LYRA PURA

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LYRA PURA

LYRA PURA

Casa de Ferreiro

Glauco
Mattoso
São Paulo

Lyra pura

© Glauco Mattoso, 2023

Revisão

Lucio Medeiros

Projeto gráfico

Lucio Medeiros

Capa

Concepção: Glauco Mattoso

Execução: Lucio Medeiros

FICHA CATALOGRÁFICA

Mattoso, Glauco

LYRA PURA/Glauco Mattoso

São Paulo: Casa de Ferreiro, 2023

112p., 21 x 21cm

CDD: B896.1 - Poesia

1.Poesia Brasileira I. Autor. II. Título.

NOTA INTRODUCTORIA

Appenas cem poemas bastaria junctar para que eu tenha a anthologia mais breve e essencial da minha lyra?

Talvez, pois me repito muito nesses milhares que compuz, mas sempre fica de fora algum que importa analysar. Em todo caso, faço uma peneira e ponho nesta LYRA PURA appenas aquelles que não fallam palavrão, tirados duma grande collectanea chamada POESIA DECANTADA.

Quem nunca achou algum livrinho meu agora poderá dizer que leu quaesquer mattosianos versos, mesmo que sejam os mais livres do calão. Cem outros entrarão num novo livro, chamado LYRA SUJA. Bom proveito.

DISSONNETTO DESCHULIZADO [6089]

Alguem ja me propoz: “Glauco, talvez lhe fosse favoravel um volume selecto de poemas onde fez você certo tributo ao bom costume…”

Refere-se esse amigo ao bom burguez que curte, embora beba, jogue e fume, auctores que, no verso portuguez, evitam o calão. Terei mais lume? Bem, fossem pesquisar, sem palavrões, em tantos dissonnettos que ja fiz, veriam que, em centenas, fui feliz sem uso fazer dessas expressões.

Portanto, respondi-lhe: Mil perdões eu peço ao meu leitor que sempre quiz me ver de bocca suja, mas sem vis vocabulos tambem sigo um Camões.

9

DESDOBRABILIDADE [8027]

Eu, quando comecei, o que queria não era questionar a auctoridade durante a dictadura, appenas. Quiz eu, mesmo, questionar uma auctoria, a propria propriedade, ou auctoral, ou intellectual. Do plagiario fiz, sim, apologia. Allardeei o texto espurio, apocrypho, udigrudi. Pudera! Fui poeta marginal naquelles septentistas petreos annos!

Sim, petreos annos patrios! Hoje em dia, a sanha auctoritaria nos invade o caldo cultural, quando fuzis e botas novamente pela via circulam, patrulhando. Mais aval agora dou aos classicos. Mas Mario, Oswald e os Campos ‘inda são a grei que minha fé norteia. Não, não pude do canone abrir mão, mas actual o faço si não passo quentes pannos.

Parodias sejam feitas, todavia! Paraphrases se façam à vontade!

E satyras, tambem! Peçamos bis!

De vida signal seja uma anarchia possivel, postmoderna! Carnaval brinquemos! Algo achemos mais hilario!

Ainda transgredir alguma lei podemos! É questão duma attitude!

Logar ainda resta à “coisa e tal”!

Sejamos hedonistas... e espartanos!

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DISSONNETTO PARA QUEM CHOVE NO MOLHADO [2178]

Você, si for poeta creativo (não digo “original”, que isso é besteira), difficilmente passa pelo crivo dum editor que fede ou dum que cheira. Quem brilha na mais alta pratteleira é sempre aquelle auctor repetitivo, que abusa do clichê, que se admaneira ao rotulo vigente e appellativo. Até na poesia a lei de Murphy, naquillo que, na practica, arredonda, accaba sendo a mesma que, no surfe, vigora: o que dá fama é pegar onda. Emquanto estiver vivo, o gajo fica à margem, não importa o que responda à midia. Si a cannella cedo estica, a fama impedirá que elle se esconda.

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DISSONNETTO DO REPENTE PERMANENTE [1470]

Perguntam-me: “Mas Glauco, quanto dura fazer um dissonnetto?” Eu lhes diria que é coisa de minutos: a factura sae logo, quando a idéa não exfria. Não tenho “inspiração”, a mera, pura “verdade” revelada: a poesia será sincera appenas quando cura feridas, ou, ao menos, allivia. Occorre isto não só na lingua lusa. A dor é o principal, urgente prazo que mede este processo, e não o acaso, o cerebro, o chronometro, uma musa. Espero não passar noção confusa. Passou mais que um minuto da pergunta, mas, desde que a memoria disso assumpta, talvez a toda a vida se reduza.

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DISSONNETTO DO LEITE DE PEDRA [1533]

“Contemporaneidade” tem sentido bastante relativo. Convivi mais vezes com quem sempre tenho lido ou quem acaso encontro por ahi?

Os vivos escriptores com quem lido me dizem muito pouco. Só de si se gabam. Eu, garboso, lhes revido gabando-me de herdar tudo que li. Nem oito, nem oitenta: um bom poeta dos que não parasitam o poder nem só seus precursores interpreta, nem pode original só querer ser. Sommamos o que somos ao que lemos na lyra que queremos transcrever. Si não conciliamos os extremos, sabemos combinar dor com prazer.

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RELENDO BASHÔ [5014]

Pequeno, o lago. Está tudo (Caramba!) tão quieto, que uma mosca ser ouvida podia, alli voando e pondo a vida em risco, caso um sapo os ares lamba. A mosca não está na chorda bamba, comtudo, e sim o sapo, que encomprida a lingua e secca a sente, o que o convida no lago a mergulhar: chorda e caçamba. Naquella aguinha quieta a luz nem pisca. Siquer nenhuma nuvem se accinzenta. Nem vento batte. O sapo não se aguenta e pulla. O movimento os ares risca. Vejamos isso em camera mais lenta: a aberta bocca, a lingua, a fugaz isca… Ainda assim, paresce a perna arisca, pullando! A aguinha, agora, é barulhenta!

14

IRRESISTIVEL RESISTENCIA [4994]

Paresce recorrente esta questão: Resiste a poesia? Resistente seria a tudo e todos? Ou somente alguns poetas podem ser, ou são? Respondo por um cego que a visão perdeu e revoltou-se: o bardo sente a dor mais dolorosa, o sol mais quente, o amor mais amoroso e o chão mais chão.

Si amar é resistir, resiste a lyra.

Si odeio quem me opprime, ella resiste. Si anxeio ver, resiste quem delira. Quem versos faz nas trevas não desiste.

Real é, mesmo sendo de mentira. Em summa, resistente por ser triste, ou mesmo quando alegre, o bardo tira de lettra a dor, da lagryma faz chiste.

15

PÉ NA COVA [6415]

Sahi tarde da zona de comforto materna, mas entrei cedo na zona de guerra, litteral ou brincalhona, a mesma do maior poeta morto. Com outro me irmanei, deixei o porto em busca de emoção: peguei carona no barco que, em taes ondas, ambiciona chegar onde chegou o vate morto. Em annos cariocas, eu absorpto fiquei como o mineiro que desthrona, ou querem que desthrone, mas nem clona o luso menestrel tambem ja morto. Deitei-me em muitas camas. Com pé torto pisei na alheia praia. Fui cafona, fui joven, mas serei quem ja resomna no tumulo de todo bardo morto.

16

O BRADO DO BARDO [7199]

Eu grito quando estou sentindo dor. Mas pode este meu grito dar logar ao verso, ferramenta de esculptor. Com arte tambem posso reclamar.

Eu grito quando os outros luz e cor enxergam e ‘inda curtem meu azar.

Não é que da dor seja fingidor. Dor sinto ouvindo um outro gargalhar. Eu grito por perder esse prazer de ver, mas tambem grito por quem grita por seus direitos basicos perder. Meu verso não sou eu só quem recita.

Eu grito por não ter tanto poder de mando quanto quem meus versos cita. Mas rio, ca por dentro, por não ter comido o que elle come na marmita.

17

PARNASO DE AQUEM TUMULO [8554]

Pretendo requerer um attestado de bardo, mas Estado nenhum emitte aquelle documento. Quem sabe si eu não tento pedir à Academia Brazileira de Lettras? De maneira nenhuma, me responde alguem de la. Será porque não ha padrão pro documento, ou porque não meresço a distincção?

Em todo caso, quero ver si ganho cadastro do tamanho da minha competencia ainda em vida, provando que quem lida ha tempos com o verso trabalhado faz jus a um attestado de eximio soprador de bolha ao vento. Appenas eu lamento que mais ninguem agora saber queira da lyra prazenteira que outrora a tantos bardos fama má legou e que fará da nossa maldicção um pantheão das luctas do povão…

De comptas affinal, eu não me accanho por ser aquelle extranho ceguinho que leitores seus convida a rir duma soffrida cegueira, pois entendo que meu brado será recompensado, ainda que somente pelo lado esthetico estudado.

18

DISSONNETTO CONFESSIONAL [0234]

Amar, amei. Não sei si fui amado, si amor jurei a alguem que eu odiara e a quem amei jamais mostrei a cara, de medo de me ver posto de lado.

Odeio si tambem sou odiado. Devolvo o que se jura e se declara, mas quem amei não volta, e a dor não sara.

Não sobra nem a crença no passado. Palavra voa, escripto permanesce, ou “Verba volant…”: era certo, emfim, aquelle adagio vindo do latim.

Escripto é que nem odio, só envelhesce. Si serve de consolo, seja assim: ainda que odiar eu mais quizesse, amor nunca se exquesce, é que nem prece.

Tomara, pois, que alguem reze por mim…

19

DISSONNETTO DO AMOR REVISTO [0743]

“Que seja eterno emquanto dure”, disse com taes ou quaes palavras o poeta, fallando-nos de amor, que elle interpreta como algo que surgisse e então sumisse.

Uns acham-no sublime; outros, pieguice. Quem anda appaixonado vê completa a vida só com elle; em nada affecta, porem, a quem se isola na velhice.

Do velho para a velha, mais allumbra.

Do coxo para a coxa, allarga o passo.

A dois adolescentes, os deslumbra.

Ao misero casal segura o laço.

Ao cego é luz; ao sceptico, penumbra.

Ao orpham é o sorriso do palhaço.

Na guerra é appello à paz, que a bomba obumbra.

No verso é de Vinicius seu espaço.

20

DISSONNETTO DO MAU HUMOR [1642]

Um beijo, appenas. Tudo que queria o velho era um beijinho. Porem, dado que a velha não o dava, elle, de dia, passava o tempo fora, magoado. Os outros ja suppunham que a harmonia daquelle casal coisa do passado seria, pois o humor que elle exhibia affugentava até bandido armado. À noite, finalmente, elle voltava, depois de andar por tantos outros lados, e a velha, que ja estava menos brava, servia-lhe a sopinha. Os dois calados. Na hora de dormir, como ninguem ainda disse nada, ambos culpados se sentem, mas emfim a velha vem beijal-o… e dormem calmos, abbraçados.

