Uma identidade plural por Fernando Pereira “Tive sempre, desde criança, a necessidade de aumentar o mundo com personalidades fictícias, sonhos meus rigorosamente construídos, visionados com clareza fotográfica, compreendidos por dentro das suas almas. (...) Esta tendência não passou com a infância, desenvolveu-se na adolescência, radicou-se com o crescimento dela, tornou-se finalmente a forma natural do meu espírito. Hoje já não tenho personalidade: quanto em mim haja de humano, eu o dividi entre os autores vários de cuja obra tenho sido o executor. Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena humanidade só minha.” Fernando Pessoa
palavras ditas . 30 .
As crises identitárias são muitas vezes como os sismos de baixa magnitude em terras vulcânicas. Passam por nós e nós por elas através dos anos, sem quase as sentirmos, muitas vezes até como se nunca nos tivéssemos cruzado, de tão inócuas e subtis que se revelam. Fazem afinal parte de um natural processo de crescimento, de uma insegurança latente e quase pueril, que permanece inclusive na idade adulta, em todo o seu percurso e ao longo da vida. Estas pequenas questões da identidade, acompanham-nos sempre, para sempre e nas nossas mais diversas circunstâncias. Vejamos, por exemplo, aquele curioso fenómeno provocado em nós pela publicidade ou pelos mass media e que nos leva, em perfeito automatismo, impulsivamente, muitas vezes compulsivamente, a desejar e adquirir coisas que não necessitamos. Objetos tantas vezes inúteis, dispensáveis ou supérfluos, mas que subconscientemente nos fazem sentir outra pessoa. O que fazemos, enfim, para transmitir de nós uma ideia de maior sucesso, um estatuto que não nos pertence, uma imagem que não corresponde à real essência do que somos. Quantas figurinhas criamos, quantas personagens vamos fabricando, projetando a cada dia nos outros e que, sem pedir licença, usurpam no fim a nossa verdadeira identidade? Quantas vezes nos despimos de nós, abdicamos de nós, para sermos invariavelmente uma outra pessoa qualquer? E que bom deve ser, em certos momentos da vida, “possuir” um carro de Ronaldo, o perfume de Banderas ou mesmo até o café e o charme de Sir George Clooney. De repente, somos pessoas importantes, reconhecidas socialmente a ganhamos confiança para enfrentar o mundo. Interessante fenómeno este, que se traduz afinal num jogo inocente, uma dança subtil entre