SÓ QUERIA TE DIZER
Abraço a distância Marco Antônio Santos
Você sempre se esquece de colocar o celular pra carregar. Entro em desespero quando não atende. Eu, hein. Sê bobo, tô morta não, garoto. Toda vez é isso! Saio de casa correndo, né, chego aqui e você abre a porta, ainda com cara de surpresa, pergunta se está tudo bem. Assim, ela sempre me recebe, quando não reclama ou só diz: Oi. Fala! A lâmpada da cozinha está piscando, o gás parece que não chega ao fim de semana. Dá pra trocar? Não consigo usar esse negócio de agenda eletrônica, anoto tudo no caderninho. Tem notícias da Celeste? Você almoçou? Fiz aquele frango com batatas. Seu irmão ainda não pagou esta conta, ligam todo dia. Já disse pra ele tirar meu telefone desse cadastro. No final da tarde, recolho um pedaço do bolo de fubá e o pote com o frango. Precisa de dinheiro? Não, mãe. Se precisar te falo, ainda estou te devendo aquela prestação do carro. Lembra? Deixa prá lá. Você não pagou a minha luz e a TV mês passado? Se precisar de algum, me liga e vem buscar. O vizinho de baixo fica escutando tudo, escreve a senha da conta aqui. Tá bom, mãe. Sábado eu volto. Fica com Deus e se cuida, filho. Então, a gente se abraça e eu lhe dou um beijo no rosto, enquanto ela fica no corredor até eu entrar nas escadas. Ouço o barulho da porta. É sempre assim. Sempre foi assim. Não sei como explicar, mas o isolamento traz os pequenos detalhes da memória a um nível insuportável. Meses, apenas deixando as compras na porta e avisando pelo interfone que tudo da lista foi comprado. Sapatos do lado de fora, máscaras e álcool nas mãos pra entrar e deixar o cartão do banco e as sacolas dentro da pia. Ela fica de longe, com a máscara que aprendeu a fazer com os restos de uma colcha velha, matéria de orgulho por costurar a proteção. Essa senhora que eu chamo de mãe, por 56 anos me abraçou e beijou meu rosto. Na primeira vez que subi as escadas da escola, em fila, com outra mulher segurando minha mão; antes de entrar na sala de espera do aeroporto e só voltar dois anos depois com o título de 79