
FIGURA 11: FORNO À LENHA CONSTRUÍDO COM BASE NO MODELO CONDORHUASI 2017.
FIGURA 24: PARTE DA INSTALAÇÃO COM OS CACOS E VÍDEO PERFORMANCE, APRESENTADA NA ACOLHIDA CIDADÃ. ÁTRIO DO PRÉDIO DAS ARTES (FURG). 2016.
FIGURA 22: PROCESSO DE TRABALHO CONSTRUÇÃO DE FORNO PARA QUEIMA DE CERÂMICA. COMUNIDADE JOSÉ MENDES, FLORIANÓPOLIS. 2020................................................................
FIGURA BASE DA CÚPULA GEODÉSICA DE BARRO CIMENTO, COM TRAMA DE BAMBU E FIBRA SINTÉTICA. 2017.
FIGURA 19 : ESPAÇO ECOS. PROJETO DE OCUPAÇÃO NO DEPÓSITO DE INSERVÍVEIS DO CASSINO.
FIGURA 16: OFICINAS DE MODELAGEM EM RODA DE OLEIRO, PARA ADULTOS, NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2018.
FIGURA 17: QUEIMA DE BISCOITO NO FORNO CONDORHUASI, NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2017.
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FIGURA 20: DESENHO ILUSTRATIVO DA ESTRUTURA DA ECO OLARIA. PROJETO A SER IMPLEMENTADO NO ESPAÇO ECOS, NO DEPÓSITO DE INSERVÍVEIS DO CASSINO.
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2017............................................................................................................................... 41
FIGURA 23: PERFORMANCE “COM A LAMA DAQUI ME TORNO MAIS DE TI”, REALIZADA NO ATO DA COLHEITA DA LAMA. PRAIA DO CASSINO. 2016.
8 ÍNDICE DE FIGURAS FIGURA 1: RESULTADO DE ANÁLISE DAS BASES: LAMA DA PRAIA DO CASSINO E ARGILA DA ALDEIA GUARANI EM DOMINGOS PETROLINE............................................................................ 25 FIGURA 2: AMPLIAÇÃO DA LAMA DA PRAIA DO CASSINO EM 3000X, ATRAVÉS DE MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA. 26 FIGURA 3: AMPLIAÇÃO DA ARGILA DA ALDEIA GUARANI DE DOMINGOS PETROLINE EM 3000X, ATRAVÉS DE MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA......................................................... 27 FIGURA 4: RESULTADO DA ANÁLISE PARCIAL QUÍMICA DA LAMA DA PRAIA DO CASSINO. ...... 28 FIGURA 5:RESULTADO DA ANÁLISE PARCIAL QUÍMICA DA ARGILA DA ALDEIA GUARANI DE DOMINGOS PETROLINE. 29 FIGURA 6: POTE TORNEADO EM RODA DE OLEIRO COM A ARGILAMA, QUEIMA À LENHA DE 980ºC........................................................................................................................................... 30 FIGURA 7: CACOS DA PLACA COM A RECEITA DA ARGILA NEWS CASSINO, QUEIMA À LENHA DE 980ºC. 31 FIGURA 8: CONJUNTO DE CHÁ FEITO COM A ARGILA LAMALDEIA, QUEIMA À LENHA DE 980ºC.32 FIGURA 9: ATELIER LIVRE DO MERCADO MUNICIPAL DE RIO GRANDE. 2018. .......................... 35 FIGURA 10: OFICINA DE INTRODUÇÃO À CERÂMICA NO ATELIER LIVRE DO MERCADO, ONDE SURGE O COLETIVO PANELA D’EXPRESSÃO. 2018. 36
FIGURA ATIVIDADE COM GRUPO DE CRIANÇAS DO MATERNAL I DA EMEI DÉBORAH THOMÉ SAYÃO NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO.
....................................... 59
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2017........................................................ 43
..................................................................................................................................... 48
........................................................................ 45
FIGURA 21: PROCESSOS DE TRABALHO NA FÁBRICA DE ARGILAS CAMPECHE, EM 2020.
......... 54
FIGURA 12: ARTE EM AÇÃO COM OS PARTICIPANTES DO PROJETO CAMINHO MARINHO E AMIGOS, NA CONSTRUÇÃO DA CÚPULA GEODÉSICA QUE ESTRUTURA O MODELO DE ECO OLARIA.
FIGURA 18: MATERIAL DE DIVULGAÇÃO PARA VIVÊNCIAS NA BARROÔCO.ARTE. ECO OLARIA MODELO. 2018.
9 FIGURA 25: PERFORMANCE DE ESCULTURA VIVA DA LAMA. ACOLHIDA CIDADÃ, ÁTRIO DO PRÉDIO DAS ARTES (FURG), 2016. 60 FIGURA 26: PRIMEIRA OFICINA DE MANUSEIO DA LAMA DA PRAIA DO CASSINO. ACOLHIDA CIDADÃ. SALA DE TRIDIMENSIONALIDADE. TRID/ILA FURG. 2016............................................ 60 FIGURA 27: ARTEFATOS CONTEMPORÂNEOS COM O GRAFO TRIRELACIONAL: HARMONIA ORGANICIDADE MOVIMENTO. ARGILA DA LAMA E NEWS CASSINO, QUEIMA 1008ºC. 61 FIGURA 28: PRATOS E CUMBUCAS COM GRAFO TRIRELACIONAL, ARGILA DA LAMA, QUEIMA 1008ºC......................................................................................................................................... 62 FIGURA 29: ESCULTURA EM CERÂMICA, SACI DA LAMA, O MÃO PELA BOCA. PEÇA EXIBIDA NA EXPOSIÇÃO ARTEFATOS, NA SALA MULTIUSO, PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO GRANDE. 2017.63 FIGURA 30: BLOCOS SECOS DA LAMA, AREIA, OSSOS E CONCHAS, EXPOSTOS EM ARTEFATOS. SALA MULTIUSO. PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO GRANDE. 2017............................................ 64 FIGURA 31: CAOS CELSIUS, LAMA DO CASSINO 1008ºC. EXPOSIÇÃO ARTEFATOS. SALA MULTIUSO. PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO GRANDE. 2017. 65 FIGURA 32: INSTALAÇÃO NA EXPOSIÇÃO DO COLETIVO PANELA D´EXPRESSÃO. ESPAÇO INCOMUM. CENTRO DE CONVIVÊNCIA. FURG. 2018.................................................................. 66 FIGURA 33: AÇÃO DE MEDIAÇÃO, EM VISITA GUIADA POR MONITORES DOS CURSOS DE ARTES DA FURG. EXPOSIÇÃO DO COLETIVO PANELA D´EXPRESSÃO. ESPAÇO INCOMUM. CENTRO DE CONVIVÊNCIA. FURG. 2018 67 FIGURA 34: EXPOSIÇÃO COLETIVA EM FEIRA LIVRE NA AVENIDA RIO GRANDE. PRAIA DO CASSINO 2018. 67 FIGURA 35: ATOS MANIFESTOS NA PRAÇA TAMANDARÉ, RG E NO VILLA FLORES POA. 2018. 68 FIGURA 36: O ESTANDARTE ORIGINAL BRASIL. ATO MANIFESTO EM FAVOR DA EDUCAÇÃO, DA CIÊNCIA E DAS ARTES. LARGO DOUTOR PIO. RIO GRANDE. 2019 70 FIGURA 37: VIII EDEA ECO ESPAÇO DE ARTE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. CIDEC SUL/FURG. 2016. ..................................................................................................................................................... 74 FIGURA 38: IX EDEA. ECO ESPAÇO ARTE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. CIDEC SUL/FURG. 2017...... 74 FIGURA 39: IX EDEA. CORTEJO COM O GRUPO TAMBORADA (PELOTAS) E MANIFESTO RESPIRA CRIATURA. CAMPUS CARREIROS FURG, 2017. 75 FIGURA 40: ECO ESPAÇO EDUCATIVO. IX FÓRUM BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. BALNEÁRIO CAMBORIÚ. 2017..................................................................................................... 76 FIGURA 41: CÚPULA GEODÉSICA NA ALDEIA KAINGANG. HORTO MUNICIPAL DO CASSINO. 2018. 77 FIGURA 42: EQUIPE ARTE&CIÊNCIA (IO E ILA FURG) NA CONSTRUÇÃO DA PLASTISFERA. FEIRA DAS PROFISSÕES DA FURG. RIO GRANDE. 2017. ........................................................................ 78 FIGURA 43: IMAGENS DE ESTUDO, MONTAGEM E EXPOSIÇÃO. FEIRA DAS PROFISSÕES DA FURG. RIO GRANDE. 2017........................................................................................................... 79 FIGURA 44: INTERIOR DA INSTALAÇO PLASTISFERA. FEIRA DAS PROFISSÕES DA FURG. RIO GRANDE. 2017. 79 FIGURA 45: OS RESTOS DA PLASTISFERA, AINDA NO DEPÓSITO DO 'TAL' SHOPPING................ 80 FIGURA 46: CRIANÇAS DO PROJETO GUARDIÕES DA NATUREZA, E A INTEGRAÇÃO DOS DISPOSITIVOS PEDAGÓGICOS: BERIMBARROÔCO, TRILHA ECO ESCOLA, EXPERIMENTAÇÃO COM A LAMA E A TAKUAPI TORRE DA ARANHA. 2018. 82 FIGURA 47: TAKUAPI. TORRE DA ARANHA. PARQUE URBANO DO BOLAXA. 2019. 83
10 SUMÁRIO APRESENTAÇÃO.............................................................................................................................11 CAPÍTULO 1: A LAMA. ...................................................................................................................16 1.1 O ENCONTRO 18 1.2 MASSAS TRI DAQUI 20 1.2.1 Preparo das amostras: ...........................................................................................................22 1.2.2 Teste com Azul de metileno / toluol: 22 1.2.3 Outras argilas 23 1.2.4 Os resultados..........................................................................................................................24 CAPÍTULO 2 A LAMA EXTENDIDA ...........................................................................................35 2.1 SOBRE A NECESSIDADE DA QUEIMA / CONSTRUÇÃO DE FORNOS 37 2.2 A NECESSIDADE DO ESPAÇO: BARROÔCO ARTE ECO OLARIA MODELO 40 2.3 ECO OLARIA TRIRELACIONAL .........................................................................................................48 CAPÍTULO 3 LAMARTE 56 3.1 PERFORMANCE: COM A LAMA DAQUI, ME FAÇO MAIS DE TI 57 3.2 ARTEFATOS: HARMONIA ORGANICIDADE E MOVIMENTO 61 3.3 LAMA NA GALERIA E NA RUA 65 3.4 MÁSCARAS E SONOROS 68 CAPÍTULO 4 NEM SÓ COM A LAMA SE EXPRESSA O ‘ARTIVISTA’..................................71 4.1. CÚPULAS GEODÉSICAS E ESPAÇOS PARA AÇÕES DE ARTE EDUCAÇÃO AMBIENTAL ...........................73 4.2 PLASTISFERA 77 4.3 TAKUAPI 81 CONSIDERAÇÕES DA TRILHA CRIATIVA CONSCIENTE.......................................................84 REFERÊNCIAS .................................................................................................................................88
É a partir da cerâmica que me acompanha na forma de expressão de parte desta minha subjetividade e que provoca a curiosidade, quase infantil, de encontrar parte destes mistérios da vida que nos engloba, que me deparo então com a lama da Praia do Cassino e, dela, a questão: Será possível transformar a Lama da praia do Cassino em material cerâmico eficiente para práticas artísticas, educativo ambientais e de autonomia produtiva? Teria a lama o potencial para despertar a necessidade de uma urgente arte educação ambiental no contexto da cidade de Rio Grande?
Nesta trilha consciente e criativa (TCC), vamos percorrer em algumas páginas o tempo de reconhecer o território, o encontro com a lama do Cassino, a curiosidade aguçada, a pesquisa intencionada, os resultados alcançados, a condução e extensão de práticas educativas, produtivas e crítico artísticas.
11 Apresentação
Parto de uma inconclusão assumida e trilho neste tempo em Rio Grande uma formaçãoprovocadana ecosofia deFélixGuattari enoreconhecimentodacerâmicacomo prática artística e pedagógica para o ensino transdisciplinar, envolvendo a no construto da arte educação ambiental. Paulo Freire ensina a conduzir a “experiência educativa” envolvida com os educandos e educadores, juntos, e com outros saberes e, neste caminho, tendo o saber cerâmico me acompanhado, foi possível congregar seres curiosos, conhecer a história local, analisar estudos acadêmicos anteriormente desenvolvidos e dispor do tempo e da intenção de retribuir algo significativo na cultura viva da cidade.
Como dizPaulo Freire: “Conhecer não é, de fato, adivinhar, mas tem algo que ver, de vez em quando, com adivinhar, com intuir" (FREIRE, 1996 p.51). Esta intuição surge, inicialmente, no tato e no reconhecimento da plasticidade desta lama. Seria ela a possibilidade de atender à necessidade de matéria prima e, ainda, quando percebida e reconhecida a presença histórica da cerâmica indígena, mas observada a sua ausência neste tempo, uma forma de perseverar o fazer cerâmica na cidade? Aguçada a curiosidade de onde se extraiam estas argilas, surge a questão sobre como facilitar o acesso à mesma para seguir alimentando estes saberes e fazeres? A presença da cerâmica neste Pampa litorâneo que circunda a Lagoa dos Patos data de “2000 anos, começando em meados do primeiro século a.C. e estendendo se até a ocupação portuguesa da área, no século XVIII” (SCHMIDTZ, 2011, p.83). O saber ancestral foi atropelado pela tecnologia industrial, então por que não usufruir dessa tecnologia industrial para enriquecer o saber e o fazer artesanal?
Alinhado a esta percepção, passei a olhar para fora das linhas da pesquisa Sal Cerâmica (sobre a qual falarei mais adiante) e a encontrar novos elementos para potencializar as discussões ambientais e educativas, para além das respostas às questões inicialmentelevantadas Encontrandonovosgrupos,relacionandonovascausas,apreendi processos de criação e construção de valores socioculturais. Buscando, assim, “melhorar todas as relações ecológicas, incluindo a relação da humanidade com a natureza e das pessoas entre si” (Meta ambiental expressa na Carta de Belgrado, 1974, sobre uma estrutura global para a educação ambiental), segui expandindo relações, até me deparar com o conceito de Bourriaud sobre a estética relacional nas artes. Por este motivo, acrescento algumas práticas, construtivas e pedagógicas, que podem parecer distanciar se da pergunta inicial (relativa à transformação da lama da praia em pasta cerâmica), mas que, porém, alinham se quanto à relação com o bioma de forma mais ampla, a praia e a comunidade que a usufrui.
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A intenção se expande, quando disposto e aberto às relações, percebo a importância do ensino das artes não restrito à sua cronologia histórica, mas, envolvido na transformação social e cultural da comunidade. Não sou parte apenas do local de minha naturalidade, mas sou parte de onde estou. Foi com este pensamento que me fiz de Rio Grande, reconhecendo a possibilidade de ser parte e me colocando a disposição de agenciar ações culturais, educativas e provocar a percepção de viabilidade econômica frente à falta de iniciativas públicas.
Espero que partes deste processo de pesquisa, de conformação cerâmica com a lama, de ocupação de espaços e de construção de outros núcleos de atenção artística, educativa e ambiental, venham a auxiliar na continuidade de práticas integradas não a caprichos delirantes, mas a necessidades reconhecidas e pertencidas aos seres que vivem nesta e em outras comunidades. Anseio pela perseverança nas ideias aqui apresentadas e somo a convicção de que, sendo aplicadas, podem tornar ainda mais viva e dinâmica nossa cultura.Acredito que o papel do arte educador se estende ainda mais para atuar no campo da cultura, por isso traço este paralelo, onde: O agente cultural será um profissional capaz de entender os mecanismos da atuação em grupo que possibilitem a esse grupo o exercício da criatividade (ao invés de castrá lo para isso, como ocorre com frequência) e capaz de conhecer a natureza e possibilidades das linguagens e equipamentos culturais de que se servirá e que por isso mesmo terá condições de equacionar sua própria presença e intervenção no grupo, ou junto ao indivíduo, de modo a não perturbar exageradamente a natureza (para não dizer a “autenticidade”) do processo. (COELHO, 1988, p.57)
Fundamentam as análises os ensinamentos de Jorge Fernandéz Chiti, que nos trouxe em seus livros os testes adequados, bem como as informações e receitas para a construção dos fornos. Foi fundamental nesta fase de testes, estabelecer as relações interdisciplinares com as áreas da arqueologia, biologia, química e, assim, dos laboratórios CEAMECIM Centro de Estudos Ambientais, Ciências e Matemática, bem como do CEME SUL Centro de Microscopia Eletrônica do Sul, que possibilitaram aferir resultados com precisão, ampliar a percepção do grão da lama e, com isso, fundamentar os processos de conformação de massas cerâmicas e potencializar ainda mais as ações deste envolvimento.Nosegundo capítulo, a lama estendida, apresento uma percepção, assim como nos campos das artes, onde muitos extravasam os limites da moldura ou do pedestal para aguçar ainda mais o olhar. A lama da praia do Cassino vai para além da potencialização da produção cerâmica, utilizando a como base a lama, para possibilitar relações criativas, mostrandoserpossíveltransformaressapotênciaemgeraçãodeoportunidadeserecursos, tanto para dinâmicas de ensino, ou meio de subsistência para a comunidade.
