SÓ QUERIA TE DIZER
Estou só
Mara Feitosa Perruci
Estou só. Não porque não haja ninguém em casa. Abro a janela e o mundo está frio e cinza. Olho para a mão que empunha esta caneta e a vejo pálida. Estou só. Não que não haja sons, eles existem e me invadem sem consentimento: o tique-taque do relógio, o carro que passa na rua, os cachorros do apartamento de cima. Todos os sons que insistem em me mostrar que há vida ao meu redor. Mas eu continuo só. Pensei em algumas pessoas com quem pudesse trocar algumas ideias, conversar sobre qualquer coisa e, quem sabe, se surgisse oportunidade, pedir socorro, talvez um mágico elixir que levasse esta solidão para longe. Mas não chamo ninguém. Pode ser que um esteja muito ocupado para jogar conversa fora, pode ser que outro ainda precise mais falar do que ouvir, outro ainda more longe demais para uma ligação no meio do dia. Pode ser que eu esteja só demais para falar com alguém. Uma ária das Bodas de Fígaro, de Mozart é minha única companhia, um desafio técnico a ser vencido. Talvez o único elo que me ligue à vida que prossegue apesar de mim. Eu a ouço repetidamente numa tentativa de mergulhar nesta vida que temporariamente se afastou de mim. Olho meu piano... transformado em mero instrumento de trabalho, não reclama e, pacientemente, agrada meu retorno por prazer. A flauta, não sei onde está. Sinto falta daquele instrumento que depende que eu lhe sopre o fôlego de vida para cantar. Vejo-me como ela. Falta-me o fôlego de vida, a paixão. Parece que todos se foram e estou só. Gostaria de saber qual o caminho. Eu os seguiria de bom grado. Ao nos reencontrarmos faríamos uma grande festa e tudo seria colorido. Eu não mais estaria só e minha casa não estaria vazia. Eu abriria 81