GRIFO: O IMPÉRIO DAS SOMBRAS / FERNANDO CABRAL MARTINS
No primeiro Surrealismo português há colecções e manifestos, mas não há revistas, e só tarde, em 1959-1960, surge a revista Pirâmide, com três números, mas cujo subtítulo, Antologia, indicia alguma distância em relação ao modelo de revista órgão de um grupo, como se apenas pudesse existir uma coligação de surrealistas sem um fito unânime (característica que herda do princípio órfico de 1915-1917, segundo o qual nenhum ismo pode prevalecer sobre os outros). E, no entanto, a revista Pirâmide liga-se à actividade de um grupo concreto, o do Café Gelo, que, entre 1956 e 1962, se encontra em Lisboa num café do Rossio e constitui uma segunda geração do Surrealismo – cujo nome mais exacto, diga-se, deveria ser Surreal-Abjeccionismo. As suas figuras tutelares são Mário Cesariny, Pedro Oom e o velho órfico Raul Leal, e aí se contam, entre vários outros, Herberto Helder, Luiz Pacheco, António José Forte, Ernesto Sampaio, Manuel de Lima, Manuel de Castro. No entanto, os colaboradores de Pirâmide não vêm em exclusivo desse grupo, há uma variação forte. Em suma, haverá a reter dessa aventura linhas diversas de artistas cujo trabalho tem no Surrealismo a sua pedra de toque, por oposição ao Neorrealismo e à sua regra de subordinação do estético ao político. * Uma década depois, é publicada em Lisboa, exactamente em 1970, Grifo, uma outra revista surrealista, desta vez já muito longe do Surrealismo canónico, sobretudo se pensarmos nos anos 1920 como os de radiação do foco bretoniano inicial. Mas este facto leva a reconhecer que o tempo surrealista português é muito difícil de definir em termos de reflexo da poética bretoniana ou da integração num movimento internacional. Porque a verdade é que já existe um fôlego surrealista evidente em Almada Negreiros tão cedo como 1917 e 1919, em sincronia com Apollinaire e Reverdy, exemplificado com a narrativa A Engomadeira e o poema Os Ingleses Fumam Cachimbo. E, se a