Nesta abordagem, o conceito de ecosofia direciona a “uma autêntica revolução política, social e cultural reorientando os objetivos da produção de bens materiais e imateriais” (Guattari, 1990, p.9). A compreensão deste sujeito ecológico que, para além do educador/artista, me fez envolver o papel de gestor cultural e desfrutar da estética relacional para perceber sua potência no construto da arte educação ambiental.
No terceiro capítulo, apresento resultados da pesquisa em produção artística, envolvendo performances, máscaras, peças sonoras e em ações de arte educação ambiental feiras, eventos, exposições e ainda a extensão construtiva de espaços e dispositivos que proporcionaram e proporcionam o conceito de arte relacional, que, como define Bourriaud, é “Uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanaseseucontextosocialmaisdoqueaafirmaçãodeumespaçosimbólicoautônomo e privado” e que “atesta uma inversão radical dos objetivos estéticos, culturais e políticos postulados pela arte moderna". (BOURRIAUD, 2009, p.19-20)
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Na continuidade deste relato, apresento o desenvolvimento da pesquisa para responder à questão sobre as possibilidades de transformação da lama da praia do Cassino em pasta cerâmica, seja para a produção de peças artísticas e utilitárias, seja para ações de arte educação e de arte educação ambiental. No primeiro capítulo, pretendo apresentar a lama, como e por que nos relacionamos ao ponto de resolver pesquisar sobre sua constituição, na busca por entender sua composição e as necessidades de estruturação.
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No quarto capítulo, apresento a extensão de ações correlatas à causa ambiental, destacando que, para além da lama, a causa ambiental não se restringe à sua aparição, mastraz apautada atitudesocial e da condiçãode evoluirmos para umaculturaecosófica Apresenta se, portanto, um olhar plural, que busca ganhar força com outros pares vinculados/as às questões relacionadas, como a harmonia de viver em meio aos bens naturais e constituir projetos de comunicação e educação ousados e provocativos, que tenham o intuito de influenciar pequenas atitudes e mudanças de comportamento Por isso, a importância de apresentar a Plastisfera, uma parceria transdisciplinar que demonstra, em sua construção, uma ação de comunicação de uma pesquisa que trata dos resíduos plásticos lançados ao mar e, na destruição de sua estrutura, evidencia se o descaso ainda imperativo por parte dos detentores do grande capital. Por outro lado, a Takuapi demonstra o quanto os dispositivos lúdicos podem completar o ambiente de lazer, tornando o pedagógico e possibilitando, ainda, ser um objeto de arte relacional, construído a partir de recursos naturais abundantes na região. O que é importante ressaltar éque, assim como alama presenta napraiado cassino,os plásticos eos bambus setornam protagonistas de uma relação conjunta na luta por uma sociedade disposta a reconhecer seus potenciais naturais e as dinâmicas possíveis para a proposição de ações de arte educação ambiental. A práxis da arte educação ambiental se fortalece na trilha e é determinante neste processo de formação, onde a responsabilidade frente à causa da lama se funde aos princípios expressos na carta de Belgrado de 1974: Governos e formuladores de políticas podem ordenar mudanças e novas abordagens para o desenvolvimento, podem começar a melhorar as condições de convívio do mundo, mas tudo isso não passa de soluções de curto prazo, a menos que a juventude mundial receba um novo tipo de educação. Esta implicará um novo e produtivo relacionamento entre estudantes e professores, entre escolas e comunidades, e entre o sistema educacional e a sociedade em geral. (Resolução da 6ª Sessão Especial da Assembleia Geral da ONU, adotada em 10 de maio de 1974, Nova Iorque) Esta carta traz a proposta de uma estrutura global para a educação ambiental e, assim como a percepção de Guattari, bem como outros autores e, ainda, alinhado à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), percebo a importância de conduzir uma práxis consciente e propositiva no enlace educativo. Trago como referência a este pensamento quem me provocou a encontrar este caminho de relação com a arte e a educação ambiental, a Professora Dra. Rita Patta Rache, que demonstra em sua Tese de Doutorado
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o quão dispostos devemos estar a uma relação sensível, respeitosa e solidária com o meio e com os demais seres que nele habitam. Educação ambiental é querer um mundo pacífico e alegre, com comida para todos, educação e respeito à diversidade étnica e cultural. Um mundo onde valores como justiça socioambiental, solidariedade e cooperação sejam as bases das relações humanas. É buscar, juntos, ações de transformação para uma vida melhor no presente e no futuro. É olhar a natureza com os olhos do coração e respeitar todas as formas de vida, considerando a inter relação e a interdependência entre todos os elementos que compõem o ambiente. É encantar sediariamente.Édespertarareverênciapelavidaemantê laconsciente em cada ação cotidiana. É acreditar que é possível transformar a si mesmo, o outro e o ambiente. É, portanto, um campo de disputa por projetos de sociedade.
(RACHE, 2016, p.45) Que ao final desta trilha não se encontre um ponto final, mas sim uma reticente continuidade, fortalecida pelo legado desta pesquisa, estruturada nas proposições coletivas e conectivas, guiada no envolvimento ecosófico e determinante para as práxis deste arte educador ambiental.
16 Capítulo 1: A Lama. É claro que a lama não nasceu em 2015 (jornal Correio Mercantil de 1901 notificou o fenômeno), mas esta iguaria vinha sendo degustada em doses homeopáticas nas últimas décadas, porém, agora a alopatia agressiva se assentou na praia do Cassino. Existem vários registros anteriores desta deposição, mas o fato é que o fenômeno tem se acelerado nos últimos anos comprometendo a socialidade desnuda da beira da praia planificada mais antiga do Brasil. Cenário ideal para filme de zumbis ou mutantes que emergem do lameiro já transmutados cenicamente, mas o cenário desconcertante para uma imagem paradisíaca de um beach no extremo sul do Brasil. Polêmicas a parte a origem do fenômeno, o fato é que o Cassino virou um “Mar de Lama”. O olhar dos transeuntes não está no Mar (Oceano Atlântico) mas na praia que formou um novo oceano constituído por lama. O que de fato está acontecendo com a praia do Cassino de forma cada vez mais frequente? (TORRES, 2015, p.66)
a potencialidade da lama como base para as massas cerâmicas, bem como o interesse da comunidade que passou a ter conhecimento desta pesquisa, inicialmente em feiras públicas como o caso da Quitanda Cultural,1 depois com o Atelier 1 Quitanda Cultural, feira em praça pública promovida pela Secretaria de Cultura de Rio Grande, acontece na Praça Xavier e na Avenida do Cassino.
Através do projeto de pesquisa nos dedicamos ao estudo da possibilidade de transformação da lama do Cassino em pasta cerâmica, com o objetivo de utilização para o ensino eaproduçãode peças utilitáriase artísticas,bem como para arealizaçãodeações de arte educação ambiental. Com a orientação da Professora Roseli Nery (ILA/FURG), partimos deste objetivo inicial: o desenvolvimento de massas cerâmicas a partir do estudo das propriedades plásticas, físicas e químicas da lama do Cassino, bem como de outras argilas encontradas na região de Rio Grande e que serviram também para a conformação de pastas específicas. Os resultados encontrados revelam que esta matéria prima possui propriedades condizentes para a conformação de pastas cerâmicas eficientes para uso artístico e Visualizandoartesanal.
A lama na praia do Cassino aparece como intrusa, “alopatia agressiva” que ameaça a “socialidade desnuda” e o faz de forma cada vez mais frequente. O que estaria acontecendo? Ou poderíamos pensar: o que é a lama? Desde 2015, desenvolvo experimentos de transformação da lama em pasta cerâmica. Uma pesquisa que pôde se desenvolver durante os anos de 2017 a 2019, através do Projeto Sal Cerâmica, que recebeu apoio do ILA Instituto de Letras e Artes através de bolsa de pesquisa EPEC.
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Destaca se o potencial cultural implicado na possibilidade de facilitar às novas comunidades que habitam na região, no século XXI, o fazer e o saber de uma prática ancestral que ficaria relegada ao esquecimento e que poderia proporcionar novas alternativas de expressão e promoção de uma cultura viva e permanente. Nesse sentido,
Livre do Mercado (Rio Grande), com as práticas de ensino aprendizagem das técnicas de modelagem cerâmica, ampliamos a pesquisa para o projeto de extensão Sal Cerâmica, levando a possibilidade de preparo das massas, ensinando novas técnicas de modelagem e acabamentos, introdução aos processos de queima e o envolvimento carinhoso com a aldeia Guarani que se encontrava em Domingos Petroline Outro desdobramento do projeto foi a iniciativa de configuração de um espaço autônomo de ensino e produção de peças cerâmicas, chamado barroôco.arte, que fomentou a ideia de uma eco olaria que irei apresentar mais à frente Estas ações de fomento à produção cerâmica local envolveram um trabalho de pesquisa da história da cerâmica na região, como algo do qual se tem registros arqueológicos, como os descritos no livro Sítios de Pesca Lacustre em Rio Grande, RS, Brasil, que aponta que: A cerâmica forma uma tradição própria, denominada Vieira por Schmitz e Brochado (1966): possui mais semelhanças com as tradições cerâmicas platinas do que com as do Planalto Brasileiro. São recipientes simples, rasos, pequenos, com antiplástico mineral, geralmente sem decoração, às vezes com a superfícieexternacobertapor suaves impressões dapolpado dedo(digitado), roletada ou ponteada; nos períodos iniciais, a base do recipiente pode estar coberta por um engobo branco, como certas cerâmicas do Rio do Prata; final do período a parede externa pode estar coberta por impressões de cestaria. (SCHMITZ, 2011, p.72 73) Com o conhecimento arqueológico aliado na intenção de seguir produzindo argilas com os elementos naturais locais, foi possível perceber o domínio de técnicas que foram apenas apropriadas ao material em questão, como o uso de antiplásticos, que são substâncias para corrigir o excesso de plasticidade, como areia, ou chamote, e/ou outras argilas, para melhor estruturar a lama e posteriormente desenvolver as peças, não com a intenção de reprodução do que foi passado, mas de fomentar a evolução cerâmica local, bem como: A evolução da cerâmica Vieira de formas mais rasas, menores e mais diversificadas para formas um pouco mais profundas, um pouco maiores e mais uniformes, mostra, além de um maior domínio da técnica, um maior ajustamento na exploração dos recursos uniformes do ambiente (SCHMITZ, 2011, p.249)
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levantamos a reflexão sobre a importância do projeto no âmbito de políticas ambientais e culturais locais e da atuação como agente cultural, enfatizando o pensamento sobre as singularidades locais, a promoção de diálogos e encontros, que implicam a escuta e a aprendizagem mediante práticas de nutrição mútua; a colocação da comunidade em contato com os recursos necessários para a prática da arte cerâmica; a sensibilização para a criação e o protagonismo dos indivíduos e coletivos envolvidos nos processos criativos; a busca de viabilidade e autonomia econômica, através do uso de matéria prima de baixo custo; e o esforço por estruturar a visibilidade da produção em cerâmica, bem como as possibilidades de sua circulação. 1.1 - O Encontro No encontro com uma condição adversa na praia, percebe se que, para além de uma areia compactada e das dunas, a praia do Cassino apresenta o fenômeno que consiste no acúmulo de matéria orgânica na encosta marinha, intensificado pelas dragagens realizadas pelas atividades portuárias na região. Longe de solucionar problemas ambientais, mas com a intenção de provocar pensar o que é esta lama que então passou a povoar em blocos a praia, e, principalmente, o que há na sua constituição, se existe argila e/ou se há presença de metais pesados, é que se desenvolveu a pesquisa Sal Cerâmica, com o intuito de analisar as possibilidades de desenvolvimento de pastas cerâmicas para o ensino, a criação artística e, eventualmente, utilitária, sem oferecer riscos à saúde daqueles que as manuseiem. As diversas indústrias do estuário da Lagoa dos Patos provocaram há muito tempo despejos, com certo controle pelos órgãos competentes, e existem estudos realizados dos sedimentosencontradosnapraiaquecitam apresençadearsênio, cromo,cobre,mercúrio, níquel, chumbo e zinco, respectivamente, para os períodos anterior e posterior às dragagens, como descrito na dissertação do pós graduando em engenharia oceânica, Luís Eduardo Torma Burgueño: Este trabalho objetivou avaliar os níveis de contaminação dos sedimentos do canal de acesso ao Porto de Rio Grande RS, com vistas à sua disposição em terra. Foram analisados os seguintes elementos: As, Cr, Cu, Hg, Ni, Pb, Zn, COT, N Total e P Total. Os dados utilizados foram obtidos do Programa de Monitoramento elaborado pela FURG, em 2006, para a SUPRG, para o licenciamento de dragagem de manutenção. Em contraste a estes dados foram utilizados, também, àqueles gerados pela MRS, em 2007, para o licenciamento
Ao assumir esta possibilidade de manuseio, colocou se o questionamento sobre um uso produtivo e criativo dos rejeitos das dragagens, que ocasionam impactos socioambientais. Nesse sentido, aponta se a análise da dissertação de mestrado da Oceanógrafa Flavia Cristina Granato que destaca a conscientização dos portos sobre sua responsabilidade em preservar o ambiente em que estão inseridos: A expansão das atividades portuárias geralmente requer significativas alterações no meio ambiente, seja através de dragagens e disposição de materiais (resíduos), assim como pelas próprias operações, que têm potencial de impactar a qualidade do ar, solo e recursos hídricos. Mais recentemente, os portos têm estado mais conscientes da sua responsabilidade em preservar, proteger e limpar o ambiente em que estão inseridos. Estão fazendo isto por razões econômicas, ecológicas, estéticas (paisagísticas) e de segurança, para melhorar a integração e a compatibilidade com a comunidade adjacente. (GRANATO, 2005, p. 6)
Poderia haver, então, interesse em investir em um projeto para o uso produtivo e criativo da lama da praia, com possibilidade ampliar o uso desta argila em dinâmicas de ensino, na geração de renda com o incentivo à produção cerâmica local?
19 da obra de prolongamento dos molhes e aprofundamento do canal de acesso ao porto (de 40 para 60 pés). Todos os elementos ficaram abaixo dos limites estabelecidos na legislação em vigor para disposição em solo, comparados com a ocorrência de teores iguais ou inferiores a P= 0,99. Quanto à utilização dos sedimentos para uso como fertilizante, verifica se que, a probabilidade dos elementos estudados causarem danos à saúde pública e ao ambiente natural é não significativa, quando se comparam os teores encontrados (P≤0,99) aos limites estabelecidos na legislação pertinente. (BURGUEÑO, 2009, p. 5 e 153) Assim como este trabalho demonstra, outros vão comprovar que a lama tem os elementos químicos em questão, porém em um nível balanceado na escala aceitável. O estudo apresentado na dissertação de mestrado da Engenheira Laurita dos Santos Teixeira descreve a presença de manganês, cobre, zinco, ferro, níquel, cromo, cádmio, chumbo e mercúrio em sedimentos da dragagem do porto novo de Rio Grande, e afirma que: As análises feitas comprovaram que o solo não se apresenta contaminado por metais, segundo valores de referência do CONAMA (resoluções 344/2004 e 375/2004) e da CETESB (resolução 39/2004), para lama de dragagem, e para disposição de lama em solos (TEIXEIRA, 2009, p. 80)
Não haveria, então, riscos do uso do material como base para pastas cerâmicas.
