A tragédia de Romeu e Julieta recontada

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TRADUÇÃOORIGINALRECONTADADEWILLIAMSHAKESPEAREEADAPTAÇÃODECHRISTINERÖHRIGILUSTRAÇÕESDELÚCIADEFIGUEIREDO

São2021Paulo

a tragédia RomeudeeJulieta

2 Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Tradução e adaptação: Christine Röhrig Ilustrações: Lúcia de Figueiredo Preparação: Flávia Yacubian Revisão: Marina Constantino Arte e capa: Valdinei Gomes Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 R637t Röhrig, Christine A tragédia de Romeu e Julieta - recontada / original de William Shakespeare, tradução e adaptação de Christine Röhrig ; ilustrações de Lúcia de Figueiredo. –– 1. ed. – São Paulo : Van Blad, 2021. 160 p. : il. color. ISBN 978-65-89370-01-7 1. Literatura infantojuvenil I. Título II. Shakespeare, William, 15641616 III. Figueiredo, Lúcia de 21-0428 CDD 028.5 1a edição - 2021 Van Blad Via das Samambaias, 102 - sala 03 Jardim Colibri / Cotia - SP - CEP: 06713-280

3 SUMÁRIO ALGUMAS CONSIDERAÇÕES 5 A TRAGÉDIA DE ROMEU E JULIETA PRÓLOGO 15 PRIMEIRO ATO cena 1 19 cena 2 27 cena 3 31 cena 4 34 cena 5 38 SEGUNDO ATO prólogo 45 cena 1 46 cena 2 48 cena 3 56 cena 4 59 cena 5 63 cena 6 66

TERCEIRO ATO cena 1 71 cena 2 82 cena 3 87 cena 4 93 cena 5 95 QUARTO ATO cena 1 109 cena 2 114 cena 3 116 cena 4 119 cena 5 120 QUINTO ATO cena 1 127 cena 2 132 cena 3 133 S obre A tragédia de Romeu e Julieta – Recontada 147 Sobre os autores 147 Contextualização da obra original 149 Discussão sobre literatura: linguagem e gênero 150

quase quinhentos anos, em 1564, nascia o físico, matemático, astrônomo e filósofo italiano Galileu Galilei, considerado o pai da ciência moderna. Ao longo de sua vida, ele descobriu, entre outras coisas, que a superfí cie lunar é acidentada e montanhosa (1609) e que Júpiter tem quatro luas (1610). Com isso acabou provando defi nitivamente a tese de Copérnico de que a Terra não é o centro do nosso sistema solar e sim o Sol. Ocorre que essas afirmações contrariaram a Igreja Católica Romana, que insistia em afirmar que a Terra era o centro do Universo. No ano de 1633, a Santa Inquisição condenou Galileu a viver numa espécie de prisão domiciliar. Criada no século XIII, a Santa Inquisição era uma espécie de tribunal reli gioso que condenava todos aqueles que eram contra os seus dogmas ou que eram considerados uma ameaça às suas doutrinas. Galileu passou o resto de sua vida preso em uma vila perto de Florença, mas nunca deixou de investigar os céus. Morreu em 1642 e, somente 350 anos após sua morte, em 31 de outubro de 1992, o papa João Paulo II reconheceu publicamente os enganos cometidos pela Igreja. Antes tarde do que nunca! Mas o que Galileu Galilei tem a ver com a história de Romeu e Julieta de William Shakespeare?

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5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES...

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Curiosamente, Galileu Galilei e William Shakespeare nasceram no mesmo ano: 1564. Ambos viveram na Europa e ambos citaram e, de certa forma, se ocuparam da Natureza e, especialmente, da Lua. Nas peças de Shakespeare, ela sempre aparece. Em uma de suas falas, Julieta até cita as suas fases. Será que Shakespeare, que vivia na Inglaterra, não muito distante da Itália de Galileu, cerca de 1.300 quilômetros, ouviu falar das descobertas de Galileu? Difícil saber. É de se pensar que, se soubesse, teria mencionado a incrível descoberta em alguma de suas peças. Por aí dá para se ter uma ideia de como o mundo daquela época era diferente. As notícias demoravam muito a chegar a quem quer que se interessasse. A comunicação se dava por cartas trans portadas por pessoas a pé, a cavalo ou por embarcações. É também curioso a peça de Shakespeare se passar na Itália, na cidade de Verona. A cidade possui um bairro medieval situado às margens do rio Ádige. Ali ainda é possível visitar uma construção residencial do século XIV conhecida como a “Casa de Julieta”. Esses dois inesquecíveis gênios da humanidade nasceram no mesmo ano, mas William Shakespeare morreu muito antes que Galileu, no ano de 1616. Faz muito tempo que William Shakespeare escreveu a peça A tragédia de Romeu e Julieta, possivelmente no início de sua carreira literária, entre os anos de 1591 e 1597. A primeira versão impressa surgiu em 1623. Mas não foi Shakespeare quem inventou a história. Seu enredo é basea do num conto chamado “A trágica história de Romeu e

Na tragédia de Julieta e Romeu, tem muita gente envol vida. Além dos dois protagonistas, há membros das duas famílias, ambas ricas e poderosas, os Montecchio e os Capuleto, um príncipe, súditos, empregados e cidadãos.

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Julieta”, escrito em verso por Arthur Brooke em 1562 e, anos depois, em prosa por um tal de William Painter. E muito antes, na Idade Antiga, já circulavam histórias pare cidas de amores impossíveis, como a de Tisbe e Píramo. Este conto da mitologia romana é também uma história de famílias que se odeiam e de amantes que, para poderem viver o amor e fugirem da repressão, tentam simular a morte e acabam morrendo tragicamente. Mas se Shakespeare não a inventou, certamente foi ele quem imortalizou essa história. Julieta e Romeu viveram a história de amor proibido mais conhecida de todos os tempos da literatura ocidental. Já se sabe logo no início que o caso amoroso não acaba nada bem. Ao contrário, acaba em tragédia. A pala vra tragédia exprime um acontecimento que, na maioria das vezes, acaba em morte e desperta compaixão, piedade ou horror. Significa também catástrofe, desgraça e infor túnio. O conceito vem do teatro grego, de tragos, que em grego significa “bode”, e óide, que significa “ode”, canção.

Naquele tempo havia um ritual dedicado a Dionísio, o deus grego da natureza, da fecundidade, da alegria e do teatro que na mitologia romana é conhecido como Baco. Nesse ritual, cantava-se e, ao final do canto, um bode era sacrifi cado. Combinando os nomes, do bode e do canto em grego, resulta o termo tragoide, ou seja, tragédia.

As famílias são inimigas e há tempos vivem em clima de guerra.Julieta é uma menina que está prestes a fazer catorze anos. Ela é a única filha do casal Capuleto. No início, parece ser frágil, mimada, destinada a obedecer a todas as vontades dos pais, especialmente às do pai, que, aparentemente, só pensa nela como possibilidade de aumentar sua fortu na casando-a com alguém de posses. Desde que nasceu, Julieta foi cuidada e educada pela Ama, que também a amamentou. A Ama é sua melhor e talvez única amiga e confidente. Julieta vive dentro dos muros da propriedade da família e não sabe nada do que acontece no mundo lá fora. Sai de casa muito raramente. Na verdade, só permi tem que ela saia se for para se confessar, para rezar ou pedir conselhos ao Frei, e isso se estiver acompanhada pela Ama. Do jeito que foi criada, tudo leva a crer que Julieta obede cerá ao pai para sempre. Ela mesma acredita nisso. Até conhecer Romeu. Depois que Julieta conhece Romeu, filho do maior inimigo de sua família, ela se mostra uma personagem corajosa, disposta a romper com as velhas regras da sociedade, especialmente com aquela a que as mulheres estavam destinadas: a obediência cega, sem nenhum ques tionamento. Mas, ao longo da história, desvenda-se uma moça que luta por sua liberdade, que não aceita seu papel de objeto da sociedade e que quer romper com os velhos padrões de comportamento. E o que move Julieta a romper com todas essas barreiras internas e externas? O amor.

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É ele, o amor, que faz com que Julieta siga os seus intintos e lute por seus próprios interesses. Da parte dos Capuleto, além do pai e da mãe de Julieta, da Ama e de seu criado, Pedro, há um tio bastan te idoso, que não tem nome e só aparece uma vez na história. Depois, Tebaldo, um primo temperamental, intempestivo, inoportuno e imprevisível que tem um papel importante na peça porque provoca o exílio de Romeu. Há ainda Sansão e Gregório, criados da família, que entram na primeira cena e provocam uma rixa com os rivais.Romeu é da família Montecchio. É apenas alguns meses mais velho que Julieta e sua família é tão rica e poderosa quanto a dela. Mas, diferentemente de Julieta, Romeu não vive preso dentro de casa, bordando o enxoval e se preparando para o casamento arranjado. Ao contrário, por ser do sexo masculino, pode circular livremente pelas ruas com seus amigos e primos e está sempre se metendo em confu sões e em disputas. É bastante sonhador e romântico e, antes de conhecer Julieta, acha que se apaixonou perdidamente por uma menina chamada Rosalina. Da parte dos Montecchio, há ainda o pai de Romeu, um senhor rico e poderoso, a mãe, uma senhora extravagante, Benvolio, primo e amigo de Romeu, e Baltasar e Abraão, criados da famíliaAlémMontecchio.dosintegrantes de ambas as famílias, temos Escalus, o príncipe de Verona, que é muito poderoso. Na peça, é uma espécie de mediador entre as famílias inimigas.

Além do príncipe, há um jovem fidalgo, parente do prín cipe, chamado Páris, que pretende se casar com Julieta. Ele é o tal do pretendente rico que tem total aprovação e simpatia do pai da garota. Um dos personagens mais importantes é Mercúcio. Ele é parente do príncipe e amigo de Romeu. Mercúcio não vê nenhuma vantagem em ser capturado pelo amor, até porque para ele, o amor sendo cego, jamais consegue acertar o alvo. Mercúcio só quer viver os prazeres da vida e deixar-se levar. Parece até que sente certo ciúme de Romeu. Se Romeu lhe desse ouvidos, a tragédia seria evitada. Irritado com as brigas, antes de morrer, Mercúcio amaldiçoa as famílias rivais. E a maldição acaba se concretizando.

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Seu poder está acima do bem e do mal. Aliás, naquele tempo, acreditava-se que os príncipes eram escolhidos por Deus. Sua autoridade, portanto, era absoluta e quem ousas se desobedecer poderia ser preso ou morto. No tempo em que Shakespeare escreveu a peça, por volta do ano de 1597, o mundo, em sua maior parte e especialmente a Europa, era governado por monarquias em que reis, rainhas, prín cipes mandavam e o povo obedecia, sem discussão.

Outro personagem muito importante é o Frei Lourenço. Ele e Mercúcio é que fazem a roda da história girar. Com uma postura racional, o Frei analisa os problemas que se apresentam utilizando-se da razão e não da emoção para buscar soluções que, apesar de parecerem inusitadas, pode riam levar a um final feliz.

Mais um assunto digno de observação é que, assim como nos dias de hoje, nos quais a mobilidade e o convívio social estão sendo prejudicados pela pandemia de Covid 19, na época de Romeu e Julieta as pessoas também esta vam proibidas de circularem livremente de uma cidade a outra em razão da peste bubônica. Também conhecida como a Grande Peste, atingiu seu pico entre os anos de 1343 e 1351. Foi a pandemia mais devastadora registrada na história humana, chegando a matar milhões de pessoas. Não fosse por ela, talvez a mensagem do Frei Lourenço, que havia incumbido seu amigo, o Frei João, de levá-la até Mântua, onde estava Romeu, tivesse chegado e evitado o trágico final da história. Na peça aparecem ainda um boticário muito pobre, dono de um estabelecimento em que se preparam ou se vendem medicamentos. Além dele, há um oficial, músicos e jovens serviçais, guardas e cidadãos de Verona.

Afora todos esses personagens, há o coro, que é forma do por um grupo de pessoas que se expressa de maneira coletiva. Sua função no teatro é sempre muito importante. O coro pode cantar e dançar e, embora se mantenha à parte da ação, interage com os atores e chama os espec tadores à reflexão. Em Romeu e Julieta, ele aparece em duas passagens. Na primeira, abre a tragédia e anuncia a desventura e o terrível desfecho do drama amoroso em que somos envolvidos. Mais adiante, o coro se manifesta quando Julieta descobre o nome do jovem que a beijou na festa e nos faz lembrar do final e do amor impossível.

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Assim, o coro é responsável pela abertura da peça: o prólogo. O prólogo é a primeira coisa que acontece em cena. Geralmente apresenta um resumo, explicação ou comentá rio do que vai acontecer. Depois do prólogo, existem os atos que, por sua vez, são divididos em cenas. No teatro, podemos pensar em ato como um momento em que as cortinas se fecham para a mudança de cenário. A tragédia de Romeu e Julieta tem cinco atos. Agora vamos à peça. Desejo a todos uma boa viagem. Christine Röhrig

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13 AdetragédiaRomeueJulieta

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–Coro:Essa

15 PRÓLOGO

história se passa na cidade de Verona, onde a velha rixa entre duas famílias, iguais em dignidade, volta a tingir de sangue as mãos dos veroneses. Das entranhas dos inimigos, nasceram dois amantes que acabarão morrendo precoce mente por culpa da briga de seus familiares. Os terríveis incidentes do amor correspondido, selado pela morte, e a raiva dos pais, que só diminui com a morte dos filhos, serão o tema desta peça. Pedimos que nos emprestem seus pacientes ouvidos. De nossa parte, iremos nos esforçar para não deixar faltar nenhum detalhe.

PRIMEIRO ATO

Estamos numa praça pública. Surgem Sansão e Gregório aparelhados de espadas e escudos. Sansão, muito irritado, pronto para se meter numa encrenca, vai logo avisando que se aparecer um dos Montecchio ele puxa a espada. Eles conversam e, percebendo que dois jovens que trabalham para os Montecchio estão se aproximando, Gregório fala para Sansão pegar a espada. Eles começam a trocar ideia se devem provocar os Montecchio ou se é melhor esperar

19 cena 1

20 os outros começarem a briga. Para provocar os inimigos, Sansão diz que vai morder o seu próprio dedão para ver a reação deles. Abraão e Baltasar passam e perguntam se a mordida é para eles, ao que Sansão responde que só está mordendo o dedão. Gregório provoca Abraão e pergunta se está procurando encrenca. Abraão não aceita a provocação e revida. Começam a discutir e a comparar as famílias para quem trabalham até que Gregório e Sansão sacam as espadas e a briga começa. Nisso chega Benvolio, que tenta evitar o combate, mas Tebaldo, primo de Julieta que também acaba de chegar, saca a espada e vai para cima de Benvolio.Benvolio explica que estava tentando restabelecer a paz e pede que Tebaldo guarde a espada e ajude a separar o bando. Mas Tebaldo não quer saber e diz: – Você fala em paz com a espada na mão? Detesto essa palavra do mesmo jeito que detesto o inferno. Odeio todos os Montecchio e você. Vamos lutar, covarde! Pronto, eles perdem o controle e saem se batendo, e diversos partidários das duas casas inimigas entram na briga. De repente, surgem guardas e cidadãos armados de paus gritando: – Paulada! Cacetada! Guardas! Desçam a lenha! Derrubem esses Montecchio! Derrubem esses Capuleto! A confusão está armada! É paulada, tapa e espadada para todo lado, quando chega o casal Capuleto. O senhor Capuleto pede que lhe passem a espada alegando que o

velho Montecchio está vindo em sua direção com a espada emOpunho.casal Montecchio, pais de Romeu, chega e a senhora Montecchio detém o marido, que pretende pegar a espada e entrar na luta. Montecchio grita: – Ah, Capuleto maldito! Me solta, me deixa! A confusão só não é maior e não tem consequências mais graves porque, do nada, aparece o Príncipe montado em seu cavalo, acompanhado do seu séquito. Ao ver aquele circo armado, grita: – Alto lá, arruaceiros, inimigos da paz que tanto abusam dessas lâminas manchadas com o sangue de seus irmãos! Feras! Parem com esse ódio inútil que contamina as suas veias! Sob pena de tortura, ordeno que baixem as armas mal apontadas nessas mãos sanguinolentas! Escutem a sentença de um príncipe muito irritado: por sua causa, velho Capuleto, por sua causa, velho Montecchio, três rixas civis, de origem totalmente banal, vêm perturbando a tranquilidade das nossas ruas, obrigando cidadãos a deixar suas ocupações para apartar brigas e chamar ajuda dos guardas para sepa rar o ódio que os corrói. Se voltarem a perturbar o sossego das ruas, pagarão com a vida. Agora, retirem-se todos e... Capuleto, venha comigo! Montecchio, depois do meio-dia vá à casa de audiência para saber o que ficou decidido. Agora ordeno que todos saiam daqui, sob pena de morte. Muito irritado, o pai de Romeu pergunta ao amigo de Romeu, Benvolio:

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– Quem provocou toda essa baderna? Você viu? Benvolio responde que, quando chegou na praça, os empregados de ambas as famílias já estavam engalfinha dos e relata: – Eu puxei a espada para separar, mas aí apareceu o Tebaldo furioso com a espada na mão. Enquanto me provocava, girava a espada ao redor da cabeça, cortando o ar. Como o ar não se feria, assobiava desprezos. Enquanto a gente trocava botes e golpes, chegaram outros e come çaram a se bater até que apareceu o príncipe para separar todoPreocupada,mundo.

a mãe de Romeu pergunta: – E onde está Romeu? Você o viu hoje? Ainda bem que não estava metido nessa confusão.