21

AVARIA QUE VARIA [5299]

Quebrado o elevador, vão pela escada accyma os moradores desse antigo e enorme condominio. “Vem commigo?”, pergunta o velho à velha, que se aggrada. De braço dado, sobem. Vão, a cada andar, parando um pouco, um pappo amigo battendo. {Calma! Espera! Não consigo subir ja tão depressa! Estou cansada!} O velho comprehende que a vizinha, embora tenha quasi a mesma edade, das pernas é mais fracca, coitadinha! A passos rallentar se persuade. Ja bem devagarinho se caminha. Chegados ao apê della, a cidade contemplam da janella. {Cê não vinha faz tempo! Quer café? Leite? Metade?}

22

DISSONNETTO DOMESTICO [0436]

Estava o cachorrão sozinho e triste, trancado na casinha, come-e-dorme. Seu unico brinquedo, aquelle enorme, surrado pé de tennis, que resiste. Ja victima das linguas e do chiste, a edade faz que quasi se conforme. Seus donos usam botas e uniforme. De fuga não ha ropta que os despiste. Até que um lindo e timido gattinho, em busca de refugio, certa feita, se acchega ao cachorrão e alli se deita. Naquelle apperto, pisa-lhe o focinho. O cão accorda, extranha, mas acceita. Resiste à temptação de ser mesquinho e, em vez de defender, divide o ninho. Agora a dupla vive satisfeita.

23

ALEM DO AMEN [6361]

Alguem olha por mim, que ja não vejo com olhos desta Terra, mas presinto, em plena pandemia, por instincto vital, que me proteja no varejo. Alem da protecção astral, protejo meu corpo, para andar no labyrintho, no braço do parceiro por quem sinto amor, seja de espirito ou desejo. Do mundo dos espiritos Akira paresce-me enviado. Que seria dum cego nesta absurda pandemia na falta da alma gemea que me inspira? Ainda antes de estar, com minha lyra, na hora da afflictissima agonia, a Alguem eu aggradesço pelo guia que em vida me emprestou e não me tira.

24

ETERNO CALOR MATERNO [5651]

A minha mãe morreu soffrendo. Tento lembrar-me disso o quanto menos, mas me lembro quando as coisas andam más. Ninguem meresce tanto soffrimento. Coitada, agonizou. Eu não aguento soffrer nem a metade do que, nas semanas terminaes, ella, tenaz, passou. Ja passei, acho, uns dez por cento. Mas, quando supportando não vou mais, não rezo, propriamente, nem levanto as mãos ao céu. Appenas, no meu cantho, concentro-me e, por ella, choro uns ais. Milagre não direi, mas cruciaes symptomas cessam. Para meu expanto, meus ais escuta alguem que, tanto quanto sei, vive eternamente entre os mortaes.

25

SAUDADES DA SAUDADE [7066]

Saudade, esse vocabulo de lusa feição, não se traduz por nostalgia, tampouco pelo termo que quem via e está, como hoje estou, nas trevas, usa. É muito mais e envolve, na reclusa vidinha solitaria, aquella thia solteira que ser freira não quiz, pia e crente no perdão pela recusa. Envolve, na viuva, a sensação da perda. Nos escravos, o lamento do banzo. Nos edosos, o momento que chega de partir, da prece em vão. Envolve, alem daquelles que se vão, cadernos, livros, photos… Quando tento das cores recordar, vem-me, cinzento e vago, um sentimento de illusão.

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TERNURA NA FLORICULTURA [5268]

Antigamente, flores, quando alguem as punha, em casa, dentro dum vasinho, à vista da visita e em seu caminho, teriam naturaes que ser, e bem!

Sentido tinha: a gente pensar nem podia em flores falsas! Comezinho, então, era o conceito dum espinho tão artificial quanto a flor sem! Mas noto, ultimamente, que uma rosa de plastico ou de panno tão real paresce, que ninguem diz que ella posa. Até que boa idéa dá! Que tal? Que soffro, não é verso nem é prosa. Por isso, resolvi: quando estou mal amado, troco a musa desdenhosa por uma falsa rosa natural.

27

DISSONNETTO SUICIDA [0334]

Do Stefan foi desgosto pela guerra. Tambem Sanctos Dumont foi desalento.

O de Torquato e Pericles lamento, mas o de Allende ou Hitler nada encerra.

Razões de Anna Christina estão na terra. Jim Jones e outros loucos nem commento. Mishima foi solenne em seu intento.

No de Getulio o povo é quem mais berra. Difficil é saber quando é covarde ou quando é da coragem o disfarse.

Alguem perdeu? Alguem quer entregar-se?

É cedo? É tempestivo? É sempre tarde?

Talvez eternidade na catharse ou immortalidade sem allarde. Talvez o fatalismo que me agguarde.

Ninguem derropta a morte sem mactar-se.

28

ODE AO SUICIDIO [8160]

Qualquer problema é grave caso tema morrer quem delle augmenta a gravidade. Peor é nada: a vida é que é o problema.

Questão abro: da vida quem se evade será por desespero ou covardia? Quem tira a propria vida foi covarde?

Que antithese! Não dizem, todavia, que para alguem mactar-se ter coragem é tudo de que, emfim, precisaria?

Por que será que aquelles que assim agem costumam nos deixar alguma charta? Só querem nos negar que foi bobagem?

Nenhuma explicação alguem que parta consegue dar àquelle que aqui fica, pois cada qual alheios ais descharta.

Appenas valerá a maccabra dica si aquelle que tirar a propria vida por drama algum jamais se mortifica.

Insisto neste poncto. O suicida tem sempre que ter sido um infeliz? Não pode ser alguem que nos convida?

Eu mesmo sou aquelle que assim diz: Nem só por ter problemas vae a gente mactar-se, pois morrer eu sempre quiz!

29

Quiz isso quando cego totalmente fiquei, quando não tive mais amigo, ou quando de outros males fui doente.

Mas quiz, tambem, agora que o castigo perpetuo que soffro perde effeito e para as trevas tanto ja nem ligo.

Tambem o quiz depois de ja ter feito sonnetto por milhar, madrigal, ode, tal como neste ensejo que approveito.

Ou quiz quando os componho, si me accode o lyrico lampejo, novo até, no molde ou num assumpto que incommode.

Emfim, quero morrer por ter a fé de estar só de passagem nesta chata vidinha que tão má não foi nem é.

Não é fanfarronice nem bravata. Fallei ja, num sonnetto sobre o thema, que só derropta a morte quem se macta.

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DISSONNETTO DO ALTO DO PÃO DE ASSUCAR [1368]

Sahindo do bondinho, ja me expanto que caiba, la no topo, um bosque, até, com trilhas que conduzem a um recantho tão calmo… Mas o risco sei qual é. Paresce, para quem percorre a pé, que tudo aquillo é plano. Si, no entanto, o matto ultrapassar e marcha à ré não der a tempo, peça a mão do sancto!

O abysmo abre-se a um passo, em rocha pura. Em metros, uns trezentos isso dá e quem se precipita dessa altura até morrer bom tempo levará. Emquanto despencar, voará vendo scenario sem egual de cyma la: ainda que presinta o fim horrendo, que o Rio de Janeiro lindo está!

31

CONTRASTES [6257]

O Rio capital não é de estado: estado, sim, de espirito será. Não é de quem la mora ou quem está appenas de passagem, para aggrado.

Não achas, Glauco? Sempre que me enfado das faceis allusões, vejo ser la que está -- meu coração não, pois não ha paixão nisto -- o logar mais almejado. Não fallo da cidade em que moraste, tampouco da natal terra de alguem, porem de quem, nem sendo de la, nem a tendo visitado, vê contraste.

Contraste entre quem ganhe e quem só gaste, quem tem boa visão e quem não tem, quem della pense em termos de arte e quem só pense em, como tu, no que te baste.

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DISSONNETTO DA COMMUNIDADE INCOMMUM [1521]

Quem vê dum avião nem accredita que sejam mesmo casas: a favella se expalha morro accyma, uma infinita colméa, um formigueiro, como aquella. Mais fragil que, no mangue, a palafitta, alli barraco é predio, tem janella que não accaba mais! Kosmopolita aquella architectura se revela. Mesquitas, cathedraes, pagodes, ventos supportam, tempestades, inclusive. Cappellas, synagogas e conventos não perdem equilibrio no declive.

Pyramides, basilicas, mosteiros, até de arranhacéus impressão tive, mostrando que architectos brazileiros la moram, são o povo que alli vive.

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DISSONNETTO

PARA UMA CIDADE LIMPA [2066]

Si alguem a uma cidade se compara, o Rio é o Aguinaga, um Pedro bello. São Paulo, acho, será Pedro de Lara, seu feio e mais perfeito parallelo. Nem pela melhor plastica na cara um Lara eu recupero ou remodello. Tambem a Paulicéa, que não para, jamais com “bellezuras” faz um elo. Porem até os galans um dia enfeiam, tirados do papel primordial, e vão envelhescendo, embora creiam que ainda são bonitos: eis seu mal! Quem feio sempre foi não muda nunca, será como foi sempre, é natural: às rugas, à dentuça, à nappa adunca no espelho se accostuma, acha normal.

34

DISSONNETTO DESERTADO [0352]

Da Terra cidadão, mas Brazileiro. Da Patria amada uffano, mas Paulista. Exempto Bandeirante, mas bairrista.

Quiçá kosmopolita, mas caseiro.

Ninguem é universal o tempo inteiro. Errante, minha bussola equidista do inferno nordestino ao céu sulista.

Nem astronauta sou, nem marinheiro. Turista só desfructa da viagem por causa da visão. Si for um cego, ja basta a da folhinha, alli no prego: qualquer logar será a mesma paizagem.

Na vasta escuridão onde navego fronteiras inexsistem. Desvantagem não sinto mais, agora. Sem miragem, tão só por ser terraqueo me segrego.

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DISSONNETTO AO URBANNIVERSARIO [0501]

Feliz anniversario, Paulicéa!

Do Pateo do Collegio ao infinito, o immenso não é feio nem bonito.

Darás de megalopole uma idéa?

Tens cara de africana ou de européa?

Tens arvore de figo ou de palmito?

Tens cathedral de taipa ou de granito?

Tens flor? É rosa, hortensia ou azaléa?

Te tornas, anno a anno, mais mudada: o novo ja passou, virou descharte; quem chega não se encontra com quem parte; a rua não se advista da sacada.

Poetas não teem jeito de saudar-te.

Cantores só te cantam si és chorada. Tu, pois, que cantes, antes de mais nada, que és obra, em fundo e forma, in progress: arte!