Em conversa informal com o Doutor em Geoquímica Marinha Paulo Baisch, este nos assegura a possibilidade de manuseio da lama da praia sem riscos para a saúde.
Massas Tri daqui Nas primeiras peças que foram modeladas, manualmente e na roda de oleiro, observei a presença de muitos nódulos, mas que ao serem pressionados, eram facilmente amassados, isso foi sugestionando uma viagem na vida da lama. Primeiro de tudo, a lama tem muita vida, ela rola do paredão acumulado a mais de 300m da costa, onde há uma depreciação do solo que a segura embolsada; muito desta matéria viscosa, densa e negra, traz no cheiro memórias e marulhos. Meu respeito ao mar vem de tempo. Reconhecendo o mar e seus mitos, me aproximo de Póntos2 para ouvir seus marulhos e modelar as placas feitas da lama, acrescidas do papel de jornal. Nesta placa, escrevi o método de preparo da argila news cassino, que segue hoje nos cacos: NEWS CASSINO Tua lua de intenção colhe a lama 5 partes pica jornal 5 partes hidrata e lava 3 eunirdepciclosoisasmassasescrevernapasta
O processo da pesquisa está diretamente ligado à forma de ensinar, é nela que a curiosidade ganha a materialidade necessária para promover o que se aprende, de modo simples na forma de comunicar, ela se completa no envolvimento comunitário e na relação artística/crítica e científica. Destaco a importância da percepção do espaço e das possibilidades de intervenção no mesmo, como aponta Schwall (2012, p. 31): “Os gestos da vida cotidiana, quando vistos como inexoravelmente conectados com um espaço, tem o potencial de criar, renovar e rejuvenescer os locais que vivemos”. Importante guia desta trilha foi Jorge Fernández Chiti, ceramologista argentino, quepasseiaconhecereadmirar naliteratura, graças aoMestreceramistae amigoGustavo Tirelli. Em 2016, fui a Buenos Aires e conheci o Instituto Condorhuasi coordenado por Chiti e fiz o curso sobre conformação de pastas cerâmicas, aprendi mais sobre a construção de fornos e o manejo das queimas, mas o que me fascinou foi o pequenino
20 1.2
2 Ponto ou Póntos (em grego: Πόντος, transl.: Póntos, "alto mar"), na mitologia grega, era a divindade do mar aberto, ou seja, das profundezas do mar. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ponto_(mitologia) Acesso em: 26/04/2021
Estava com amostras da lama do Cassino em pó, havia levado algumas na condição natural e lembro de suas palavras: “Esta é uma amostra do nosso amigo do Brasil, exemplo claro de humus, lama, dejeto, muito presente nas encostas de rios …”, “para o uso cerâmico não é um bom material”. Porém, ele mesmo me sugeriu que o uso do material para uma discussão socioambiental poderia ser válido. Chiti me intriga, então, a achar uma possibilidade de encontrar, nesta mínima parte de argila presente em tanto humus, alguma potência de transformação do ambiente em que o oleiro/ceramista consciente traduz no barro/lama sua sensibilidade de olhar à frente. Provocado com a curiosidade de comprovação da lama como argila potente para o uso cerâmico, buscou se na possibilidade dos testes de análise de argilas apresentados por Chiti em seu livro Análisis de Arcillas, Caolines y Materiales Cerámicos (2012).
Assim, diante de outras possibilidades de métodos, aceitei por onde começar e seguimos as orientações para executar dois testes inicialmente, o Toluol e o Azul de Metileno (CHITI, 2012, p. 130 147). Para facilitar a visualização dos dados e provocado pela beleza das cores das amostras, elaborei um quadro demonstrativo que apresenta o motivo de cada fase dos testes. Neste quadro, apresento a análise feita a partir das amostras que apontam para o perfil da argila, nível de expansão dos grãos e o grau de argilominerais. Estes dados não são apontamentos finais, porém, fazem parte do processo de conhecimento técnico científico dessa Descobripesquisa.useoporquê
21 laboratório de análises. Com os elementos químicos certos, podiam se analisar as argilas.
de certas fragilidades encontradas no caminho da modelagem, um olhar parcial da composição estrutural para responder às rachaduras e o encolhimento, além de dar clareza das mesclas dos materiais analisados que possam potencializar a lama em argila, e desta forma solucionar os anseios da pesquisa As etapas que elaboramos para esta análise foram: o tempo de espera da secagem dos materiais, a trituração das bases, peneiragem e separação de porções iguais para separar parte natural e o restante desidratado a 100ºC e, depois, divididas em duas partes iguais, sendo que uma delas foi para calcinação (processo em que a amostra submetida à temperatura perde a água química presente e os compostos orgânicos) a 1000ºC. Com este processo, já fora possível analisar a perda de calcinação, isto quer dizer, que foi possível conhecer o percentual de encolhimento do material, que seguindo o processo de produção da cerâmica, influi diretamente no tamanho final que a peça alcança.
22 1.2.1 - Preparo das amostras: O processo inicial de preparo das amostras das argilas foi torná las pó. Muitas estavam empedradas e, assim, foram trituradas usando uma lâmina de courvin para apoio do material seco, colocados em uma metade do courvin, a outra parte se dobra sobre o material e com o uso de uma marreta, se vai batendo e triturando, depois de um tempo, colocando em uma peneira, se obteve o pó, para então armazenar parte natural e outras duas partes que foram para desidratação e calcinação.
Nesta etapa, as amostras foram submetidas à desidratação em forno elétrico a 100º C e depois separadas em duas partes iguais. Uma das partes foi levada à calcinação a 1000º C, na intenção de obter o percentual da perda de calcinação. Onde, então, vamos aferir o peso total da substância que se perde da argila durante a cocção. De acordo com Chiti, este teste nos permite ainda analisar o grau de pureza que a argila pode ter, pois quanto maior o percentual da Perda de Calcinação, maior será a quantidade de argila pura que contenha, e neste processo a lama perdeu 56%. Basicamente, sua parte da matéria orgânica.E o que percebi é que temos 30% de material argiloso e que se completa com outros minerais, isso é a lama. Mas isso é variável, dependendo do ponto e do período que ela é obtida 1.2.2 Teste com Azul de metileno / toluol: Notestedeazul demetileno,usei a técnicade cromometria3 paradeduzirdeforma visual e no tempo de observação, que tipo de argila e caulim estava encontrando, além de observar critérios de decantação no tubo de ensaio graduado, sua velocidade e percentual de impurezas. Trata se de um teste de múltiplas observações para os fins cerâmicos. O resultado alcançado foi de probabilidade mínima de argila rosada, tipo APM (alto peso molecular); capa da superfície com característica montmorillonita, que vem a ser uma variedade argilomineral, consistente de silicato de alumina hidratado, com óxido de ferro e às vezes com a presença de magnésio e cálcio. A argila da aldeia apresentou a 3 Medição da dosagem das substâncias coradas.
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Com os testes chegamos ao conhecimento destas propriedades argilominerais da lama do Cassino e encontramos na argila da aldeia indígena de Domingos Petroline a outra base estrutural para realizar as pastas cerâmicas de nosso projeto. 1.2.3 Outras argilas Por intermédio de Angélica Marques, participante das oficinas de cerâmica ministradas no Atelier Livre do Mercado Público de Rio Grande, entre os anos 2017 e 2018, ganhei amostras de argila do região do Taim Do colega de feiras na Avenida do Cassino, Tiago, ganhei argilas de Candiota RS e, do amigo de trilhas, Guille, ganhei a argila de Camaquã Depois, outra amostra veio de forma fascinante e com a seguinte história:Com a política de acolhimento dos povos indígenas e reintegração de suas aldeias a terras reconhecidas como suas, os Guaranis passaram a habitar a localidade de Domingos Petroline. Na ocasião do evento UBUNTU: 1ª Mostra de Arte Educação Ambiental eCulturaAfro brasileira e Indígena(ILA FURG,2017), estávamos recebendo a ceramista Rita Canemba, que trazia consigo a Pajé Daniela. Elas apresentariam o Petynguá, cachimbo sagrado feito de argila em uma oficina. O Petynguá ficou visível no fazer da Pajé, tendo maior atenção às técnicas de pintura com engobe de ferro. Porém, eu estava observando o fazer da Pajé e fiz os meus, assim como outro colega, o arqueólogo Luiz Henrique “Minhoco Evoi”, e é com ele que segue a história. Passados alguns dias, Evoi volta para sua propriedade em Domingos Petroline, ele a havia aberto completamente para a integração com os irmãos Guaranis. O Cacique Eduardo e sua aldeia vieram para Rio Grande por uma visão do Pajé Verah e para salvar a vida de sua filha, pois onde viviam fazia a ela muito mal, e ali ela viveria feliz. O cacique se integrou
caracterização de uma possível argila branca, ou, caulim e alto teor de alumina.
Encontramos aqui outra base de composição. No teste do Toluol, também guiado pelo método Condorhuasi, onde buscava comprovar se as argilas analisadas possuem muita substância orgânica coloidal (que nos dará a relação de sua plasticidade), o objetivo era determinar o tamanho da partícula e a presença de óxido de ferro. O resultado alcançado foi indicativo ao perfil de argila vermelha, maior presença de humus, impurezas, na forma expansível. No caso da argila da aldeia, demonstra ser um caulim com baixo teor de impurezas, expansível.
24 no evento UBUNTU, onde trabalhávamos com argila, conheceu nossa Oficina de Tridimensionalidade e se interessou por aprender a roda de oleiro. Mas, na verdade, começamos um curto envolvimento, respeitoso e no tempo de cada tempo. Acontece que estando eles na aldeia nova, e buscando respostas nos recursos locais, saíram para pitar petynguá e observar. O Pajé pitou no dele e não mostrou. Mas olhou para Evoi e perguntou do seu Petynguá: é de argila daqui? É possível que tenha sido feita com argila da lama. Mas, enfim, Evoi respondeu que sim, que ele o havia feito. Você é daqui? Sim, desde muito pequeno. Posso pitar o seu? CLARO! Então o Pajé pitou com Petynguá dali e com o sopro da vontade ele voou até o monte. Um paredão com uns 2m de altura que declina para o ponto 0, a uns 300m, uma fonte branca, uma base caulinita.
é a do meu PETYNGUÁ, e quem fez ele foi a companheira do Cacique, dias depois de ter lhes entregado alguns quilos da argila.
A argila da aldeia foi para o projeto Sal Cerâmica, outro encontro de respostas. Esta fonte nos possibilitou conceber uma argila de excelente qualidade junto à lama da praia doACassinoargilalamaldeia
Ainda recolhi outras bases para efeito comparativo. Porém, vou aprofundar na relação possível de continuidade: LAMALDEIA! 1.2.4 - Os resultados A análise das amostras de argilas coletadas pelo projeto Sal Cerâmica permitiu a elaboração da arte gráfica que apresenta as etapas do processo, fotografadas no momento de cada experimento, e organizadas como escala de paleta de cores, onde estão descritas as análises de cada teste (Figura 1) Esta outra descoberta que se deu dentro das experiências, foi a amplitude de cores que é possível obter com um material, apenas submetendo ele a níveis variados de temperatura, submergindo em substâncias que provocam a reação química necessária, evidenciam se novas e distintas cores. Algo me remete à oficina de fluidos, uma prática pedagógica na arte educação, que vivenciei com a professora Rita Patta Rache, onde o azul de metileno dançava enquanto gotejado no tubo de ensaio com água. Aqui agora, revelando informações da sua potência de envolvimento com a lama ou a argila. A cada etapa uma expansão da ação e sigo usando estas paletas de cores em trabalhos gráficos relacionados ao projeto e desdobramentos do mesmo.
O MEV - Microscópio Eletrônico por Varredura - faz parte dos equipamentos do CEME SUL, Centro de Microscopia Eletrônica do Sul, da FURG. Acompanhado pela Professora responsável, Dra. Henara Lillian Costa Murray, pude observar as partes geométricas da composição da lama e das demais amostras, mas seguiremos com destaque também para a argila da aldeia guarani de Domingos Petroline (Figuras 2 e 3)
25 FIGURA 1: RESULTADO DE ANÁLISE DAS BASES: LAMA DA PRAIA DO CASSINO E ARGILA DA ALDEIA GUARANI EM DOMINGOS PETROLINE.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018
A avaliação que se chegou neste ponto da pesquisa é que a lama da praia do Cassino é basicamente um composto orgânico com a presença de partes argilominerais mínimas no perfil montmorillonita e silte (limo). Ainda na composição da lama, encontramos a presença de óxidos de sódio, potássio, cálcio, ferro, silício e alumínio, porém a presença destes elementos só foi detectada através da análise microscópica que apresentou uma análise da composição química parcial.
26 FIGURA 2: AMPLIAÇÃO DA LAMA DA PRAIA DO CASSINO EM 3000X, ATRAVÉS DE MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA.
Nesta etapa, os olhos passaram a ganhar novas perspectivas de interesse. Além de podermos ter maior precisão quanto ao baixo nível de elementos contaminantes, houve o encontro com formas geométricas que se sobrepõem, e criam desenhos, encontro nova relação com o traço geométrico de acabamentos cerâmicos ancestrais. A beleza destas imagens ultrapassou a expectativa de apenas conformar uma argila de utilidades manuais, mas trouxe a revelação de que suas partes são agrupadas química e geometricamente de acordo com suas camadas valentes e que em uma parte que apontamos analisar, podemos ter variações do percentual de presença de um elemento ou outro A análise parcial química confirmou mais uma vez a caracterização de uma argila montimorillonita para a lama da praia do Cassino e a argila da aldeia guarani de Domingos Petroline (FIGURAS 4 e 5), para uma argila caulinita, porém com alternância da cor em função das impurezas de Ti (Titânio) e Fe (Ferro) que acaba dando alguns manchões rosados na base branca desta argila e em alguns casos deixando a rosada.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018.
27 FIGURA 3: AMPLIAÇÃO DA ARGILA DA ALDEIA GUARANI DE DOMINGOS PETROLINE EM 3000X, ATRAVÉS DE MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018. A argila da aldeia, diferente da lama da praia, já apresenta condições para estruturar um material cerâmico com melhores propriedades, já que se trata de uma caulinita com maior presença de alumina. Isso quer dizer que apresenta melhores condições argilominerais. Então, as duas bases que passamos a considerar: a lama, uma base gorda, pois apresenta uma carga elevada de matérias orgânicas, e a aldeia, uma base magra, pois apresenta maior carga de sílica, em relação às suas condições plásticas
28 FIGURA 4: RESULTADO DA ANÁLISE PARCIAL QUÍMICA DA LAMA DA PRAIA DO CASSINO.
2018.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica.
FIGURA 5:RESULTADO DA ANÁLISE PARCIAL QUÍMICA DA ARGILA DA ALDEIA GUARANI DE DOMINGOS PETROLINE.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018.
Diante dos resultados e compreendendo as fragilidades do uso puro da lama e do uso puro da argila da aldeia, experimentamos diversas proporções e também outros
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Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018.
30 materiais, como o caso do papel jornal, para então conformar as seguintes massas, como resultados da pesquisa desenvolvida no projeto Sal cerâmica: • “ArgiLama” Para o preparo desta base, considero que podemos usar dois métodos: úmido e seco. No método úmido, as partes colhidas são lavadas em ciclos de 3 semanas; durante este período se mexe a massa, até que encontre homogeneidade, usa se defloculante para desmanchar os nódulos presentes; após este período, a massa descansa e perde água, tornando se mais pastosa e, neste ponto, verte se em placas de gesso, para que se elimine mais um volume de água epermitaqueganheaconsistênciademoldagem.Nacondiçãodeprepararaseco, deixa se empedrar o material coletado, depois estes blocos são triturados e peneirados; a vantagem deste método é que permite ter a base para preparo e composição de engobes e esmaltes, além de poder levar parte desta argila em pó para uma calcinação e utilizá la como chamote (estruturante antiplástico); outra vantagem é o armazenamento, e havendo a necessidade de material, basta hidratar em 30% e logo se obtém a massa para trabalhar. Esta base deve ser considerada de baixa temperatura, podendo chegar a 980°C e pode resultar em peças com alto grau de absorção (Figura 6) FIGURA 6: POTE TORNEADO EM RODA DE OLEIRO COM A ARGILAMA, QUEIMA À LENHA DE 980ºC.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018.
