VITORINO NEMÉSIO E A REVISTA DE PORTUGAL: A BUSCA DO CLÁSSICO / RITA PATRÍCIO Nas páginas do diário, ao acabar o último dia de 1936, Vitorino Nemésio fez um balanço e expressou um desejo: “Vida de espírito – quase estéril. A expectativa do concurso tem feito destes tempos os mais intimamente vazios da minha vida. Ando hipotecado. Mas não quero escrever 1937 sem uma tinta forte, como se entrasse num ano de fecundidade, sob muitos aspectos decisivo.” (NEMÉSIO, 2001, p. 104). O concurso em causa era o de professor auxiliar na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e só viria a conhecer o seu desfecho em 1939, o que continuou a hipotecar-lhe a vida, levando-o a leccionar em universidades estrangeiras até essa data; mas o ano de 1937 foi decisivamente fecundo para Nemésio, e um dos aspectos dessa fecundidade foi a criação da Revista de Portugal, que fundou e dirigiu de outubro de 1937 a novembro de 1940. Esta revista, questionando a hegemonia presencista, pretendia marcar com “uma tinta forte” uma nova posição no panorama literário de então. Neste ensaio, pretendo, num primeiro momento, analisar o modo como Nemésio concebeu e formulou este projecto editorial como uma reacção à Presença. Essa leitura conduzirá, num segundo momento, a uma reflexão sobre o que seja o clássico para Nemésio, questão fundamental convocada logo na nota editorial que apresenta a revista e que será retomada no número de outubro de 1938 no ensaio “Um conceito de clássico”. Na poética implicada nesse conceito podemos ler Nemésio enquanto autor. Os anos durante os quais dirigiu a revista foram decisivos para o crítico, o poeta, o romancista: o presente estudo visa perscrutar esse ensaio, partindo, sobretudo, das considerações nemesianas sobre o valor em arte, sobre o que possa ser decisivo em arte e a que se reconheça a força da tinta, ou seja, sobre o que possa vir a tornar-se clássico.