36

DISSONNETTO DA EXQUINA INEXQUESCIVEL [0793]

Um centro de convivio nos convoca em todo itinerario, noite e dia. Alguns o denominam “padaria”.

Aos intimos, attende por “padoca”.

Café com leite e pão, sanduba e coca, sorvetes, bollos, frios por fatia.

O bar ao mercadinho alli se allia e quando a nota é grande, alli se troca.

O frango abre appetite e forma fila.

Os queijos na vitrine a bocca molham.

Nos doces, finas massas se desfolham.

Quem olha a torta exposta não vacilla.

Esnobes que um local mais chique excolham!

Não acho melhor poncto, aqui na Villa!

De mim ella está proxima, e curtil-a relembra o que meus olhos ja não olham.

37

KALEIDOSCOPIO (2) [8589]

Mais cor quer quem vê bem mas só com um.

Com um só vou ler bem mais mas sem luz.

Sem luz não vou ter nem mais um só dom.

Só dom vou sem um tom ver com mais luz.

Mais luz não vae dar vez nem deu meu gaz. Meu gaz quem deu foi quem me fez tão bom.

Tão bom foi ter mais luz faz ja tempão.

Tempão foi um só mas emfim ja deu.

Ja deu para sentir que vou ver mal.

Ver mal não pode ser como cegar.

Cegar será peor si for de vez.

De vez está meu tempo de compor.

Compor sem pôr mais syllabas não dá.

Não dá para advistar nada mais não.

Mais não posso compor sem ser com cor.

Com cor kaleidoscopica assim vi.

38

DISSONNETTO SENSORIAL [0418]

Dos planos do sentir pouco sabemos. Sensiveis todos somos, mais ou menos, mas nunca attingiremos os extremos. São seres sensitivos só os pequenos.

Alem das dimensões ha que suppor? Sentir é propriedade material. A gente sente a forma, o peso, a cor, aromas e calores, doce ou sal. Philosophos entendem que a verdade não passa de illusão. Pensamos nella appenas como quem adspira, anhela: delirios dum recluso attraz de grade.

Tambem são mensuraveis odio, amor?

Sentir é perceber o que é real, mas é tambem querer, seja o que for, alguem ou algo, intenso, especial.

Espirito é vital para que amemos? Si somos sensuaes, quem sabe é Venus, ou falta ainda ouvir os nossos demos?

Serão sentimentaes somente os plenos.

39

DISSONNETTO VICIOSO [0500]

Poema lembra amor, que lembra charta, que lembra longe, e longe lembra mar, que lembra sal, e sal lembra dosar, que lembra mão, e mão alguem que parta. Partir lembra fatia e mesa farta; fartura lembra sobra, e sobra dar; dar lembra Deus, e Deus lembra addiar, que lembra carnaval, que lembra quarta. A quarta lembra trez, que lembra fé; fé lembra vida nova, eterno thema que lembra fecundar, que lembra gemma. A gemma lembra bollo, e este o café.

Café lembra Brazil, que lembra um lemma: progresso lembra andar, que lembra pé, que lembra verso, e o verso, si não é sem metro, a gente lembra do poema.

40

DISSONNETTO CONTRARIADO [0541]

Por ser o cedo tarde e o tarde cedo; por ser tarde a manhan e a noite dia; por ser gostosa a dor, triste a alegria; por serem odio amor, coragem medo; si o plagio é mais invento que arremedo; si exprime mais virtude o que vicia; si nada vale tudo que valia;

si todos ja conhescem o segredo; por ser duplipensar barroco a lingua; por nunca atter-se alguem ao seu mester; por menos ter aquelle que mais quer; si a falta excede e tanto abunda a mingua; por nunca estar o nexo onde estiver e nunca a dor partir donde for ingua, desdigo o que fallei e a vida xingo-a de morte, si é cegueira luz qualquer.

41

MISCELLANEA VERBIVOCOVISUAL [5983]

Dispostas no papel as lettras são. Um “O” debaixo de outro, de outro abbaixo e accyma, em vertical eixo os encaixo. Nem sempre no papel, porem, estão.

Primeiro, na cabeça algumas vão surgindo. Quando proprias eu as acho, decido que terão, no meu despacho de cego, utilidade na canção. Quem as dactylographa, ou as digita, é um cego concretista, que na mente ainda guarda as fontes e cogita si em caixa baixa estão, visualmente dispostas, allinhadas na restricta medida do papel, sem luz nem lente. Nem é, pois, necessario que repita mais vezes a leitura diligente.

42

DISSONNETTO EXPERIMENTAL [0874]

Vejamos: si o concreto segue um eixo poetico que desce a vertical e espaça cada syllaba, que tal si um filho original parir me deixo? Talvez eu faça assim: no centro enfeixo as syllabas em “I”; na marginal esquerda, em “A”; na proporção egual, em “U” na dextra, à parte algum desleixo. Belleza! Até que o quadro fica ao gosto do artista visual mais exigente! Alguem o irá chamar de “intelligente” e pode numa mostra ser exposto! Que titulo darei? Visto de frente, paresce “intelligivel”, bem composto, tal como o que poz deante do meu rosto o medico que mede minha lente.

43

DISSONNETTO TRANSSUBSTANCIAL [1223]

Rimbaud quer que a vogal tenha uma cor, mas vejo, na cegueira, que o logar das vocalizações é o paladar e busco, si as degusto, seu sabor.

Tambem as consoantes podem pôr tempero na palavra e alimentar matizes nesse molho elementar que não tem só papel decorador.

“A” lembra “sal”, e o “L” lambe o labio.

“E” sabe a “mel”, e o “M” mella a mão.

O “Q” quer ser só “queijo”, mas pimpão.

“I” vê na “lima” o amargo, e a lingua sabe-o.

“O” tem sabor azedo, qual “limão”.

Um “S” é “sopa” e pede que alguem gabe-o.

“U” prova que o poeta, como um sabio, faz “uva” virar vinho, e verso, pão.

44

A FALTA DA MALFADADA [3025]

Tormento indescriptivel é compor uns versos sem emprego do primeiro dos signos do Occidente, o tempo inteiro fugindo si elle surge, esse oppressor!

O cerebro se expreme, sente dor. No exforço, o desespero eu, tenso, beiro: nem quero ser do molde prisioneiro, nem posso me eximir desse fervor. O minimo dos dedos, o que escreve no poncto extremo e esquerdo em que eu digito, me impede de querer ser um perito, se ommitte do serviço… Entrou em greve!

Concordo, é bem difficil ser bonito um mero poemetto, mesmo breve, um simples verso, sem o limpo, leve som dentro, porem nisso é que eu me excito!

45

DISSONNETTO DO VIL METAL [1548]

A prosa é como a nota: egual valor terá que uma moeda, si ella for daquelle mesmo numero. Suppor que a pratta do papel ganha é favor. Moeda é poesia, por comptar com mais peso e relevo, e dar logar ao verbo resumido. Comparar a nota à prosa é facil, nesse olhar. A scedula ao detalhe dá poder maior, faz mais espaço o texto ter, e grandes importancias faz valer, mas logo o portador fica a dever. O nickel brilha mais e, por tinnir, barulho faz tambem, pois seu porvir prevê que ao vil papel vae subsistir, tal como o prego aguenta algum fakir.

46

DISSONNETTO DA HYPERINFLAÇÃO HISTORICA [1437]

O dollar é verdinho. Ja o cruzeiro primeiro foi azul, na menor nota. Depois foi o dinheiro brazileiro se desvalorizando, e era chacota. “Cabral” ou “abobrinha”, este o fuleiro nominho que o povão então adopta à scedula de mil, antes que, inteiro, perdesse o monetario nome a quota. Virou “barão” a scedula, devido ao gordo Rio Branco: quem a visse achava que valia. Até duvido que algum dia seu titulo cahisse. Mas veiu, appós o “novo”, um tal “cruzado”. Effigie, então, valeu até de vice. Cortou-se tanto zero que, coitado, dizer que vale nada é gabolice.

47

DISSONNETTO DO PAPEL DE DESTAQUE [1646]

A folha de papel, que se soltara da mão da menininha, foi pousar no pateo do outro predio, mas tomara que eu possa descrever seu “tour” pelo ar! Primeiro, ella voou directo para a frente e, de repente, ao seu logar de origem quiz voltar. Mas deu de cara com vento opposto, e poz-se a espiralar. Partiu do quincto andar, mas, até ter pousado sobre a lage, seu fluflu de tantos rodopios deu prazer a quem a accompanhasse a olho nu. A proxima folhinha ella ja ia soltar, para planar feito urubu nos céus, quando a mão rapida da thia lhe toma a grana e evita mais preju.

48

VOLATILIDADE DO DOLLAR [5289]

Disparam pela rua. Vem attraz, de terno, um assaltado executivo. Na frente, um malandrinho muito vivo, levando-lhe a valise: tem mais gaz. Berrando, o executivo ao povo faz pedidos de soccorro: “O fugitivo meus dollares roubou! Eu não me privo tão facil delles! Peguem o rapaz!” É claro que euphemistico ser tento.

Não disse nesses termos. Disse appenas “Soccorro! Fui roubado!” O povo, attento à grana, sempre accorre nessas scenas.

Attraz do ladrão correm quando, ao vento aberta, a mala mostra que pequenas as notas não são: voam, cento a cento… Parescem de gallinhas umas pennas.

49

DISSONNETTO DA GRANA A GRANEL [1498]

Em vez de numa loja ser vendido, ja compro até no banco o chocolate, tão alta a quotação, que tem subido accyma do que vale outro quilate.

Ballança em que, antes, ouro era medido, agora é mais commum que cuide e tracte dum ouro comestivel, preferido quer do capitalista, quer do vate. Minusculos tablettes custam tanto (em euro ou libra, dollar ou cruzado, conforme o cambio), para meu expanto, quanto um lingote solido e dourado.

“Dinheiro ou chocolate?”, o caixa indaga, si tenho algum em compta creditado e, ja que assim prefiro, elle me paga em trez bombons metade do ordenado.

50

POR PREÇO DE BANANA [6886]

Glaucão, sou optimista! Bom motivo eu vejo, mesmo nessa carestia! Exsiste inflação? Sobe todo dia o preço da comida? Ah, bem me exquivo! Me viro! Sou bastante creativo! Si falta bacon, minha theoria é simples: de banana as cascas ia jogar no lixo? Nunca! Sou é vivo! As cascas, dependendo do que faço com ellas, frictas podem ser, Glaucão!

Serão tiras de bacon, quando são salgadas, ao tempero dando espaço!

Você nunca provou? Jamais excasso será tal alimento! Tambem não estão em falta, podem ser ração, das fructas ja chupadas, o bagaço!