FIGURA 7: CACOS DA PLACA COM A RECEITA DA ARGILA NEWS CASSINO, QUEIMA À LENHA DE 980ºC.
• News Cassino Para o preparo dessa massa, usamos o método úmido e, além da lama, outro material é o papel (jornal). A lama será colocada na forma natural em um recipiente e esta será submersa em água; o papel (jornal) será picado e colocado em outro recipiente e também submerso em água; nas duas bases se acrescenta um pouco de defloculante para dissolver melhor os nódulos da lama e a trama da celulose. No decorrer de 3 meses, são mexidas e lavadas.
Após este período, misturam se as duas partes, tornando se uma única mistura, que será revolta durante 3 semanas até que se obtenha uma massa homogênea. Depois, basta colocar nas placas de gesso e retirar a massa para trabalho. A queima pode exceder um pouco mais, chegando aos 1100°C, perfeita para usos artísticos, possibilitando peças finas e leves, justamente por que toda matéria orgânica existente, incluindo as fibras da celulose, volatizam aos 500ºC, mantendo poros em todo o corpo cerâmico (Figura 7).
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FIGURA 8: CONJUNTO DE CHÁ FEITO COM A ARGILA LAMALDEIA, QUEIMA À LENHA DE Fonte:980ºC.Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018. Durante os anos de pesquisa do projeto Sal cerâmica, outras composições foram elaboradas, porém estas 3 massas foram as que seguiram e seguem ativas nos trabalhos
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• “LamAldeia” No preparo dessa massa, podemos considerar os dois métodos: úmido e seco. Porém, a mistura dos pós nos traz maior precisão no percentual da fórmula. Basicamente, compõem se a mistura em percentual de 40% da lama e 60% da argila da aldeia, pode se variar os percentuais de mistura, de acordo com a intenção do objeto a ser confeccionado, porém, esta receita demonstrou resultados de excelente resistência mecânica, refratariedade e baixa retração e um índice de permeabilidade baixo. Para confecção de utilitário, é a argila mais adequada, com baixa absorção e boa refratariedade Queima até 1150ºC com segurança, podendo exceder ainda mais a temperatura, porém pode apresentar leve deformidade na peça final (Figura 8)
33 que foram desenvolvidos e continuam nas mãos daqueles que foram de alguma forma “contaminados” pela ideia de transformar a lama em matéria prima potencial para a produção de peças cerâmicas. Os resultados destas peças foram expostos em diversas ocasiões, provocando ainda mais discussões a respeito da potência social, cultural e econômica oculta neste insumo, considerado ainda por muitos como dejeto.
Observa se que há muitos apontamentos na intenção de uso da lama. Agora, e a arte? Não é um caminho com circunstâncias experimentais reveladoras? Pois, ao nos depararmos com a expressão entre parênteses no que se refere à possibilidade do uso da lama para cerâmica, entenda se neste lugar, por que não, a produção artística? Fora o fator custo para seu aproveitamento, esta matéria é válida para experimentos. Então, o que torna esta possibilidade realmente custosa? Em primeiro lugar, o conhecimento. Ter acesso à informação é fácil e já é um começo, porém o conhecimento já antecipa boa parte do custo, pois com ele vamos poder nos estruturar sabendo o que necessita o ceramista, ou qualquer pessoa interessada neste material, diante da vontade de confeccionar um objeto usando este recurso abundante. A informação vai aclarar que não basta a argila apenas para se fazer um objeto cerâmico, e que para além da sua estruturação necessária para completar esta intenção, é preciso a queima. Só completando esta etapa é que a argila ganhará novo título e passará a ser considerada cerâmica. E este pode ser um dos fatores de maior relevância no custo. Porém, é possível acessar a outras pesquisas, onde vamos observar que existem diversos
Assim como a Eng. Laurita dos Santos Teixeira apresenta em seu estudo das propriedades químicas dos rejeitos da dragagem do porto novo para utilização como solo fabricado para fins agrícolas: Os usos benéficos de material dragado incluem uma grande variedade de opções as quais podem utilizar este material para alguma finalidade produtiva.
O material dragado é fonte valiosa de solo com grande poder de manejo e gerenciamento, com capacidade de fornecer melhorias e benefícios ambientais e Associoeconômicos.principaiscategorias na qual o sedimento dragado pode ser utilizado para uso benéfico, são: restauração e melhoramentos de habitats aquáticos (mangues, marismas, ilhas artificiais); uso em aquicultura; uso em parques e recreação (comercial enão comercial); agricultura e silvicultura; uso em aterro e cobertura para lixões; estabilização e proteção da costa e controle de erosão (através de arrecifes artificiais, quebra mares e bancos de areia); uso industrial e na construção civil (incluindo desenvolvimento portuário, de aeroportos, urbano e residencial); produção cerâmicas (pouco explorado por ser um processo muito caro). (TEIXEIRA, 2009, p.40 41, grifo nosso)
34 tipos de queimas, das mais rudimentares até as que possibilitam a construção de fornos para diferentes tipos de combustíveis (lenha, gás e elétrico) e que basta adequar a realidade econômica de cada ceramista, artista ou curioso. Vamos ver à frente algumas possibilidades.
35 Capítulo 2
A Lama extendida Sou professor contra a ordem capitalista vigente que inventou esta aberração: a miséria na fartura. (FREIRE, 1996, p.115)
FIGURA 9: ATELIER LIVRE DO MERCADO MUNICIPAL DE RIO GRANDE. 2018.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018. Além do ensino da reciclagem das argilas, do manejo da lama e da conformação das massas cerâmicas, houve o aprendizado sobre a estrutura necessária, como o 4 Panela d´Expressão: Grupo de ceramistas que se formou durante os anos de 2017 até 2019 no Atelier livre do Mercado, em Rio Grande, RS.
Uma vez realizados os estudos para a compreensão da composição da lama e os testes para a conformação de pastas cerâmicas, a pesquisa Sal cerâmica foi possibilitando que a Sala de Tridimensionalidade/ILA/FURG fosse conquistando autonomia de produção das argilas que deram suporte às oficinas e aulas de cerâmica dos Cursos de Artes Visuais, bem como do projeto de extensão Sal Cerâmica, que ocorreu no ano de 2018, integrando o grupo Panela d´Expressão4, que se formou a partir de oficinas ministradas no Atelier Livre do Mercado de Rio Grande (Figuras 9 e 10), alunos da comunidade acadêmica e o Cacique Eduardo com sua família, da aldeia guarani de Domingos Petroline.
36 laboratório apresentava um modelo já organizado com forno elétrico, tornos elétricos e todo complemento de ferramentas necessárias, foi realmente uma imersão de possibilidades. Foi notório o quanto ainda em comparação com outras argilas comerciais, as argilas de composição da lama eram pouco apropriadas pelos participantes. Alguns poucos assumiram a causa e seguem executando seus trabalhos com estas argilas, além do laboratório. Aos que assumiram estas receitas propostas, ou, que se apropriaram desta dinâmica do projeto de utilizar bases primas para conformação de massas cerâmicas, conquistaram também a autonomia produtiva, assumindo a perspectiva expressa por Paulo Freire de que, assumindo as características do local e, tomando frente ao conhecimento necessário, podemos encontrar na fartura de recursos naturais iniciativas que minimizem a miséria imposta a muitas comunidades.
FIGURA 10: OFICINA DE INTRODUÇÃO À CERÂMICA NO ATELIER LIVRE DO MERCADO, ONDE SURGE O COLETIVO PANELA D’EXPRESSÃO. 2018. Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018.
Durante esta trilha percorrida junto à lama em Rio Grande, envolvido primeiramente como parte da comunidade local, depois como oficineiro em espaços da prefeitura, aluno pesquisador na FURG e, então, voltando à minha atividade ceramista, constatei demandas que precisavam de maior atenção e dedicação. Minhas intenções como artífice ceramista estavam começando a ser supridas, pelo menos em matéria prima local estava no caminho, porém, a questão da queima caminhava junto como necessidade primeira, por isso, inicialmente, a universidade se mostrou aberta para alcançarmos
37 resultados provocantes. Porém, a possibilidade de trabalhar em atmosferas de queima variadas e eliminar o nível de fumaça nas queimas de biscoito no forno elétrico da sala de tridimensionalidade provocaram para que surgisse mais uma dinâmica de ensino aprendizagem na trilha: construir um forno à lenha Condorhuasi, com amigos da FURG e, assim, começa a se estruturar a ideia da eco olaria, onde o manejo da lama e o preparo das argilas seguiu alimentando a produção cerâmica e as práticas de ensino, promovendo com seus resultados cerâmicos a potência do projeto Destaca se a intenção de percorrer os ciclos pesquisa ensino extensão, bem como produção circulação consumo, almejando a autonomia sustentável para a prática de futuros artífices ceramistas. 2.1 - Sobre a necessidade da queima / construção de fornos
À medida que os interesses eram multiplicados, a produção se estruturava e, além de minha produção, em 2018, já havia mais de 18 pessoas envolvidas, produzindo e buscando um lugar para queima de suas peças e propagação das mesmas. Assim, a necessidade de propor e provocar a autonomia destas pessoas foi crescendo e ganhando forma em alguns espaços e pequenos grupos com novas proposições. No Mercado Público Municipal de Rio Grande, com o grupo que se formou na primeira turma do Atelier Livre, resolvemos constituir o coletivo Panela d´expressão.
Los Hornos no se compran: se hacen (CHITI, 2013, p. 5)
Este grupo já havia tido o contato com a argila da Lama, porém, muitos apenas tinham aquele espaço para se dedicar ao fazer cerâmico, sem estruturas próprias para manter uma produção. Por isso, ao organizarmos o grupo, a intenção era provocar a municipalidade com o regresso produtivo de uma arte, expressa nos cacos arqueológicos em abundância no território Rio grandino. No segundo ano de ação do grupo, o Professor Waldo Gouvea fora presenteado com um forno elétrico de pequeno porte, mas que possibilitou certa autonomia ao grupo; mesmo assim, a parceria que viria a acontecer mais tarde com a extensão do projeto Sal cerâmica trouxe maior conforto para os participantes quanto ao resultado de suas peças. A lama como base para a confecção das peças foi aceita por parte do grupo, porém, foram estes que mais se destacaram em condição de seguir de forma autônoma após o tempo dos cursos. Hoje, o grupo se dissolveu, mas algumas destas
Ainda vislumbrando a possibilidade de conquistar apoios institucionais para desenvolvimento de tecnologias apropriadas para o manejo da lama, busquei a INOVATION, incubadora tecnológica da FURG, fiz uma apresentação, mostrando resultados alcançados, produtos elaborados, necessidadedeamparotécnico específico em busca dos caminhos para a viabilidade econômica. Porém, as tecnologias da terra se distanciaram do interesse do grupo que formava a comissão avaliadora, mais interessados em APPs e projetos virtuais. A resposta que obtive, além de lindos elogios quanto ao projeto, é de que deveria procurar o NUDESE, Núcleo de Desenvolvimento Social e Econômico. Porém, não estava preparado para uma aplicação tão direta, ainda existiam etapas a serem completas para que isso viesse a acontecer.
38 pessoas não abandonaram o fazer cerâmico e seguiram passos distintos para sua estruturação pessoal. Na FURG, a sala de tridimensionalidade (TriD) é um espaço organizado para o envolvimento básico com a cerâmica. Com um forno elétrico e com os tornos elétricos, as dinâmicas de ensino e produção eram mais práticas e a teoria se envolvia no fazer de cada etapa. Fosse no preparo das argilas, na modelagem de bancada ou em torno, no uso dofornoenosacabamentosdeengobeseesmaltes,tudoaconteceuorganicamente.Talvez um ponto negativo e que valha atenção é um sistema de exaustão para os gases liberados durante a queima. Esse foi um ponto importante para tomar a decisão de construir um forno à lenha, para manter as queimas de biscoito em ambiente arejado, principalmente das peças feitas com a lama, pois a carga de matéria orgânica que ela apresenta volatiza com muitos gases, não avaliados se prejudiciais, mas independente de uma avaliação, era impossível a permanência no laboratório em razão do cheiro que exalava e a fumaça que concentrava no mesmo espaço. Um fator relevante nesta etapa do projeto era de que a produção deveria se restringir à exposição das peças e produção das práticas de ensino, não podendo atender a necessidades econômicas dos envolvidos e pensava, por que não podemos ter um “ateliê junior” (algo similar às empresas júnior dos cursos de exatas)?
Diante das limitações dos fornos disponíveis no Atelier Livre do Mercado e na sala de tridimensionalidade, e com a necessidade de conquistar maior autonomia para o grupo de pessoas envolvidas com cerâmica em Rio Grande, naquela ocasião, mobilizei um pequeno grupo para a construção de um forno Condorhuasi, à lenha (Figura 11). Este forno está descrito no livro Curso Práctico de Cerámica, volume 2, bem como no livro Hornos Cerámicos, de Jorge Fernandez Chiti; foi feito em um latão de 200 litros, após a retirada da tampa superior, foram realizados os cortes do cinzeiro e fornalha, deixando
39 10cm na base para preencher com a massa isolante, depois se colocou um contramolde, feitocom chapa galvanizada,deixandoum vão entreas paredes entre 9 e10cm.Opreparo deste recheio refratário isolante das paredes do forno é feito com a mistura de caulim, chamote (material antiplástico), serragem e pouca água; sua textura fica como de uma farofa e com ela se vai pilando entre a parede externa e o contramolde do miolo até a superfície. Passaram 3 semanas para poder retirar o contramolde e mais uma semana para a primeira queima de secagem, a fim de estruturar o forno Este modelo de forno é considerado de tiro direto, onde o calor provocado na fornalha e no braseiro do cinzeiro vai direto para a câmara de cocção, onde concentra se entre as peças e as paredes que conservam a temperatura, e se dispersa na saída da tampa superior. Utiliza 20kg de lenha por queima e pode alcançar a temperatura de 1300ºC, porém, aferi em 3 anos de uso a temperatura máxima de 1100ºC. Ainda com este modelo de forno foi possível desempenhar queimas com variações atmosféricas: 1) redução, onde se provoca uma carga maior de fumaça para enegrecer as peças, ou, causar lhes detalhes rajados enegrecidos; 2) oxidante, onde se permite uma fluidez maior com entrada de ar, ampliam se as chamas e as peças podem apresentar na característica mais homogênea da coloração alguns rajados mais intensos do fogo; 3) neutra, onde há equilíbrio da queima, tendo na parte interna a força calórica já em equilíbrio de ar e dará às peças um característica mais limpa. Ao construir o forno, percebemos que seria possível adaptá lo a outras estruturas de suporte, além do latão e até mesmo substituindo a massa refratária isolante por tijolos maciços, a fim de atender a pequenas demandas dos interesses sobre a autonomia de produção cerâmica. Assim, a questão do custo da queima começou a ser sanada com esta iniciativa que fortaleceu a atitude de outros colegas a realizarem seus projetos, amparados com nosso suporte técnico.
aproximadamente
A arte contemporânea realmente desenvolve um projeto político quando se empenha em investir e problematizar a esfera das relações. (BOURRIAUD, 2009 ,p.23)
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018. 2.2 A necessidade do espaço: barroôco.arte eco olaria modelo
40 FIGURA 11: FORNO À LENHA CONSTRUÍDO COM BASE NO MODELO CONDORHUASI 2017.
A proposta da Eco Olaria surgiu como um modelo a ser colocado em prática na dinâmica de estender a arte cerâmica, dando vez à proposta de uma arte provocada nas relações, com as pessoas e com uso dos recursos provenientes do local. Nesse local que ficava junto à propriedade em que residia no bairro do Bolaxa, estruturaram se, além do ambiente de produção de argilas na área externa, a sala da roda de oleiro na parte interna da casa, o forno à lenha para as queimas das peças, as prateleiras de estocagem, o ambiente de ensino e práticas produtivas na cúpula geodésica que completa este modelo da eco olaria, a Barroôco.arte.
Na montagem desse espaço (FIGURA 12), houve a articulação entre distintos saberes, conjugando todo o processo de produção cerâmica (desde a composição das argilas até a construção dos fornos para as queimas), com a bioconstrução, em particular, a estruturação de cúpulas geodésicas em bambu, arame e borracha. A utilização desde recurso coincide com a preocupação inicial da pesquisa aqui desenvolvida, pois se trata de potencializar o aproveitamento de materiais locais, com baixo custo e, muitas vezes, tidos como dejetos ou incômodos.