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– Saí de casa uma hora antes do amado sol aparecer na janela dourada do Oriente, porque me sentia mal e vi seu filho, tão madrugador quanto eu, passeando à sombra dos plátanos. Aproximei-me, mas, quando me viu, escondeu -se entre as árvores – responde Benvolio.

Igualmente preocupado com o filho, o senhor Montecchio comenta: – Já vi Romeu nesse lugar muitas madrugadas. Assim que o sol começa a apontar no mais longínquo Leste, abrindo as cortinas de sombra, meu melancólico filho entra em casa, fecha as janelas e se tranca no quarto, criando para si uma noite artificial. Sinto que isso pode não acabar bem sem alguém que lhe dê bons conselhos e consiga afastar a causa disso tudo.

– É. Por que será que o amor, que é cego, sempre consegue enxergar por onde você anda, mesmo com os olhos vendados? Onde vamos comer? O que aconteceu aqui há pouco? Não precisa dizer. Já sei de tudo. O ódio dá muito trabalho, mas o amor dá muito mais. Então, amor brigão!

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– Não, nunca soube e ele nunca me disse. Já pergun tei e tentei saber o que se passa com ele. Não só eu como vários amigos já tentaram. Só ele sabe de seus sentimentos. É muito prudente, discreto, concentrado e tão difícil de se abrir que lembra um botão de rosa que, quando picado por inseto, não deixa desabrochar as pétalas nem expõe sua beleza ao sol. Bastava saber de onde vem essa tristeza. Eu ficaria muito feliz se descobrisse e pudesse ajudar.

– Não ter o poder de fazer com que elas passem logo.

– Está apaixonado? Por que o amor, que parece tão gentil, na verdade é esse tirano?

Benvolio percebe que Romeu está chegando e diz que vai tentar ver se descobre alguma coisa. Os pais de Romeu se afastam. Benvolio puxa conversa com Romeu: – Bom dia, primo. – É tão cedo assim? – Romeu quer saber.

Quando Benvolio pergunta ao tio se este sabe por que Romeu está assim, o pai de Romeu responde:

– Pobre de mim! Como são longas as horas tristes. Meu pai não estava aqui com você? Por que a pressa de sair?

– Estava, sim. Mas o que acontece que suas horas não passam, Romeu?

– Nove horas da manhã.

Ódio amoroso. Está em tudo. Desde sempre foi escravo do nada. Leviandade pesada. Vaidade séria. Caos disforme de formas harmoniosas! Chumbo leve! Fumaça brilhan te! Chama fria! Saúde doente! Sono sempre desperto que nunca é o que é. É esse o amor que sinto e que me causa dor! Sinto-o e não o sinto. E você não ri disso tudo?

– Não, primo, eu choro.

Benvolio.–Voususpirar

– Mas conta por quem você está apaixonado? – provo ca se eu disser.

– Pela opressão do seu bom coração.

– Que belo coração. E você chora por quê, Benvolio?

– Estou perdido. Não sou eu quem está aqui, este homem não é Romeu. Romeu está bem longe daqui.

– Espera, Romeu. Eu vou com você. Está me ofendendo saindo assim...

– Suspirar? Não, falando sério. Diz quem é.

– Manda um homem doente falar sério, Benvolio? É muito ruim importunar um doente com essa palavra. Sério, primo, quer mesmo saber quem eu amo? Uma mulher.

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– Para você ver como o amor transgride! Os meus sofrimentos já incharam o meu coração e agora ele vai acabar transbordando se incluir os seus. O seu apreço só aumenta a minha dor, que já é enorme. O amor é uma fumaça feita de vapor de suspiros. Quando satisfeito é fogo que brilha nos olhos dos amantes e, quando contrariado, é um mar de lágrimas. O que é além disso? Loucura discreta, amargura que estrangula, doçura que sustenta. Tchau, primo.

– É um ótimo adivinho. E digo mais: a mulher que eu amo é bem bonita.

– Ah, claro. Desse jeito vou amá-la mais ainda, se for compará-la com outras. Tchau. Você não pode me ensinar a esquecer.

– Quanto mais visível o alvo, melhor se acerta.

– Então me ensina como esquecê-la.

– Jurou e é por isso que desperdiça o que tem. Deserda a posteridade tratando a beleza com esse rigor. É lindíssima e muito circunspecta. Ela jurou não me amar e por isso vou morrer cheio de vida, eu que só vivo para me declarar para ela.

– Dê um pouco de liberdade aos seus olhos. Deixe que eles também olhem para outras belezas.

– Ouve o que estou dizendo: esquece essa moça –Benvolio aconselha.

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– É. Só que você não acerta esse tiro, ela não será alvejada pelo arco do Cupido. Ela é protegida de Diana e anda armada de uma forte prova de castidade, sem temer as fracas e bestas flechas do amor. Também não adianta cercá-la com palavras de amor. Ela não liga para olhares provocantes e nem para o ouro que seduz até os santos. É rica em beleza e pobre numa só coisa: quando ela morrer, o tesouro vai junto com ela.

– Quer dizer que jurou castidade? – pergunta Benvolio.

– Isso eu já tinha adivinhado logo de cara.

– Se ela aceitar, se for você o escolhido, não irei me opor. Convidei amigos e pessoas que estimo para a festa anual de hoje à noite. Espero que possa estar presente. Você será muito bem recebido. Depois Capuleto entrega uma lista de pessoas para o seu empregado mandando convidá-las para a festa. O empre gado fica muito preocupado e pensa: “Ele me mandou

Constrangido, Capuleto diz que não pode responder nada além do que já disse.

Caminhando pela rua, depois de ter ido encontrar o príncipe na casa de audiência para onde Montecchio também fora convocado, Capuleto, o pai de Julieta, encon tra Páris, o parente do príncipe. Capuleto comenta que na idade deles não deveria ser tão difícil fazerem as pazes. Páris concorda e lamenta que as famílias vivam essa briga por tanto tempo e aproveita para cobrar a resposta em relação ao seu pedido da mão de Julieta em casamento.

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– Minha filha ainda é muito criança, só tem catorze anos. Faltam dois anos para estar pronta e mais madura para o Mascasamento.Párisinsiste alegando que conhece mães bem feli zes até mais moças que ela. Capuleto então diz que Páris terá o seu consentimento se conquistar o coração de Julieta.

Nesse momento, os dois são interrompidos pelo empre gado do senhor Capuleto, que se dirige a Romeu: – Bom dia, senhor. Será que consegue ler isso aqui?

– Doido não, muito mais preso que um doido, encerrado numa prisão sem comer nem beber, chicoteado, atormentado e... Bom dia.

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– Consigo. No meio da minha desgraça, será um alento – Romeu responde.

procurar os nomes que estão escritos aqui, mas eu nunca vou encontrar essas pessoas porque não sei ler. Vou procurar alguém que saiba e que possa me ajudar. Ah, que bom, vem vindo alguém aí!”. Nesse momento, Benvolio e Romeu aparecem. Os dois conversam sobre a paixão de Romeu pela tal da Rosalina.

Benvolio continua tentando dissuadir Romeu: – Parece doido, Romeu.

– Depende, se eu entender as letras e a língua, consigo sim.Sem entender essa resposta irônica de Romeu, o empre gado do senhor Capuleto ameaça ir embora, mas Romeu o detém.–Espera, eu posso ler para você – diz Romeu e lê: –“Senhor Martino, esposa e filha; conde Anselmo e suas graciosas irmãs; a viúva de Vitrúvio; o senhor de Placêncio e queridas sobrinhas; Mercúcio e seu irmão Valentim;

– Será que o senhor consegue ler tudo o que vê? – o empregado quer saber.

– É a tradicional festa dos Capuleto. Sua bela Rosalina, de quem tanto gosta, costuma jantar lá com todas as belda des de Verona. Vamos até lá e aí você pode compará-la aos outros rostos que vou mostrar. Vai se convencer que seu cisne não passa de um corvo.

29 meu tio Capuleto, esposa e filhas; a minha bela sobrinha Rosalina; Lívia; o senhor Valêncio e primo Tebaldo; Lúcio e Helena”. Bela reunião. E para onde vai toda essa gente?

– Certo, eu devia ter perguntado isso primeiro.

– E onde é a sua casa?

– Por acaso pode existir ali alguém mais bela que a minha amada? O sol que tudo vê jamais viu beleza igual desde que o mundo começou.

– Claro, você diz isso porque nunca se aproximou de nenhuma outra; você só a colocou na balança dos seus olhos: mas se colocá-la num dos lados dessa balança de cristal e, do outro, uma beleza que eu vou lhe mostrar, que estará brilhando nessa festa, essa que agora lhe parece bela vai parecer completamente normal.

– E eu vou dizer logo, antes que pergunte. O meu patrão é o rico e poderoso Capuleto e, se você não for da casa dos Montecchio, eu o convido para beber um vinho. Passar bem. O empregado vai embora e Benvolio explica:

– Jantar na nossa casa.

– Para lá – responde o empregado. – Para quê?

– É do meu patrão.

30 – Eu vou, não para ver essa beleza que você quer me mostrar, mas para gozar ainda mais o esplendor da minha adorada.

Agora estamos na casa dos Capuleto e a mãe de Julieta pede que a Ama a chame.

quase catorze anos – prossegue a mãe de Julieta. E a Ama a interrompe, dizendo: – Aposto os meus catorze dentes, mesmo só tendo quatro na boca, que ainda não tem catorze. Quantos dias faltam para São Pedro? – Uns quinze dias – diz a senhora Capuleto. E a Ama começa a falar desenfreadamente: – Então, por São Pedro, é na noite do dia de São Pedro que ela completa catorze anos. Na noite de São Pedro, eu me lembro muito bem, que ela faz catorze anos. Foi depois do terremoto, há onze anos, que ela desmamou, não vou esquecer nunca, sentei ao sol, encostada no muro, ao pé do pombal para amamentar. O patrão e a senhora tinham ido a Mântua, lembro direitinho. Foi aí que o pombal come çou a tremer e não precisei que ninguém me dissesse para

– Estou aqui, minha mãe. O que deseja? – diz Julieta. – Já vai saber. Ama, deixe-nos a sós, um minutinho. Não, Ama... Fique, fique. Pensando bem, é melhor parti cipar da nossa conversa. Sabe que a minha filha já está ficando com idade. – Nossa, eu posso até dizer a idade dela em horas! – diz a Ama.–Tem

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E a Ama já se mete novamente: – Oh! Que homem! Que homem, menina! Não tem outro desses no mundo! Até parece ser de cera!

– Isso mesmo, ele é uma flor. Uma flor de verdade –confirma a Ama, entusiasmadíssima.

Pelas minhas contas, me tornei mãe na sua idade. E você ainda é virgem. Bom, resumindo, o valoroso Páris está interessado em você – diz a mãe de Julieta.

32 correr. De lá para cá, faz onze anos, ela já andava sozinha.

É isso mesmo, corria por todos os cantos da casa. E no dia anterior, fez um galo na testa e aí o meu marido, que Deus o tenha em bom lugar, brincalhão, levantou a menina e disse: “Opa, opa, caiu de cara no chão? Espera crescer um pouco que aí você vai cair de costas”. Não é mesmo, Julieta?

– Não há em Verona flor mais bela que ele – emenda a senhora Capuleto.

– Tá, tá. Já parei. Deus te crie e dê boa sorte. A menina mais linda que eu já criei. O que eu mais quero agora é vê-la casada.

A senhora Capuleto pega o gancho da conversa e diz: – Certo! É justamente sobre casamento que eu queria falar. Então Julieta, como está sua disposição para casar?

– Nunca pensei nesse assunto – responde Julieta. – Bom, então está na hora de pensar. Moças mais novas que você aqui de Verona já se casaram e até já são mães.

– Chega, basta! É melhor ficar calada, Ama – diz a mãe de Julieta em tom de reprovação. Julieta também pede que a Ama pare de falar.

Entra um criado avisando que os convidados já estão chegando e que está tudo pronto para o jantar. Avisa que estão perguntando pela senhora e por Julieta.

33 – E então? Será que é capaz de amar esse maravilhoso homem? – a mãe de Julieta quer saber. – Ele estará hoje à noite na festa. Você pode observar bem o rosto dele e aí descobrirá a felicidade escrita pela beleza. Olhe bem para aqueles traços e verá como se combinam harmonicamente.

E se acaso alguma coisa parecer obscura, peça explicação aos olhos dele. É um livro precioso e, para completar a sua beleza, falta-lhe a capa. É uma grande honra para a beleza exterior poder envolver a beleza interior. Assim, casando com ele, você participará de tudo que ele possui sem que ele a diminua. E novamente a Ama comenta: – Diminuir? Coisa nenhuma, vai é aumentar, porque as mulheres se sobressaem por causa dos homens.

A Ama apressa Julieta: – Anda, menina, anda. Vai tratar de ter noites felizes para passar dias felizes.

– Então, lhe agrada o amor de Páris? – insiste a mãe. E Julieta responde: – Olharei para ele como a senhora falou, mas não sei se o olhar basta para fazer nascer a simpatia.

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– Deem-me uma tocha. Não quero dançar. Sendo sombrio, vou levar a luz – declara Romeu. Mas Mercúcio não concorda: – Nada disso, Romeu. Queremos que você dance. Os três discutem, os amigos debocham dos sentimentos de Romeu por Rosalina até que Benvolio interrompe e diz: – Vamos entrar. Lá dentro que cada um use as pernas como bem quiser.

Romeu insiste: – Quero uma tocha. Quem estiver a fim de dançar, que se esbalde na pista. Eu estou mais para aquela dança de vovô espectador segurando a tocha. – Essa é boa! Como diz a polícia, o rato está atolado. Nós vamos tirar você desse atoleiro de amor em que se meteu até as orelhas – brinca Mercúcio.

A festa é de máscaras. Há muitos convidados. Romeu, Mercúcio e Benvolio, usando máscaras, chegam ao casarão dos Capuleto juntamente com alguns outros mascarados e alguns homens carregando tochas. Romeu pergunta aos amigos o que devem fazer, se devem se apresentar, dar uma desculpa ou se é melhor irem entrando sem cerimônia. Benvolio acha melhor entrarem de uma vez e deixarem que pensem deles o que quiserem, mas Romeu prefere entrar levando uma tocha.

– E nós temos a boa intenção de assistir a esse baile de máscaras, só que a razão diz que não é uma boa ideia.

– E por quê? Pode-se saber? – Mercúcio questiona. Romeu revela que teve um sonho e Mercúcio diz que também sonhou. Romeu quer saber o que Mercúcio sonhou e Mercúcio responde: – Sonhei que muitas vezes os sonhadores caem. – Sim, caem na cama adormecidos e sonham verdades – concorda Romeu. Então Mercúcio devaneia: – Ah, estou vendo que a rainha Mab visitou você. Ela é a parteira das fadas. Aparece num formato menor que a ágata do anel do indicador de alguém respeitável. É levada por leves átomos que passam pelo nariz de quem dorme. Os raios das rodas de seu carro são feitos de patas de aranha. A cobertura, de asas de gafanhotos. As rédeas, teias de aranha; os arreios, úmidos raios de luar. O cabo do chicote é feito do osso de um grilo. O cocheiro, um mosquito vestindo cinza, menor que a metade de um microespinho redondo, espeta do no dedo preguiçoso da moça. A carroça, uma avelã vazia esculpida pelo esquilo marceneiro ou pelo velho verme de outros tempos, fabricante das carruagens das fadas. É nesse equipamento que ela galopa todas as noites pelos cérebros dos amantes que então sonham com o amor. Galopa sobre os joelhos da pessoa que passa a sonhar com reverências. Sobre os dedos dos homens da lei que passam a sonhar

35 Mas Romeu não acha nenhuma graça e se mostra preocupado.

– Esse vento de que você fala é aquele que sopra a gente para fora de nós mesmos. O jantar está servido e chegare mos tarde demais – diz Benvolio com pressa para entrar. Mas Romeu hesita: – Acho que é cedo demais. Estou pressentindo alguma consequência que até agora estava pendurada nas estrelas e que amargamente vai começar seu assustador compro misso, revelado nessa noite, e marcar o fim dessa vida desprezível encerrada em meu peito, com uma sentença de

– Chega, chega Mercúcio! Você fala, fala e não diz nada – interrompe Romeu.

– Verdade. Eu falo de sonhos, filhos de um cérebro ocioso, gerados pelo nada e pela simples fantasia, de subs tância tão leve como o ar, tão inconstantes como o vento.

