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ANTÓNIO MATEUS, JORNALISTA
UCRÂNIA: DIÁRIO DE REPÓRTER NA GUERRA DIA 1 - “Zhurnalisty! (jornalistas) - “Portuhalʹsʹki zhurnalisty (jornalistas portugueses). Alex explica quem somos ao militar ucraniano que espreitava para o interior do carro, depois de este lhe ter pedido os documentos de identificação - pessoais e da viatura - e perguntado para onde nos dirigíamos. - “Bashtanka”! (nome da localidade, situada entre Mykolaiev, a cidade-tampão do avanço russo na frente sul, e Kherson, já ocupada pelas forças invasoras), explicara antes o nosso condutor, provocando uma mini-conferência entre os militares e polícias que vigiavam de kalashnikovs empunhadas o bloqueio de estrada, o enésimo por nós cruzados desde a saída de Odessa, mais de duas horas antes. A resposta atraiu a comparência de um graduado. - “Ziydy z dorohy! Potyahnutysya do krayu!” (Saiam da estrada! Encoste na
Nota: Estes são apenas quatro relatos em texto das 26 reportagens assinadas pelo autor ao longo 29 dias de destacamento na cobertura da Ucrânia. 8
berma!) – ditou o oficial, apontando para a fila, onde já se encontravam a aguardar diversas outras viaturas e respectivos ocupantes. Ali, após escutar que eu e o Rodrigo Lobo (o repórter de imagem da RTP com que fui destacado para o sul da Ucrânia) eramos jornalistas portugueses pediu-nos os passaportes e depois as credenciais emitidas pelo ministério da defesa ucraniano, que fotografou com telemóvel e enviou para verificação, pelos serviços de segurança do estado. Paciência. Em quantidades generosas. Um dos muitos requisitos para se trabalhar como jornalista num cenário de guerra. Neste, ainda mais, por a desconfiança dos militares, polícias e serviços secretos ser multiplicada pelas evidências de infiltração de espiões e de informadores na identificação de alvos para a artilharia russa. -“Bez vyshchoho dozvolu ne mozhna khodyty na Bashtanka! Ts’oho razu tse zona boyovykh diy!” (Sem autorização superior não podem ir para Bashtanka. Nesta altura é zona de guerra!”) – vincou o graduado. O Alex ainda argumenta que foramos autorizados pelo porta-voz das forças armadas ucranianas em Mykolaiev, o tenente-coronel
Dmytro Pletenchuk, a seguir para a vila recém-bombardeada, mas nem isso dilui a desconfiança do graduado. A nossa ‘fixer’, Maria Gorbunova, entra em acção, liga para o Dmytro e, quando este a atende, explica-lhe o nó em que nos encontrávamos. Põe-no a falar ao telemóvel com o chefe do controlo e os traços carrancudos da expressão deste dão lugar, em menos de um minuto, a um quase esboço de sorriso. -“ Mozhe sliduvaty. Vse harazd!” (Podem seguir. Está tudo ok!) – indica ao Alex, enquanto acena com a mão ao subalterno, para sair da frente do carro. De novo na estrada, com uma preocupação acrescida. A meia-hora perdida nesta verificação aperta ainda mais a margem disponível para reportagem, nas proximidades da zona quente, para quem terá depois de fazer mais de 200 quilómetros em sentido inverso, chegar a Odessa a tempo do recolher obrigatório e editar a peça do dia para o Telejornal (RTP1) que ainda terá de ser legendada. Mas as décadas de jornalismo que lá levo (39 anos), um terço das quais em cenários complicados, repõem-me o foco onde ele deve estar, particularmente nestas alturas;