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FIGURA 12: ARTE EM AÇÃO COM OS PARTICIPANTES DO PROJETO CAMINHO MARINHO E AMIGOS, NA CONSTRUÇÃO DA CÚPULA GEODÉSICA QUE ESTRUTURA O MODELO DE ECO OLARIA. 2017. Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017.
A proposta da Eco Olaria foi construída de modo experimental, em um espaço residencial, com o intuito de analisar de forma muito próxima sua efetividade e, assim, ecoar a replicação em outros locais de interesse
Da geometria da lama, a união dos vértices dos bambus colhidos no corredor do Bolaxa resultou na construção da cúpula geodésica de frequência 3 para 4,5m de diâmetro. Com as arestas variantes em 3 medidas, sendo a=939mm, b=917mm e c=780mm, que organizados em frações de 6 pentágonos(c), 10 hexágonos(a) e 5 meio
42 hexágonos(a), são unidos em b. Com furos nas extremidades de cada aresta, deve ser atravessado arame para as junções nos vértices e, organicamente, se formarão os ângulos flexíveis, pois aí se trama o amarre com a borracha cortada em tiras de 2 dedos; o amarre é feito ao par de hastes e se coloca a ponta da tira sobre um par e se vai dando voltas de aperto entre a primeira e a segunda, então usa se a segunda como primeira para o próximo par e assim até completar o giro, minutos em hexágonos, minutos em pentágonos e horas com b. O cálculo foi feito utilizando a calculadora acidome5 A primeira altura da cúpula, assim como o aterro e o piso, foi feita usando barro vermelho (saibro de Pelotas), lama, fibra sintética de cabos descartados do porto de Rio Grande (FIGURA 13), gravetos e folhas de bambu; na parte superior, foi utilizada coberta em lona de toldo. Foi feita a abertura de duas portas, além das partes com lona transparente e a iluminação, bem como a ventilação, além do suporte de tomadas para o espaço ser independente da casa.
FIGURA 13: BASE DA CÚPULA GEODÉSICA DE BARRO CIMENTO, COM TRAMA DE BAMBU E FIBRA SINTÉTICA. 2017.
Completa a estrutura física do espaço: a praça do forno, com círculo de pedras para queimas conectivas, pois este é um sacro momento para construir virtualidades reais, e aqui segue para armazenamento das lenhas, e o encontro dos vizinhos lenhadores do 5 Disponível para consulta em: https://acidome.ru/lab/calc/#7/12_Piped_D50_3V_R2.25_beams_45x45 (Acesso em: 03/04/2021)
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017.
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Bolaxa,as bancadas deempréstimo eo armazenamento dos equipamentosdesuportepara confecção de novas peças; e também a estrutura possível de permear relações. Como diz
Bourriaud em seu livro sobre a Estética Relacional: Aprender a habitar melhor o mundo(...) Em outros termos, as obras já não perseguem a meta de formar realidades imaginárias ou utópicas, mas procuram constituir modos de existência ou modelos de ação dentro da realidade existente, qualquer que seja a escala escolhida pelo artista.
(BOURRIAUD,2009, p.18)
A praça da reciclagem, os galões de argilas de 200lt, piscinas de imersão de contato, livre e expressivo, envoltos de pequenos galões de misturas de 50lt, seguem nos moldes sobre a bancada de suporte e circula em fácil acesso às prateleiras de secagem. O ambiente de circulação e convívio, ensino e aprendizagem, estava pronto (Figuras 14, 15, 16, 17 e 18).
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017.
FIGURA 14: ATIVIDADE COM GRUPO DE CRIANÇAS DO MATERNAL I DA EMEI DÉBORAH THOMÉ SAYÃO NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2017.
É sobre este olhar de uma nova ecologia estética que se constitui o princípio da eco olaria, onde fazer arte em um espaço que ocupava cerca de 20m² permitiu que fossem
44 FIGURA 15: OFICINA DE VERÃO COM JOVENS, NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2018.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018. Uma identidade se instalou, a vida neste espaço fez enxergar a possibilidade provisória de uma estrutura dinâmica e possível de ser replicada. O baixo custo estrutural, a relação prática envolvida e a certeza de continuidade na aprendizagem me levam a seguir estruturando lugares de princípio ecosófico, disposto a conviver atuante com as novas formas de fazer Arte. Um exemplo que me atravessa na execução deste projeto é o Coletivo Geodésica Cultural Itinerante. Entre seus princípios, destaco a experiência ecosófica do mundo, os processos colaborativos, a ativação de convívios e a resistência à imposição das subjetividades capitalísticas: Ajudando a formar uma nova cartografia para o jogo representacional da Arte, onde se vivencia uma plataforma de desejos compartilhados capaz de experienciar ecosoficamente este mundo, o processo colaborativo levado a cabo por ambos coletivos está instaurando uma micro ecologia cultural. Ativa formas de convívio capazes de produzir resistência a esta homogeneização existencial que modos capitalísticos nos impõem por meio do consumo e do espetáculo massificado que se implanta paulatinamente em todo o mundo da globalização. Como já reconhecido o metarrelato do consumo ao minimizar a experiência por meio da mera reprodução de sentidos que já nascem obsoletos provoca uma universalização nas formas de pensar e sentir a realidade como uma estrutura homogênea. Para contrapor a esta presente condição, a que todos estamos submetidos através dos meios de comunicação, produção e recepção massificados, a função da representação em arte pública exige que novas ecologias estéticas sejam postas a prova (KINCELER et. al., 2014, p.29 30)
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018. Nesse sentido, destaca se a reflexão sobre a importância do projeto no âmbito de políticas culturais locais e da atuação do agente cultural, enfatizando o pensamento sobre as singularidades locais, a promoção de diálogos e encontros, que implicam a escuta e a aprendizagem mediante práticas de nutrição mútua; a colocação da comunidade em contato com os recursos necessários para a prática da arte cerâmica; a sensibilização para a criação e o protagonismo dos indivíduos e coletivos envolvidos nos processos criativos; a busca de viabilidade e autonomia econômica, através do uso de matéria prima de baixo custo; e o esforço por estruturar a visibilidade da produção em cerâmica, bem como as possibilidades de sua circulação. Como diz Tasat: Trata se de pensar na América a partir dela, enquanto o pensamento desarraigado da nossa terra e desgravitado do nosso horizonte cultural
45 realizadas ações de produção, ensino e pesquisa. A perspectiva que se apresenta, num plano de estruturação comunitária e/ou como política pública, seria a construção de espaço(s), a partir desse modelo, onde se poderia ampliar a capacidade produtiva de uma comunidade de ceramistas. Ou, ainda, fomentar a recuperação da prática cerâmica em comunidades indígenas, como no caso de Rio Grande. Quais equipamentos seriam necessários e em quais dimensões territoriais seria possível criar um espaço como este dispositivo de arte relacional que promove e provê com a cerâmica?
FIGURA 16: OFICINAS DE MODELAGEM EM RODA DE OLEIRO, PARA ADULTOS, NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2018.
FIGURA 17: QUEIMA DE BISCOITO NO FORNO CONDORHUASI, NA BARROÔCO.ARTE, ECO OLARIA MODELO. 2017.
Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017.
A isso acrescento como a cerâmica aproxima este vínculo e amplia percepções sensoriais, o que favorece uma melhor reação com o pensamento, a criatividade e a criticidade na formação de nossa cultura, expressa em nossa arte relação e no conceito de “unidade geocultural” de Kult, expresso por Tasat (2015, p.54).
46 fundamentou a implementação de políticas culturais que tomaram como referência uma noção de cultura e de sujeito cultural formulada em outros contextos, europeus ou norte americanos, e, portanto, desvinculada dos problemas, particularidades e tensões próprias do território e dos mundos que constituem a América profunda. (TASAT, 2015, p.52)
47 FIGURA 18: MATERIAL DE DIVULGAÇÃO PARA VIVÊNCIAS NA BARROÔCO.ARTE. ECO OLARIA MODELO. 2018. Fonte: Acervo do Projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018.
Eco olaria Trirelacional Em 2018, o Projeto Caminho Marinho, de Rio Grande, através do Professor e coordenador Gustavo Martinez Souza, e a ONG ISCA, através de Pablo Bech, seu responsável, convidaram me a participar de um projeto coletivo de ocupação de uma área no então depósito de inservíveis do Cassino, em uma área que anos atrás era ocupada por dejetos da comunidade e agora estava readequada às normas ambientais exigidas pelo CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente; com isso, a Secretaria do Meio Ambiente do Cassino, bem como da Cidade de Rio Grande, nos incentivam a construir o projeto do Espaço ECOS Espaço de Educação e Comunicação Sustentável (Figura 19) Nesta proposta, além da área comum, como o núcleo de educação ambiental e integração de saberes do Projeto Caminho Marinho, imaginamos a horta comunitária como outra vertente de ação com a equipe de permacultores, a ONG ISCA com a comunicação e promoção dos conteúdos, divulgação e publicidade e, por fim, a ECO OLARIA
COMUNITÁRIA.
FIGURA 19 : ESPAÇO ECOS. PROJETO DE OCUPAÇÃO NO DEPÓSITO DE INSERVÍVEIS DO Fonte:CASSINO.Acervo pessoal do autor, 2019 Dentro dessa proposta, nossa percepção está em encontrar um equilíbrio oportuno para a práxis da arte educação ambiental, buscando recuperar uma área de descartes residuais, com atitudes responsáveis frente às condições diariamente expressas na escassez de recursos naturais, porém, que nos desperta a observar que hoje os acúmulos de um consumo desenfreado modificaram a perspectiva deste natural.
48 2.3
49
Olhando para o passado, percebemos que a cerâmica e sua forma de fazer estava dentro das ritualísticas, na conservação dos alimentos, utilitários e artísticos simbólicos.
Assim como parte dos resíduos orgânicos, quando manejados de forma correta, podem resultar em um adubo potente para hortas e gerar alimentos saudáveis e nutritivos, cujo manejo passou a ser a primeira dinâmica colaborativa para ocupação do referido local, a lama da praia nos provocou da mesma forma, indiferente da sua presença ser resultado da dragagem ou ser uma característica deste litoral, a questão de sua presença e de reconhecer suas características, possibilitou apresentar ao grupo suas potências. Com isso, foi possível modificar a forma de se enxergar na lama um dejeto e nos aproximar mais da possibilidade de usufruí la como insumo Aqui amplia se a necessidade de reconhecer sua presença e sua quantidade existente, de compreender as possíveis formas de manejo para, assim, quem sabe, podermos reduzir os danos ambientais, sociais e culturais, passando ao estágio maduro de ser e estar presente. A Eco olaria é uma forma de sintetizar uma possibilidade de integração social, política e cultural. Social, pois nos aproxima das demandas comunitárias, propõe alternativas para a falta de oportunidades, para a poda da criatividade experimental sobre os dejetos e para a necessidade do cuidado com o ambiente no cotidiano. Política, pois envolve escolhas, envolve recursos para promover e estar juntos, para permear as intenções com aoportunidadedetransformar sejunto aooutro,com intuitossemelhantes; enquanto um é o trabalho, o outro é a condição para o trabalho. Dinâmicas diversas que se devem conciliar pelo bem da ação em conjunto. E cultural, pois transita entre o reconhecer, o pertencer e o ato constante de persistir fazendo no tempo. Como aponta Scheneider, A “cultura é um sistema de símbolos e significados. Compreende categorias ou unidade e regras sobre relações e modo de comportamento” (SCHENEIDER Apud LARAIA, 1999, p.64). Neste modelo de ação, o envolvimento é fundamental, a convicção da interdisciplinaridade é outro ponto de ampla importância, pois desta forma sabemos que não cabe a uma única pessoa, mas ao ímpeto coletivo que se envolve. Vamos pensar no envolvimento com o tradicional, a tecnologia e o ato criativo de relacionar a “tridimensionalidade do tempo”, passado, presente e futuro, onde a arqueologia, a história, a arte, a engenharia, a oceanologia e múltiplas integrações podem se tornar parte de um agir ecologicamente e configurar um outro modelo cultural.
Com o passar do tempo, suas expressões se fortalecem em alguns pontos do planeta, enquanto em outros ela simplesmente deixa de ser relevante, e este é o nosso caso. Em
Como estrutura, a eco olaria foi pensada para ser organizada com a bioconstrução, usando bambus em uma estrutura geodésica, e revestida inicialmente com adobe, na sua parte mais baixa, e com a parte superior protegida com materiais de descarte e de bom aproveitamento, que poderão ser encontrados no local onde fora proposta a estruturação do Espaço ECOS, no depósito de inservíveis do Cassino. Junto a este ambiente, organiza se a área de reciclagem das argilas, a laminadora, a maromba para extrusão das massas, prateleirasparasecagem dasmassas,bancadaparapreparodasmassascerâmicas,oforno, prateleiras para secagem das peças, duas rodas de oleiro e armários para organizar ferramentas e insumos de acabamento. A proposta inicial apresenta um ambiente circular, construído com bambus,arame e borracha e parede de barro cimento, acima do forno uma grande coifa pentagonal. Em um dos lados o forno à lenha, feito com tijolos maciços de argilas da região e na câmara
50 Rio Grande, no Rio Grande do Sul, a cerâmica se encontrava dispersa à margem das lagunas, nos serritos encontrados nos pampas e na zona central da cidade. E hoje, onde está a cerâmica? Existe ainda uma única olaria que fica na saída de Rio Grande, no caminho para Pelotas. A olaria do João se mantém graças à tradição religiosa de matriz africana, onde peças ritualísticas seguem sendo produzidas ainda de forma artesanal, alimentando uma relação cultural, econômica e social. Sua estrutura é basicamente o forno modelo garrafa à lenha, o torno de modelagem (motorizado), a laminadora para o preparo da argila, a área de estocagem, prateleiras de secagem, depósito de lenha, ambiente para acabamentos (grafismos e esmaltações), área de vendas e atendimento aos clientes. Seus produtos são vasos, alguidares, quartinhas, panelas, caldeirões, moringas, copos e peças de estatuária. Na proposta da eco olaria estaríamos, em primeiro lugar, dedicados a produzir as argilas e as massas cerâmicas Sal Cerâmica e, junto a isso, constituir um ambiente que tenhaosrecursos necessáriosparamantervivaachamadofazercerâmicoemRio Grande. E, neste caso, podendo usufruir desse ambiente público para esta estruturação, sanamos algumas demandas que freiam o avanço cultural como no caso da arte ofício cerâmico.
A facilidade de acesso a outras culturas cerâmicas no mundo pode ampliar a construção deste saber ancestral, somado ao saber científico, para termos neste ambiente a proposição do fazer artesanal com apropriação da tecnologia industrial. A começar com a construção do forno, que trará consciência de como trabalhar com o fogo. O fogo manejado é um princípio que deve ser estimulado para forjar uma consciência potente nos resultados eficientes, quando bem manipulado e respeitado.
Fonte: Acervo pessoal do autor, 2019 A perspectiva dessa ação coletiva seria amparada por recursos captados por ocasião de multas ambientais, repassadas via Secretaria do Meio Ambiente do Rio Grande. Em2018,naetapade conversasiniciaise,frenteàapresentaçãodapropostajunto à Secretaria, conseguimos uma aprovação de interesse, a liberação para a ocupação imediata e o compromisso de mostrar ser possível transformar coletivamente este local
51 interna tijolos isolantes, na volta da cúpula, os tanques de estocagem das argilas, ao lado da estocagem das bases brutas, ainda dentro, alinhado ao processo de produção das argilas, a laminadora e a maromba, ainda na parte interna prateleiras para as placas de gesso, estocagem das argilas preparadas e o espaço de produção, ensino e vendas (Figura 20)
FIGURA 20: DESENHO ILUSTRATIVO DA ESTRUTURA DA ECO OLARIA. PROJETO A SER IMPLEMENTADO NO ESPAÇO ECOS, NO DEPÓSITO DE INSERVÍVEIS DO CASSINO.