36 com honorários. Sobre os lábios das mulheres que passam a sonhar com beijos. Às vezes, a rainha Mab corre sobre o nariz de um sujeito e ele sonha que foi promovido. Outras, faz cócegas com o rabo de um porco no nariz de um favo recido e ele sonha com um novo benefício. Também pode passear pelo pescoço de um soldado e ele sonha com goelas cortadas dos inimigos, com emboscadas... E daí, de repen te, ela tamborila em seu ouvido e você acorda estremecido, faz duas ou três orações e volta a pegar no sono. A Mab é quem trança as crinas dos cavalos à noite e as embaraça enchendo-as de nós que, quando desatados, são presságios de grandes desgraças. É a feiticeira que aperta as moças deitadas de papo para o ar e ensina como devem se compor tar. Faz delas mulheres de boa carreira. É ela...

morte prematura. Mas Ele, que tem o leme da minha existência, que dirija o barco! Vamos lá, amigos animados. Eles entram na casa dos Capuleto.

38 cena 5

Na sala, o alvoroço é grande. Os criados correm de lado a outro para darem o toque final, verificam pratos, talhe res e guardanapos. Os músicos aguardam de prontidão. O senhor Capuleto recebe os convidados mascarados.

– Quem é aquela que está dando a mão para o homem ali no fundo? O criado diz não saber de quem se trata. Romeu observa uma moça e pensa em voz alta: – Ah, ela ensina as luzes a brilhar! Pendurada na face da noite como se fosse uma rica joia na orelha de um etíope: beleza rica demais para ser usada, preciosa demais para a terra! Parece um cisne de neve entre os corvos. Quando a dança acabar, vou prestar atenção onde ela vai ficar. E se minhas mãos rudes puderem tocar as dela, serão aben çoadas. Meu coração já amou até agora? Olhos meus, desmintam se puderem, porque até essa noite, jamais vi uma beleza verdadeira.

Romeu pergunta a um criado:

-

– Bem-vindos, senhores! As moças que não têm calos nos pés querem dançar. Ah! Alegres meninas, qual de vocês não quer dançar? Garanto que as desanimadas têm calos. Já se foi o tempo em que eu também usava máscara e cochi chava segredos no ouvido de uma moça bonita... Passou. Comece a música! Deem lugar, deixem o espaço livre! Andem moças, comecem a girar. A música toca e as danças começam.

– Irrita muito quando um penetra safado se mete na nossa festa. Não o suporto.

39 Tebaldo, o primo de Julieta, está ali por perto e ouve a voz de Romeu: – Essa voz parece de um Montecchio. Como esse escra vo se atreve a vir aqui com essa máscara grotesca. Gozar da nossa festa! Pela honra do meu sangue, vou matá-lo agora e isso não será pecado.

– O próprio, o infame Romeu – responde Tebaldo, indignado. – Calma sobrinho, fique tranquilo. Deixe-o sossegado. Ele está se comportando perfeitamente bem. Para ser franco, Verona tem orgulho dele. Ele tem muitas virtudes e é bem-educado. Nem por toda a riqueza da cidade eu iria querer que ele fosse ofendido em minha casa. Acalme-se e fique alegre. Essa é a minha vontade. Respeite-a e vê se tira essa cara feia e coloca uma de festa.

– Mas vai ter de suportar. Estou mandando que o deixe em paz! Afinal, quem manda aqui? Você ou eu? Não o suporta, onde já se viu?! Deus me livre e guarde. Querendo arrumar uma encrenca aqui, no meio dos meus convida dos? Provocar briga? Mandar na festa?

O senhor Capuleto percebe a irritação de Tebaldo e pergunta:–Oque foi, sobrinho? O que acontece com você? – Tio, aquele é um Montecchio, nosso inimigo. Entrou aqui para nos provocar. Quer acabar com a nossa alegria.

– Não é o jovem Romeu? – pergunta o pai de Julieta.

– Bom peregrino, está sendo injusto com a sua mão, que se mostrou devota e reverente. As mãos das santas são tocadas pelos romeiros e quando se tocam é como se a beijassem com devoção.

Tebaldo se afasta esbravejando, e Romeu, como que enfeitiçado, se aproxima de Julieta e diz:

– Vai, vai. Você não acha que está sendo muito petulante, não? Ainda pode acabar se dando mal com essa história. Já entendi tudo. Está querendo me contrariar numa hora dessas? Você não passa de um fedelho. Vá se acalmar, anda.

– As santas e os romeiros não têm boca?

– Sim, peregrino, lábios que usam para as orações.

– E ordena: – Luz! Mais luz! Que vergonha! Já vou baixar o seu facho. Assim, meus amigos! Alegria! Alegria!

– Santos não se mexem, mesmo que atendam aos pedidos.–Então não se mexa enquanto eu recebo a recompen sa da minha oração. Seus lábios vão perdoar todos os meus pecados. E Romeu beija Julieta.

40 – Mas, tio, é vergonhoso...

– Então, santa, permita que os lábios façam o que fazem as mãos. Elas rezam. Peço que aceite para que minha fé não se transforme em desespero.

– Se eu profanar com minha mão desmerecedora o relicário sagrado, aceito a penitência como castigo: meu lábio, peregrino solitário, estará pronto a compensar com suavi dade a aspereza da minha mão.

– Você é bom na conta dos beijos. De repente, são interrompidos pela Ama, que diz a Julieta que a mãe dela está chamando. Romeu pergunta para a Ama quem é a mãe de Julieta, e a Ama responde, esbravejando:

– Sim! A minha enorme aflição é que acabou de come çar – diz TodosRomeu.saemcom exceção de Julieta e da Ama. Julieta quer saber. – Vem cá, Ama, quem é aquele rapaz?

– E aquele que está passando pela porta?

41

– Então vai perguntar o nome dele. Vai! Se for casado, meu túmulo será meu leito nupcial.

– Filho e herdeiro do velho Tibério.

– Se não me engano, é o filho de Petrucchio.

– E aquele ali, que não dançou? – Não sei.

– É uma Capuleto? Ai, que conta cara! Minha vida agora foi creditada ao inimigo. Nesse momento, Benvolio se aproxima de Romeu dizendo para irem embora porque a festa já acabou.

– Agora seus pecados passaram para os meus lábios –diz –Julieta.Pecados? Meus? Oh! Quero todos de volta. Devolva os meus pecados.

– Ora essa, rapaz! A mãe dela é a dona da casa, aliás, muito boa, honesta e sábia. Eu sou a ama da menina com quem você estava falando. E vou contar: quem casar com ela vai levar uma bolada.

42 – Ele se chama Romeu. É um Montecchio, filho único do seu grande inimigo – revela a Ama. – Amar a quem eu devo odiar! Como o amor foi mons truoso comigo, fazendo com que me apaixonasse pelo inimigo! – Julieta lamenta. Sem entender, a Ama pergunta o que Julieta está falando e Julieta disfarça dizendo: – São rimas que aprendi com quem dancei.

SEGUNDO ATO

Mercúcio chama por Romeu: – Romeu! Gênio! Louco! Amante! Apaixonado! Apareça sob a forma de um suspiro. Eu ordeno, pelos olhos brilhan tes de Rosalina, por seu rosto, os lábios escarlates, as belas pernas, as coxas tremulantes e adjacências. Ordeno que você apareça, do jeito que for.

Romeu e seus amigos saíram da festa e agora estão num beco, junto ao muro do jardim dos Capuleto.

– Se ele estiver ouvindo, vai ficar bravo com você –adverte Benvolio.

– Não, isso não o deixa chateado. O que o deixaria irritado seria se eu invocasse um espírito estranho na frente de sua amada e o largasse ali, até que ela o exorcizasse. Só estou dizendo o nome dela para ver se ele se anima e aparece.

46 cena 1

Romeu está perdido em pensamentos: – Como ir embora se o meu coração está aqui? Volta, corpo pesado de argila e procura o teu centro. Desesperado, resolve escalar o muro da casa de Julieta. Benvolio e Mercúcio, que ainda pensam que ele está apaixonado por Rosalina, procuram por ele.

– Veio correndo até aqui e pulou o muro que dá no jardim. Vá chamá-lo, Mercúcio – diz Benvolio.

– Vamos, então. É muito chato ficar procurando quem não quer ser encontrado – Benvolio conclui.

47

– Vamos embora. Ele está escondido entre as árvores, para ficar perto da noite úmida. Seu amor é cego e combi na bem com a escuridão – diz Benvolio.

Cansados da noitada, Mercúcio e Benvolio resolvem ir embora e deixam Romeu para trás.

-

– Se o amor é cego, não vai acertar o alvo nunca. É bem possível que tenha ido sentar debaixo do pé de ameixa na esperança de que sua querida amada seja uma fruta que caia de madura em seus braços. Ó Romeu! Se ela fosse, se ela fosse um “Et cetera”, bem aberto, uma pera açucara da! Romeu, boa noite, vou deitar na minha cama de armar, porque estou achando essa cama de folhagem muito úmida para dormir. Vamos?

48 cena 2

Romeu conseguiu escalar o muro e agora está no jardim dos Capuleto. – Só ri das cicatrizes quem nunca teve uma ferida no corpo... – diz Romeu depois de ter ouvido escondido o que Mercúcio disse. De repente, Julieta aparece no balcão e Romeu fica ansioso.Levando um baita susto, Romeu fala consigo mesmo: – Calma! Que luz é essa agora? Será Julieta, o sol do Oriente? Surge formoso sol e mata a lua cheia de inveja que se mostra pálida e doente de tristeza por ter visto que, como serva, você é mais formosa que ela. Então deixe de servi -la. Ela é invejosa. Aí está a minha amada. Oh, sim! É o meu amor. Se ela soubesse! Ela está falando, mas não diz nada. O que será? Está falando com o olhar, vou responder. É muita ousadia, não está falando comigo: duas das mais lindas estrelas do céu tiveram de se ausentar por um tempo e pedi ram que seus olhos brilhassem em seu lugar até voltarem. Será que agora as estrelas estão no rosto dela e os seus olhos lá no céu? Não, a beleza de seu rosto envergonharia as estrelas como o dia claro envergonha a lâmpada. Se os seus olhos estivessem no céu, brilhariam com tanta intensidade que os pássaros acordariam para cantar. Como ela apoia o rosto na mão. Queria ser a luva dessa mão para tocar seu rosto!

– Ai de mim!

– Só o teu nome é o meu inimigo. Se você não fosse um Montecchio, acaso deixaria de ser quem é? O que é um Montecchio?

– Oh, ela falou! Fala de novo, anjo brilhante. Aí no alto onde você está, parece uma mensageira do céu diante dos olhares admirados dos mortais! Quando erguem os olhos, só aparece o branco, de tanto que viram para o alto para te contemplar, enquanto você passa rápido entre as nuvens preguiçosas, velejando no seio do firmamento.

49

– Quem é você que, escondido na noite, invade o meu segredo?–Não sei que nome falar para dizer quem sou: meu nome é odioso demais porque é seu inimigo. Eu o rasgaria se estivesse escrito num papel.

Não é mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma do corpo. Muda de nome. O que é um nome? A flor que chamamos de rosa não perde o perfu me se dermos a ela outro nome. Assim, mesmo se Romeu não chamasse Romeu, deixaria de ser tão perfeito como é? Renuncia ao seu nome, Romeu, ele não faz parte de você, e em troca fica comigo inteira.

– Romeu, Romeu! Ah! Por que você é Romeu? Renega o teu pai, muda de nome. Ou então, só jura que me ama e eu deixarei de ser Capuleto.

– Será que devo ouvir mais um pouco ou respondo?

– Aceito, me chama só de amor. Fui rebatizado e de agora em diante não sou mais Romeu.

– Se eles o virem, vão matá-lo.

50

– Por nada nesse mundo eu ia querer que você fosse visto aqui.

– O manto da noite me esconde. Basta que me ame e eles que me vejam! Prefiro morrer logo pelo ódio deles, a viver muito sem o seu amor.

– Saltei o muro com as asas do amor. Muros de pedra não conseguem barrar o amor. Não há nada que o amor não consiga e os seus parentes também não serão obstáculos.

– Ai! Mas nos seus olhos tem mais perigo do que em vinte punhais de seus parentes. É só me olhar com essa doçura que eu fico imune ao ódio deles.

– Como conseguiu chegar aqui?

– Nem Romeu, nem Montecchio se esses nomes desagradam.–Medizcomo

– Meus ouvidos ainda nem beberam cem palavras de sua boca, mas reconheço o tom da sua voz. Você não é Romeu, um dos Montecchio?

– O amor me ajudou, me deu coragem e conselhos e eu emprestei-lhe os olhos. Não sou piloto, mas se você estivesse tão longe quanto a praia mais extensa, banhada pelo mais longínquo dos mares, eu iria me aventurar para encontrá-la.

veio parar aqui e por quê? Como conseguiu entrar? O muro do jardim é muito alto, difícil de escalar. Esse lugar é mortal para você, se um dos meus parentes te encontrar.

– Por nada ou, se quiser, jure por você mesmo, por sua pessoa, que é o objeto de minha adoração. Assim, eu vou acreditar.–Seo amor sincero desse coração...

– Não jure pela lua. A lua é inconstante, muda de aparência em sua órbita todos os dias.

– A máscara da noite cobre o meu rosto, não fosse isso, você me veria enrubescer com o que falou. Eu sei que deveria ser mais recatada, negar o que disse, mas chega de formalidades. Você me ama? Sei que vai dizer que sim e eu acredito. Se jurar, vai parecer leviano. Dizem que Júpiter ri dos amantes que juram em falso. Ó meu gentil Romeu! Se me ama, me diz com sinceridade. Se você acha que foi muito fácil me conquistar vou ficar ríspida, fran zir as sobrancelhas e dizer “não”. Assim você tenta me conquistar de novo. Mas se não, por nada neste mundo. Belo Montecchio, é certo: estou perdida, louca de amor. Pode parecer que estou sendo leviana, mas pode acredi tar, estou sendo sincera e não sou como outras que fazem de conta que são precavidas. Confesso que poderia ter sido mais prudente, se você não tivesse me ouvido, sem que eu percebesse, declarando a minha verdadeira paixão. Então me perdoa e não julgue minha entrega ao amor uma levian dade que nem a noite escura conseguiu encobrir.

51

– Juro por essa lua encantadora que com sua luz prateada ilumina as belas copas de todas estas árvores...

– Por que devo jurar?

– Porque assim eu poderia oferecê-lo com mais generosidade. Mas, por enquanto, não quero nada além do que eu já tenho. – A Ama chama de dentro e Julieta se despe de.

– Tem gente chamando. Adeus, amor! Adeus! Ama, já vou! Seja fiel, doce Montecchio. Espera um pouquinho. Eu voltoJulietalogo.vai para dentro da casa. Imóvel, não acreditando no que está acontecendo, Romeu comemora:

52

– Ah! Que noite abençoada! Tenho medo que tudo não passe de um lindo sonho. É bom demais para ser verdade.

– Romeu, eu já entreguei meu coração antes de você pedir, mas eu não queria ter feito isso ainda. – Quer retirá-lo? Por quê?

-

– Para! Não jura, não. Não posso querer tudo nesta noite. Fui muito precipitada, súbita, como o relâmpa go que desaparece antes que possamos dizer: olha como brilha! Boa noite. Que o hálito do verão amadureça esse botão de amor, para que ele possa transformar-se numa delicada flor quando nos encontrarmos de novo. Até mais. Boa noite. Tomara que a paz que eu sinto em meu peito alcance o seu coração. Que mais você queria essa noite?

E Julieta volta a aparecer no balcão. – Romeu querido, só três palavrinhas e boa noite outra vez. Se seu amor for sério e honesto, amanhã cedo me envia uma palavra pelo mensageiro que vou mandar: onde

– Falar do nosso amor, saber se você me ama como eu amo você.

– Ei! Romeu, ei, psiu! Quem me dera saber assobiar como o falcoeiro para chamar de volta esse belo gavião! Se eu pudesse acordaria o Eco que deve estar dormindo na caverna e emprestaria a sua voz para repetir cem vezes o seu nome, Romeu.

Amanhã cedo eu mando o mensageiro.

– A que horas devo mandar alguém procurá-lo?

– Às nove horas.

54 e quando quer realizar a cerimônia, que eu ponho o meu destino em suas mãos, para seguir você pelo mundo como meu esposo.

– Minha alma me chama pelo nome. Que doce som de prata é a língua dos amantes à noite. Não tem música mais linda que essa.

– Mas a Ama volta a chamar. – Já vou! Estou indo! Mas se o seu pensamento não for puro, peço que não me procure nunca mais e me deixe entregue à minha dor.

– Por minha alma...

– Romeu! – Amor?

– Já é quase dia. Queria que você já tivesse ido, mas não para longe. Como o passarinho da menina, que ela solta um pouquinho, mas logo puxa de volta pelo cordão de seda, de tanto amor e ciúme que sente de sua liberdade.

– Mil vezes boa noite. – E Julieta sai lentamente.

– Não, mil vezes péssima noite, sem a sua luz. O amor corre em busca do amor. E o amor quando se afasta tem a cara aflita do menino que tem de ir à escola. Julieta volta a aparecer no alto.

