E S P E C I A L C U LT U R A
PERFIL
vitorino nemésio e natália correia
Vitorino Nemésio e Natália Correia – açorianos, escritores e algo mais
URBANO BETTENCOURT
Vitorino Nemésio (1901-1978) e Natália Correia (1923-1993): dois (de muitos) autores que tiveram de sair da ilha para cumprir-se como cidadãos e como escritores também. Provenientes de diferentes ilhas (Terceira, S. Miguel, respectivamente), eles atestam o sentido de fuga e dispersão inscrito na história açoriana como um signo, uma sina concretizada em rumos divergentes; neste caso, para Leste, um destino minoritário, porque o grande pólo de atracção ( para grandes camadas do povo açoriano) sempre ficou a Oeste: primeiro o Brasil (desde muito cedo) e depois os Estados Unidos da América, especialmente as “Califórnias perdidas de abundância” (Pedro da Silveira), que se tornaram a figuração material da Terra da Promissão. Não admira, pois, que no imaginário literário açoriano, a Atlântida ocupe um espaço residual – autores e leitores sabem que a felicidade há-de encontrar-se para diante e no futuro (mesmo que algumas personagens só atinjam o paraíso americano
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depois de atravessar o seu inferno). Definitivamente desenraizado, Nemésio construiu uma obra em que a ilha à distância (“Ah, ovo que deixei, bicado e quente, / Vazio de mim, no mar, / E que ainda hoje deve boiar, ardente / Ilha…”) se tornou o núcleo central de boa parte da sua escrita, enquanto objecto evocado ou metáfora no âmbito da reflexão sobre a condição humana em geral. No campo da lírica intimista (e já mesmo no seu livro escrito em francês), da narrativa ficcional, da crónica e do ensaio, os Açores entraram na sua obra como realidade territorial e social sucessivamente retomada e reformulada. Sem que isso colidisse com o seu estatuto de intelectual e escritor atento à literatura e à cultura do mundo por onde andou (especialmente Europa e Brasil) e que na sua obra encontraram acolhimento e “resposta” escrita. Em 1932, e em dois textos diferentes mas com o mesmo título, Nemésio cunhou o termo “Açorianidade”, com que quis sintetizar um particular modo de ser do homem açoriano, da sua visão do mundo, moldado pelo tempo e pelo
espaço (a história e a geografia), num contexto geral de distância e isolamento atlântico. Independentemente dos muitos textos e ocasiões em que pôde explanar a sua noção de açorianidade, há duas obras em que, de modo mais directo ou menos directo, Nemésio deixou elementos para a compreensão do conceito e daquilo a que podemos chamar o seu “pensamento insular”: “Corsário das Ilhas” (1956), um excelente livro de “revisitação” fluida e divagante dos Açores, e “Mau Tempo no Canal” (1944). “Mau Tempo no Canal” é o romance da açorianidade enquanto experiência do universo insular em articulação com o mundo exterior. Sobre a moldura do tempo de finais da Primeira Grande Guerra Nemésio constrói uma história de amores contrariados, em que entretece o retrato da cidade da Horta em 1918 com a história política, social e geológica das ilhas. Memória e facto, realidade e símbolo, texto literário e documento funcional, cultura erudita e popular cruzam-se numa obra compósita que é um romance de espaço (centrado nas ilhas do