ACTUALIDADE
JOAQUIM MIRANDA SARMENTO, PROFESSOR NO ISEG/UNIVERSIDADE DE LISBOA
INFLAÇÃO, E AGORA?
O
s últimos dois meses foram marcados pela discussão da inflação e do aumento dos preços. Criou-se a perceção de comunicação que: 1) a inflação é um fenómeno que teve origem no início da invasão da Ucrânia pela Rússia e que, por isso, 2) a inflação resulta do aumento dos preços na energia e nos bens alimentares e 3) uma inflação de 4% ou 5% não é uma inflação elevada. Ora, isso não corresponde à realidade. Primeiro, o processo inflacionista nos EUA e na Europa iniciou-se no verão de 2021. E resulta de dois fatores: 1) uma forte expansão da massa monetária, por via quer da política monetária da Reserva Federal Americana (Fed) e do Banco Central Europeu (BCE), quer dos estímulos à economia devido à pandemia da Covid-19; 2) um choque simultâneo da procura e da oferta, dado que (lado da procura) a saída dos confinamentos e a elevada poupança
22
desses períodos levou a um aumento substancial do consumo (apelido “revenge spending”), mas (lado da oferta) a Covid-19 levou a uma disrupção nas cadeias de produção e distribuição. Segundo, a inflação não resulta sobretudo do choque de preços dos bens energéticos e alimentares. Basta atender a três indicadores: 1) As expetativas de inflação na zona Euro e nos EUA já rondavam os 5% na véspera do conflito iniciar e passado dois meses mantêm-se próximos (ligeiramente superior) a esse valor; 2) A inflação registada em fevereiro na zona Euro foi de 5.9% e em Portugal de 4.2%; 3) A inflação “core” (subjacente, isto é, sem energia e bens alimentares) em abril foi de 3.9% na zona Euro e em Portugal foi de 5%. Terceiro, uma inflação durante alguns anos, mesmo que a 4%-5%, não deixará de ser uma inflação elevada (recorde-se que o objetivo da Fed e do BCE é 2%). Os leitores com mais memória recordaram a inflação nos anos 70 e início dos anos 80. Na altura, a inflação nas economias
avançadas rondou os 10%/15% e em Portugal os 20%/30%. Mas é importante compreender que nos últimos 10 anos, desde a crise financeira e a alteração da política monetária dos Bancos Centrais, que nos “habituámos” a viver com inflação (e taxas de juro) em torno de zero. É aquilo a que os economistas chamam “inércia da inflação”. Os agentes económicos ajustaram as suas expetativas racionais a esse “normal”. Uma inflação durante vários anos em torno de 4%/5% significará um novo patamar de preços e juros, que obrigaram a fortes correções económicas. Porque nos devemos preocupar com a inflação? Primeiro, porque tem fortes impactos na eficiência económica e pode afetar o produto total (a criação de riqueza). Tem também um impacto significativo na eficiência, dado que distorce os preços e os sinais dos preços. Numa economia com baixa inflação, as alterações dos preços são percetíveis pelos consumidores, que alteram o seu perfil de consumo (se um bem aumenta muito o seu preço, (Texto escrito ao abrigo do novo acordo ortográfico)