55 – Como eu queria ser esse passarinho. – Eu também queria ser sua dona, mas correria o risco de matar você de tanto acariciar. Boa noite, boa noite! Partir é uma dor doce, é melhor dizer boa noite do que se despedir.–Durma bem. Que o sono caia sobre seus olhos e a paz sobre seu peito. Quem me dera ser esse sono e essa paz descansando tão docemente em você! Vou procurar o Frei para pedir ajuda.

De manhã bem cedinho, Frei Lourenço entra na Igreja de São Pedro carregando um cesto cheio de ervas que acabou de colher no jardim. É possível ouvir seus pensamentos: – Riscando a noite de luz, a madrugada ri com olhos embaçados para a noite escura. A escuridão manchada recua como que embriagada diante da marcha do dia e das rodas do Titã. Preciso encher o cesto de ervas malignas e de flores antes que o sol avance, com o olhar de fogo, para saudar o dia. A Terra é a mãe e o túmulo da natureza. O sepulcro é também o ventre que lhe dá a origem. E de seu ventre também nascem filhos de todas as espécies que mamam em seu peito. Cada um com sua virtude, são diferentes entre si. Como é grande o poder que há nas ervas, nas plantas, nas pedras. Não existe nada que seja tão mau a ponto de não gerar algum benefício, assim como não há nada de tão bom que, desviado de seu fim legítimo, não acabe fazendo mal à própria essência e ao nascimento. A própria virtu de se transforma em vício quando mal aplicada e, às vezes, o vício enobrece. Debaixo da película dessa florzinha tem um veneno e uma virtude medicinal. Se aspirada, agrada o corpo com seu perfume; se bebida, mata e paralisa os senti dos e o coração. Dentro de nós, como nas ervas, também moram duas potências inimigas: o bem e o mal. Quando o mal domina, o verme da morte logo devora a planta.

56 cena 3

– Vou contar logo de uma vez. Fui à festa do nosso inimi go, onde fui ferido por quem também feri. A nossa cura depende da ajuda da sua medicina, padre, porque, como vê, o meu pedido estende-se à minha inimiga também.

– Ah! Que Deus o perdoe! Você estava com a Rosalina?

– Rosalina, padre? Que pergunta! Já esqueci esse nome e a dor que causava.

– Que bom, filho. Então, onde estava?

– Benção! Quem está falando comigo a essa hora? Oh, rapaz, alguma coisa deve estar preocupando-o muito para arrancar você tão cedo da cama. Algo me diz que alguma coisa grave fez você levantar tão cedo ou então que nem se deitou.–Sim, acertou...

– Seja mais claro, meu filho. Confissões enigmáticas resultam em absolvições duvidosas.

– Padre, que o amor do meu coração foi se fixar logo na bela filha do Capuleto. E o dela no meu. Já está tudo combinado, só falta agora o senhor nos dizer a hora e o lugar do nosso casamento. Depois eu conto em mais deta lhes, sem mudar nada, onde nos vimos, como nos falamos e como resolvemos casar. Só que agora o meu desejo é que o senhor nos case hoje mesmo.

57 Romeu surge, apressado. – Bom dia, padre.

– Por São Francisco! Que mudança é essa? Rosalina era tão adorada e já caiu assim tão depressa no esquecimen to? Para os jovens o coração não diz nada, quem manda

– Por favor! Rápido. Estou com muita pressa – diz Romeu, aflito.

– Não contra o amor, contra o exagero.

– Não me censure, padre, minha amada me ama como eu a amo, e isso não acontecia com Rosalina.

58 são os olhos. Ai! Jesus, Maria! Quantas lágrimas não derramou, inundando o seu rosto só por causa do amor de Rosalina? Quanta água jogada fora por um amor que não sente agora! O sol ainda não dissipou o nevoeiro dos seus suspiros. Ainda ouço as suas queixas nos meus ouvidos. Se ainda for quem é, todas essas lágrimas foram derramadas por Rosalina. Mudou tanto assim? Lembre-se do ditado: as mulheres caem quando os homens são fracos.

– Disse para enterrá-lo. – Sim, mas não numa cova, para depois trocar por paixão mais nova.

– Me conta o que está acontecendo. Tenho boa razão para pensar que essa união poderá transformar em amor o rancor que existe entre as duas famílias.

– Calma! Quem muito corre, muito tropeça.

– Mas o senhor era contra o meu amor por Rosalina.

59 cena 4

Benvolio e Mercúcio caminham pela rua, preocupados com Romeu. – Onde diabo se meteu esse Romeu? Não voltou para casa essa noite? – diz Mercúcio.

– Pelo que eu soube, não dormiu em casa – comenta Benvolio.–Ah, ele vai acabar louco por culpa dessa Rosalina coração de pedra – diz Mercúcio. Benvolio conta que o parente do velho Capuleto, Tebaldo, mandou uma carta para o pai de Romeu, e Mercúcio acha que deve ser uma provocação. Benvolio descreve Tebaldo como sendo mais que o príncipe dos gatos, diz que luta como quem canta, mantendo tempo, distância e proporção e que respira fundo, uma, duas e que na terceira, vai direto no seu peito. E conclui: – Um verdadeiro carniceiro dos botões de seda, um duelista, duelista mesmo! Romeu chega. Os amigos comentam e debocham. Mercúcio diz: – Signior Romeu, bon jour. Ontem à noite você não foi nada educado, saindo à francesa. Sumiu sem mais nem menos, sabe-se lá por quê. Romeu vê a Ama chegando acompanhada de seu ajudante, Pedro, e diz:

– Boa tarde, senhora – responde Mercúcio.

– Por minha fé, muito bem dito: “Para que ele próprio se estragasse!”. Algum de vocês pode me dizer onde posso encontrar o jovem Romeu? – pergunta a Ama.

particular.Benvolio

– Ótimo. Se for ele mesmo, gostaria de conversar em e Mercúcio percebem que estão sobrando e vão embora. Mercúcio sai cantando: – Senhora, senhora, senhora.

60 – Aí vem uma boa embarcação. A Ama se aproxima e pede que Pedro lhe passe o leque. Ao ouvir isso, Mercúcio provoca: – Isso, Pedro, para esconder o rosto dela. O leque é mais bonito.–Bom dia, senhores – diz a Ama.

– Já é boa tarde? – pergunta a Ama.

E Mercúcio não perde a piada e continua provocando: – Nem mais nem menos porque bem agora a mão obscena do mostrador está mantendo ereto o ponteiro do meio-dia.–Saida minha frente! Que espécie de homem é você? –resmunga a Ama.

– Um homem que Deus fez para que ele próprio se estragasse – intervém Romeu.

– Eu posso, mas no instante em que encontrar o jovem Romeu ele já estará mais velho do que quando começou a procurar. Na falta de outro pior, sou eu o mais moço com esse nome – responde Romeu.

– É um homem, Ama, que tem prazer em ouvir a própria voz. Num minuto fala mais coisas do que consegue fazer em um mês – explica Romeu.

– Sim, adeus. Pode-me dizer quem é esse sujeito que só tem bobagem na cabeça?

– Mas se ele disser algo contra minha pessoa, eu acabo com ele. Piolhento! Não sou nenhuma louca. Não sou dessas desmioladas. – E dirigindo-se ao assistente Pedro: – E você? Está aí do lado vendo tudo e deixa o homem falar de mim o que quiser? E Pedro se defende: – Não vi homem nenhum fazer da senhora o que bem quisesse. Eu garanto que se tivesse visto, minha espada teria saltado logo da bainha.

– Meu corpo está tremendo de raiva. Que sujeito à-toa! – reclama a Ama e depois de se acalmar um pouco, fala com Romeu. – Minha jovem senhora mandou que o procu rasse. Não vou revelar o que ela mandou que lhe dissesse.

Primeiro, quero lhe dizer que se pretende levá-la ao paraíso dos loucos, como se diz, seria uma péssima ideia. A menina é muito jovem e enganá-la seria uma grande maldade, uma coisa muito feia.

61

– Ama, me recomende a ela, eu juro... A Ama não o deixa concluir e já interrompe: – Oh! Que lindo! Vou dizer isso a ela. Ela vai ficar muito contente!

– Mas a senhora vai dizer o quê, se nem ouviu o que eu ia falar?

– Vou dizer que jurou e que me parece ser uma promes sa de homem bom. – Diga a ela para procurar pretexto de ir hoje à tarde se confessar, mas na verdade nós vamos nos casar. Lá no retiro do Frei Lourenço. Romeu tenta dar um dinheiro a Ama, mas ela não aceita e garante:–Esta tarde, ela estará lá. – Boa mulher, espere um pouco. Meu criado irá procurá-la com uma escada de cordas para que eu possa escalar à noite o maior degrau da minha vida. Adeus. Vou recompen sá-la pelos seus serviços. Recomende-me a ela. – Que Deus do céu o abençoe. Escute... Podemos confiar no seu criado? Não sabe que segredo repartido em três o diabo que fez?

62

– Posso garantir que o meu homem é tão firme quanto o aço.–Muito bem. Minha menina é muito gentil. Ah, senhor! Há um nobre na cidade, um tal de Páris, que adoraria lançar o seu arpão para fisgá-la. Mas ela prefere ver um sapo, um sapo de verdade, a olhar para ele. Às vezes eu até a deixo irritada, dizendo que não existe um moço tão bonito quanto Páris. – Me recomende a ela. – Certo. Mil vezes.

– Estou muito cansada. Me deixa descansar um pouquinho. Meus ossos estão doendo! Minha nossa, como corri!

– Então, Ama? Meu Deus! Por que está triste?

63 cena 5

– Eu bem que trocava os meus ossos por suas notícias. Vamos, anda, fala logo, fala Ama.

mensageiros

Julieta está em sua casa e mal consegue conter a ansiedade pela volta da Ama.

– O relógio bateu nove horas quando mandei a Ama. Ela prometeu voltar em meia hora. Será que não conse guiu encontrá-lo? Não pode ser! Ai, coitada. Ela manca. Os do amor deveriam ser pensamentos que são dez vezes mais rápidos que os raios de sol quando expulsam as sombras das colinas. Por isso o amor é sempre levado por pombas ligeiras e o Cupido tem asas velozes como o vento. Agora o sol está na altura máxima de seu curso. Das nove ao meio-dia já se passaram três longas horas e ela ainda não voltou. Se estivesse apaixonada e tivesse sangue jovem, iria mais rápido que uma bala. Nesse momento, a Ama chega acompanhada por Pedro e Julieta exclama: – Ufa! Até que enfim! Que novidades me traz, doce Ama? Você o encontrou?

– Pedro, espera lá fora! – ordena a Ama e Pedro sai.

Jesus! Que pressa! Não pode esperar um instantinho? Não está vendo que estou sem fôlego? Como sem fôlego, se está com fôlego bastante para me dizer que está sem fôlego? As suas desculpas são mais longas que o recado. As notícias são boas ou más? Responde só isso. Uma palavra e aí eu espero pelo resto. São boas ou más?Bom, você fez uma escolha bem simples. Não sabe escolher um homem. Romeu... Não, não ele. O rosto dele é mais bonito do que de qualquer homem, as pernas são bem feitas e... Não é lá uma flor em cortesia, mas parece manso como cordeiro. Siga o seu caminho, menina, e que Deus a guarde. Já comeram? Não, não. Mas isso tudo eu já sabia. E sobre o casa mento, o que ele disse? Oh! Que dor de cabeça! Como martela! Parece que vai estilhaçar em vinte pedacinhos. E as costas! Ai, ai, ai, minhas costas! Que seu coração seja punido por ter feito eu correr desse jeito desembestada, ladeira abaixo e acima, em direção à morte. Eu sei. Sinto muito que não está bem. Mas, minha doce, doce Ama, o que disse o meu amor? – Seu amor disse, como sujeito honesto e cortês e bondo so e belo e, posso garantir, virtuoso... Onde está a sua mãe? Onde está minha mãe? Está lá dentro. Onde estaria? Mas que resposta! “Seu amor disse, como sujeito honesto, onde está a sua mãe?”.

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– Depressa. À minha felicidade. Adeus, Ama!

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– Ai, minha Santa Virgem! Como é fervida! É esse o tratamento para os meus pobres ossos? De hoje em diante, cuide você mesma de levar seus recadinhos.

– Tenho. – Então não perca tempo e vá ao retiro do Frei Lourenço, onde um marido espera por você. Aquele rapaz desse sangue que tinge seu rosto de vermelho. Corre até a igreja, que eu tenho de tratar de procurar uma escada para que seu amor possa alcançar o ninho quando anoitecer. Eu sou a sua mula de carga e sua festa. Mas essa noite você verá o peso do amor. Vamos correr, eu para almoçar e você para o retiro do Frei.

– Quanto rodeio! E Romeu, o que ele disse?

– Você pode ir se confessar? Tem licença?

– Aí está Julieta. Seus passos leves nunca gastarão as pedras das calçadas. Os apaixonados conseguem andar nos mais finos fios da teia de aranha. A vaidade também é leve. Julieta cumprimenta o Frei Lourenço.

Romeu e Frei Lourenço esperam por Julieta na igreja de São Pedro e, torcendo para tudo dar certo, Frei Lourenço diz: – Que o céu sorria para este ato santo e que o futuro não traga horas tristes. Ao que Romeu responde: – Amém, amém! Mas que venham quantas tristezas vierem, não vão conseguir equilibrar a alegria imensa que sinto num pequeno minuto ao lado dela. É só juntar nossas mãos com palavras consagradas, que a morte assassina do amor faça o que quiser. Para mim já basta poder chamá-la de minha.EoFrei Lourenço adverte: – Alegrias violentas têm finais violentos e morrem no seu triunfo. É como a pólvora e o fogo, que se consomem num beijo. O mais doce mel acaba enjoando por causa da doçura e o seu sabor pode enganar o apetite. Por isso, para que o amor dure, ame moderadamente. Quem corre muito pode chegar mais tarde do que quem caminha. Nesse momento, Julieta chega.

66 cena 6

– Para o meu santo confessor, bom dia.

– Filha, Romeu irá agradecer por nós dois. Romeu beija Julieta.

– E também vou agradecer por nós dois – responde Julieta e beija Romeu de volta.

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– Ah! Julieta, se medir a sua alegria pela minha... Você tem mais arte que eu para enfeitar a imagem da felicida de que as nossas duas almas recebem nesse maravilhoso encontro.Julieta também fala de seu amor por Romeu até que é interrompida por Frei Lourenço: – Vamos, vamos! Vamos abreviar o trabalho. Não pretendo deixar vocês sozinhos nem um minuto até que a Igreja abençoe esse casamento, fazendo dos dois um só.

TERCEIRO ATO

– Como assim?

– Vai – provoca Mercúcio –, você é dos mais esquentados de toda a Itália. Tem o pavio curto.

– Se existisse outro como você, não iam durar muito porque logo um mataria o outro. Você é capaz de brigar com um homem por achar que tem um fio a mais ou a menos de barba. Quem mais inventaria um pretexto assim?

71 cena 1

Agora voltamos à praça pública e chegam Mercúcio, Benvolio, acompanhados por um grupo de jovens.

– Você parece aqueles sujeitos que põem a espada no balcão quando entram no bar dizendo “Tomara que eu não precise dela”, e aí, depois do segundo copo, sem motivo algum, são capazes de ameaçar o balconista.

Mas Benvolio logo sente cheiro de confusão e diz para irem embora dali:

– Será mesmo que sou desse tipo?

Já brigou com um sujeito na rua só porque ele tossiu e acor dou o seu cachorro. E não teve aquela do alfaiate, só porque ele vestiu um casaco novo, antes da Páscoa? E aquele outro,

– Eu te peço, Mercúcio: vamos embora. Está quente demais, os Capuleto estão na cidade. A gente pode topar com eles, e aí é encrenca na certa. Em dias quentes como hoje, o sangue ferve mais rápido. Mas Mercúcio não se abala.

72 você invocou com ele só por ter amarrado os sapatos novos com cordões usados? Sendo quem é, vai me ensinar a ter cuidado?–Por minha cabeça, vem vindo um Capuleto – avisa Benvolio.–Pormeu

– Você pode também buscar ocasião sem que lhe seja dada.

– Afinado? Como! Acha que somos músicos? Se pensa assim, prepara os ouvidos para ouvir só desafinos. Aqui está o arco da minha rabeca que vai fazer você dançar. DançaPreocupado,aí! Benvolio intervém: – Estamos numa praça pública. Está cheia de gente. Vamos para um lugar mais afastado ou vamos embora. Aqui há muitos olhos em cima de nós.

– Só uma palavra com um de nós? Acrescenta alguma coisa, tipo, uma palavra e uma estocada – provoca Mercúcio.–Estarei sempre disposto a isso e você me dará ocasião – responde Tebaldo.

calcanhar, eu não estou nem aí. Nesse momento, chega Tebaldo, acompanhado de um grupo de jovens. Tebaldo avisa que vai falar com Mercúcio e Benvolio.–Bomdia, posso trocar uma palavra com um de vocês? – diz Tebaldo.

