E S P E C I A L C U LT U R A
PERFIL
Lourdes castro
“Não morremos, transformamo-nos”
AFONSO CERQUEIRA
Nascida no Funchal, em 1930, Lourdes Castro cresceu com uma “infância com muito espaço. Ao pé do mar. Com calhau, com vinha, com cana-de-açúcar que a gente chupava. Assim de correr à vontade” – como contou ao Expresso na sua última entrevista, realizada também na Madeira, onde morreu no passado ano. Foi também na sua ilha, no Club Funchalense, que fez a sua primeira exposição (1955), quando já estudava na Escola de Belas-Artes, em Lisboa. É desse curso, que não terminou, a famosa a história dos seus estudos de nus, pintados a verde e azul, que um professor reprovou – escrevendo, a giz, a palavra “excluído” sobre os trabalhos. A recusa pelo cânone vigente foi assumida pela artista, deixando e incorporando a rejeição nas obras
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e dando-lhes mesmo esse título, com a mesma confiança do “salon des refusés” (1863) e a ironia dos pintores do Fauvismo – de que foi, aliás, devedora de inspiração –, que adoptaram o epíteto maldoso como bandeira do seu movimento. Com René Bertholo parte para Munique, em 1957, e finalmente Paris, no ano seguinte. Num minúsculo “chambre de bonne” no sétimo andar da Rue des Saints-Pères, fundam a revista KWY (1958-1963) – as três letras que não existiam no alfabeto português - com Christo, Jan Voss, João Vieira e José Escada, Gonçalo Duarte e Costa Pinheiro. Com este grupo informal, mas que deixou referências e influência, Lourdes e René foram começando exposições e conhecendo os artistas. É desta altura a carta que Maria Helena Vieira da Silva escreve a Artur Nobre de Gusmão, referindo-se a
Lourdes Castro assim: “Ela alia a um carácter extremamente honesto e recto, fortes qualidades de dedicação, coragem e até heroísmo na sua via quotidiana. E especialmente é dotada de real e tangível talento artístico. Poucos jovens pintores portugueses em Paris nos têm inspirado tanta confiança e esperanças.” Nos anos sessenta começa a diversificar os meios de expressão, da serigrafia à tela, o plexiglass e até o pano. Aliás, começa a produzir e a expor arte nos diversos meios pois, como a própria afirmou, nunca se reduziu `pintura apenas. As suas famosas sombras evoluem também, das “sombras deitadas” ao teatro de sombras (com Manuel Zimbro). Sejam objectos ou movimentos do quotidiano, as sombras simplificam e generalizam, abrem-se a ser reconhecidas e transmutadas no