51

CRIME COMPENSADO [4579]

O cheque, predatado, preenchido estava com lettrinha desenhada, bonita. Mas, no verso, uma enxurrada de traços e carimbos sem sentido. Sem fundos, circulava, recebido por este e por aquelle, sem que cada credor nelle appostasse um tostão, nada: “Alguem vae acceitar isso? Duvido!” Azul, com listas verdes, o papel, bancando o tal valor, nem tão de monta, mostrava-se rasgado numa poncta, por grampos dum bolleto de aluguel. Collado com durex, em sua compta tem saldo negativo, ja rebel a toda carimbada. Alguem, ao bel prazer, sem ter, gastou: cabeça tonta!

52

DISSONNETTO DA PINCTURA INGENUA [1659]

Foi muito commentado o que um velhaco “marchand” quiz appromptar: da galleria os quadros quem pinctou foi um macaco, e o publico, obviamente, não sabia. Paresce arte moderna este buraco “abstracto” e “primitivo”; a allegoria das ageis pincelladas eu destacco, si critico me fiz, como “esthesia”. Cubismo, impressionismo, expressionismo e, para não fallar da quadratura, até depressionismo e quadradismo são rotulos possiveis na pinctura. É facil engannar quem quer ser trouxa: bigode pomos numa formosura; criterios de belleza a gente affrouxa e as tinctas qualquer mico ja as mixtura.

53

No alexandrino uma canção eu vou compor, esse compasso em que um sambista foi o tal, para contar que elle jamais se sahiu mal quando fingiu que tinha fama de pinctor. Sim, simulando arte moderna, foi expor todo seu genio original na capital. Pinctou triangulos redondos, um oval quadrado, e um quadro pagou caro o embaixador. Fez as pincturas só por fora da moldura, usou só cubos, allegou que, assim, mais “sente” e impressionou desde a madame ao presidente. Ganhou prestigio, que em Brazilia ‘inda perdura. A conclusão é das mais simples: muita gente manja o malandro, mas a farsa não dedura nem desmascara, nos “modernos”, tal postura para às vanguardas parescer intelligente.

54
DISSONNETTO SOBRE UM IMPOSTOR QUE FOI EXPOSTO [3015]

THEATRO DE VANGUARDA [4718]

Me lembro da primeira vez: só tinha logar no camarote mais altão, difficil de subir. Os degraus, tão pequenos! Tanto andar! Tanta escadinha! Até que emfim! Chegamos! A sallinha, minuscula, comporta? Quantos vão ficar aqui? Me expremo, então, num vão: ao menos vejo tudo e livro a minha! Applausos. A cortina vae se abrindo. Suspense é o que elles querem que se sinta? Se escuta a orchestração, mas ninguem pincta no palco. Que engraçado! O effeito é lindo… As luzes, esses lustres, essa tincta vermelha nas paredes… Vou curtindo detalhe por detalhe… e está ja findo (Que rapido!) o programma! Mal deu trinta…

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DISSONNETTO DO THEATRO POBRE [1660]

“Theatro do opprimido”? Explico ja! no palco, só improviso: velha latta, madeiras bem mambembes… Prompto! Está montado algum scenario e o que retracta: Miseria, exploração… Em scena, a má figura do oppressor a gente tracta em forma de clichê: burguez, gagá, despotico e avarento… Emfim, a natta. Contrario das elites é o proleta, jamais accommodado na poltrona, pinctado como heroe, como poeta utopico e guerreiro, que emociona. No fim, vence o mocinho e morre o vil villão capitalista alli da zona. Barbada! Entre a platéa estudantil successo faz a peça e se ovaciona!

56

AUDIODESCRIPÇÃO DE FILME MUDO [4186]

A festa está animada. Muita gente chegando. Os trez amigos entram nessa. Na mesa da comida, alguem começa a se servir. Os trez entram na frente. Alguem reclama. Um velho, impaciente, empurra um dos amigos. A travessa de torta outro pegou e ja arremessa na cara delle. O tempo fica quente. Respinga massa numa dama. A dama revida e attira torta noutra. Vira bagunça. Leva torta quem reclama e leva quem se fira, caso adhira.

A gente, rindo, lagrymas derrama. Os trez tambem guerreiam. Um attira seu pratto contra os outros. O programma termina assim. Foi tudo de mentira.

57

DISSONNETTO PARA UM APPONCTAMENTO A LAPIS [1846]

Escrevo um bilhetinho. Só um recado bem rapido. Laconico e conciso pretendo ser. Annoto tudo. Um dado, porem, ficou faltando neste adviso. Corrijo a redacção. Estou scismado, comtudo, si um retoque ‘inda é preciso. Só mais algumas linhas. Accabado agora me paresce. Esboço o riso. Que nada! Vou revendo e achando falha de communicação e mais me envolvo naquillo que corrijo. O que attrapalha é a falta de papel. Mas ja resolvo. Do texto a mão jamais se desvencilha emquanto ao bolso o lapis não devolvo. Tornou-se labyrinthica a armadilha! Me envolve, em seus tentaculos, um polvo!

58

AFFLICTIVA EXSPECTATIVA [4585]

Chegou correspondencia. A papellada se empilha, agora, sobre a escrivaninha. Será que veiu a charta que não vinha?

Anima-se o poeta, vez mais cada. Impressos. Propaganda. Ainda nada que preste. Muita compta: aquella linha que estava desligada. “Cadê minha graninha, que não chega? Só paulada!” Ja fica sem retorno uma proposta. Nos pardos enveloppes, livros: tão sem graça, deschartaveis! A resposta alguem agguarda: só trabalho dão!

Prospectos, muitos: elle, que nem gosta de pizza! Nem signal da prestação de comptas da editora! Perde a apposta que fez comsigo mesmo, o pobretão!

59

DISSONNETTO PARA UMA THIA CENTENARIA [2360]

A septe chaves fica, alem do trinco, a edade verdadeira da mulher. Faz ella, desde os vinte, o que a mãe quer: um anno compta quando passam cinco. Si, em caras enrugadas, cada vinco adjuda a envelhescer, quem suppuzer que é trinta, e não quarenta, de qualquer donzella a compta, a brinda com um brinco. Passando dos quarenta, até os cincoenta, declara a solteirona ter appenas seus trinta e poucos, algo que lhe assenta, e vae desempenhando aquellas scenas. Talvez tenha collado o que apparenta. Só quando não disfarsa taes dezenas é que ella, de repente, allega oitenta: ja não tem mais sobrinhas tão pequenas.

60

CONSELHO DE GRAÇA [5078]

Conhesço uma senhora palpiteira.

“Não fica bem pegar o garfo assim!”, diz ella, approximando-se de mim, quer queira eu escutal-a, quer não queira.

“Na minha opinião, sua maneira de andar e de sentar é bem ruim!”

{E acaso lhe pedir palpite eu vim?}, pergunto, da maneira mais grosseira.

“Ah, mesmo sem pedir, eu dou! E sabe por que? Vou lhe explicar: sou generosa!

É logico que eu disso até me gabe!”

E dá sua risada desdenhosa. Resposta mais nenhuma a mim me cabe. Emquanto quem escuta ja me goza, melhor acho sahir, antes que accabe perdendo a paciencia com tal prosa.

61

JOIAS DE FAMILIA [6828]

Aquella solteirona foi da avó a netta predilecta. Não é bella nem faz questão de ser, da parentela, querida. Rabugenta, vive só.

A avó, por sua vez, não tinha dó das filhas nem das nettas. Dizem della que, extremamente chata, só naquella nettinha achar podia seu xodó.

A velha ja morreu, mas a nettinha, agora assaz madura, não se cansa, vaidosa, de exhibir uma alliança herdada da vovó, que valor tinha. Com todos fora a velha tão mesquinha! Com uma só pessoa quiz ser mansa... Por que será? Mais longe quem alcança apponcta, a cada agulha, sua linha.

62

LEGITIMA VICTIMA [4111]

“Não, Junior, por favor!”, a mãe supplica. Por lei, ella não pode nem a voz erguer para a creança, como nós sabemos, e o menino arteiro fica.

A louça quebra toda, alem da rica garrafa de crystal e, logo appós, inventa diabrura mais atroz, capaz de até chocar a dona Chica. Trepando na cadeira, faz o gatto entrar no microondas! Fica vendo passar na “tela”, ao vivo, o assassinato! Quem é que impedirá mais esse addendo?

Qual lei contemplar pode infantil acto?

Não ouse a mãe punil-o pelo horrendo folguedo, que elle grita: {Agora eu macto você! Quer me batter? Eu me defendo!}

63

DISSONNETTO PARA UM FILHO DESOBEDIENTE [2650]

Maria, latta d’agua na cabeça, o morro vae subindo e nem se cansa. Levando, pela mão, uma creança, la vae a mãe. E, caso o filho cresça, difficil é que à mãe elle obedesça. Ao baile funk irá. Quando não dansa, “indola” a droga, pesa na ballança, emballa. E mette balla em quem meresça. Maria não queria um filho assim. Queria que o moleque, la na feira, vendesse só laranja. Honesto, emfim. Sem vicio que durasse a vida inteira. No maximo, um só pó: pirlimpimpim. Mas elle ganhou grana de quem cheira e viu que era mais facil o dindim. Trocou pelo trocado a brincadeira.

64

DISSONNETTO DO CRIME FAMELICO [1594]

A camera indiscreta e patrulheira que ha no supermercado photographa os passos do moleque que se exgueira por entre as pratteleiras e as “abbafa”.

O joven ladrãozinho faz a feira: biscoitos, doces, ballas… A garrafa de whisky não lhe excappa à mão certeira!

Minutos mais, e o joven ja se sapha! Detido na sahida, foi levado ao proximo districto. Ha quem confisque aquillo que roubou. É o delegado, que indaga: {Si é por fome, por que whisky?}

O cynico ladrão nem titubeia, sciente de seu risco, caso pisque. Sabendo que não fica na cadeia, responde: “Só por pão, tem quem se arrisque?”

65

PRESUMPÇÃO DE INNOCENCIA [4447]

Você pode mactar qualquer pessoa, na frente dum montão de gente, até!

Confesse que mactou! Diga-nos: é culpado e, a quem doer, deixe que doa!

Depondo ao delegado, nem dê boa desculpa: reaffirme, sob a fé christan, que assassinou e finque pé na sua confissão, que a midia echoa!

Levado ao tribunal, confirme tudo!

Jamais foi torturado ou coagido!

Mactou, mesmo, e dahi? Seja peitudo! Até sorria! Torne-se exhibido!

Si alguem admeaçar, fique marrudo!

Ainda que você seja o bandido mais cynico, eu, julgando aqui, lhe accudo: “Está livre! É primario! Assim decido!”

66

CHORDAS SYMPATHICAS [6154]

Intriga-me esse evento que se entende como uma “vibração por sympathia”. Então alguma chorda poderia tocar sozinha? A coisa lendas rende! Alem dos casos mythicos, alem de contactos demoniacos, seria possivel uma simples melodia soar por mera acção dalgum duende? Me explicam que, tangida a chorda tal por dedo dalgum musico, um egual som brota de instrumento musical alheio que

ninguem toque! É fatal!

