E S P E C I A L C U LT U R A
PERFIL
paula rego
História de uma pintora extravagante
DIOGO BELFORD
Pode-se conhecer a história de quem nos mostrou tantas histórias? E será isso relevante ou o importante é que são as nossas histórias? Se as obras são sempre influenciadas pela vida dos autores, no caso de Paula Rego o seu trabalho é povoado pelas suas memórias, reais ou fantasiadas, pelas estórias da sua família, pelos livros ou contos que leu. E, sobretudo, por uma visão quase infantil na clareza e na brutalidade – ao mesmo tempo honesta e fantasista. Podemos falar, e sobretudo ler, sobre a pop art que a influenciou nos anos sessenta, no feminismo nas décadas seguintes, numa pintura do poder (e da opressão) no quotidiano ou,
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ainda, tentar – com mais força que destreza – inserir o seu trabalho nos grandes movimentos da história da arte, referindo o ressurgimento da pintura e as alegorias do figurativo. Mas Paula Rego sempre se mostrou desarmadamente anti-intelectual. O seu trabalho pode ter sido tudo isso e, ao mesmo tempo, um prazer pessoal, um escape e exorcismo que colocava em pastel o que não era suposto dizer. O seu trabalho (ou as “histórias” que contava através das séries) pode gerar resistência ao primeiro olhar - pela crueza desenhada ou a ironia desavergonhada. Por vezes foi até polémica, apesar de quase sempre por culpa e vontade d’outros. Mas,
como afirmou Bruno Bettelheim em relação aos contos de fadas: “A criança compreende intuitivamente que estas histórias, apesar de irreais, não são inverdades”. Esta superioridade infantil, de inventar e apreender uma história para compreender a realidade, pode não estar longe dos quadros de Paula Rego. Como explicou a própria artista “[Com as histórias] pode-se castigar quem não se gosta e elogiar quem se gosta. E depois inventa-se uma história para explicar tudo”. Talvez isto não seja assim tão diferente da motivação dos quadros de Bosch ou de El Greco. A universalidade de Paula Rego é que mesmo nas pinturas que