SÓ QUERIA TE DIZER
Solo De Bandoneón Ernane Catroli
(…) e pode ser que tenhas te exilado atendendo a um apelo interior. Irrevogável. Mas como saber agora de ti - figura de pedra. E se por aqui me embrenho é porque algo nos sustém ainda que por um fio. Um fio de palavras. Revejo a letra da música da nossa história real. O papel com a tua caligrafia miúda desfazendo nas dobras. Mais antiga, a lembrança de aprender dar o nó na gravata quando tu me tornaste um expert na tarefa. E estávamos tão próximos. Tão próximos e aquele calor abrasador. Data deste dia o acerto para dividirmos o mesmo apartamento. E reviver aquela paixão, ancorado na tua juventude, é reacender o arco-íris flamejante. Que o tempo. O tempo amplifica o inextinguível de uma memória. E quem não iria querer a cabine do comandante se, àquela época, o nosso cotidiano de total irrealidade. Há muito não tenho notícias tuas e troco o ritmo e as palavras para agora te escrever na ânsia de uma-publicação-digital-ou-impressa-âmbitonacional na qual – de pronto – tu te reconheças. Programação do dia. É como o rodar de um filme. Tu ainda existes. E existes com tua voz redonda, um jeito de andar, a camisa aberta no peito e tudo mais que sei de ti até os cheiros da última refeição que partilhamos. Depois. Depois esta minha outra voz e postura, mas sem deixar de aqui registrar o legado tão pouco extasiante da tua performance sexual com as pantominas de eterno flerte – que soubeste usar – sem comprometimento. Sem o comprometimento com as entranhas. E o que me apaziguá é não ter sido partícipe na mesma intensidade daquele teu falso tesão. Mas o maior descuido - quando te elegi meeiro nessa trajetória de veredas – e exibindo alianças que também resultaram arames retorcidos. Ah! E não esquecer no calmo desta hora: vendi o nosso apartamento mobiliado tal e qual o deixaste. Levei somente o quadro do Rodrigo de Haro. Tão lúgubre. 11