A simples vibração é replicada por magica, por onda, assim do nada? Então tambem eu posso ouvir, de cada leitor, a minha propria gargalhada!

67

CARNAVAL CARICATURAL [5087]

O Bloco da Bengala tem de tudo, dos casos orthopedicos aos mais difficeis de acceitar entre os normaes, do velho ao alleijado barrigudo. Os cegos são um caso à parte: agudo ou chronico, o problema vae dos taes “invalidos” ja natos aos fataes “marcados pelo azar”, que entram no entrudo. Às tontas pela rua, sae o bloco, sem rhythmo, desmarcando-se, indeciso. Trombando, tropeçando pelo piso falhado, entre os passistas me colloco. O publico, assistindo, cae no riso rasgado. Por ser victima, me toco. Mas, sempre a bengalar, não perco o foco: “Preciso me aguentar em pé, preciso!”

68

DISSONNETTO PARA UM PAPPO DE BISTRÔ [2687]

Garçon! Faça o favor! Corra e me traga, depressa, um chocolate, mas bem quente! Torradas com patê, mas um decente patê, sinão meu paladar estraga!

Aquella outra mesinha, alli, tá vaga? Prefiro sentar la. Me traga, urgente, presuncto fatiado, mas nem tente trazer daquelle, p’ra engannar quem paga! Eu quero do importado! Ah, não se exquesça do bollo, com recheio e cobertura, mas não com cobertura muito espessa nem com glacê de crosta muito dura!

Tem pinga de tonnel, da que envelhesça? Sim, vou querer cachaça, mas da pura, que a falsa só me dá dor de cabeça!

A compta? Ah, desta vez você pendura!

69

DISSONNETTO SOBRE UM HABITUÊ NUMA DEPRÊ [2886]

Garçon, não quero nada. Nem café, nem leite, nem manteiga na torrada, nem agua bem gelada. Nada, nada! Só quero ficar só, chorar, até. Si as coisas não chegassem nesse pé, eu ia até pedir a marmellada da casa, aquella torta recheada de nozes e castanhas… Um filé, talvez, antes da torta, um medalhão ao molho de mostarda, que convida a arroz e frictas juncto, hem? Que pedida, não acha? Ou cê tem outra suggestão? Lombinho com farofa? Puxa vida! Foi muito bem lembrado! Traga, então, um pratto de torresmo, uma porção maior, p’ra accompanhar… Sim, a bebida!

70

MEZZO MOZZA [4926]

Pedi napolitana e penso: em Roma será que comem pizza? Essa rodella de massa vem de Napoles! E nella, em cada parte, algum sabor se somma. Aberta a caixa, a pizza expalha aroma de queijo e de tomate, alem daquella fatal herva cheirosa. Ah, mas que bella fatia! Como esperam que eu a coma? Sim, uso as mãos, é claro! Me lambuzo todinho, chupo os dedos, sorridente! Me sujo, mas degusto inteiramente, de borda a borda, a pizza! Ah, como as uso! Pudera! Aqui no apê nunca vem gente que possa reparar! Si estou recluso, eu quero é mais! E como mesmo, abuso! Ao menos a approveito emquanto quente!

71

UM GRAMMA DE GRAMA [4184]

Si houver consummação, pode o consumo ficar muito mais caro em minha mesa. Si o pratto consumido é da franceza cozinha, me abhorresço e me consumo. Pois facto consummado é que, si o rhumo for esse de evitar a pança obesa, porções sempre menores, com certeza, virão, e as refeições nunca eu consummo. Terei, portanto, o estomago vazio, quer seja o preço baixo ou elevado, ao fim de cada almosso onde o boccado não chega! E, quando passo fome, eu chio!

O duro é pagar caro e, consummado o assalto ao bolso, sem nem dar um pio ao ver a compta, achar que me enfastio por só ter consumido um grão piccado!

72

Eu quero ser o riso e ser o dente. Eu quero ser o dente e ser, tambem, a faca, a faca e o corte, um corte bem profundo, bem vermelho e sorridente. Sou raiva, sou vaccina, sou somente o espaço entre o que é sem e o que contem, a briga do que vae com o que vem, de espelho e luz, de passaro e semente. Meu berço, eu faço e fiz na viração.

Na tempestade, appenas, addormesço. Descanso só si estou no furacão.

Não tenho nem patrão, nem endereço.

Não faço nem poema, nem canção. Fazer, no som, nonsense, tem seu preço.

Alguns ja me entenderam, outros não.

Um dia, eu vingo, eu cresço, eu apparesço.

73
DISSONNETTO SOBRE UM RISO RASO E UMA FENDA FUNDA [2882]

DISSONNETTO SOBRE O UFFANISMO E O AFFANISMO [2911]

Perguntam ao poeta: “Donde vens? Que tem o teu paiz? Onde é que está?”

Responde elle dizendo que não ha logar melhor no mundo, ou com mais bens. Não valem nossas minas só vintens, nem mares, nem florestas valem, ca, centavos ou tostões. Quem menos dá por nosso solo, extrae-lhe uranio em trens. Pedreiro, garimpeiro, jangadeiro, vaqueiro, boiadeiro, estes jamais verão o que foi feito do dinheiro de leve mencionado nos jornaes. Dos tempos de merreis e de cruzeiro, os poucos pinheiraes e syringaes, e os parcos palmeiraes do brazileiro mal valem bananaes dos mais banaes.

74

HEAVEN HELP US ALL [6772]

Accuda Zeus quem anda pela rua à noite, sem ter casa nem comida!

Accuda Zeus quem batte, quem revida, quem outras raças pune e salva a sua!

Accuda Zeus quem come, quem jejua, quem tenta se mactar, quem ama a vida!

Accuda Zeus quem fia, quem duvida, quem segue ensignamentos mas recua!

Accuda Zeus as rosas numa guerra, menores que maiores não serão!

Accuda Zeus quem faz duma nação appenas “um affecto que se encerra”!

Accuda Zeus quem sente dor e berra, quem mudo sente e pensa a prece em vão!

Accuda Zeus quem fica sem visão mas rei não tem, caolho, nesta terra!

75

MIXTOS MYTHOS [3093]

Papae Noel? É claro que accredito!

E até no lobishomem, no vampiro! Você não crê nos astros? Eu prefiro ainda mais da lua cheia o mytho!

Não dizem que ha galaxias no Infinito? Não dizem que ha bacteria, germe, viro?

Podia eu responder que não adhiro, que lendas são tambem, que as não admitto! Exsiste, sim senhor! Exsiste tudo: sacy, buraco negro, homem da neve, a charta que é um espirito que escreve, a quantica, o dragão, o ogro pelludo!

Si nada disso houvesse, da mais breve piada, do mais serio e novo estudo, dos quadros que retractam Deus desnudo, ninguem se lembraria! Exsistir deve!

76

CRENÇA SUSPENSA [5024]

Na roça, um céu de estrellas é bonito.

Novella sem estrellas não tem graça. Bilac, ouvindo estrellas, tempo passa. Rennó lê nas estrellas algo escripto.

David, pelas estrellas, foi bemdicto. De esquerda, enchem estrellas uma praça. Natal exige estrellas: que Elle nasça!

Maldicto, em más estrellas accredito. Estou cego, não posso mais revel-as, mas lembro-me das ultimas que vi: brilhavam, scintillantes, taes estrellas e tinham brilho proprio, de per si.

As minhas, foi Satan quem, rindo, fel-as. Chamadas de “escotomas”, bem aqui, no fundo do meu olho, as vi: foi, pelas fugazes, breves luzes, que em Deus cri.

77

DESLUMBRAMENTO DE MOMENTO [5281]

Milagres, ja vi muitos, de pequeno alcance, porem. Vi que uma ferida sangrenta cicatriza. Vi que a vida vegeta até num arido terreno. Vi coisas expantosas, e condemno quem acha que não chocam: a subida do leite na fervura, a suicida disputa entre barattas por veneno. Mas nunca vi milagre no glaucoma, que cega lentamente, e ja descharto tambem o accidental e agudo infarcto, que macta mesmo aquelle que bem coma. Nenhum milagre exsiste quando um parto normal resulta em obito e se somma à morte de animaes num ex-bioma.

Milagres não exsistem! Estou farto!

78

VALLE DE LAGRYMAS [4465]

O dicto diz que, para morrer, basta estar vivo. Verdade. Mas tambem é facil de occorrer o azar, alem da morte… e, de desgraça, a lista é vasta. Queimar a mão é simples, mas contrasta curar a queimadura: a gente tem que olhar para a folhinha. Caso alguem o braço quebre, tempo maior gasta. É sempre assim: na hora da desgraça, as coisas accontescem num instante, um olho, que Satan pisca, perante. Na cura, não: o tempo nunca passa. Malefica, a tendencia triumphante caminha sempre à frente, feito caça que excappa ao caçador. Que ninguem faça idéa de que a guarda o anjo garante!

79

LAMPEJO QUE REENSEJA [5532]

Fallei, ja, deste caso. O passageiro dum omnibus, do lado da janella sentado, num instante nota aquella calçada, aquella casa, aquelle cheiro. Ja para traz ficou a scena. Inteiro, aquelle filme volta e se revela presente no passado. Grava a tela o poncto em que correu tudo, ligeiro. Aquillo teve curta duração.

Que extranha sensação! Não morou la, jamais passou alli, mas impressão de estar revisitando, o olhar lhe dá.

Commenta com alguem, que lhe diz: “Não ha duvida! A alma é lucida! Quem ja não viu aquillo noutra encarnação? A scena, certamente, voltará!”

80

MISCELLANEA DA PASSAGEM [6012]

Na Terra a gente passa. Alguem se salva? Pensando no Neil Diamond, tambem faço a minha lista branca neste espaço. Mas fica a Terra, fica a Estrella d’Alva. Lamarca, Lampeão, Senna, Tancredo, Chacrinha, Tiradentes, Golbery, Golias, Calabar, Noel, Loredo, Dolores, Irman Dulce, Hebe, Dercy, Millor, Filinto Müller, Azevedo, Elis, Nara, Raul, Satan, Fleury, Getulio, Janio, Plinio, Figueiredo, Garrincha, Ary, Vavá, Jobim, Didi, Cazuza, Padim Ciço… cada, a dedo listado, de passagem por aqui, seu prazo consummou, mais tarde ou cedo. Inglorio ou não, meu tempo não perdi.

81

TERRITORIO TRANSITORIO [4454]

Si longa for demais a minha estrada, talvez nem haja tempo de voltar. Si houver, voltar aonde? A qual logar pertenço? Algo acharei, voltando, ou nada? Na duvida, prosigo. Penso, a cada momento, si na vida vou deixar alguma coisa prompta e, quando o par de botas pendurar, si a coisa aggrada. A vida passa rapido! Me enganno achando que algum plano poderia bollar, pois muda tudo, ao fim dum anno, e exquesço de fazer o que fazia. Ephemero demais é o ser humano. Melhor, mesmo, é prever uma utopia mensal, ou semanal, cumprindo um plano a cada minutinho do meu dia.