52 em um espaço de fomento a ações solidárias e de princípio educativo ambiental, assim como diz Guatarri: “Parece me essencial que se organizem assim novas práticas micropolíticas e microssociais, novas solidariedades, uma nova suavidade juntamente com novas práticas estéticas e novas práticas analíticas das formações do inconsciente.” (Guattari, 1990, p. 35). Estruturamos aqui uma destas práticas micropolíticas e microssociais, seguindo ainda sem os recursos, porém comprometidos com o ambiente que muito nos envolve com tantas possibilidades de transformação O recurso tarda a vir, mais a força de vontade não encontra tempo para dormir e segue Em 2019 já pertencentes ao local, conseguimos um container, onde organizamos, com ferramentas e materiais de suporte para a horta que começou a ser estruturada, junto à área de reciclagem e junto a esta etapa, foram organizados encontros de estudo em relação a fertilizantes orgânicos e os alimentos a serem plantados. Ao mesmo tempo, mapeamos o local, dando a ele identidade coletiva para pensar e fazer. Desenhamos os espaços que gostaríamos e passamos a buscar os insumos necessários para esta estruturação. Assim, além do container, a horta, o campinho de futebol, a trilha de pertencimento, projetamos a sala tartaruga para ações de educação ambiental, a eco olaria e, para estes dois espaços físicos, saímos para colher os bambus. Os bambus que se encontram espalhados por toda a região foram colhidos e ficaram aguardando o tempo de serem utilizados e, no início de 2020, a estrutura da sala tartaruga foi erguida e segue em construção. Com relação à eco olaria, em razão do meu regresso a Florianópolis, fica estacionada tanto pela falta do recurso para execução, quanto pela distância geográfica que se agrava com a pandemia do Covid 19. Porém, a confluência de nossas motivações não nos afasta do objetivo traçado, ela já habita nossos espíritos. Sendo assim, o universo conspira e, chagando a Florianópolis, deparo me com uma estrutura de fábrica de argilas, no bairro em que resido, o Campeche (Figura 21) De modo informal e com a intenção de manter a produção da fábrica viva é que passo a trabalhar em 2020 neste ambiente, o que foi essencial para a compreensão do processo de produção de argilas em grande quantidade. Passo a conhecer mais de perto os equipamentos que havia proposto na organização da Eco Olaria, aplico ali os conhecimentos adquiridos noprojeto depesquisa Sal Cerâmica,elaborando econhecendo outros métodos para o preparo e, assim, conformando para a fábrica novos perfis de massas cerâmicas, desenvolvo então a identidade visual e ampliamos a atuação com o ambiente virtual, utilizando as redes sociais e estruturando o site de vendas on line. O ganho deste tempo foi em conhecimento e experiência, fortalecendo a percepção sobre
53 um espaço de produção com potencial para se converter em um ambiente pedagógico. E mais, ainda ao final do mesmo ano, recebo o convite do professor ceramista Gustavo Tirelli para construirmos juntos um forno à lenha para um grupo de ceramistas, situados na comunidade José Mendes em Florianópolis (Figura 22). O modelo do forno seria perfeito para ser replicado na proposta da Eco olaria. Mais uma vez, me apoio nas palavras de Paulo Freire quando olho para esta formação em busca da autonomia, pois, “aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito” (FREIRE, 1996, p.76). O espírito coletivo e vívido na ecosofia nos torna um, já que alinhados ao mesmo intuito de fomentar práticas sustentáveis, mesmo distantes, mas intencionados ao convívio harmônico com o tempo e o meio.
54 FIGURA 21: PROCESSOS DE TRABALHO NA FÁBRICA DE ARGILAS CAMPECHE, EM 2020. Fonte: Acervo pessoal do autor. 2020.
55 FIGURA 22: PROCESSO DE TRABALHO CONSTRUÇÃO DE FORNO PARA QUEIMA DE CERÂMICA. COMUNIDADE JOSÉ MENDES, FLORIANÓPOLIS. 2020. Fonte: Acervo pessoal do autor. 2020.
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Este envolvimento foi provocado ainda mais pela filosofia de Guattari, em As Três ecologias, quando aponta, que: Essa nova lógica ecosófica, volto a sublinhar, se aparenta à do artista que pode ser levado a remanejar sua obra a partir da intrusão de um detalhe acidental, de um acontecimento incidente que repentinamente faz bifurcar seu projeto inicial, para fazê lo derivar longe das perspectivas anteriores mais seguras. (Guattari, 1990, p.36) Quando compreendo a necessidade da práxis dentro da ecologia social, mental e ambiental, permito dispor meu corpo e ação para reverberar a Lama e as questões que a acompanham como possível. As peças elaboradas neste tempo carregam significados de entidades fabulosas, dando continuidade a uma linguagem lúdica para a partilha de a percepção do outro olhar é uma tarefa árdua, mas que parte inteiramente da subjetividade recolhida em si e externalizada à provocação do simples envolvimento ao tema abordado. A lama do Cassino se transformou em objetos simbólicos, artefatos representativos de uma crítica ao olhar e não cruzar os braços; longe disso, ela sonorizou vozes que expandiram sua forma plástica e inerte, em movimentos intencionados em transformar o ambiente em que habitamos. Guattari, ainda, como motivação: “Mais do que nunca a natureza não pode ser separada da cultura e precisamos aprender a pensar “transversalmente” as interações entre ecossistemas, mecanosfera e Universo de referências sociais e individuais ” (Guattari, 1990, p.25)
saberes.Conquistar
Provocado na lama e envolvido com a comunidade do Cassino, passei a despejar nas minhas intenções artísticas toda a força crítica que a lama, e além dela, as questões transversais ao tema, como a observação sobre outros recursos provenientes do ambiente natural, ou até mesmo de outros que eram separados pelo rótulo de dejetos. As relações que orbitaram para além deste núcleo de intenção não se afastaram do mesmo mote de ação, frente ao tempo, educadores ambientais, agentes culturais e artistas e professores, ampliaram ainda mais a motivação por dedicar tempo em causas que se converteram em performances, criação de signos e artefatos simbólicos, emergiram entidades mascaradas
Capítulo 3
LamArte
Cabe expor em imagens aquilo que tanto provocou, provoca e deve provocar a percepção da comunidade, frente a possibilidades criativas de envolvimento ecológico.
Como parte da programação do evento da Acolhida foi oferecida, após a performance (Figura 25), uma oficina de confecção de peças em argila (Figura 26), já utilizando a base da lama da praia, de modo que a oficina se constitui também como uma ação de arte educação ambiental, uma vez que toda a problemática da existência da lama, sua origem e as possibilidades abertas por ela se colocaram em pauta.
57 e percussivos sonoros e, com isso, unimos forças para comunicar pesquisas e apontar possibilidades reais de transformação ambiental e social. 3.1 Performance: Com a lama daqui, me faço mais de ti No ano de 2016, realizei uma performance intitulada “Com a lama daqui, me faço mais de ti”, que consistiu em mergulhar na lama da praia do Cassino e deixar que o corpo todo se envolvesse por ela, assumindo a como parte e fazendo me dela parte (Figura 23).
A curiosidade primeira foi como envolver a temática ambiental que se encontrava em torno da lama da praia do Cassino. Para isso, pensei em uma forma de explicitar o distanciamento da causa mesmo que ela se fizesse tão presente na vida ambiental de Rio Grande. Escrevi poemas críticos à sua aparição, compus com palavras que ouvia quando questionava sua presença a moradores, cientistas e professores. Coletamos a lama, cravei a pá à beira mar do bairro Querência e, no buraco lamacento, mergulhei no ventre desta terra e, na ocasião, ouvi uma senhora que caminhava na praia, passando por detrás do caminhão da Guarda Ambiental, que atolara ao tentar nos ajudar com a coleta de lama: Ui! Ele está no meio daquele esgoto! E foi aí que um dos guardas retrucou:
A performance resultou em um ensaio fotográfico e foi repetida nas dependências do prédio das Artes, na FURG, durante um evento de recepção aos calouros, a Acolhida cidadã. Nessa ocasião, o público lia poemas previamente escritos sobre o tema da lama e a cada leitura, o performer realizava movimentações corporais. A performance foi realizada sobre uma estrutura recheada com grande volume de lama e, como cenário, foi montada uma instalação com cacos de peças cerâmicas e uma tela exibindo a realizada na praia (Figura 24). Nessa instalação, se faziam presentes diversas fases da produção, desde o barro até as peças queimadas e quebradas, como fragmentos e restos de memória, ao passo que o corpo do artista também se fazia presente e parte constitutiva da mesma matéria.
videoperformance
58 Não Senhora, é lama! A mesma que a Senhora caminha sob seus pés!
Dias depois, enquanto alunos e visitantes circulavam no evento da Acolhida Cidadã, pelo prédio das Artes na FURG, os poemas eram lidos e ali tomado pela lama em meu corpo e sobre 200kg de lama, movimentava com gestos de provocação ao tato, ao envolvimento e a consciência ambiental de ser responsável por onde estou e não de onde sou!
FIGURA 23: PERFORMANCE “COM A LAMA DAQUI ME TORNO MAIS DE TI”, REALIZADA NO ATO DA COLHEITA DA LAMA. PRAIA DO CASSINO. 2016. Fonte: Acervo pessoal do autor. 2016.
59 FIGURA 24: PARTE DA INSTALAÇÃO COM OS CACOS E VÍDEO PERFORMANCE, APRESENTADA NA ACOLHIDA CIDADÃ. ÁTRIO DO PRÉDIO DAS ARTES (FURG). 2016. Fonte: Acervo pessoal do autor. 2016.
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FIGURA 26: PRIMEIRA OFICINA DE MANUSEIO DA LAMA DA PRAIA DO CASSINO. ACOLHIDA CIDADÃ. SALA DE TRIDIMENSIONALIDADE. TRID/ILA FURG. 2016.
Fonte: Acervo pessoal do autor. 2016.
FIGURA 25: PERFORMANCE DE ESCULTURA VIVA DA LAMA. ACOLHIDA CIDADÃ, ÁTRIO DO PRÉDIO DAS ARTES (FURG), 2016.
Fonte: Acervo pessoal do autor. 2016.
Artefatos: Harmonia Organicidade e Movimento
Fonte: Acervo do projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017.
61 3.2
A busca por referenciais para o fazer cerâmica me direcionaram ao encontro ancestral desta arte. Reconhecer os valores da cultura simbólica e técnica dos povos ameríndios que dominavam a arte cerâmica, que contaram nesta base histórias, ritos e construíram códigos gráficos que resistiram no tempo, soterrados. Agora, meu encontro estava à beira do mar, cercado pelo imenso horizonte oceânico, a cidade e seu porto de descarga atlântica, a restinga e seus gigantes cata ventos, um cenário ao sul do real, SURREAL.Anecessidade de provocar a consciência de envolvimento ambiental marulhou de Póntos, a entidade prima das águas, um código, símbolo da relação tríptica de harmonia, organicidade e Compusmovimento.peçascomalamacom base nageometria sagrada, organizei os elementos e com os engobes colori o cinza escuro para refletir na cerâmica um contexto com causa ecosófica a ser reconhecida. (Figuras 27 e 28)
FIGURA 27: ARTEFATOS CONTEMPORÂNEOS COM O GRAFO TRIRELACIONAL: HARMONIA ORGANICIDADE MOVIMENTO. ARGILA DA LAMA E NEWS CASSINO, QUEIMA 1008ºC.
FIGURA PRATOS E CUMBUCAS COM GRAFO TRIRELACIONAL, ARGILA DA LAMA, QUEIMA 1008ºC.
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28:
Fonte: Acervo do projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017. As peças foram elaboradas com argila da Lama e News Cassino, queimadas a 1080ºC, com acabamento em engobe e brunido. Além das peças gravadas com o símbolo tri relacional, outros resultados foram inspirados no lúdico, no inesperado e fluíram em novas entidades fabulosas Como o caso do saci da lama, o Mão pela Boca (Figura 29), que expressa na sua forma o que diz literalmente o nome. Ele é um ser pouco falante de muito fazer!
FIGURA ESCULTURA EM CERÂMICA, SACI DA LAMA, O MÃO PELA BOCA. PEÇA EXIBIDA NA EXPOSIÇÃO ARTEFATOS, NA SALA MULTIUSO, PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO GRANDE. 2017.
29:
Fonte: Acervo do projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017. Em 2017, essas peças e outros elementos da praia do Cassino, como galhos, ossos e os próprios nódulos da praia, ganharam espaço de exposição na Sala Multiuso da Prefeitura Municipal de Rio Grande (Figura 30). A exposição aconteceu no período de 3 a 22 de agosto de 2017, com o nome Artefatos, e proporcionou atividades educativas com alunos de escolas municipais. O texto de divulgação resume a proposta da exposição Artefatos: Doventodomarao calordaqueima,alamadapraiasetransforma.Transfigura a cor, a textura, o som. Da matéria desconhecida explodem tons metálicos, da modelagem bruta restam fissuras, bolhas, contorções; do tato cuidado aflora a miudeza delicada. O inesperado é o resultado, a experiência é o limite. Mais do que a forma, o que se explora é a força do barro submetido à queima. Há uma inquietação que ressoa, uma pergunta sobre o escrito, sobre o que se quer escrever, sobre a memória do lugar. O que há na matéria? O que ela nos provoca? O que grafamos nela? A exposição Artefatos revela um trabalho em processo e se abre à continuidade experimental. (FRENKEL, material de divulgação da exposição, 2017)
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30:
Fonte: Acervo do projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017.
E esta continuidade experimental se expressa na peça Caos Celsius (Figura 31), que explode em muitos cacos, que revela bolhas não eclodidas, cavidades coloridas e a disposição de carregar um destes fragmentos Qual é a intenção de tudo isso? Provocar o olhar, com uma ruptura estética do belo, propondo o olhar crítico para além dos objetos, mas para o ambiente de onde vieram. A exposição reverberou de bom aceite e proporcionou assumir os signos deste momento para ecoar a intenção ecosófica ao caminhodotempo.TempoestequecomeçouasertrilhadoemRioGrande,masquesegue vivo até o presente.
FIGURA BLOCOS SECOS DA LAMA, AREIA, OSSOS E CONCHAS, EXPOSTOS EM ARTEFATOS. SALA MULTIUSO. PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO GRANDE. 2017.
64
Fonte: Acervo do projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2017. 3.3 Lama na galeria e na rua Ao integrar a lama nos espaços de ensino aprendizagem de cerâmica, tanto no mercado público municipal, quanto na FURG, as expressões e a representação de pertencimento de cada participante foram sendo explicitadas em peças que variavam sua forma, mas preservavam a essência de transformação. Essa transformação que transbordava a esfera do objeto alcança nas subjetividades o olhar crítico comum. Nossa cerâmica contemporânea, despretensiosa na estética formal do objeto de galeria, se apresentava com peças em processo, algumas inacabadas, outras dispostas ao envolvimento com os visitantes e, ainda, instalações que remetiam ao local da origem da lama, base de muitas das peças expostas. Outra ocasião que congregou pesquisa, ensino e extensão, como desdobramento do Projeto Sal cerâmica e continuidade das ações no Atelier livre do Mercado, foi a
65 FIGURA 31: CAOS CELSIUS, LAMA DO CASSINO 1008ºC. EXPOSIÇÃO ARTEFATOS SALA MULTIUSO. PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO GRANDE. 2017.
FIGURA 32: INSTALAÇÃO NA EXPOSIÇÃO DO COLETIVO PANELA D´EXPRESSÃO ESPAÇO INCOMUM. CENTRO DE CONVIVÊNCIA. FURG. 2018 Fonte: Acervo pessoal do autor. 2018. Além do Espaço Incomum, da sala Multiuso da Prefeitura Municipal de Rio Grande e da Escola de Belas Artes, as feiras e espaços públicos receberam com muita repercussão as peças de cerâmica feitas da lama (Figura 34). Esta forma de abordar a temática ambiental provocava, além de um reconhecimento da potência do material, a força de resistência da arte cerâmica frente aos embates industriais que promoveram sua dispersãoOutraterritorial.coisade
66 exposição do coletivo Panela d’expressão, na galeria Espaço Incomum, no Centro de Convivência da FURG, em 2018. Nessa exposição, apresentei peças e instalações elaboradas com as pastas que resultaram da pesquisa e o trabalho de mediação realizado por estudantes dos Cursos de Artes da FURG, monitores das visitas guiadas, permitiu também apresentar o tema e a discussão socioambiental relativa à lama da praia do Cassino (Figuras 32 e 33).
importante valorao exporas peças nestesambientesforam as ações educativas que as acompanharam Alinhado a criar novas formas de ensinar, percebemos que o recurso visual é um elemento poderoso para a assimilação e a construção do conhecimento. Crianças, jovens e adultos que transitaram nestes espaços, que se deparam com um amontoado de cerâmica com formas e expressões tão diferentes, com certeza
FIGURA 34: EXPOSIÇÃO COLETIVA EM FEIRA LIVRE NA AVENIDA RIO GRANDE. PRAIA DO CASSINO 2018 Fonte: Acervo do projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018
67 saíram impactadas não apenas por uma beleza, mas pelo conteúdo, pelo problema, pela causa que estas “obras” incorporam.