– Mercúcio, você está afinado com Romeu...

Romeu tenta acalmar os ânimos de todos, mas Mercúcio não quer saber e continua provocando: – Ó calma, desonra, maldita submissão! Alla stoccata!1 Vamos decidir isso logo de uma vez... – E sacando a espada, grita: – Tebaldo, o caçador de ratos, quer correr?

– Está querendo o quê? – pergunta Tebaldo.

– Isso não desculpa as ofensas que me fez. Pode voltar e se preparar para lutar – desafia Tebaldo. Mas Romeu continua tentando evitar confusão:

– Os olhos foram feitos para ver. Que vejam. Daqui, não dou um passo – Mercúcio responde. Nesse momento chega Romeu, e Tebaldo diz: – Fiquem em paz, porque chegou meu homem. – E se volta para Romeu: – Ah, Romeu, pelo sentimento que você desperta em mim, só posso chamá-lo de canalha. – Tebaldo, a razão que tenho agora para amar você é muito maior que a raiva por essa saudação. Não sou cana lha. Tchau. Estou vendo que não me conhece – Romeu responde e tenta ir embora para evitar briga.

– Ó rei dos gatos. Não quero nada além de uma das suas nove vidas, que tomarei a liberdade de tirar, deixan do as outras oito para tirar depois, dependendo do seu 1 Termo de duelo que indica a ação de tocar ou ferir com a ponta da espada ou do florete. (N. da E.)

– Eu nunca ofendi você. Gosto mais de você do que imagina. Logo mais vai descobrir o porquê. Gosto tanto do nome Capuleto como do meu próprio nome, pode ter certeza.

73

74 comportamento.

Está querendo sacar a espada pelas orelhas? Anda logo ou a minha espada vai fazer um carinhoTebaldonelas. entra na provocação e também saca a espada.

– Por favor, Mercúcio, guarda a espada – pede Romeu.

– Anda, vamos, o seu melhor golpe! Eles começam a lutar. Desesperado, Romeu diz:

– Pois não.

O príncipe proibiu as brigas nas ruas de Verona. Tebaldo! Mercúcio!Romeu tenta conter Mercúcio e se coloca entre os dois lutadores. Mas, nesse instante, Tebaldo golpeia Mercúcio por debaixo do braço de Romeu e sai com seus amigos.

– Benvolio, vamos obrigá-los a parar. Tenham vergonha na cara, vamos deixar isso para lá! Mercúcio! Tebaldo!

Mas Mercúcio continua desafiando Tebaldo:

– Um arranhão, foi só um arranhão. Mas já basta. Onde está meu empregado? Vá buscar um médico. O empregado sai correndo em busca de socorro.

– Coragem, homem! O ferimento não deve ser profundo – diz Romeu tentando acalmar Mercúcio.

– Estou ferido. Que a peste caia sobre as duas casas. Morto! E ele foi embora, sem nenhum arranhão? – grita Está ferido? – Benvolio pergunta assombrado.

Mercúcio.–Como!

– Não, não é tão fundo quanto um poço, nem tão largo quanto porta de igreja. Mas é o suficiente. Amanhã você vai me encontrar bem sério. Sou apimentado demais para esse

75 mundo. Que a peste caia sobre as suas casas. Fui ferido de morte pelo arranhão de um cão, um rato, um camundongo, um gato. Um idiota que luta seguindo as regras da aritmé tica! Por que diabos você foi se meter entre nós? Fui ferido por baixo do seu braço.

– Era pelo seu bem – explica Romeu. – Benvolio, me leva para alguma casa. Estou sentindo que vou desmaiar – pede Mercúcio e pragueja: – Que a peste caia sobre as duas casas! Vou virar pasto dos vermes. Já tenho a minha parte. Sobre as duas casas!

– A fatalidade desse dia vai se espalhar por outros dias. Esse é o começo da desgraça, outros irão terminá-la. Tebaldo retorna à praça e logo é avistado por Benvolio.

– O furioso Tebaldo está de volta. Inconformado com a morte do amigo, Romeu desafia:

Benvolio leva Mercúcio embora. Preocupado, Romeu lamenta: – Esse nobre homem, parente próximo do prínci pe, meu mais querido amigo, foi ferido mortalmente por minha causa. A minha reputação foi manchada por Tebaldo. Tebaldo, que foi meu parente por uma hora. Ah, doce Julieta, a sua beleza fez de mim um covarde e suavi zou o aço em meu peito. Benvolio volta gritando: – Romeu, Romeu, Mercúcio está morto! Foi para o céu esse bravo espírito que há pouco desprezava tudo quanto era da terra.

– Foge! Vai, anda! Romeu foge correndo e um grupo de gente se reúne para ver o acontecido.

– Vamos ver então. Os dois lutam e Tebaldo cai mortalmente ferido. Vendo isso, Benvolio fala, preocupado: – Romeu, foge depressa! Tem gente vindo aí. Tebaldo está morto. Não fica aí atordoado, o príncipe vai condenar você à morte se o encontrar aqui. Foge, depressa!

– Onde estão os que começaram essa briga? – o Príncipe quer saber.

– Para que lado fugiu o que matou Mercúcio? Tebaldo, o assassino, onde está? – alguém pergunta. Nesse momento, chega o príncipe acompanhado de seu séquito. O senhor Montecchio e o senhor Capuleto também aparecem, acompanhados de suas esposas.

– Coitado de você, que era seu amigo aqui, agora vai fazer companhia a ele lá – responde Tebaldo.

76

E Benvolio responde:

– Vivo! Em triunfo! E o bom Mercúcio morto? Vai para o céu, clemência branda! Que a fúria dos olhos de fogo seja minha guia! Agora Tebaldo, toma de volta o “canalha” que você acabou de me dar, porque a alma de Mercúcio está só um pouco acima das nossas cabeças, esperando pela sua companhia. Ou você, ou eu, ou nós dois temos de ir com ele.

– Sou o bobo da fortuna, do destino – diz Romeu.

– Posso explicar como começou essa fatalidade. Ali, deitado, morto pelo jovem Romeu está o homem que matou o seu parente, o bravo Mercúcio. – Tebaldo? Meu sobrinho, filho do meu irmão? Marido, o seu sangue foi derramado. Se for justo, vinga o nosso

sangue, fazendo correr o do Montecchio. Ah, sobrinho querido – lamenta a mãe de Julieta. – Quem começou? – pergunta o Príncipe. E Benvolio continua relatando o que aconteceu: – Tebaldo aqui foi morto por Romeu. Romeu falou com ele, tentou evitar a briga, pediu para ele pensar bem, que

não tinha motivo, que o Príncipe havia proibido, tudo na melhor das intenções, com voz mansa, sem se alterar. Até chegou a ficar de joelhos, com humildade, mas não conse guiu frear a fúria de Tebaldo que, surdo aos seus apelos, apontou a espada para o peito do ousado Mercúcio. E Mercúcio desafiava corajosamente a morte com uma das mãos enquanto a outra apontava a espada para o peito de Tebaldo. Romeu gritava: “Parem, amigos! Parem!”, e se colocava entre eles e, mais rápido que sua língua, seu braço ágil desviava as pontas das espadas. Mas por baixo do braço dele, um golpe de Tebaldo atingiu em cheio a existência do valente Mercúcio. Depois disso, Tebaldo fugiu, mas logo voltou, e deu de cara com Romeu, que acabara de ver o amigo morto. Os dois se pegaram mais rápido que um raio e, sem que desse tempo de separá-los, Tebaldo caiu sem vida. Daí Romeu fugiu. Se nisso houver maldade, não quero continuar vivendo. Mas a mãe de Julieta não quer saber e acusa: – Ele é parente dos Montecchio. Está mentindo para proteger os seus. Foram no mínimo vinte para tirar apenas uma vida. Justiça, Príncipe! Romeu matou Tebaldo. Romeu não deve viver. – Matou quem antes matou Mercúcio. Quem paga o preço dessa preciosa vida? – indaga o Príncipe. E o pai de Romeu responde:

E depois de refletir um pouco, o Príncipe sentencia: – Por essa ofensa, Romeu será imediatamente exilado de Verona. Eu próprio sou vítima do ódio entre as famílias. O meu sangue também corre por causa dessas disputas ferozes. Mas vou aplicar uma pena tão dura para que todos se arrependam da perda que estou sofrendo hoje. Ficarei surdo a desculpas, pedidos, lágrimas e súplicas. Façam Romeu partir, a ordem é expressa! E se ele demorar, garanto que essa terá sido sua última hora. Levem o corpo. A clemência com assassinos é assassina também.

80 – Príncipe, não Romeu. Ele era amigo de Mercúcio. O crime dele só antecipou o resultado que a lei impõe: a morte de Tebaldo, por desobedecê-la.

82 cena 2

Julieta está no jardim de sua casa tomada de aflição e de desejo. – Galopem, corcéis dos pés de fogo, para o palácio de Febo. Que um condutor como Faetonte, filho de Apolo, vencedor da corrida de bigas, toque vocês para o poente para trazerem a noite escura imediatamente. Abre a cortina, noite protetora dos amores, para que os olhos curiosos nada vejam e meu Romeu possa correr aos meus braços sem ser visto. Para se amarem, os namorados não preci sam de outra luz que não a da própria beleza. Se o amor é cego, combino melhor com a noite. Venha, noite circunspecta, com teu negro manto de matrona severa, e me ensina a perder uma partida que já está ganha e que será jogada por dois virgens imaculados. Esconde no teu manto o meu sangue virgem que sobe no meu rosto, até que o tímido amor adquira confiança para o ato de amor sincero e puro. Vem, noite! Vem, Romeu! Vem, gentil noite! Vem, noite amorosa de sobrancelhas escuras! Me entrega o meu Romeu e, quando ele morrer, leve-o e corte-o em pedacinhos de estrelas que ele irá deixar o rosto do céu tão lindo que o mundo inteiro vai ficar apaixonado pela noite e deixará de venerar o sol. Comprei a mansão de um amor, mas não tomei posse dele e acho que fui vendida e ainda não fui possuída. Que dia que não passa. Parece a noite

– Por que diabo está me atormentando assim? Vai fazer essa tortura nos quintos dos infernos. Romeu se suicidou? É só dizer “sim” que para mim essa palavrinha tem mais veneno que o olhar fatal da serpente fabulosa basilis co. Estou morta, se esse “sim” existir, se já estiverem sem vida os olhos que esse “sim” indicam. Já morreu? Vive? Diz “sim” ou “não”. Um som é tudo para o coração.

– Oh, dia maldito! Ele morreu! Ele morreu! Morreu! Estamos perdidas! Perdidas! Maldito dia! Se foi! Assassinado! Está morto!

– Pode o céu ser tão cruel assim?

Argila cruel volta a ser inanimada. Volta para o lugar de onde veio! Que a mesma terra cubra Romeu e você.

– O céu não pode, mas Romeu sim. Ó Romeu! Romeu! Quem teria pensado uma coisa dessas?

83 antes de uma festa para a criança impaciente, louca para vestir a roupa nova. Oba! Lá vem a Ama me dar notícias. –

– Vi a ferida, vi com esses olhos, Deus acuda! Aqui, bem no meio do peito sarado. Pobre cadáver! Todo ensanguen tado. Pálido como cinza, cheio de coágulos de sangue pelo corpo. Desmaiei quando vi.

– Ai, coração, despedaça! Pobre arruinado, despeda çado. Para a prisão, olhos! Nunca mais verão a liberdade!

– Ai de mim! Que acontece? Por que está torcendo as mãos desse jeito?

A Ama chega trazendo cordas e Julieta pergunta: – Ama, quais são as novidades? O que é isso? As cordas de Romeu? – Ai, ai, as cordas. – E joga as cordas no chão.

– Deus! A mão de Romeu derramou o sangue de meu primo Tebaldo?

– Derramou, derramou. Oh! Que dia! Derramou.

– Ah, coração serpente, mascarado de flor! Em algum tempo já existiu um dragão em cova tão formosa? Monstro atraente, demônio angelical, corvo de belas penas, cordeiro-lobo devorador, substância desprezível de aparência divina, o oposto do que mostrava ser! Santo maldito, vilão honrado! Ó natureza, o que você foi fazer no inferno, como pode um espírito tão infernal se abrigar no paraíso mortal de uma carne tão bela?

– Não se pode acreditar nos homens. Não há confian ça, nenhuma honestidade. Todos são mentirosos, falsos e perjuros. Que a vergonha caia sobre Romeu.

– Tebaldo morreu e Romeu foi expulso de Verona, banido. Foi Romeu quem matou Tebaldo e daí foi banido.

84 – Ó Tebaldo, Tebaldo! Meu melhor amigo! Tebaldo tão educado! Tão honesto e gentil! Não queria estar viva para ver você morto!...

– Que a tua língua se cubra de pústulas por desejar isso! Ele não nasceu para a vergonha. A vergonha tem vergonha de sentar em seu rosto porque é o trono em que a honra pode ser coroada como monarca único da terra universal. Oh! Como fui má, falando assim dele.

– Que tempestade é essa que sopra em direções contrá rias? Romeu foi assassinado e Tebaldo morto? Meu primo, meu querido marido? Então, que venha o juízo final! Quem poderá ficar vivo, se os dois estão mortos?

85 – Você elogia quem matou seu parente?

– Devo falar mal de meu marido? Ah! Meu pobre homem, que língua pode acariciar teu nome, se eu, que sou sua mulher só faz três horas, o feri? Mas por que foi matar o meu pobre primo? Morto está Tebaldo, que teria matado meu marido. É um consolo. Então, por que chorar? Mas tem uma palavra pior que a morte de Tebaldo que está me matando. Queria esquecê-la, mas, oh, dor!, está pesando em minha memória: “Tebaldo foi assassinado e Romeu banido!”. Só essa palavra, “banido”, matou dez mil Tebaldos. Essa notícia antes da notícia da morte de Tebaldo, “Romeu foi banido”, basta para que pai, mãe, Romeu e Julieta desapareçam. Não existe limite, medida, fim, nem termo para a morte dessa palavra. Onde estão o meu pai e a minha mãe, Ama?

– Estão chorando sobre o corpo de Tebaldo. Quer ir lá? Vou junto.

– Estão lavando suas feridas com lágrimas. Quando as deles secarem, as minhas ainda estarão caindo pelo exílio de Romeu. Recolhe essas cordas. Coitadas, foram enganadas como eu. Agora, Romeu está fora da cidade. Ele contava com vocês para chegar até meu leito virgem, mas vou morrer virgem e viúva. Vem, Ama! Venham, cordas. A minha sorte me liga à morte e não a Romeu.

– Vá descansar um pouco em seu quarto. Eu vou atrás de Romeu, para ver se a consola. Sei onde ele está. Pode ter certeza de que estará aqui esta noite. Vou buscá-lo agora mesmo. Está escondido no retiro do Frei Lourenço.

86 – Oh! Traga-o logo! Dê esse anel a ele e peça ao meu amado que venha me trazer o último adeus.

– Exílio! Exílio! Tenha dó, diga logo “morte”, porque para mim o exílio é pior que a morte. Não me fale em “exílio”.–Está banido de Verona. Fique calmo, porque o mundo é bem grande.

– Não existe nenhum mundo fora dos muros de Verona. Existe purgatório, tortura, o próprio inferno, isso sim! Ser banido daqui é o mesmo que ser banido do mundo! Exílio é morte! É sinônimo de morte. Dando esse nome à morte, você corta a minha cabeça com um machado de ouro e ainda ri do golpe que me tira a vida.

– Ó pecado mortal! Quanta ingratidão! A lei condena à morte, mas o Príncipe protegeu você, abrandou o rigor da

– Dos lábios dele saiu uma sentença mais branda: não a morte para o corpo, mas o exílio.

– A sentença é a pena de morte?

– Filho, trago notícias da sentença do Príncipe.

– Romeu, venha cá, venha cá. Mas que homem medro so! As aflições se apaixonaram por você. Casou com a calamidade.–Padre,tem

Romeu entra apressado no retiro de Frei Lourenço e o Frei tenta acalmar Romeu.

novidades? E a sentença do Príncipe? Qual a tristeza que ainda não conheço quer a minha mão?

87 cena 3

– É tortura, não compaixão. O céu só existe aqui onde Julieta vive. Qualquer gato, cachorro ou rato, a coisa mais insignificante que vive aqui debaixo do céu pode vê-la. Mas Romeu não pode. As moscas varejeiras têm mais privilégios que o pobre Romeu. Podem pousar na mão branquinha da minha querida Julieta e roubar a bênção imortal dos seus lábios que, em sua modéstia, ficam mais corados ainda por acharem que beijos são pecado. Mas Romeu não pode. Foi banido. As moscas podem se aproximar dela e eu sou forçado a me afastar. Elas são livres e eu sou banido. E o senhor ainda vem me dizer que o exílio não é a morte? Não tem aí uma mistura venenosa, uma faca afiada, ou qualquer meio rápido de morte para mim? Qualquer uma dessas coisas não têm um significado tão ruim como esse “banido”! Banido! Ó frade! Os condenados usam essa palavra no inferno e ela vem sempre acompanhada de urros. Como é que o senhor, um homem santo, um confessor, que tem poderes para perdoar pecados, meu amigo declarado, pode querer me mutilar com essa palavra: “banido”?