82

MEMENTO HOMO [6422]

Aqui, quer ser um homem capitão. Alli, quer ser um homem general. Alem, quer ser um homem, affinal, o rei no seu castello, uma ambição. Diz Loudon, bardo folk, esse que não é muito conhescido, mas é tal qual Dylan, que nós somos, em geral, fragillimos. Pouquissimos não são. Mas quer um capitão ver seu navio singrar, inabballavel, na tormenta. Quer ver um general, na violenta battalha, que jamais perdeu o brio. Si estou no meu castello, sim, confio que esteja, aqui, seguro. Mas quem tenta ser rei um dia passa dos septenta, oitenta… Ja tem medo. Sente frio.

83

A PORTA VINGATIVA [4670]

Sahiu, batteu a porta. Entrou, tambem. Ignora o sonnettão parnasiano que falla em maldicção. Mas qualquer damno aos outros elle tracta com desdem. E batte a porta. Batte, firme, nem que seja às dez da noite ou, salvo enganno, até de madrugada. O tal do “urbano silencio”, diz, é “coisa de gay zen”. Echoa em todo o predio o barulhão. Coitada da avozinha, da tithia! Até que, certa tarde, a ventania empurra a porta e prende, delle, a mão. Os dedos, no battente, quebram. Mia o gatto ou foi seu grito? Os outros dão risada. O zelador, um cidadão pacato, elle tambem se delicia.

84

DE NOVO, AS POMBAS [6602]

Voando vae a pomba, appavorada. Mais uma, duas, voam. Todo o bando levanta voo. O panico vem quando, correndo, o bassê chega na calçada. Mas ellas são malandras. Uma cada de volta vem, depois que esse nefando cachorro baixotinho foi fuçando em tudo, sem deixar excappar nada. Assim sempre rollou. Marrenta, a pomba de longe ja advistou o bassezinho e vae fazendo graça no caminho que o cão percorrerá. Delle ella zomba. Um dia, vae voar e rir, mas tromba no muro. No chão tomba. Rapidinho, o cão, que é caçador, seu excarninho revide então perpetra. A rede bomba.

85

PERFECCIONISMO

NO EVOLUCIONISMO [6755]

Glaucão, o Creador bollou o cão depois de se inspirar numa figura mais proxima: a do lobo, cuja dura feição de ser feroz deu impressão! Depois pensou melhor… A cara tão feroz ter poderia mais ternura! Assim o labrador creou, fofura que todos reconhescem no portão! Mas era muito grande e não cabia nas camas, nos sofás… Ahi se edita o cocker, com orelha mais bonita e longa, perfeição que se elogia!

Ainda descontente, Deus, um dia, consegue superar-se: encurta a dicta “pattola” que, entortada, a delle imita! Allonga o corpo… e prompto! Um basset cria!

86

BONACHÃO E SABICHÃO [5533]

Ouvi fallar dum gatto que teria dez kilos a mais… Como assim? Normal, seu peso é septe kilos. O animal teria dezesepte? Mamma mia!

Mamãe dizia sempre: “O gatto mia dum jeito differente si está mal cuidado e alimentado!” Mas egual a um gordo gattão desses… quem mais cria? Ainda exsiste gente que mantem, alem de estrophação, de metro e rhyma, um gatto pachorrento bem em cyma dos livros, dormitando qual nenen. Do sebo é o gatto e, quando se approxima alguem, elle abre os olhos, como quem duvida que é poeta esse que vem alli ver si ‘inda encontra uma obra-prima.

87

DAMNAÇÕES UNIDAS [4713]

Questão controvertida! A Palestina estado quer tornar-se. Tem direito, é claro. Um bom accordo estava acceito entre arabe e judeu, não fosse a mina. A mina, subterranea, sibyllina, symbolica, que impede esse perfeito accordo, é o interesse do subjeito que está, não la, nem perto, nem na China. Bem longe está, por certo, de Israel. Quem mella qualquer chance de fronteira commum haver alli, tem seu quartel num banco americano, é o que me cheira. Não só: tambem está botando fel nas aguas, no petroleo, e vae à feira vender metralhadora ao coronel, em cujo broche exhibe-se a caveira.

88

DIA DO EDOSO [4754]

Segundo a millennar sabedoria judaica, envelhescer não é problema. “Não seja catastrophico! Não tema!”

Assim diz o rabbino, e sentencia: “É tempo de colher o que se havia plantado…”, explica o sabio. O estratagema funcciona quasi sempre, mas o thema afflige aquella typica judia.

Quer ella seu temor expor, aberto. Nervosa, apprehensiva, ella compara seu caso ao do habitante do deserto, logar onde ninguem jamais plantara.

Responde-lhe o rabbino: “Mas, bem perto dalli, na terra fertil, minha cara senhora, quem plantou colher quiz, certo?”

O sabio bem entende da seara.

89

ATTENDIMENTO PREFERENCIAL [4922]

Senhor! Por gentileza, venha por aqui. Fique à vontade, senhor. Queira sentar-se. Prompto! Estou à sua inteira, total disposição… Pois não, senhor!

Deseja reclamar? Seja o que for, resolvo ja! Difficil? De maneira nenhuma! Com a nossa costumeira presteza, ficarei ao seu dispor! Tractamos o cliente como gente!

Então, de que se tracta? Qual serviço deixamos de prestar devidamente? Repita, por favor! Então é isso?

Ah, tenha paciencia! Logar quente é a cama! Va chorar la, meu! Que enguiço! Sem chance! Eu, perder tempo? Não! Nem tente, siquer, vir me accusar de ser ommisso!

90

GERENTE COMPETENTE [5247]

Lamento lhe dizer, minha senhora, mas sua caderneta de poupança zerou… Estou dizendo! Ninguem lança aqui, faz tempo, uns creditos! E agora? Não chore, por favor! Eu, quando chora alguem na minha frente, ja ballança meu fragil coração! Mas a cobrança, no banco, é deshumana e tudo ignora! Aqui, no meu trabalho, sou sincero. Então não sacou nada? Não me venha dizer isso, senhora! O saldo é zero! Será que alguem roubou a sua senha? Ah, sinto muito, mesmo! Olhe, não quero ser chato, mas… Que posso fazer? Tenha melhor sorte, na proxima. Eu espero que entenda como a gente aqui se empenha.

91

JURAMENTO HYPOCRITA [5010]

Pergunto-me o que um medico pretende com essa medicina que proroga indefinidamente, a tubo e droga, a “interminalidade” que se extende. Será que esse doutor não se arrepende de usar de tal tortura, agora em voga, fingindo appagar fogo, mas que joga mais lenha na fogueira e incendio accende? Morrer de morte subita: assim era a forma, antigamente, de morrer alguem! Ah, si eu pudesse! Ah, quem me dera! Tivesse eu sobre o thema algum poder, não eram certos chas uma chimera! Suppunha eu ter um medico o dever de appenas melhorar a nossa espera por algo inevitavel, sem soffrer!

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PROMPTO SOCCORRO [5017]

Doutor, dum analgesico eu preciso!

Dóe muito este punhal no coração! Receite-me um remedio, pois, sinão, não posso mais siquer dar um sorriso!

Doutor, um anesthesico, a juizo seu, pode dar um jeito, não? Estão doendo os cotovellos, ambos! Dão ponctadas, si de amor me martyrizo!

Doutor, me dá tambem cada ponctada na testa! Tenho, às vezes, impressão de estar minha cabeça toda inchada!

Doutor, até nos olhos sensação eu tenho de dor! Cego estou, ja nada enxergo, mas anxeio ver, em vão! Doutor, é um ser humano quem lhe brada: Preciso me mactar! Tem injecção?

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A APOTHEOSE QUE PASSOU DA DOSE [5518]

De cyma do palanque, se prepara o cynico politico. Olha aquella immensa multidão e ao sancto appella, temendo fracassar logo de cara. Começa a discursar. Ninguem se enfara si aquillo demorar? Toda a favella à praça comparesce! Até cancella um show a gringa banda que o marcara! Depois de meia horinha, applaude o povo.

Mais duas horas, palmas ‘inda batte alguem. Mais trez, applaude alguem, de novo. O gajo pensa: “Ha quem me desaccapte?

Só falta accreditar alguem que eu chovo!”

Emphatico, o caudilho imita um vate e passa a declamar. Recebe um ovo na cara. Logo, accertam-lhe um tomate.

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MOTTE GLOSADO [7417]

O inimigo a gente accusa de fazer o que fazemos.

Confidencia faz, confusa, um politico, que diz: “De ter culpa do que eu fiz o inimigo a gente accusa.”

O eleitor, pois, que deduza si foi franco e com quaes demos fez taes pactos, que os extremos approximam. Frei Thomaz ja negou, mas é capaz de fazer o que fazemos.

Na politica, só vale do povão tirar proveito! Como lider, eu receito: Quem protesta que se cale, ou negamos, caso falle!

Lucraremos com extremos? Aos extremos nós iremos! Si alguem diz que a gente abusa, o inimigo a gente accusa de fazer o que fazemos!

95

MOTTE GLOSADO [7483]

Dar ao rock um dia é tudo que esse emballo não precisa.

Eu, que os generos estudo, quattro decadas, só, dou para a historia desse show. Dar ao rock um dia? É tudo formalismo! Fui sortudo, pois vivi minha pesquisa do começo ao fim e, à guisa de resumo, appenas digo: Nem escrevo extenso artigo, que esse emballo não precisa.

Nos cincoenta foi dansante, sobre amor adolescente. Nos sessenta, descontente da politica, durante sua phase mais pensante, foi lysergico. Anarchiza nos septenta e tribaliza nos oitenta. Agora, é mudo. Dar ao rock um dia é tudo que esse emballo não precisa.

96

MOTTE GLOSADO [7520]

Disse Gandhi: olho por olho, todos cegos ficaremos.

Si a justiça que eu excolho for appenas desforrar-me, lembro quando, dando o allarme, disse Gandhi: olho por olho, não porá jamais de molho nossa barba. Taes extremos de vingança condemnemos, pois si a gente, vida affora, tambem erra, não demora todos cegos ficaremos.

Quem os outros appedreja deveria pensar antes si entre falsos practicantes não está, caso se veja num espelho ou numa egreja. Communs crimes commettemos: quando mando alguem aos demos, mesma praga planto e colho. Disse Gandhi: olho por olho, todos cegos ficaremos.

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MADRIGAL MORTAL [7733]

Tal motte ao madrigal deu-me um amigo: “Carrego a minha morte (aqui) commigo”.