FIGURA 33: AÇÃO DE MEDIAÇÃO, EM VISITA GUIADA POR MONITORES DOS CURSOS DE ARTES DA FURG. EXPOSIÇÃO DO COLETIVO PANELA D´EXPRESSÃO ESPAÇO INCOMUM CENTRO DE CONVIVÊNCIA. FURG. 2018 Fonte: Acervo do projeto de pesquisa Sal Cerâmica. 2018
68 3.4
Máscaras e sonoros As máscaras e as peças sonoras criadas a partir da argila da lama se tornaram elementos de transcendência e incorporação de entidades provocadas pelo envolvimento com esta matéria prima Os acontecimentos espontâneos ocorreram em lugares diversos e provocavam a percepção dos dispersos às questões da arte e da educação ambiental, estes passantes viam e ouviam seres fabulosos falarem em tom de anunciação e ao som da instalação sonora com os berimbarroôcos (instrumento musical criado com cumbucas decerâmicaquesubstituemascabaçascom asquaissefazemosberimbaus) sobre opoder da integração dos saberes e as novidades sobre possíveis transformações. Os personagens mascarados visitaram inúmeros lugares da cidade de Rio Grande e foram mais além, foram à capital do estado do Rio Grande do Sul para participar do I Encontro do barro, no Villa Flores, em 2018, onde também provocaram a percepção de novos interesses pela pesquisa e pelo uso de nossas receitas de argilas (Figura 35). Estar fora da zona de conforto, expondo e recebendo, no instante da intervenção, os olhares de repreensão, potencializava ainda mais a forma de expressar e direcionar a interação. Aos que se envolviam com interesse, por sua vez, anunciava se o convite a fazer parte, a manifestar se em conjunto em favor da Arte, da Educação e da conservação de meio ambiente, transformando se o ato em um momento lúdico e divertido, porém crítico e reflexivo.
FIGURA 35: ATOS MANIFESTOS NA PRAÇA TAMANDARÉ, RG E NO VILLA FLORES POA. Fonte:2018. Acervo pessoal do autor. 2018.
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O ato sonoro mascarado, com uma peça resultando da pesquisa sobre a lama, ganha força quando o símbolo revelado nos artefatos cerâmicos, o tríptico relacional harmonia, organicidade e movimento, aparece estampado na proposição do estandarte Original Brasil (Figura 36). A análise crítica da imagem da bandeira distancia o símbolo da sua intenção de representar a nação como um todo Nos anos que seguem a partir de 2016, até os tempos de agora, o símbolo cívico brasileiro deixou a máscara cair e com isso a cara do imperialismo e do espírito submisso ao colonialismo se revelou ainda mais forte, porém, a busca por um elemento que apresente o Brasil integrado à América, expressa no estandarte que propõe um símbolo que desvela a face originária que antecede a construção da imagem de um país que se erige apagando as marcas do vermelho presente em seu nome e no sangue das vidas exterminadas no processo colonial segue expressando em atos públicos de revelação e integração. Além da crítica aos descasos, a performance expõe possibilidades, ao apresentar a lama na forma cerâmica, em máscaras e peças sonoras, demonstrando possibilidades de transformação dessa matéria, tanto em objetos quanto em ações artísticas e educativas, que procuram incentivar uma atitude ecológica responsável.
70 FIGURA 36: O ESTANDARTE ORIGINAL BRASIL. ATO MANIFESTO EM FAVOR DA EDUCAÇÃO, DA CIÊNCIA E DAS ARTES. LARGO DOUTOR PIO. RIO GRANDE. 2019.Foto: Paula Foto: Paula Liomara. Fonte: Facebook 6 6 Disponível Acessohttps://www.facebook.com/photo.php?fbid=10211510258710479&set=t.100000798284623&type=3em:em:26/04/2021
Capítulo 4 Nem só com a lama se expressa o ‘artivista’
O ambiente em que trilhava revelava se a cada dia uma nova experiência, o bioma deste lugar impregnado de histórias me fascinou com toda sua potência natural esquecida, mas que está ali disponível a percepções criativas e relacionais. Assim, o bambu se expressou como elemento potente para reverberar ainda mais as questões da transformaçãodalama e foi através dele que conquistei forças transversais à minhacausa, seja na construção de espaços para ações de divulgação da pesquisa Sal cerâmica, seja para prática de oficinas, ou, para intervenções na paisagem, visando apresentar junto à comunidade uma diversidade de ações possíveis a partir de recursos básicos encontrados na região.As cúpulas geodésicas já vinham sendo provocadas como forma de envolver educadores ambientais a uma estrutura alternativa de baixo custo, espaços propositivos ao envolvimento ecosófico em Rio Grande e ao mesmo tempo em que já trazia na memória algumas ações do Coletivo Geodésica Cultural de Florianópolis. O amigo Samuel Autran Dourado e Souza, Oceanógrafo e Doutor em Educação Ambiental, foi a pessoa responsável por me inserir nesta dinâmica construtiva da consciência ecológica que partilhávamos. Nossas causas se fundiram e a partir de então juntos seguimos expressando nossos saberes em eventos, seminários, comunidades indígenas, projetos ambientais e comunitários. Aqui cabe ressaltar ainda que esta aproximação desapegada do egoísmo, mas responsável com a prática construtiva de expressão da causa, possibilitou que me dedicasse mais e mais ao estudo da forma de construir com a geometria, porém agora podendo intervir de forma explícita na paisagem. Assim, apropriado da técnica e tendo desenvolvidoummétodoparaesteperfildeconstrução,surgiram asseguinteintervenções na paisagem: a Plastisfera7 , a GeoEDEAsica8, as pirâmides Takuapi9 e as cúpulas de 7 Projeto transdisciplinar em que tive a oportunidade de construir junto ao grupo envolvido uma cúpula geodésica, revestida com lixo marinho e com imagens ampliadas da vida microscópica existente nestes plásticos. Fonte: https://www.facebook.com/lixomarinhofurg/photos/pcb.337784866643602/337784219977000 Acesso em 26/04/2021 8 Série de cúpulas que participaram como espaços alternativos de exposição e conversa sobre as temáticas ambientais em eventos como o EDEA e Simpósio sobre Educação https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=661399680696311&id=100004788544213Ambiental. Acesso em 26/04/2021 9 Proposta de intervenção na paisagem com as pirâmides de referência da Integral Bambu, porém adaptadas às questões locais e que tinham como intuito dinamizar questões psicomotriciais e despertar o olhar para a riqueza deste insumo local, o bambu, bem como estimular a relação com o https://www.facebook.com/photo?fbid=3174387769302349&set=br.AbpH2x18Jo_d2iE96IraTemX41kXmesmo.
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A cúpula construída no evento Encontros e diálogos sobre educação ambiental (EDEA) abrigou ações de comunicação da pesquisa Sal cerâmica e da pesquisa sobre o banheiro seco, constituindo se como um espaço transversal de troca de saberes. Esta estrutura e esta prática relacional que traz à tona discussões socioambientais foi levada para a aldeia Goj Táhn, onde não apenas a construção da geodésica foi ensinada, mas também foi compartilhada a montagem do banheiro seco, bem como foi apresentada à comunidade desse local, a perspectiva da produção cerâmica a partir da lama da praia do Cassino, que poderia ser algo a ser desenvolvido posteriormente, num processo a longo prazo, caso houvesse perspectivas de ações públicas. As pirâmides Takuapi trazem uma forma lúdica de intervenção na paisagem e um modo de aproximação do público infantil. Em mais de uma ocasião, foi montada a exposição das peças cerâmicas resultantes da pesquisa Sal cerâmica ao lado das pirâmides, atraindo crianças e familiares para o convívio e o diálogo. Nessas ações relacionais, desenvolveu se um processo de difusão da pesquisa, configurando se como ações de extensão universitária em praças públicas.
ocupação pluricultural na FURG, na Aldeia Goj Táhn, no horto municipal do Cassino e no Centro ECOS, junto ao depósito de inservíveis do Cassino. Nas artes, e na arte educação, a experiência estética é o canal de comunicação do ser com o mundo. Produzir, apreciar e refletir sobre a arte revela nos uma possibilidade de existência e comunicação para além da realidade de fatos e das relações que habitualmente estabelecemos com o outro, ou seja, acrescenta a dimensão poética na nossa compreensão e ação no mundo. Para a educação ambiental, a relação eu outroéchaveparaatransformaçãosocioambiental.Entende se como fundamental que os seres humanos estabeleçam modos diferentes dos que habitualmente têm sido construídos na sua interação entre si, com os demais seres vivos e o ambiente em geral. (RACHE, 2016, p. 51) A plastisfera teve como proposição principal a criação de um espaço de comunicação da pesquisa desenvolvida pelo Projeto Lixo Marinho (FURG). Da mesma forma que as cúpulas geodésicas configuraram espaços para ações de divulgação da pesquisa Sal cerâmica, esta foi desenvolvida com o intuito de discutir uma problemática a ela relacionada: a dos resíduos plásticos encontrados no Oceano.
MtRXRBHG_HTMmLl0NeOxgHDOQSd58si2dCBMpk32QUFgsUKcNQYGNIZijFbRo1OWaNzkRGjyfDL92nhS0Zyg4dQjGJiHyK3d2gNGcBhqf_R3hEVXZkBonUzOO9_3Acessoem26/04/2021
Cúpulas geodésicas e espaços para ações de arte educação ambiental
Em 2016, recebi o convite de Mariana Neuwald, integrante da comissão organizadora do VIII EDEA Encontros e diálogos sobre educação ambiental, para participar do evento, onde levei a roda de oleiro para mais uma performance relacional com a lama do cassino, exposta pela primeira vez a outros ativistas da mesma causa ambiental (Figura 37). O convite, o aceite, as somas nos envolvimentos científicos da causa da educação ambiental, e o mais fantástico, discutia se a práxis. Então, passamos a praticar o EDEA em outras ocasiões. Somando cerâmica, banheiro seco, cúpulas de bambu, sonoros e percussivos, artes e educação ambiental fluíram juntos. O ECO do oco do bambu nos trouxe fôlego e muita disposição para seguirmos provocados e fazendo ARTIVISMO.NoIXEDEA, em 2017, ano crucial para nossa democracia, hoje em pandemia nas mãos de um pandemônio, estávamos unidos, respirando profundamente o ar deste ambiente, reconhecendo, com isso, toda sujeira lançada além das águas, da terra, e do céu. Estamos sendo saqueados, buscam retirar recursos de pesquisa, estão alheios à ação de envolvimento de base, a Educação. Percebemos cedo o crescimento do medo, a angústia de poder ser o que se é, de expressar o que se sentia naquele momento, vivíamos uma derrota, vivíamos uma era de TEMER. Mas não tememos e botamos na rua o cortejo manifesto RESPIRA CRIATURA. Estandartes, cartazes, camisetas com stencil, pinturas indígenas, cantos e gritos, a na cúpula geoEDEAsica manifestamos nossas intenções e fortalecemos nossas subjetividades para seguir reverberando ainda mais por outros anos (Figuras 38 e 39).
73 4.1
74 FIGURA 37: VIII EDEA ECO ESPAÇO DE ARTE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. CIDEC SUL/FURG. F2016.onte: Acervo pesso ado autor. 2016. FIGURA 38: IX EDEA. ECO ESPAÇO ARTE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. CIDEC SUL/FURG. 2017. Fonte: IX EDEA. Facebook10 10 Disponível em: https://www.facebook.com/media/set/?vanity=edeappgea&set=a.1004559573017549. Acesso em 26/04/2021
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Fonte: Acervo pessoal do autor. 2017. Ainda em 2017 surge novo convite para levar a cúpula geodésica e os resultados da pesquisa Sal cerâmica em andamento para o IX Fórum Brasileiro e IV Encontro CatarinensedeEducação Ambiental,emBalneárioCamboriú,onde,maisumavez, fomos provocar a troca de experiências e envolver novos ativistas educadores e educandos ambientais. Neste caso, a cúpula foi e ficou, tornando ainda maior a nossa permanência naquele local. A cúpula tornou-se símbolo do encontro e seguiu cumprindo seu papel artístico ambiental (Figura 40).
FIGURA 39: IX EDEA. CORTEJO COM O GRUPO TAMBORADA (PELOTAS) E MANIFESTO RESPIRA CRIATURA. CAMPUS CARREIROS FURG, 2017.
Fonte: Acervo pessoal do autor. 2017.
76 FIGURA 40: ECO ESPAÇO EDUCATIVO. IX FÓRUM BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL. BALNEÁRIO CAMBORIÚ. 2017.
O professor argentino de Psicologia, Doutor em Educação e escritor José Tasat, me provocou a pensar em seus livros e artigos a respeito das políticas públicas culturais, bem como a refletir o conceito de geocultura. Portanto, a convicção e permanência de propor espaços dispostos a esta relação artística e educativa ambiental. O principio de reconhecimento da América é indissociável da vida dos povos originários resistentes neste contexto. A vida dos povos Guarani e Kaingang no território de Rio Grande possibilitou ainda mais esta hibridização cultural disposta a constituir uma consciência ecossocialista.
Apropriado e disposto a ensinar como fazer as cúpulas geodésicas, sigo olhando para o bambu como aliado fundamental desta prática artística educativa, uma dinâmica propositiva que integra saberes, promove relações, conecta subjetividades e sensibiliza o
El pensamiento no es solo presumir una afirmación, de cierta certeza, sino de ponerlo en duda. Se trata de cuestionarlo, de saber que no nos vamos a escapar de nuestra sombra, pero esta forma tan cierta de la modernidad hoy está cuestionada, y más desde un ámbito en América que transita de otra forma lo determinado, lo establecido, lo siempre igual a sí misma. Y es crítico, ya que hace más de trescientos años que no salimos de esta órbita de la crítica, describimos atributos pero no nos animamos a ser propositivos. A diferenciadel pensamientocristalizado, me parece que en América la sabiduría práctica tan diferente es propositiva porque sus ritos, mitos y creencias, simboliza otra forma de comunidad a esta cierta certeza individualista de pérdida de libertad y de razón instrumental que nos enlaza. (TASAT, 2017, p. 207)
Acervo pessoal do autor. 2018. 4.2 Plastisfera Em 2017, em uma mobilização coletiva, seguimos para a construção da PLASTISFERA, que foi exposta na Feira das Profissões-FURG no vão de passagem de um shopping (Figura 42). Essa obra foi criada a partir de uma parceria entre professores e estudantes dos Institutos de Oceanografia (IO) e de Letras & Artes (ILA) da FURG, visando unir arte, ciência e educação para despertar valores ambientais. O grupo do IO chegou ao nosso ILA e conheceu a Profa. Rita Patta Rache, que logo nos apresentou o GabrisOzean, que apresentou aAnaLuziade FigueiredoLacerda, ambos pós graduandos em Oceanologia Biológica. Ana Luzia me apresentou as imagens de microscopia
FIGURA 41: CÚPULA GEODÉSICA NA ALDEIA KAINGANG. HORTO MUNICIPAL DO CASSINO.
Fonte:2018.
77 pensamento crítico. Assim foi e segue sendo nas oportunidades construtivas com o bambu. Em mais uma delas, no ano de 2018, foi construída a cúpula geodésica na Aldeia Kaingang, situada no Horto Municipal do Cassino (Figura 41).
Fonte: Projeto Lixo Marinho. FURG 2017.
eletrônica dos organismos da plastisfera (organismos associados a plásticos) da costa do Brasil e da Antártica.
FIGURA 42: EQUIPE ARTE&CIÊNCIA (IO E ILA FURG) NA CONSTRUÇÃO DA PLASTISFERA. FEIRA DAS PROFISSÕES DA FURG. RIO GRANDE. 2017.