– Mas “banido”! Enforque a filosofia, a não ser que a filosofia possa fazer uma cidade mudar, revogar a sentença

– Oh! Vai falar mais de exílio.

– Vou lhe dar uma armadura, para livrar você dessa palavra: a filosofia, leite doce e são da adversidade, vai confortar você apesar de estar banido.

– Homem louco, me ouça por um instante.

88 lei e substituiu a pena de morte pelo exílio. É compaixão e você não vê.

– Deixa eu entrar – diz a Ama. – Quero dar um recado. É da parte de Julieta.

– O senhor não pode falar do que não sente. Se fosse da minha idade, se Julieta fosse sua, se estivesse casado com ela há uma hora, se tivesse matado Tebaldo, se esti vesse louco de amor, como eu estou, se tivesse sido banido, aí poderia falar, aí sim arrancaria os cabelos e se jogaria no chão, como estou fazendo agora, para dar a medida da cova que está para ser aberta. Alguém bate na porta.

– Vejo que os loucos não têm ouvidos.

– Como tê-los, se os sábios não têm olhos?

89 de um príncipe. Se não, não serve para nada. Que utilidade ela tem? Não me fale mais nisso.

– Deixa falar sobre o seu caso.

– Não, não me escondo e só vou me esconder quando a neblina dos soluços do meu coração doente me encobrir dos olhares curiosos. As batidas na porta continuam.

– Ouve! Estão batendo. Quem está aí? – E para Romeu: – Romeu, Romeu, levanta. Você pode ser preso. Levanta! Vai se esconder no meu quarto. Já vou! Já vou! Já vou! Quem bate com tanta força? Da parte de quem? Que quer? – pergunta o Frei.

– Ó santo frade, me diz, santo frade, onde está o marido da minha menina? Onde está ele? Romeu? – pergunta a Ama.

– Estão batendo, Romeu. Levanta depressa e se esconda.

– Bem-vinda, então.

Me fala de Julieta. O que está pensando? Não está achando que sou um assassino, por ter manchado a infância do nosso amor com sangue tão próximo do seu? Onde ela está? O que está fazendo? O que diz minha esposa secreta do nosso amor destruído?

90

– Oh! A minha menina também! Está do mesmo jeito.

Romeu saca a espada e o frei intervém com voz firme.

– Detenha essa mão desesperada. Não é homem? O corpo diz que sim, mas as lágrimas são de mulher e as ações tão insensatas quanto as de um animal irracional, furioso. Ei, homem-mulher, ou animal feroz em forma de gente. Estou pasmo. Pela minha ordem sagrada, nunca imaginei que fosse assim desequilibrado. Já não matou

– Ai, ai, ai, não diz nada, só chora. Chora sem parar. Ora se joga no leito, ora se levanta, chama “Tebaldo”, grita o seu nome e cai de novo.

– É como se o meu nome fosse disparado contra ela por um canhão e a matasse. Ó frade, me diz em que parte desprezível do meu corpo meu nome está alojado? Me diga para que eu possa arrancá-lo da odiosa casa.

– Ah, que afinidade dolorosa, que situação terrível!

– Ela está exatamente assim, deitada, chorando e lastimando-se, chorando sem parar. – E vendo Romeu caído no chão, a Ama fala enérgica: – Levanta! Levanta! Seja homem, por amor, sim, de Julieta! Por que se consome em lamentos?–Ama?

– Ali, jogado ao chão, embriagado com suas próprias lágrimas.

91

Tebaldo? Agora ainda pretende se suicidar e assim matar a sua própria esposa, que vive da sua vida, voltando contra você esse ódio amaldiçoado? Por que insulta o nascimento, o céu e a terra? Você ofende a sua beleza, o seu espírito, o seu amor! Todos esses bens que tem de sobra... Sua nobre figura não passa de um boneco de cera, se tirar dela o valor do homem. O amor que jurou não passa de um juramento falso, porque está querendo matar aquela a quem prometeu amar. Anda, homem. Levanta! A sua Julieta, por quem está a ponto de morrer, está viva. Você tem muita sorte. Tebaldo quis matar você, mas foi você quem o matou. Depois disso também teve muita sorte. A lei se mostrou sua amiga, a pena de morte foi atenuada para exílio: outra sorte. Choveu uma tempestade de bênçãos sobre a sua cabeça. A felicidade e a sorte estão cortejando você com seus mais ricos adereços, mas você fica aí fazendo careta feito criança mimada e chorona. Tome cuidado! Quem age assim pode acabar mal. Vamos, levante daí! Vá encontrar o seu amor, como combinamos. Escale até o quarto e leva conforto a ela. Mas tome cuidado, não fique até a hora da troca de guarda, porque aí não vai conseguir sair da cidade. Você deverá viver em Mântua, até que surja a melhor ocasião de revelar o seu casamento, de reconciliar seus pais, de pedir perdão ao Príncipe e voltar para cá com duzentas mil vezes mais alegrias que as dores que você sentiu ao partir. Ama, vá na frente. Romeu vai logo. – Ó Deus! Passaria a noite inteira aqui, ouvindo seus bons conselhos. Como é bom aprender! Vou dizer a Julieta

–Como meu coração se reanima com esse presente!

E o Frei Lourenço apressa a saída de Romeu: –Vai, boa noite e vê se pensa no que eu disse, porque a sua felicidade depende disso. Ou você sai antes de iniciarem a guarda, ou deixa a cidade bem cedo, disfarçado. Fique em Mântua, que eu darei um jeito de mandar notícias pelo seu criado. De tempos em tempos, ele levará as boas-novas do que se passa por aqui. Me dê a mão. Agora vai. Adeus.

–Adeus!

92 para esperá-lo – diz a Ama, um pouco mais animada, e voltando-se para Romeu: – Ela pediu que lhe entregasse esse anel. Não demore, porque já está ficando tarde.

A senhora Capuleto concorda e diz que falará com a filha assim que amanhecer.

– Segunda-feira – Páris responde.

Na casa dos Capuleto, os pais de Julieta recebem a visita de Páris, o nobre pretendente de Julieta. Eles conversam sobre o ocorrido e o pai de Julieta se explica:

E o pai de Julieta enche o pretendente de esperanças:

– As coisas tomaram um rumo tão infeliz que nem sequer tivemos tempo de falar com a nossa filha. Ela gostava muito do primo Tebaldo. A verdade é que nascemos para morrer. Já é muito tarde, ela não vai mais descer. Eu também, não fosse por sua companhia, já estaria recolhido há uma hora.

– Esse tempo de dor não é propício para visitas de amor. Senhora, boa noite. Recomendações a sua filha – diz Páris.

– Senhor Páris, posso adiantar que ela aceitará, que se guiará por mim. Sim, estou certo disso. – O pai de Julieta pede que a mãe avise do casamento com Páris na quarta-feira e diz: – Mas fale com carinho... Que dia é hoje?

– Ah! Ah! Segunda-feira! Muito bem. Não, quarta-feira é muito cedo. Quinta. Sim, diga a ela que na quinta-feira irá se casar com o nobre conde Páris. O que acha? Aprova tanta pressa? Não faremos muito barulho. Uns dois ou três amigos, nada mais. Nada de grande festa, porque Tebaldo morreu há pouco e poderiam pensar que estamos fazendo

93 cena 4

94 pouco caso, um parente tão próximo e tão querido. Então, só meia dúzia de amigos e pronto. Quinta-feira. O que acha? – Queria que quinta-feira já fosse amanhã – diz Páris com entusiasmo. – Ótimo. Então, quinta-feira. Vá falar com ela, mulher... Prepare-a para o casamento. Adeus, senhor. Boa noite.

– Preso ou morto serei feliz, se você quiser assim.

Direi que aquele ponto acinzentado não é o olho do dia e também que não foi a cotovia que cantou aquelas notas agudas. Quero ficar, não quero partir. Venha logo, morte dura! Julieta quer assim. Fale, minha alma. Vamos conver sar. Não, não é dia.

– Foi a cotovia madrugadora, não foi o rouxinol. Olha, meu amor, está vendo aquelas listras invejosas cortando as nuvens? É o sol nascente. Os lampiões da noite se apaga ram. O dia se põe alegre sobre a ponta dos pés, lá no pico das montanhas úmidas. Ou vou e vivo, ou fico e morro.

Romeu conseguiu subir até o quarto de Julieta sem ser visto pelos guardas. Os dois passaram juntos sua noite de amor. Na manhã seguinte, bem cedinho, enquanto Romeu se prepara para sair antes da troca dos vigias, confor me o Frei Lourenço recomendara, Julieta abre os olhos e pergunta:–Jávai embora? É cedo ainda. Você ouviu o rouxinol assustado, não foi a cotovia. Ele canta todas as noites nos galhos da romãzeira. É o rouxinol, amor, acredite em mim.

– Aquela claridade não é do dia, acredite em mim. É algum meteoro emitido pelo sol para servir de tocheiro esta noite e iluminar o seu caminho para Mântua. Espera, amor. Não precisa ir assim tão cedo.

95 cena 5

Ela está separando a gente. Ai, vai embora, meu amor! A luz está aumentando a cada instante. – A luz? A escuridão apavorante. Nesse momento a Ama entra apressada no quarto de Julieta e avisa: – Julieta, sua mãe está vindo para cá. Cuidado. O dia já raiou. – E sai. Romeu se despede de Julieta: – Adeus, adeus! Um beijo e eu vou. Julieta se desespera.

– É dia, sim! Foge! A noite foi embora! É a cotovia, sim, que canta desafinada, forçando modulações insuportáveis. Dizem que ela é fonte de harmonia, mas não é verdade.

– Meu marido! Amor! Amigo! Quero notícias de hora em hora, porque um minuto contém muitos dias. Fazendo a conta assim, ficarei velha antes de ver de novo o meu Romeu.

– Não deixarei passar um só momento sem mandar notícias do meu tormento – garante Romeu.

– Acha mesmo que ainda nos veremos? – Não duvide. Todas essas dores vão servir unicamente de assunto para nossas conversas. Mas Julieta está muito preocupada e tem um pressentimento ruim.

98

– Deus! Sinto o coração agourento. Vejo você longe, parece que está sem vida, dentro de um sepulcro. Vejo mal ou está mesmo pálido. Romeu tenta tranquilizá-la: – Pode acreditar em mim, meu amor. Você também me parece assim. A aflição bebe todo o nosso sangue. Adeus! Adeus!Com muita dor no coração, Romeu deixa o quarto e desce pelo balcão, deixando Julieta aos prantos.

– Filha! Filha! Já está de pé?

– Ó fortuna! Fortuna! Todos dizem que você é incons tante. Seja mesmo inconstante, fortuna. Assim espero que em vez de afastá-lo de mim por muito tempo, logo irá trazê-lo de volta para mim. Seu choro é interrompido pelo chamado de sua mãe.

– Bem, querida, acho que você não está chorando tanto pela morte dele e sim porque o miserável que tirou a vida dele está vivo. – Que miserável, mãe?

– Então, Julieta, como está? – Mãe, não estou boa. – Ainda chorando a morte de seu primo? Está queren do desenterrá-lo com lágrimas? Ainda que conseguisse, seria impossível devolver-lhe a vida. Deixa isso, filha. Sentir alguma dor até é sinal de afeto, mas chorar demais indica fraqueza de espírito.–Deixa que eu chore essa enorme perda.

– Quem é que está chamando? É minha mãe? Não se deitou ainda, ou acordou cedo? Por que vem falar comigo agora?Sem responder, a senhora Capuleto resolve entrar no quarto de Julieta.

– Esse maldito Romeu. Esse maldito assassino ainda está–vivo.É,e longe do alcance das minhas mãos. Ai, como eu queria ser a única encarregada de vingar a morte do meu primo!

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– Não se preocupe, nós a vingaremos. Agora chega de lágrimas. Vou mandar um encarregado ao exílio de Mântua, onde se encontra o renegado, para dar a ele um veneno espetacular, e logo, logo ele fará companhia a Tebaldo. E aí você vai ficar contente, não é mesmo?

Ai! Como dói ouvir o nome dele e não poder me aproximar para vingar o amor que eu dedicava ao meu primo Tebaldo sobre o corpo do assassino.

– A alegria vem em boa hora, nesse momento tão triste. Que notícias são essas, posso saber?

– Ora, juro por essa igreja de São Pedro e por São Pedro que de mim ele não irá fazer uma esposa alegre. Estranho tanta pressa. E depois, casar antes de noivar! Mãe, a senho ra pode dizer ao meu pai que não quero casar. É muito cedo! E se não fosse por isso, eu juro que ia preferir escolher Romeu, que tanto odeio, como a senhora sabe, que o conde Páris. Essa é a novidade...

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– Encontra os meios, que acharei esse homem. Mas agora eu vim trazer notícias mais alegres.

– Ai, que bom! Mas, mãe, que dia é esse?

– Seu pai está vindo aí. Você mesma pode dizer a ele e ver o que ele vai achar.

– Bem, minha querida, o seu pai se preocupa com você e para livrá-la dessa tristeza está preparando um dia de alegria que nem imagina. Nem eu mesma poderia pensar.

– Na verdade só ficarei contente se Romeu aparecer na minha frente... morto. O meu pobre coração lamenta muito a perda do meu primo. Se a senhora pudesse achar uma pessoa que levasse o veneno, eu mesma iria prepará-lo para que Romeu, quando o tomasse, repousasse em paz.

– Filha, para sua sorte, na quinta-feira que vem, o jovem, valente e nobre conde Páris vai à igreja de São Pedro, para enfim torná-la sua alegre esposa.

Mal ela acaba de falar, o pai de Julieta e a Ama entram no quarto. Vendo que Julieta ainda está chorando, o pai diz:

– Quando o sol desaparece, a terra destila orvalho, mas quando o filho do meu irmão desaparece, chove torren cialmente. Então, menina, que goteira é essa? Ainda em lágrimas? O que é isso? Não para de chover? Está querendo imitar o mar, o barco e o vento? Para mim, os seus olhos são o mar, com a maré de lágrimas subindo e descendo. Então, mulher, falou com ela a respeito de nossa decisão? – Sim, conversamos. Ela agradece, mas não concorda de jeito nenhum. Eu queria que essa tonta casasse com o seu–túmulo.Calma, deixa ver se entendi bem! Como? Não quer casar? E ainda agradece? Não se sente orgulhosa? Não se julga muito feliz, sendo, como é, indigna, por termos arranjado um noivo desses, tão digno? E Julieta tenta explicar: – Não estou orgulhosa, mas estou agradecida. Não posso ter orgulho do que odeio. Mas agradeço por esse ódio provocado com amor.

– Que quer dizer tudo isso? Como assim? “Agradecida” e “não agradecida”, “orgulhosa” e também “não orgulho sa”... Não precisa agradecer, nem mostrar orgulho dos orgulhosos ou o que quer que seja. Mas trate de preparar suas perninhas para ir até a igreja de São Pedro na próxi ma quinta-feira casar-se com Páris. Do contrário, eu a levo até lá numa carroça. – E tomado pela ira ele grita e xinga: – Fora! Fora! Carniça doente! Fora, vadia! Cara de vela!

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– Por quê, dona prudência? Guarda a língua e vai bater boca com suas comadres – ordena o senhor Capuleto.

A mãe de Julieta intervém: – O que é isso! Está maluco? E Julieta implora ao pai que ouça o que ela tem a dizer: – Bondoso pai, eu lhe suplico de joelhos para ter a paciência de ouvir uma palavra. Mas o pai não se comove. Ao contrário, fica mais enraivecido ainda e ameaça Julieta com palavras duras: – Vai se enforcar, criatura desobediente! Já mostro. Ou vai na quinta-feira à igreja ou não olhe na minha cara nunca mais, nunca mais! Não responda coisa nenhuma. Basta! Não fale nada. Minhas mãos estão tremendo. E a gente que pensava, mulher, que Deus nos tinha feito um enorme favor de nos dar essa filha única. Agora vejo que foi uma maldi ção.Assustada,Vadia! a Ama não se contém: – Deus do céu que a ampare! O senhor está sendo injus to com ela, tratando-a desse jeito.

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– Não se pode falar? – provoca a Ama.

– Velha tonta! Guarda suas sentenças para gente da sua laia. Não precisamos delas aqui.