Lembramo-nos do nosso nascimento só pela certidão e pelos paes. Da nossa morte temos o momento pendente e, por hypothese, elle é mais concreto a cada dia. Mas nem tento datal-o, pois é como os carnavaes…

Exacto: é data movel! Cada dia morremos um pouquinho e está o cinzento mais negro a cada hora que annuncia a noite. A quarta-feira, com seu lento e claro despertar, jamais seria de cinzas, si levadas pelo vento…

98

MADRIGAL PRIMORDIAL [7769]

Foi anno musical, digo e não brinco: mil novecentos e sessenta e cinco.

Concordo com aquella theoria segundo a qual as decadas que vão marcando a musical historia, via um poncto inaugural, comptadas são ao meio, no anno quincto. A maioria dos factos nos sessenta cae. Ou não?

Pautaram a maior revolução, dos Beatles, “Rubber soul”; de Dylan, “Like a rolling stone” e “Minha geração” do Who. Com “Satisfaction” outra cae, que importa, “California dreamin’”. Dão respaldo os Drifters, Pickett, Otis, Ike…

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MADRIGAL ININTELLECTUAL [7814]

Será que necessito ser doutor em algo para a alguem tanto me impor a poncto de provar o meu valor?

Depende. Professor si eu quizer ser terei que graduar-me num assumpto, a menos que eu leccione poesia.

Querendo scientista ser, dever terei de muitos tractos ao bestunto dar para a coisa, a menos que eu sorria.

Si for economista, meu poder só vale quando muita grana adjuncto, a menos que eu só falle em theoria.

Si padre eu for, meu verbo vae valer depois que reparei nalgum defuncto sorrindo da fugaz theologia.

Politico si for, me defender irei caso responda ao que pergunto eu mesmo da mendaz democracia.

Gastronomo que seja, vou comer sanduba só de queijo com presuncto suppondo não ser simples iguaria.

Poeta sendo, sinto ja não ver que estou aqui sozinho, tendo juncto commigo todo mundo, todo dia.

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MANIFESTO TERRORISTA [7898]

Você vae mal nas aulas? Ja não tem mãe viva? Pae por perto? Avós que deem mezada, nem que seja algum vintem? Quem mais? A namorada ja tambem perdeu? Aquelle emprego que mais vem tentando conseguir arrhuma alguem na sua frente? Entende mais ninguem a crise em que você vive, porem?

É facil resolver! Attente bem! Nas redes, você encontra um armazem de canos e metrancas! Entre, sem receio, no collegio! Macte uns cem, duzentos, quantos possa! De refem ja faça a directora! Muito zen mantenha-se, sorrindo! Si intervem um tira, attire nelle, e nhenhenhem…

Sacou? Talvez você consiga, assim, um pouco de attenção, por mais chinfrim que seja a pa de corpos no jardim, no pateo, pelas sallas, onde, emfim, tiver você curtido o seu festim! Não use de festim ballas e sim dumdum, calibre grosso! Por tintim vasculhe cada salla! Va por mim!

Depois que fez serviço bem ruim, você, cuja cabeça de puddim pensou em tudo, seja de outro teen exemplo! Como o caso que ja vim mostrando, bem no craneo, não no rim, attire! Caso seja espadachim, practique harakiri! Que bello fim, seu Zé Ninguem, Migué, Mané, Joaquim!

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MANIFESTO REVISIONISTA [7910]

{Não fica bem chamar de “golpe” aquillo! Que pensa você disso, Glauco? Aquella mudança de governo poderia chamar-se “movimento”? “Inconfidencia”? “Motim”? “Revolução”? “Scisão”? “Levante”? Talvez uma “campanha”, Glauco! Nunca um “golpe”, não concorda? Que me diz?}

-- Não acho que pacifico ou tranquillo esteja o quiproquó. Nessa querella não quero me metter. Na poesia tentaram tambem isso. Paciencia não tenho com “vanguardas”. Quem garante que rhyma se “revoga”? Alguem que trunca o metro querer pode ser juiz?

Na prosa, a mesma coisa. Algum estylo a gente “moderniza”. Mas revela burrice quem, sem meio ou termo, cria enredos “surreaes”. Algum nonsense a ficção tem, caso a caso. Mas constante tornou-se o que, sem nexo, uma espelunca fará da academia nos Brazis.

Agora, na politica, vacillo qualquer nos termos cala a voz da cella, da valla, do terror? A tyrannia mudar pode de nome, porem vence a noção de dictadura, doradvante. Chamar de “aguia” ou “condor” não faz, da adunca megera, fada aos olhos infantis.

102

MANIFESTO IRRACIONALISTA [7924]

{Quem disse que preciso deduzir que exsiste um Deus appenas porque eu penso? Nem sei si exsisto, Glauco! Ja pensou? A gente perde tempo defendendo conceitos e direitos dum humano ser vivo que siquer nem vivo seja! Talvez sejamos sonho dum insecto, pensou nisso, Glaucão? Talvez vapor sejamos dum cometa? Que tal isto? Agora tem você que responder!}

-- Alem de cego, mago, ou de fakir, virei tambem philosopho? Um immenso problema cê me arrhuma! Mas eu sou capaz de responder. Pelo que entendo, não somos só delirio dum insano propheta, dalgum lider duma egreja. Prefiro crer que, quando me interpreto, poeta sonhador finjo ser, por algum tempo, não só crendo que exsisto, mas crendo que terei certo poder.

Não posso fabricar um elixir bebivel, nem pro pranto tenho um lenço. Mas posso lhe dizer que cego estou appenas aos que enxergam. Estou vendo aquillo que ninguem vê. Si me enganno de porta, não me enganno caso veja as cores quando sonho. Não me inquieto tentando ser aquelle pensador que irá regras dictar. Appenas visto a minha phantasia por prazer.

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MANIFESTO EGOISTA [7927]

{Explico-me: quem gosta de mim sou eu, Glauco! Mais ninguem! De accordo, ou não? Você tambem crê nisso, Glauco! Certo?

Então! Si dependesse só de mim, justiça me fariam! Eu teria ganhado tantos premios, Glauco, puxa! Meu livro quem lê fica a perguntar por que razão não ganho um Jaboty, Nobel, ou Oceanos! E você?

Tambem ja se sentiu injustiçado? Mas vamos e venhamos! Muito mais injusto foi aquillo que commigo fizeram! Com você nem fazem tanto, pois sentem até pena dum ceguinho!}

-- Não, pena acho que sempre me faltou. Mas premios não dependem dos que são bomzinhos ou amigos. Sou aberto a criticas, mas nunca foi assim a coisa. Não criticam poesia, criticam a cegueira, fria ducha me jogam. Não toleram que este azar eu possa superar. Mas, quanto a ti, escreves bem, teu livro ninguem lê sem bellos commentarios. Desaggrado tu causas mais por tuas pessoaes acções e reacções. Não te maldigo, appenas te suggiro que em teu cantho mais quieto fiques. Menos borborinho.

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MANIFESTO PROGRESSISTA [7928]

{Appenas ser de esquerda, Glauco, não me basta! Agora quero mais e penso que estamos mais à frente! Esquerda velha, aquella que punia a minoria, que nunca mencionou “diversidade”, não, essa não a quero mais! Espero que nossos novos lideres attraz não voltem, que evoluam! E você, Glaucão, tambem se sente progressista? Tambem acha que está no tempo certo de novos ideaes encampar essa tendencia? Ja me sinto, por signal, alem de libertario, libertino!}

-- Melhor não confundir essa questão, amigo. Não exsiste esse consenso pacifico no meio da groselha. Tem gente só pensando numa fria manobra: cooptar-nos, liberdade propor e prometter, para severo regime, depois, sobre essa fugaz idéa, nos impor. Depois, cadê que vamos ter direito algum na pista de dansa, no sambodromo ou aberto desfile em nosso bloco? Só promessa não colla. Quero nosso carnaval brincar mais livre, em solo planaltino.

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MANIFESTO MATERIALISTA [7953]

{Eu, como uma analysta financeira quotada que sou, digo-lhe, Glauquinho: Da vida não se leva nada! Nada! Entende, queridinho? É justamente por isso que eu a todos recommendo gastar, sem culpa, a grana, viajar, comer bem, badalar, curtir o luxo possivel e pagavel! Mas p’ra tanto, fofinho meu, nós temos que saber bem como o nosso rico dinheirinho se investe e multiplica, certo? O meio mais rapido e rentavel não é nem poupar na caderneta, que dá pouco, nem bolsa de valores, cujo risco é grande, e sim na rede virtual! Exacto! No cryptouro! Ouviu fallar, Glauquinho? Quer que explique isso melhor?}

-- Magina! Não precisa! Da maneira emphatica que falla, com carinho, prometto, pensarei nessa jogada! Qual mesmo? Cyberouro? Que se invente não falta, ja, mais nada, ‘tou sabendo, p’ra gente especular… ou applicar, tal como diz você. Ja que sou bruxo, não saco desses saques, mas garanto que sei como ganhar, no bolso ter o tal philosophal poder. Bom vinho e boa pastasciutta ja bem cheio me deixam, minha amiga. Aqui, porem, confesso que me deixa mesmo louco um vicio que não custa, nem petisco algum vale em sabor: o sensual prazer da poesia. Paladar nenhum deu-me o que a lyra dá de cor.

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MANIFESTO SCIENTIFICISTA [7961]

{Odeio gente supersticiosa, odeio, Glauco! Odeio essa mania de tudo pelo sobrenatural querer justificar! Está na cara: vampiro, lobishomen ou phantasma, é tudo só crendice! Não exsiste! Qualquer parapsychologo exclaresce phenomenos do typo! Um lycanthropo, um simples hematophago, qualquer de nós identifica de maneira methodica, com technicas de poncta! Odeio gente estupida, Glaucão! Odeio, odeio, odeio! Ou ‘tou por fora?}

-- Melhor reputação um sabio goza si for um scientista. Quem se fia no Alem, porem, achar sempre normal irá toda figura que compara a alguma apparição que os olhos pasma. Por mais que um padre ou medico despiste taes crenças, uma lenda sempre cresce. Mas noto que você, no seu escopo moral, perdeu a calma, né? Não quer um chymico composto? Ou talvez queira algum tranquillizante mais em compta… Relaxe! Está tão tenso! Um odio não resolve o que a razão não corrobora…

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MANIFESTO BELLETTRISTA [7967]

{Estão os escriptores a perder

-- Que pena! -- pondo o merito da penna, carissimo, amicissimo Mattoso! Não pensas como penso, meu confrade? Agora não mais petalas desfolham, às flores alludindo, nem milagre vislumbram no crepusculo que empresta às tardes tal anxeio de saudade! Os passaros gorgeiam, cada dia, um tanto menos nessas ocas lyras! Não achas, caro Glauco? Que farão os novos ficcionistas, os poetas, si ja tão insensiveis ao encanto do lexico vernaculo comprovam ser todos? Não estás, tambem, descrente?}

-- Descrente não estou, si por prazer alguem ainda escreve. Quem condemna as lettras actuaes quer -- é forçoso dizer -- menos auê, menos vaidade, e menos internet. Elles nem olham, os novos, para alguem que se consagre depois de morto. Querem fazer festa agora, aqui, na rede, eis a verdade. Mas nada ficará dessa alegria precoce e juvenil. Fora as mentiras que são taes litteratos, não sou tão descrente, pois vão sempre alguns esthetas manter os bons valores, entretanto. Correntes e tendencias se renovam, mas creio em quem os classicos sustente.

