Revista PRÉMIO | Edição Junho 2022

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E S P E C I A L C U LT U R A

TESTEMUNHOS

JOANA MORTÁGUA, DEPUTADA DO BE

O M E U FA D O

H

á muitas maneiras de contar uma história mas esta começa sempre no mesmo sítio: comecei a ouvir fados na casa do meu avô, homem de tradições, das quais escolhi herdar só algumas. Foi lá que cresci a tempo parcial e onde às vezes ia espreitar os discos de fado que não era frequente ouvir em minha casa. Lembro-me bem do momento em que, sem querer, aprendi de cor o “Rapaz da Camisola Verde” do Frei Hermano da Câmara. Não há nenhuma razão para uma sonoridade nos dizer mais do que outras. Se a tradição tem um papel, estou certa de que será pequeno, ou os nossos gostos musicais seriam de um infinito e mortal tédio. A verdade é que aquele tipo de música em particular, não só não me aborrecia, como parecia reinventarse com o passar do tempo, o que sempre foi visto com muita estranheza pela maioria das pessoas da minha idade. Esse matamorfismo fez com que o fado passasse a ser – para mim – uma constante procura de identidades: musicais, culturais, históricas, de

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classe, entrecruzada com o mistério que só encontra quem se põe a fundo nas coisas. Uma estrutura melódica aparentemente simples, de leitura instintivamente popular, à qual se sobrepõem vozes que não têm de ser extraordinárias, com técnicas muito próprias e poemas passados de mão em mão: não há nada de óbvio no fado. Claro que há muitas formas de gostar de fado. Há quem prefira salas de concerto, mas a minha é nas casas de fado, como aquela onde um dia ouvi cantar a Celeste Rodrigues, consciente de que era a terceira geração da minha família a ter esse privilégio. Antes de casar, também o meu avô corria as casas de fado para a ouvir, como hoje eu vou com a minha avó ouvir a guitarra do seu bisneto, Gaspar Varela. Continuidades, nem toda a gente precisa delas ou as encontra no mesmo lugar. É por isso que, ao contrário do que outros legitimamente fizeram, o que descobri no fado tem pouco de conservador. Está lá a canção popular, maldita por ser pobre. Está lá também a canção republicana, operária, proibida. Está lá sobretudo a Amália e os nossos poetas, e não há mistério maior do que esse. Quanto ao “Rapaz da Camisola Verde”, só muitos anos mais tarde viria a cruzar-me com o poema completo, e uma estrofe particularmente significativa: “Ali ficou... E eu cínico, deixei-o Entregue à noite, aos homens, ao pecado... Ali ficou de camisola verde, Negra madeixa ao vento, boina maruja ao lado…” Porque não há nada do fado que seja óbvio. E tradições… cada uma escolhe as quer. l


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