A senhora Capuleto tenta acalmar o marido, mas o pai de Julieta está tomado pela fúria: – Sacramento de Deus! Querem me deixar louco. Dia após dia, hora após hora, à noite, o ano inteirinho, no trabalho, no jogo, sozinho, com meus companheiros, tinha apenas uma preocupação: vê-la, enfim, casada. E agora que

–Não fale comigo! Não digo nada! Faça o que bem entender, porque para mim você não importa mais! – E também sai, Desesperada,enfurecida.Julieta

Melhor não poderia ser. Era só o que me faltava, ouvir o choramingo de uma boneca cheia de crises, bem na hora em que a sorte lhe sorri e ainda com essa conversa: “Sou muito nova”, “não posso amar”, “não desejo me casar”, “me desculpe, por favor”. Mas não vou descul par coisa nenhuma se não quiser se casar. Pode procurar um pasto onde bem entender, que comigo aqui em casa você não fica não. Pensa bem, não estou para brincadeira. Quinta-feira está perto. Aconselhe-se com o coração. Se for minha filha, será entregue ao meu amigo. Mas se não for, pode se enforcar, pedir esmola, morrer de fome, morrer na rua, porque... eu juro pela alma! Jamais irei reconhecê-la e nada do que me pertence será seu. Pense bem, porque eu não vou voltar atrás. – E sai apressado. Julieta tenta apelar para a mãe: – Será que não existe um Deus piedoso que lá do céu veja a profundidade da minha dor? Não me abandone, bondosa mãe! Adia esse casamento por um mês, uma semana ou, se for impossível, mande fazer o meu leito nupcial nesse monumento em que Tebaldo está sepultado. Mas a mãe não lhe dá ouvidos.

tenta se aconselhar com a Ama:

103 arranjei um pretendente de parentesco nobre, jovem, rico, de ótima educação, abarrotado, como se diz, de qualidades excepcionais.

– E também de alma. – Você soube me consolar maravilhosamente bem. Agora vá avisar a minha mãe que fui ao retiro do Frei Lourenço, por ter deixado o meu pai aborrecido, que fui me confessar e pedir para ser absolvida.

– Pode deixar que vou dizer isso. Você faz muito bem.

104 – Ai, Ama! Como evitar isso? Meu marido é da terra, mas o juramento é do céu. Como esse juramento pode descer à terra sem que meu marido suba ao céu? Me conforta, Ama, me aconselha. Que tristeza! Por que o céu está exigindo provações dessa grandeza de uma criatura tão fraca como eu? Não me diz uma palavra ao menos? O que está pensando, Ama? Nenhum consolo? Mas ao invés de tentar acalmar Julieta, a Ama responde: – Bom, eu penso assim: Romeu foi banido e está exilado. Aposto qualquer coisa desse mundo que ele não vai se atrever a voltar para reclamar você. Ainda que o faça, só poderá ser às escondidas. E já que as coisas chegaram a esse ponto, acho melhor aceitar casar-se com o conde. Depois, ele é um fidalgo tão lindo... Ao lado dele, Romeu não passa de um pano de chão. Uma águia, menina, não tem olhos tão penetrantes, verdes e bonitos como os de Páris. Que uma maldição caia sobre o meu coração se esse segundo casa mento não for muito superior ao primeiro. Ainda que não seja, o seu primeiro marido está morto, ou é como se estivesse, porque não serve para nada...

– Está falando de coração?

105 E a Ama sai satisfeita, certa de que convenceu mesmo Julieta a se casar com Páris. Muito decepcionada com a pessoa que sempre esteve ao seu lado, Julieta maldiz a Ama em pensamento: “Velha amaldiçoada! Demônio perverso! Que pecado será maior: aconselhar o perjúrio ou insultar meu marido com a mesma boca que o exaltou milhões de vezes sobre tudo nesse mundo? Conselheira, pode ir. De agora em diante, você e o meu peito estão separados”. Percebendo que está por conta própria, Julieta resolve procurar o Frei para ver se ele tem uma solução, um remédio, e conclui que, se tudo der errado, terá forças para morrer.

QUARTO ATO

Enquanto Julieta está a caminho da igreja de São Pedro para ver se o Frei ajuda a encontrar uma saída, Páris já está com o Frei Lourenço para acertar detalhes do seu casa mento com Julieta.

Sem entender o que está acontecendo, Frei Lourenço tenta convencer Páris a adiar a data alegando ser muito em cima da hora, mas Páris explica que esta é a vontade do senhor Capuleto e que não quer contrariá-lo.

Muito preocupado, Frei Lourenço diz que a ideia não lhe agrada nem um pouco e que, além do mais, Páris nem sabe se Julieta vai aceitar.

109 cena 1

Nesse momento chega Julieta. Páris a cumprimenta com alegria: – Feliz encontro. Minha amada e esposa!

Páris explica que não conseguiu falar com Julieta porque ela não para de chorar a morte de Tebaldo. Quanto à pressa em se casar, ele diz que a intenção é de alegrá-la, de fazer com que ela se esqueça o quanto antes do assassinato do seu primo Tebaldo.

– O que tiver de ser, será. – Veio se confessar com o Frei? – Páris pergunta.

– Assim seria se eu fosse casada com o senhor – responde Julieta.–Nãoé ainda, mas na quinta-feira será.

logo a porta, Frei, e depois venha chorar comigo. Já não há esperança, nem remédio, não há socor ro algum.

– Pode ser, porque a mim ele não pertence. O senhor tem tempo agora, Frei, ou é melhor eu voltar à tarde, na hora da missa? E o Frei se apressa em responder: – Tenho tempo agora, sim, minha filha melancólica. Será preciso que nos deixe sozinhos. E Páris concorda imediatamente. Antes de ir embora, diz:–

Deus me livre de perturbar a sua devoção! Julieta, quinta-feira, vou acordar você bem cedinho. Até lá, adeus. Fique com esse beijo. Ao se ver sozinha com o Frei, Julieta desmorona e desabafa:–Ai!Feche

– Não negue a ele que me ama. Tenho certeza de que me ama da mesma maneira que eu. Pobre alma, seu rosto foi muito castigado pelas lágrimas.

E Julieta argumenta que se respondesse a essa pergunta, já estaria se confessando com Páris. Tomado de prepotência, Páris diz:

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– A vitória é pequena para as lágrimas, porque meu rosto sempre foi feio – diz Julieta. – Falando assim, você o castiga mais que as lágrimas.

– Não é mentira não, é verdade. – Seu rosto é meu, então é mentira.

– Espere, filha! Vejo uma pequena esperança, mas que é tão desesperadora, como é desesperado o que queremos impedir que aconteça. Se em vez de se casar com Páris você tem força para se suicidar, é possível que tenha coragem de fazer uma coisa que lembra o suicídio para impedir um sacrifício que para você se parece com a morte. Se me disser que tem coragem para isso, eu arranjo o remédio.

– Julieta! Já sei do seu desgosto. Ele ultrapassa em muito os meus espíritos. Disse que você deve se casar nessa quinta-feira agora com ele, o conde Páris, sem que nada possa adiar a cerimônia.

– Não me fale, padre, que soube dessa desgraça e não sabe como evitá-la. Se em toda a sua ciência não encontrar solução alguma, ao menos considere sábia minha resolu ção, pois essa faca será o meu remédio. Meu coração e o de Romeu foram unidos por Deus. O senhor mesmo juntou as nossas mãos. Antes que essa mão, abençoada pelo senhor com a de Romeu, possa servir a outra tarefa ou que o meu coração revoltado se entregue a outro, essa arma vai imobi lizar mão e coração com a morte. Assim, recorro à sua enorme experiência para me aconselhar. Do contrário, essa faca sanguinária irá decidir a minha sorte. Não responda logo, Frei, porque se não tiver um remédio, tenho pressa em morrer.

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– Em vez de me casar com Páris, mande eu saltar do alto daquela torre ou andar pelas estradas entre assaltantes ou me esconda em ninhos de serpentes. Me amarre com ursos rugidores. Me tranque à noite numa sala de cadáveres, cheia

112 de ossos humanos, tíbias apodrecidas, crânios sem mandíbulas estalando. Me manda entrar num túmulo recente, me esconder ao lado do defunto, debaixo de sua mortalha, essas coisas que só de ouvir, já me fizeram tremer. – Então, escute: vá para casa, mostre-se alegre, diga que está disposta a se casar com Páris. Amanhã é quarta-feira. Amanhã à noite, vá deitar-se sozinha. Não deixe a Ama dormir no quarto. Pegue esse frasco e, quando esti ver deitada em sua cama, beba esse licor destilado. Você logo sentirá um efeito entorpecente correr pelas veias, um humor frio, sonolento, e a sua pulsação irá perder o ritmo, até parar. Nenhum sinal de respiração, nenhum calor ates tando que está viva. A cor do seu rosto e dos seus lábios mudará para cinza pálido. Suas pálpebras cairão como quando a morte apaga o dia da vida. Todas as partes do seu corpo, privadas de mobilidade e controle, ficarão frias e rígidas, parecendo mortas. E você ficará quarenta e oito horas nesse estado de morte aparente e depois acordará de um agradável sono. Então, quando o noivo vier procurá-la de manhã, irá encontrá-la morta. Daí, como manda o costume, vão vesti-la com a sua roupa mais bela e colocá-la no caixão aberto. Depois, vão levá-la ao mesmo túmulo em que toda a família Capuleto está sepultada. Nesse meio-tempo, Romeu receberá a minha carta, que mandarei o Frei João levar, contando o nosso plano, e virá para cá, antes de você despertar. Juntos, eu e ele, iremos esperar que você acorde. Depois, Romeu levará você a Mântua. Assim você se livra rá da vergonha. Mas cuidado para que, na hora de executar

113 o plano, nem o medo infantil nem o feminino atrapalhem a suaDecidida,coragem.Julieta concorda: – Pode me dar! Me dê! Vai ver que não tenho medo algum. – Toma. Anda logo e mantenha-se firme nessa resolução. Vou mandar agora mesmo um portador a Mântua, com uma carta minha para o seu marido. – O amor me dá forças e a força vai me ajudar. Adeus, meu bom padre.

Na casa dos Capuleto, o pai de Julieta já está cuidando dos preparativos para o casamento com Páris. Ele, a esposa e a Ama estão em alvoroço. Capuleto reúne os serviçais e anuncia que irá servir um banquete inesquecível para um grande número de convidados. Para isso, manda chamar nada mais nada menos que vinte cozinheiros. Depois de distribuir as funções, ele pergunta se a filha foi mesmo visitar o Frei e a Ama responde que sim e avisa que Julieta está chegando.Aoavistá-la,

– Vá chamar o conde e conte a ele. Amanhã mesmo realizaremos o enlace.

114 cena 2

– Encontrei o conde no retiro do Frei Lourenço e, dentro da modéstia, fiz o possível para agradar.

o pai vai logo perguntando: – Então, cabeça-dura? Onde esteve? E Julieta responde disfarçando seus reais sentimentos o máximo que pode: – Onde aprendi a me arrepender de verdade do pecado grave de desobedecer a suas ordens. Frei Lourenço, esse santo homem, ordenou que eu viesse aqui pedir o seu perdão de joelhos. Me perdoa, pai, eu imploro. De agora em diante vou sempre obedecer.

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– Ama, quer vir comigo até o meu quarto me ajudar a escolher os adereços para a festa? – Vá, Ama, vá com ela. Amanhã iremos até a igreja.

– Isso me alegra muito. Então levanta. Assim vai tudo bem. Deus seja louvado. Esse frade reverendo, toda a cidade tem grande estima por ele.

E a senhora Capuleto se mostra preocupada: – Não vai dar tempo de arranjar nada. Já é quase noite.

Mas o senhor Capuleto a tranquiliza: – Pode deixar que eu cuido disso. Vai dar tudo certo, mulher, eu garanto. Vá ajudar Julieta nos enfeites. Agora me deixem. Hoje não vou me deitar. Dessa vez eu serei a dona de casa. Saíram todos? Então eu mesmo me levarei até o conde Páris, para animá-lo para amanhã cedo. Meu coração ficou tão leve desde que essa menina entrou nos trilhos.

-

Julieta e a Ama estão no quarto de Julieta e, para disfarçar, Julieta comenta as opções de trajes para o casamento. Depois, pede que a Ama a deixe dormir sozinha naquela noite com a desculpa de que precisa rezar muito para fazer o céu sorrir ao seu lado. Afinal, diz ela, a Ama bem sabe que ela tem a alma cheia de pecados. A senhora Capuleto também aparece, mas Julieta consegue fazer com que as duas a deixem sozinha. A mãe diz adeus e, assim que se vê sozinha, Julieta pensa: “Adeus. Deus é que sabe quando nos veremos outra vez. Um medo frio e mórbido passeia pelas minhas veias, quase gelando o calor da vida. Vou chamá -las de novo para me darem coragem. Ama!... Mas por quê? Tenho de representar sozinha o meu terrível papel. Vamos, frasquinho. E se essa droga não fizer efeito? Terei de me casar amanhã cedo? Não, isso aqui vai impedir. Fica aqui perto de mim”. Julieta coloca o punhal ao seu lado. “E se for um veneno que esse padre esperto me deu para me matar, com medo da desonra desse novo casamento, por ter me casado com Romeu antes? Estou com medo. Prefiro acredi tar que ele não faria isso. Todos dizem que é santo. Longe de mim esses maus pensamentos! E se depois... se Romeu não estiver quando eu acordar na sepultura? Pode aconte cer. Seria horrível! Vou me asfixiar na sepultura, respirando

116 cena 3

117 esse ar imundo, e vou acabar morrendo sufocada, sem ver o meu Romeu? E se eu viver, deve ser a horrível sensação de morte e de acordar à noite, no meio daquele cheiro repugnante junto com o terror do lugar – esse túmulo onde os meus antepassados estão enterrados há séculos, num amontoado de ossos e o cadáver ensanguentado de Tebaldo, apodrecendo no sudário, e as almas penadas que vagueiam pela noite... Ai!... E se eu acordar louca e profanar os ossos dos meus antepassados, ou tirar o cadáver de Tebaldo do caixão, pingando de sangue. E se, no meu delírio, eu usar o osso de algum antepassado para quebrar a minha cabeça com ele? Estou sonhando ou estou mesmo vendo o espec tro do meu primo perseguindo Romeu, por ter espetado seu corpo com o punhal? Pare, Tebaldo”. – Romeu, estou indo. Bebo isso por você.

A senhora e o senhor Capuleto, a Ama e os empregados vararam a noite cuidando dos preparativos para a festa de casamento. Todos correm para que tudo fique de acordo com o que o senhor Capuleto imaginou. Quando está para amanhecer, o senhor Capuleto diz: – É quase dia e logo, logo o conde chegará com os músicos. – Nesse momento, ele ouve uma música e conclui: – Já chegou! Estou ouvindo. Ama! Mulher! Estou chamando. Vá acordar Julieta e prepará-la. Vou conversar com Páris. Anda, depressa! O noivo já está pronto. Corre!

119 cena 4

A Ama entra no quarto de Julieta para acordá-la e a encontra deitada na cama.

– Que gritaria é essa? O que foi que aconteceu? E a Ama responde: – Olha, senhora... Oh dia! E ao perceber o que aconteceu, a mãe de Julieta se desespera.

– Oh! Minha única filha! Minha filha! Filha, acorda, olha para mim, ou vou morrer com você. Aqui! Socorro! Vá chamar as pessoas!

– Filha, acorda! Julieta! Dorme como uma pedra. Meu anjo! Acorda, dorminhoca! Queridinha. Amor! Está descansando para ter reservas para uma semana. Garanto que não vai ter descanso essa noite com o conde. Deus me perdoe. Santa Virgem e amém! Que sono calmo! Mas preciso acordá-la. Querida, acorda! Quer que Páris a surpreenda na cama? Se ele aparecer, eu expulso você daí à força. Não é mesmo? – A Ama abre as cortinas ao redor da cama. –Como assim? Já vestiu toda a roupa e voltou a dormir? Vou te acordar agora mesmo! Acorda!... Ó Deus!... Socorro!

Julieta está morta!... Aqui!... Socorro! Oh dia triste! Antes eu nunca tivesse nascido. Julieta! Julieta!... Acudam! A senhora Capuleto chega correndo.

120 cena 5

121

Capuleto lamenta aos prantos: – Dia desgraçado! Ela morreu! Morreu! Morreu! Percebendo a gravidade da situação, o senhor Capuleto corre até o quarto. – Quero vê-la. Oh dor! Está gelada. O sangue está parado, e os membros, duros. Estes lábios e a vida já se separaram há muito tempo. A morte caiu sobre ela como geada fora de estação, matando a mais linda flor do campo. A morte a tirou de mim para me fazer gemer. Travou a minha língua, não consigo falar... Frei Lourenço e Páris entram acompanhados dos músi cos e Frei Lourenço pergunta se a noiva está pronta para a igreja. Desolado, o senhor Capuleto responde: – Sim, para ir à igreja e não voltar nunca mais. Ó filho, a morte roubou a sua noiva na véspera de seu casamen to. É minha herdeira. A morte cortejou minha filha. Quero morrer para entregar à morte tudo o que possuo: vida, bens. Tudo o que é meu é dela. E Páris se desespera: – Esperei tanto por esse dia, para ver isso?

Incomodado com a demora de Julieta, o pai resolve ir chamá-la pessoalmente. – Que vergonha! Traga Julieta logo. O noivo está chegando.EaAma diz: – Julieta está sem vida, morta, sem vida! Oh dia desgraçado!Easenhora

E o senhor Capuleto também está tomado de desespero.

Uma tristeza enorme e incontrolável se abate sobre todos. A senhora Capuleto chora.