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MANIFESTO PERFECCIONISTA [7986]

{Não, nada disso! Odeio coisa assim mambembe, improvisada, sem nenhum cuidado nem qualquer planejamento! Entenda, Glauco, o foco do problema: os novos poetinhas vão fazendo seus versos, sem limite nem tamanho, só param quando accaba de papel a folha ou quando a tela toda cheia ficou desse prolixo palavrorio! Pro lixo, sim, devia destinada ser toda a producção dessa gentalha que nunca se preoccupa com a forma final, com os retoques, a costura!}

-- Até que entendo o foco. Bem ruim tem sido a poesia mais commum, mas ha que descomptar algo. Não tento junctar tudo num sacco. Quem exprema aquillo tudo, tira o que eu defendo, a titulo de succo, como um ganho, não como um prejuizo. Do pastel se salva algum recheio, mesmo feia que seja a prompta massa. Meio inglorio tem sido o resultado, mas de cada poeta achei um caso que trabalha a forma até que bem, que alguma norma ainda segue… O genero perdura!

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SUMMARIO NOTA INTRODUCTORIA............................... 7 DISSONNETTO DESCHULIZADO [6089].................. 9 DESDOBRABILIDADE [8027]......................... 10 DISSONNETTO PARA QUEM CHOVE NO MOLHADO [2178]... 11 DISSONNETTO DO REPENTE PERMANENTE [1470]........ 12 DISSONNETTO DO LEITE DE PEDRA [1533]............ 13 RELENDO BASHÔ [5014]............................ 14 IRRESISTIVEL RESISTENCIA [4994]................. 15 PÉ NA COVA [6415]............................... 16 O BRADO DO BARDO [7199]......................... 17 PARNASO DE AQUEM TUMULO [8554].................. 18 DISSONNETTO CONFESSIONAL [0234]................. 19 DISSONNETTO DO AMOR REVISTO [0743].............. 20 DISSONNETTO DO MAU HUMOR [1642]................. 21 AVARIA QUE VARIA [5299]......................... 22 DISSONNETTO DOMESTICO [0436].................... 23 ALEM DO AMEN [6361]............................. 24 ETERNO CALOR MATERNO [5651]..................... 25 SAUDADES DA SAUDADE [7066]...................... 26 TERNURA NA FLORICULTURA [5268].................. 27 DISSONNETTO SUICIDA [0334]...................... 28 ODE AO SUICIDIO [8160].......................... 29 DISSONNETTO DO ALTO DO PÃO DE ASSUCAR [1368].... 31 CONTRASTES [6257]............................... 32 DISSONNETTO DA COMMUNIDADE INCOMMUM [1521]...... 33 DISSONNETTO PARA UMA CIDADE LIMPA [2066]........ 34 DISSONNETTO DESERTADO [0352].................... 35 DISSONNETTO AO URBANNIVERSARIO [0501]........... 36 DISSONNETTO DA EXQUINA INEXQUESCIVEL [0793]..... 37 KALEIDOSCOPIO (2) [8589]........................ 38 DISSONNETTO SENSORIAL [0418].................... 39 DISSONNETTO VICIOSO [0500]...................... 40 DISSONNETTO CONTRARIADO [0541].................. 41 MISCELLANEA VERBIVOCOVISUAL [5983].............. 42 DISSONNETTO EXPERIMENTAL [0874]................. 43 DISSONNETTO TRANSSUBSTANCIAL [1223]............. 44 A FALTA DA MALFADADA [3025]..................... 45
DISSONNETTO DO VIL METAL [1548]................. 46 DISSONNETTO DA HYPERINFLAÇÃO HISTORICA [1437]... 47 DISSONNETTO DO PAPEL DE DESTAQUE [1646]......... 48 VOLATILIDADE DO DOLLAR [5289]................... 49 DISSONNETTO DA GRANA A GRANEL [1498]............ 50 POR PREÇO DE BANANA [6886]...................... 51 CRIME COMPENSADO [4579]......................... 52 DISSONNETTO DA PINCTURA INGENUA [1659].......... 53 DISSONNETTO SOBRE UM IMPOSTOR QUE FOI EXPOSTO [3015] . 54 THEATRO DE VANGUARDA [4718]..................... 55 DISSONNETTO DO THEATRO POBRE [1660]............. 56 AUDIODESCRIPÇÃO DE FILME MUDO [4186]............ 57 DISSONNETTO PARA UM APPONCTAMENTO A LAPIS [1846] ... 58 AFFLICTIVA EXSPECTATIVA [4585].................. 59 DISSONNETTO PARA UMA THIA CENTENARIA [2360]..... 60 CONSELHO DE GRAÇA [5078]........................ 61 JOIAS DE FAMILIA [6828]......................... 62 LEGITIMA VICTIMA [4111]......................... 63 DISSONNETTO PARA UM FILHO DESOBEDIENTE [2650]... 64 DISSONNETTO DO CRIME FAMELICO [1594]............ 65 PRESUMPÇÃO DE INNOCENCIA [4447]................. 66 CHORDAS SYMPATHICAS [6154]...................... 67 CARNAVAL CARICATURAL [5087]..................... 68 DISSONNETTO PARA UM PAPPO DE BISTRÔ [2687]...... 69 DISSONNETTO SOBRE UM HABITUÊ NUMA DEPRÊ [2886] .... 70 MEZZO MOZZA [4926].............................. 71 UM GRAMMA DE GRAMA [4184]....................... 72 DISSONNETTO SOBRE UM RISO RASO E UMA FENDA FUNDA [2882] . 73 DISSONNETTO SOBRE O UFFANISMO E O AFFANISMO [2911]. 74 HEAVEN HELP US ALL [6772]....................... 75 MIXTOS MYTHOS [3093]............................ 76 CRENÇA SUSPENSA [5024].......................... 77 DESLUMBRAMENTO DE MOMENTO [5281]................ 78 VALLE DE LAGRYMAS [4465]........................ 79 LAMPEJO QUE REENSEJA [5532]..................... 80 MISCELLANEA DA PASSAGEM [6012].................. 81 TERRITORIO TRANSITORIO [4454]................... 82 MEMENTO HOMO [6422]............................. 83 A PORTA VINGATIVA [4670]........................ 84 DE NOVO, AS POMBAS [6602]....................... 85
PERFECCIONISMO NO EVOLUCIONISMO [6755].......... 86 BONACHÃO E SABICHÃO [5533]...................... 87 DAMNAÇÕES UNIDAS [4713]......................... 88 DIA DO EDOSO [4754]............................. 89 ATTENDIMENTO PREFERENCIAL [4922]................ 90 GERENTE COMPETENTE [5247]....................... 91 JURAMENTO HYPOCRITA [5010]...................... 92 PROMPTO SOCCORRO [5017]......................... 93 A APOTHEOSE QUE PASSOU DA DOSE [5518]........... 94 O inimigo a gente accusa [7417]................. 95 Dar ao rock um dia é tudo [7483]................ 96 Disse Gandhi: olho por olho [7520].............. 97 MADRIGAL MORTAL [7733].......................... 98 MADRIGAL PRIMORDIAL [7769]...................... 99 MADRIGAL ININTELLECTUAL [7814]................. 100 MANIFESTO TERRORISTA [7898].................... 101 MANIFESTO REVISIONISTA [7910].................. 102 MANIFESTO IRRACIONALISTA [7924]................ 103 MANIFESTO EGOISTA [7927]....................... 104 MANIFESTO PROGRESSISTA [7928].................. 105 MANIFESTO MATERIALISTA [7953].................. 106 MANIFESTO SCIENTIFICISTA [7961]................ 107 MANIFESTO BELLETTRISTA [7967].................. 108 MANIFESTO PERFECCIONISTA [7986]................ 109
São Paulo Casa de Ferreiro 2023

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MANIFESTO PERFECCIONISTA [7986]

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page 109

MANIFESTO BELLETTRISTA [7967]

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MANIFESTO PROGRESSISTA [7928]

2min
pages 105-107

MANIFESTO EGOISTA [7927]

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page 104

MADRIGAL ININTELLECTUAL [7814]

2min
pages 100-103

A APOTHEOSE QUE PASSOU DA DOSE [5518]

2min
pages 94-99

JURAMENTO HYPOCRITA [5010]

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page 92

GERENTE COMPETENTE [5247]

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page 91

PERFECCIONISMO

1min
pages 86-89

A PORTA VINGATIVA [4670]

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pages 84-85

MISCELLANEA DA PASSAGEM [6012]

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pages 81-83

VALLE DE LAGRYMAS [4465]

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pages 79-80

MIXTOS MYTHOS [3093]

1min
pages 76-78

DISSONNETTO SOBRE O UFFANISMO E O AFFANISMO [2911]

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DISSONNETTO SOBRE UM HABITUÊ NUMA DEPRÊ [2886]

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CARNAVAL CARICATURAL [5087]

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DISSONNETTO PARA UM FILHO DESOBEDIENTE [2650]

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JOIAS DE FAMILIA [6828]

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CONSELHO DE GRAÇA [5078]

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DISSONNETTO PARA UMA THIA CENTENARIA [2360]

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DISSONNETTO PARA UM APPONCTAMENTO A LAPIS [1846]

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AUDIODESCRIPÇÃO DE FILME MUDO [4186]

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DISSONNETTO DA PINCTURA INGENUA [1659]

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VOLATILIDADE DO DOLLAR [5289]

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DISSONNETTO DO PAPEL DE DESTAQUE [1646]

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DISSONNETTO DA HYPERINFLAÇÃO HISTORICA [1437]

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A FALTA DA MALFADADA [3025]

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DISSONNETTO TRANSSUBSTANCIAL [1223]

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DISSONNETTO EXPERIMENTAL [0874]

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DISSONNETTO AO URBANNIVERSARIO [0501]

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DISSONNETTO

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CONTRASTES [6257]

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IRRESISTIVEL RESISTENCIA [4994]

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RELENDO BASHÔ [5014]

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DISSONNETTO DO REPENTE PERMANENTE [1470]

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DISSONNETTO PARA QUEM CHOVE NO MOLHADO [2178]

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DESDOBRABILIDADE [8027]

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