A geometria das imagens dos organismos imediatamente evidenciaram a possibilidade de comunicar esta pesquisa em outra escala, a macro, capaz de trazer as pessoas para dentro da pesquisa e fazê las perceber o que habita na irresponsabilidade da nossa espécie. Estruturamos uma cúpula de bambu, só que nesta vez, desenvolvemos engates metálicos para as arestas, com o objetivo de torná la itinerante, com facilidade de montar e desmontar. Revestimos com fibra sintética reaproveitada das cordas de guindastes do Porto de Rio Grande, a trama delas virou uma verdadeira teia, só que de lixo. Todo o lixo coletado, higienizado e analisado pelos laboratórios do IO agora estava revestindo toda a estrutura. E habitando o interior da cúpula de plástico, as imagens ampliadas de diatomáceas, microalgas e outros seres da nossa imagem e semelhança (FIGURAS 43 e 44).
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Fonte: Acervo pessoal do autor. DA INSTALAÇO PLASTISFERA. FEIRA DAS PROFISSÕES DA FURG. RIO GRANDE.
2017.
79 FIGURA 43: IMAGENS DE ESTUDO, MONTAGEM E EXPOSIÇÃO. FEIRA DAS PROFISSÕES DA FURG. RIO GRANDE. 2017.
2017.
Fonte: Projeto Lixo Marinho, FURG.
2017. FIGURA 44: INTERIOR
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FIGURA 45: OS RESTOS DA PLASTISFERA, AINDA NO DEPÓSITO DO 'TAL' SHOPPING.
Fonte: Acervo pessoal do autor.
O ambiente marinho, expressando dentro do Shopping limpinho a consequência do lixo plástico, abandonado de nossa responsabilidade, voou nas areias da beira mar, achou a ciência, a arte e agora estava ali, de banho tomado e com nova aparência, cheio dos seus em si. Expressou pornós o que os cifrados empreendedores senegaram a aceitar. E na ocasião de desmontarmos para organizar a próxima intervenção, ela havia sido destruída. Sim, pelo Shopping (Figura 45). É preciso mudar as atitudes, antes que nossa cultura se torne cada vez menos integrativa e disposta a tomar frente a novas condutas, como reduzir o consumo de plásticos, ou, ainda, não abandonar o lixo na praia, ou despejar quilos de lama dragada no mar e em outros biomas. O percurso deste projeto foi curto e durou apenas esta exposição. O Shopping segue parceiro da Universidade, porém, para seus estudantes, docentes e pesquisadores, ficou apenas a questão: QUANDO SEREMOS CAPAZES DE NÃO NOS SUBMETER AO PODER DO CAPITAL? Vale lembrar que foi realizado investimento com dinheiro público, oriundo do ILA (Instituto deLetraseArtes)edoPPGOB(ProgramadePós graduaçãoemOceanografiaBiológica), para financiar este projeto que visava configurar uma ação de comunicação da pesquisa desenvolvida por Ana Luzia de Figueiredo Lacerda e compartilhada por mais de 30 colaboradores, alunos e professores. Investimento este que o shopping destruiu e tempo que na curta história se perdeu.
Até chegar o dia em que o morcego doar sangue e o saci cruzar as pernas, como diz Bezerra da Silva, seguimos provocados a criar novas alternativas de envolvimento com a necessidade crítica de ver o meio ambiente sair desta baderna.
Como uma brincadeira de subir em árvores, a exposição das pirâmides de bambu propõe uma vivência prática corporal, dispondo se a uma evolução motora, elevada em harmonia e equilíbrio, incorporando movimentos convictos no ato tato.
A intervenção com este brinquedo foi diversa, em praças, em manifestações públicas, em eventos, nas aldeias, na praia e até ganhou nova forma, junto ao projeto Guardiões da Natureza, da EMEI Déborah Thomé Saião. Nesta ocasião, integrava o projeto como arte educador ambiental e, como proposta junto ao biólogo Igor Rosa, promovíamos aulas de envolvimento artístico ambiental com as crianças, que estavam envolvidas na integração do Parque Urbano do Bolaxa. Neste parque do arroio, que integra a APA da Lagoa Verde, animais como Preá, Capivara, Lontra, Cobras e o Jacaré, vivem em meio às diversas aves e instigam a curiosidade das crianças. Local de passeios
4.3 Takuapi Há uma pedagogicidade indiscutível na materialidade do espaço. (FREIRE, 1996, p.50) Outra dinâmica relacional que passei a desenvolver foi a construção das pirâmides de bambu para dispor em ambientes públicos e em eventos para promover uma percepção espacial do ser que habitamos (Figura 46). A ideia é tirar a pessoa da zona de conforto, sair do plano e vivenciar uma experiência psicomotricial. Livre nos movimentos, apenas usufruindo da estrutura em bambus, a pessoa disposta descobre em seus gestos a possibilidade de avançar com segurança a novos patamares do movimento de seu corpo.
Esta relação com a sensibilização do corpo, se faz necessário neste contexto de discussão que sabermos, surge com a lama e que encontra nesta armação de bambu, a possibilidade de ampliar as habilidades motoras dos praticantes. Para o ceramista, esta estrutura, auxilia muito a obter momentos de uma prática laboral, além de possibilitar o suporte de placas de secagem, estrutura de andaime, vitrine de exposição de peças, ou ainda como esqueleto estrutural para esculturas e performances.
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O espaço e a paisagem modificados de forma integrada ao que habita nele mesmo, isto é, os bambus que saíram do manejo de uma das touceiras daquele lugar foram estruturadas em uma forma de envolvimento, que adquiriu pertencimento local e ampliou os olhares para a manutenção e cuidado do Parque Urbano do Bolaxa. A presença da estrutura no parque durou 6 meses e quando saiu do parque muitos questionavam o motivo de sua retirada e para onde havia ido a “nossa torre”?
Fonte: Acervo pessoal do autor. 2018.
FIGURA 46: CRIANÇAS DO PROJETO GUARDIÕES DA NATUREZA, E A INTEGRAÇÃO DOS DISPOSITIVOS PEDAGÓGICOS: BERIMBARROÔCO, TRILHA ECO ESCOLA, EXPERIMENTAÇÃO COM A LAMA E A TAKUAPI TORRE DA ARANHA. 2018.
82 entre amigos e famílias, envolve a prática de esporte, pesca e os olhares fotográficos. E foi no meio desta trilha que intervimos com a TAKUAPI Torre da Aranha (Figura 47).
83 FIGURA 47: TAKUAPI. TORRE DA ARANHA. PARQUE URBANO DO BOLAXA. 2019. Fonte: Acervo pessoal do autor. 2019.
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Considerando que a arte contemporânea desloca o objeto para assumir o processo como protagonista da percepção, atento para as respostas encontradas a partir do projeto de pesquisa Sal Cerâmica, na forma como foi conduzido com intuito de ampliar e manter o fazer cerâmico em Rio Grande, alimentamos a esperança de autonomia, conformando massas cerâmicas, demonstrando métodos de manejo, ensinando e aprendendo novas formas de expressar a criatividade nas peças cerâmicas, aproximamos pessoas e construímos relações que possam fortalecer políticas culturais e ambientais. A lama me capturou como aliada neste tempo em Rio Grande, devo muito a ela pelo crescimento acadêmico que ela me proporcionou, mas tenho certeza que ela mesma se apropriou de
(BOURRIAUD, 2009, p.23)
Considerações da TRILHA CRIATIVA CONSCIENTE
A trilha continua. A arte cumpre sua função social quando permite ao indivíduo exercer sua possibilidade de crítica e de escolha; quando amplia, ao incomodar, as formas de ver a realidade; quando educa para a necessidade de olhar cuidadosamente (tão importante em um mundo de signos e símbolos); também quando desencadeia vivências prazerosas (embora estas não devam ser consideradas como único padrão de julgamento: por vezes não é essa a intencionalidade do artista). Quando cumpre esses papéis, aarteextravasasuaexistênciaparaalémdamanifestaçãoem si.(MELO Apud OLIVEIRA, 2016, p. 48) E o ensino aprendizado segue acontecendo, não há espaço definido para que isso ocorra, o que existe é a intenção de um arte educador, disposto a dissipar conhecimento, envolto de saberes adquiridos e em busca de novos fazeres. A escrita dessa pedagogia viva segue no ciclo das leituras, releituras e é constantemente reescrita para adaptar as necessidades de cada meio em que se envolva. Sigo nesta trilha, alimentado de arte e ciência e lanço as utopias para o universo. Alinhado à causa ambiental, percebi o grau de importância como educador de estar realmente envolvido com os locais de nova ocupação, “uma desterritorialização suave pode fazer evoluir os Agenciamentos de um modo processual construtivo. É aí que se encontra o coração de toda práxis ecológica” (Guatarri, 1990, p. 28). Pois é, deixar a zona de conforto e conviver com outras pessoas, encontrar e formar novas associações, descobrir novas causas, alinhar se a demandas sociais e culturais, faz e fez com que emergissem ações práticas dispostas ao ensino, à pesquisa e à produção artística e utilitária. “A arte contemporânea realmente desenvolve um projeto político quando seempenhaem investireproblematizar aesferadas relações".
responsabilidades
Ao tentar alinhar seus posicionamentos políticos, opções individuais e atitudes pessoais e interpessoais com os ideais de um sujeito ecológico, o educador ambiental assume o desejo e o compromisso de certa consonância entre sua vida e sua causa, tornando sua vida pessoal uma espécie de laboratório de aprendizagem que antecipa a utopia de sociedade ecológica. (CARVALHO, 2010, p. 4) Não há como se dissociar das coisas que nos trazem sentido, a lama trazia me algum sentido de possibilidade e foi além, me envolveu a outros saberes, a outras matérias, a outros grupos, a novas formas de conduzir o interesse de professorar. Ao encontro fortuito de amigos, projetos conjuntos nos fortalecem para o tempo conjugado no futuro. Conseguimos em algumas ocasiões romper o pensamento de Galeano, quando adverte que a utopia é aquilo que se encontra no horizonte sempre a dez passos de distância da gente. Porém, devo confessar que sinto ter vivido lado a lado com muitas de minhas utopias. A lama, a itinerância do fazer cerâmico tradicional, a estruturação de espaços autônomos para ensino de saberes e fazeres, o construto da arte educação ambiental atestando o caminho para as proposições crítico pedagógica que foram retalhadas, demonstrando que o caminho parece longo e inalcançável, porém descobri que nele sigo trilhando. Estou convicto que entrei neste tempo com a utopia da possibilidade e, pelo que vejo, ainda sigo. O que devemos pensar para ter esta certeza é que o tempo se torna relativo, quando em nossos planos, as metas são flexíveis, os resultados se encontram nos processos e aquilo que se quer conformar encontra se em atos conectivos.Diferente do que é coletivo, o que conceituo como conectivo é aquilo que se integra, pelo tempo que necessitar, mas não tem a necessidade de ser parte fundamental, pode se desapegar e seguir novos horizontes. A interação conectiva, portanto, se faz com relação às intersubjetividades, que se alimentam das práxis dispostas, confluindo em um tempo de proposições, intermediação de conflitos e a execução do intuito utópico. As
85 mim, para falar por ela mesma, sobre o quão destrutiva e gananciosa pode ser a espécie humana.O ser Terráqueo, o sujeito ecológico, aquele que percebe a amplitude das relações no cosmos, que se envolve com questões de ordem natural, propondo harmonia, de forma orgânica, orientando caminhos ecológicos para a vida, disposto a encontrar nas contradições, nos conflitos, o papel de agente cultural, professor e artista para assumir e expressar diante dos ambientes de negociações diárias Sim, este dispositivo expressivo segue em ação.
Jardineiros do saber. Avante que há muita gente para alimentar e cada uma destas sementes que crescem, florescem e dão frutos, serão elas a fonte para sanar tanta fome de justiça. A educação é a base para formação de uma sociedade. Estamos atrelados a este modelo de vida capitalista, estamos ancorados às telas publicitárias, flertamos com a informação e diariamente ouvimos opinião, opinião e opinião. Quando haverá disposição para ouvir, as pesquisas científicas, as propostas pedagógicas acadêmicas, e compreender a de onde vem a sua causa e seu efeito? Não quero acabar com respostas. Prefiro seguir provocando questionamentos, para manter dinâmica e provocante a continuidade de vida. Por tanto, como vai ser após entregar este trabalho? Lá vai ele completar como novo arquivo o repositório e se tornar
O pescador perde o conhecimento rico e profundo do mar e a sua perícia; o caçadorperdea arte estratégica e sutil deleros indícios evestígios, o agricultor perde a ligação com o planeta, o cosmos, o ecossistema. (MOURÃO, 2005, p.247) Porisso,mefizpertenceraRioGrande,conhecisuahistória,encontreifragmentos arqueológicos na cultura e me motivei a agrupar. Agrupar pessoas interessadas, dispostas a partilhar experiências, construir novos modos de envolvimento, comprometidas com a sociedade, a cultura e a educação. Aquilo que foi feito, feito está. Mas de tudo que foi praticado, ainda ficam vontades para partilhar como intuito utópico. Que as receitas elaboradas com a lama perpetuem como base para o fazer cerâmico, que as cúpulas geodésicas continuem a modificar a paisagem proporcionando espaços educativos autônomos, que as escolas incorporem ao seu espaço pedagógico a prática do ateliê, o envolvimento com o meio ambienteequevenham a sero epicentro deinterações educativas e culturais Aeducação, assim como a escola, éum temade constante adaptação,pois ela éojardim desemeadura, enestaagroflorestadeespéciesdistintas,énecessário muito amorparasaber onde colocar as que precisam mais de sol, onde regar com mais frequência, onde adubar e fertilizar com profundidade e não deixar que pragas e intempéries interrompam seu crescimento.
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A degradação socioambiental se traduz na perda dos saberes práxicos que sustentavam as relações de mútuo pertencimento entre o humano e o seu meio.
conexões provocadas com a lama, assim como as artes, estenderam se a outras formas de envolver a educação, de promover a transformação cultural e de expressar a causa ambiental.
87 esquecido até que...? Até que surja um vírus, comprometa nossas vidas para então pensarmos, puxa vida, e a plastisfera? A estrutura anunciava a possibilidade de patogêneses habitando os plásticos na praia do Cassino e no Mar Atlântico, e se amanhã surgir a gripe plastiaria? Opa! Alguém lavou as mãos pelo descaso? E os recursos prometidos, as possibilidades de ampliar as forças com o espaço ECOS, a Eco Olaria e o valor da cultura indígena sendo reconhecido e valorizado? Quando vamos esquecer a bandeira do verde e amarelo, para acordar para o nome que significa o vermelho? Como arte educador, provocando que “o olhar ensina um pensar generoso que, entrando em si, sai de si pelo pensamento de outrem que o apanha e o prossegue. O olhar, identidade do sair e do entrar em si, é a definição mesma do espírito.” (CHAUÍ, 1988, p.61) E é com este espírito de generosidade que espero ter contribuído com este lugar do qual mefizpertencer, com as pessoas com quem aprendi,que sedispuseram ase envolver e que creditaram seu tempo e esforços para se fazerem dinâmicos e tornar ainda mais viva a cultura e alimentaram o desejo pelo caminho trilhado, hoje, assumem outro contexto na pandemia da Covid 19. Ainda aprendendo e disposto a continuar pensando e praticando formas de ensinar, me deparei com as adversidades em meio ao estágio obrigatório para o Curso de artes Visuais Licenciatura. Rememorei o tempo em que atuava com a publicidade. E confesso, o cyber espaço é um condicionante ao distanciamento social Será e tem sido um grande desafio ajustá lo a acentuar o valor das práxis. O envolvimento remoto não nos tira as dores nas costas, os olhos cansados e esgotados, o corpo travando, ele pode e deve ser propositivo na mobilização de dinâmicas que, mesmo distantes, possamos levar adiante, usufruindo dos mesmos recursos, para editarecompartilharresultados doprocesso críticoeducativonas redes deacesso público.
O desafio está em compilar ambientes com conteúdo salutar a uma vida mesmo isolada, coletiva e disposta a mudar a realidade Terráquea. Não há como pensar em um todo, se não nos percebemos dentro da esfera terrestre Espero ainda que as vacinas venham e que o Sr. Excelentíssimo Pequi Roído seja destituído do poder, afinal este se tornou o principal inimigo para os princípios apontados até aqui. COM ELE NÃO DÁ
Questõesecossocialista.quealimentam
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