– Enganado, divorciado, desprezado, destruído... Foi você, morte nojenta, que me enganou, acabou comigo. Amor! Que vida!... Vida não, amor na morte!

– Dia infeliz, maldito, desgraçado! A hora mais triste que o tempo jamais viu em toda a sua peregrinação. Uma só filha, uma só, uma pobre e amada filha, arrancada do nosso lado pela morte desgraçada.

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E a Ama, também em meio às lágrimas, resmunga:

– Ai, ai, ai, que dia triste! Que dia mais triste! Muito triste! O dia mais sombrio e lamentável de toda minha vida. Esse dia odioso! Triste demais! Nunca houve dia mais triste que esse maldito dia! E Páris também lamenta:

– Desprezado, desolado, martirizado, morto! Inconsolável tempo, por que veio me matar agora, acabar com a nossa alegria, nossa festa? Ó filha! Filha querida, minha alma! Você já não vive! Está morta! Ah! Minha filha está morta e a minha alegria será enterrada com ela. Mas o Frei Lourenço intervém, tentando confortá-los: – Calma! Por favor, calma! O remédio dos desesperados não é o desespero. Ela pertencia ao céu e a vocês. Agora é só do céu. Não é um destino tão infeliz assim. Vocês não pude ram protegê-la da morte, mas o céu pode dar a ela a vida eterna. O que mais queriam era vê-la elevada e agora o céu a elevou. Por que chorar? Não veem que subiu às nuvens

– Agora vá se recolher, senhor Capuleto. Vá com ele, senhora, e Páris também. Preparem-se para acompanhar esse belo corpo até o túmulo. Se o céu está punindo vocês, não o provoquem ainda mais contrariando a sua vontade.

123 e que está tão alta como o céu? O amor por sua filha é tão doentio que os enlouquece ao verem que ela está bem? As bem casadas não são as casadas há muito tempo e sim as que morrem jovens. Agora enxuguem as lágrimas, enfeitem o corpo com rosmaninho e levem-na à igreja vestida com seus mais ricos trajes. Ainda que a nossa natureza nos faça chorar, as lágrimas da natureza são motivo de alegria.

– Tudo que seria usado para a festa, agora servirá ao sombrio funeral. Os instrumentos serão melancólicos sinos. Nossa festa, um jantar funéreo. Nossos hinos nupciais, cantos fúnebres. As flores do noivado vão enfeitar o caixão e tudo se converteu em lágrimas. Tudo se transformou no contrário – observa o senhor Capuleto. Mas o Frei toma as rédeas da situação.

QUINTO ATO

Romeu já está em seu exílio em Mântua e, bem cedinho, enquanto caminha pela rua, se lembra do sonho estranho que teve naquela noite. – Se eu puder acreditar na verdade agradável do sono, meus sonhos são presságio de uma notícia alegre. A dona do meu coração está sentada em seu trono risonha, numa alegria fora do comum, e enche a minha alma de pensamentos alegres. Sonhei que meu amor tinha chegado e me encontrou morto. Sonho estranho que deixa o morto com vida para pensar! Ela me soprou vida beijando os meus lábios e eu ressuscitei como imperador. Como deve ser doce o amor se a sua sombra é tão rica e alegre! – Nesse momento, o seu empregado Baltasar chega esbaforido e Romeu está curioso para saber as novidades. – Notícias de Verona! Que acontece, Baltasar? Frei Lourenço não mandou carta? E meu pai, está bem? Como está a minha Julieta? Insisto em perguntar porque se ela está bem, tudo está–bem.Então, ela está bem e nada pode estar mal. Seu corpo está dormindo no túmulo dos Capuleto e sua essência imortal vive com os anjos. Vi quando ela foi colocada na tumba da família e vim correndo dar a notícia. Me perdoe por trazer notícias tão tristes, mas você me deu essa incumbência.

127 cena 1

128 – Isso é verdade? Então desafio vocês, estrelas. Vai buscar tinta e papel e alugar cavalos. Partirei esta noite. Mas Baltasar tenta acalmá-lo: – Eu lhe peço para ter paciência. Está pálido e parece desorientado. Tenho medo de que aconteça alguma desgraça.–Não, você está enganado. Anda logo e faz o que eu pedi. O Frei não me mandou alguma carta? – Não, nenhuma. – Não importa. Trata logo de alugar cavalos. Irei já para casa.Baltasar sai e Romeu traça seu plano sinistro: – Julieta, hoje à noite vou me deitar ao seu lado. Como o mal se intromete rápido nos pensamentos dos desesperados! Lembro um boticário aqui na redondeza que vi não faz muito tempo, maltrapilho, separando suas ervas. Tinha uma tartaruga pendurada em frente da loja, um crocodilo morto e empalhado e muitas peles de peixes deformados.

Nas prateleiras imundas, um monte de caixinhas vazias, potes verdes, bexigas e sementes bolorentas, restos de fios. Vendo tanta miséria pensei que se algum dia alguém precisasse de um veneno que não é vendido em Mântua sob pena de morte, ali vivia um homem que certamente o venderia. A ideia veio muito antes da necessidade. Esse coitado vai me vender a droga. – Romeu põe-se a caminho da casa do boticário e dá com a cara na porta porque é justo um dia de feriado. Apressado, ele bate com força. – Olá! Ô de casa!... Boticário!

Irritado com o barulho, o boticário aparece.

– Toma aqui seu ouro, veneno mais nocivo para os homens, que cometeu mais crimes nesse mundo sujo, do

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– Eu tenho este veneno poderoso, mas aqui em Mântua também tem a pena de morte para quem o vender...

– Quem está gritando desse jeito? Romeu responde, aflito:

– Misture isso em qualquer líquido. Isso aqui derruba e faz cair morto mesmo quem tiver a força de vinte homens.

– É a minha pobreza que está aceitando, não a minha vontade.–Pago pela pobreza, não por sua vontade.

– Verdade, mas o senhor está quase sem roupas, parece tão pobre e ainda assim tem medo da morte? Consigo ver a fome no seu rosto, a necessidade e a desgraça que jejuam em seus olhos e a pobreza pendurada às suas costas. Nem o mundo nem as leis do mundo são seus amigos. Não existe lei alguma que possa deixar o senhor rico. Então passe por cima da lei e deixe de ser pobre. Aceite isso. – E Romeu lhe entrega os quarenta ducados, que naquele tempo era um monte de dinheiro.

Toma esses quarenta ducados e me arrume uma dose de veneno, mas de um veneno tão fulminante que se espalhe rápido pelas veias de quem está farto de viver para que caia morto imediatamente e para que a alma saia do corpo com a violência da pólvora inflamada ao sair do ventre do canhão.

– Aqui amigo, desculpe. Vejo que o senhor é pobre.

131 que essas pobres drogas misturadas. Fui eu quem lhe deu veneno, não você. Adeus. Vê se compra comida e engorda um pouco. – E olhando para o veneno, Romeu diz: – Vamos, substância cordial. Você não é veneno. Vem comigo ao túmulo de Julieta e mostra que é meu amigo. Romeu e Baltasar montam em seus cavalos e saem galopando rumo a Verona.

132 cena 2

No retiro do Frei Lourenço, o Frei João entra apressado para comunicar que não conseguiu ir a Mântua entregar a carta do Frei Lourenço a Romeu porque os guardas da entrada da cidade pensaram que ele estivesse vindo de uma casa contaminada pela peste e fecharam os portões proi bindo que saísse da cidade. – Assim, minha pressa de ir a Mântua foi parada. Eu trouxe a carta de volta. Tentei, em vão, achar um portador para levá-la, mas todos morrem de medo da infecção. Muito preocupado, Frei Lourenço lamenta: – Que falta de sorte! Por minha sagrada ordem, esta carta é muito importante, de peso e conteúdo muito graves. O atraso pode ter consequências muito sérias. Agora tenho de ir ao cemitério, ao mausoléu dos Capuleto, onde a famí lia repousa. Daqui a três horas, Julieta vai despertar. Vai ficar furiosa por eu não ter conseguido avisar Romeu, mas vou escrever de novo para Mântua e escondo-a aqui no meu retiro, até que Romeu possa chegar. Pobre cadáver vivo, enterrado numa sepultura da família!

Nesse meio-tempo, Páris e seu pajem, trazendo flores e uma tocha, vão ao cemitério visitar o túmulo dos Capuleto. Páris pede ao pajem para lhe dar a tocha e manda que este aguarde embaixo do cipreste com o ouvido encostado no chão para ouvir se alguém se aproxima.

133 cena 3

– Se alguém vier, você assobia. Me dê as flores e faça o que eu disse. O pajem sente muito medo de ficar sozinho no cemité rio, mas obedece. Páris entra no mausoléu onde está Julieta e fala com ela: – Minha querida flor. Vou espalhar essas flores em seu leito! A tampa é de pedra! Virei aqui todas as noites regar a sua sepultura com água perfumada ou com as minhas lágri mas. Os funerais de nossa desventura farão nascer flores na sepultura. – Ouve o assobio do pajem. – O menino está avisando que vem gente. Que pé maldito pisa estes caminhos durante a noite, para perturbar-me nos funerais e ritos do puro amor? Como! Traz uma tocha? Noite, escon da-me por uns instantes. Quem chega é Romeu, acompanhado por Baltasar, carregando uma tocha e uma enxada. Romeu pede que Baltasar lhe dê a enxada e entrega a ele uma carta que Baltasar deve levar ao seu pai assim que amanhecer.

134 – Agora o seguinte, seja lá o que você veja ou ouça, fique fora, nem pense em vir me perturbar. Se estou descendo a este leito de morte, em parte é para ver o rosto da minha mulher, mas, principalmente, para tirar de seu dedo de morta o anel muito precioso que pode vir a ser útil. Por isso, vai embora daqui logo. Agora, se por um acaso, só por curiosidade, você resolver retornar para espiar o que pretendo fazer, eu juro pelo céu que arrebento as suas juntas e depois espalho as partes do seu corpo por todo o cemitério. Numa hora dessas, meus planos são selvagens, mais violentos e inabaláveis que o tigre faminto e o mar revolto. – Pode deixar que vou embora, sem atrapalhar em nada – garanteRomeuBaltasar.sedespede: – Toma isso. Viva bem e seja feliz. Tchau, meu bom amigo.Mas Baltasar resolve se esconder por ali porque descon fia que Romeu cometerá uma loucura.

Romeu abre a sepultura e depara-se com Páris, que grita: – É o maldito Montecchio, banido por ter matado o primo de Julieta e que fez com que ela acabasse morrendo de tristeza. Veio para profanar os cadáveres. Vou prendê-lo. Você deve morrer.

– Sim, devo morrer – concorda Romeu. – Foi para isso que vim. Amigo, não provoque um homem aflito. Foge e me deixa em paz. Suplico a você, amigo, não me faça carregar mais um pecado, porque vim para cá armado contra mim mesmo. Não fique. Viva e diga que a clemência de um louco pediu para você fugir.

135 – Desprezo o seu pedido e vou prendê-lo, como criminoso.–Querme provocar? Então, defenda-se. Romeu e Páris começam a lutar e o pajem que está do lado de fora resolve chamar os guardas. Romeu atinge Páris que, antes de morrer, pede que Romeu o deite ao lado de Julieta, mas Romeu diz: – Na verdade, eu o farei. Deixa ver a sua cara: conde Páris, parente de Mercúcio! O que foi que Baltasar disse quando estávamos vindo para cá e minha alma atormentada não escutava nada? Não disse que Páris e Julieta iam se casar? Foi isso mesmo, ou terá sido sonho? Ou eu estou louco e imaginei isso ouvindo-o falar de Julieta? Ah, toca aqui, você que também está inscrito nesse livro do infortúnio. Vou sepultá-lo num túmulo triunfante! Túmulo? Não, num farol luminoso, porque Julieta está deitada aqui e a sua beleza faz dessa catacumba um lugar transbordante de luz. Deita aqui, morto, enterrado por um morto. – E Romeu coloca o corpo de Páris em outro túmulo. – Quantas vezes os que estão para morrer mostram um lampejo de alegria? É o lampejo da despedida, dizem os que estão velando. Poderei chamar isso de lampejo? Ó meu amor! Minha mulher! A morte que sugou todo o mel de seu hálito não teve força para tirar sua beleza. Não, ela não venceu ainda. O símbolo da beleza em seus lábios e no seu rosto ainda é vermelho. O pálido pendão da morte não avançou. Tebaldo, e você aí deitado, enrolado num lençol ensanguentado? Que favor maior posso fazer a você do que com essa mesma mão que

O Frei avista Romeu ali imóvel e também Páris deitado mais adiante e percebe que Julieta se mexe. Julieta desper ta e pergunta:

136 cortou a sua mocidade fazer desaparecer o seu inimigo? Me perdoa, primo. Amada, por que ainda está tão linda? Será que a morte impalpável se apaixonou por você e que esse monstro magro e horrível quer guardá-la nas trevas como amante? Por temer que isso aconteça, ficarei com você sem nunca mais deixar os aposentos da tenebrosa noite. Quero ficar aqui com os vermes, seus serventes. Aqui quero fixar minha morada eterna e livrar esta carne cansada do mundo da tirania das estrelas funestas. Olhos, olhem pela última vez! Braços, deem seu último abraço! E lábios, portas da vida, selem com um beijo legítimo este pacto eterno que a morte roubou! Vem, guia amargo, vem, guia repugnan te! Piloto desesperado, anda, lança de uma vez o seu barco avariado da viagem tempestuosa contra a rocha escarpada. Para o meu amor. – Em seguida, Romeu abre o frasquinho que trouxe do boticário e bebe todo o veneno. – Ó boticário honesto! Tua droga é rápida. Assim morro, com um beijo. Frei Lourenço chega ao cemitério e encontra Baltasar. Ele conta que Romeu está dentro do mausoléu a cerca de meia hora. Frei Lourenço entra no mausoléu e estranha o rastro de sangue logo na entrada.

– Romeu! Romeu! Meu Deus! Que sangue é este manchando a entrada da sepultura? Que querem dizer essas espadas sem dono, cheias de sangue, neste lugar de paz?

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– Que é isso? Um frasco apertado na mão do meu amor? É veneno, que o matou cedo demais. Oh! Que egoísta! Bebeu tudo, sem deixar uma só gota amiga, para o meu alívio. Vou beijar esses lábios. Talvez ainda tenham sobrado algumas gotas para me matar. – Julieta beija Romeu. – Seus lábios estão quentes. – Um guarda entra no mausoléu acompanhado do pajem. Julieta ouve e diz: – Vem vindo gente. Serei breve. Ah, punhal feliz! – Ela pega o punhal da cintu ra de Romeu e finca-o em seu peito. – Sua bainha é aqui. Enferruja aqui e me deixa morrer.

de fazer com que Julieta saia rapidamente dali, Frei Lourenço diz: – Estou ouvindo um barulho. Filha, venha, saia desse ninho de morte, de contágio e de sono contrário à natureza. Um poder mais forte se levantou contra nós e frustrou nossos planos. Vem, vamos sair daqui! Seu marido está caído morto ao seu seio. Páris também morreu. Vem logo. Vou levar você ao convento das Freiras piedosas. Não perca tempo com perguntas. Vamos embora. Os guardas estão chegando. Vem, bondosa Julieta. Não me atrevo a esperar mais. Mas Julieta se nega a sair dali.

– Ó meu bom frade, onde está meu amor? Onde está

Romeu?Natentativa

– Vá o senhor, Frei, porque eu não vou. Frei Lourenço sai correndo para buscar ajuda e deixa Julieta sozinha com Romeu. Desesperada, Julieta vê o frasco de veneno na mão do amado.

Julieta cai sobre o corpo de Romeu e morre. Chegam mais guardas e encontram Baltasar e o Frei. Um deles avisa: – Aqui está um frade que suspira, chora e não para de tremer. Estava com uma pá e esse ferro na mão e vinha desse lado do cemitério. Nesse momento, chega o Príncipe acompanhado do séquito e quer saber: – Que desgraça se deu aqui tão cedo, para nos tirar do descanso matinal?

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– Que horror é esse que fere os nossos ouvidos? –pergunta o Príncipe. E um dos guardas relata: – Príncipe, o conde Páris está lá dentro, foi assassina do. Romeu está morto e Julieta, que antes estava morta, está quente e outra vez morta. Encontramos o frade e o criado de Romeu carregando instrumentos para arrombar o túmulo dos mortos.

O senhor Capuleto exclama, horrorizado: – Minha Nossa! Mulher, veja a nossa filha. Estásangrando! O punhal se enganou. Sua bainha está vazia na cintura do Montecchio. Está mal colocado em nossa filha.

Nesse momento, os Montecchio e outras pessoas também entram no mausoléu. Dirigindo-se ao pai de Romeu, o prín cipe diz:

O senhor e a senhora Capuleto também chegam aflitos porque ouviram as pessoas na rua gritando os nomes de Romeu, Julieta e Páris.

– Você verá com seus olhos – responde o príncipe. Estarrecido, o senhor Montecchio xinga: – Ó filho ingrato! Que jeito é esse de entrar na sepultu ra antes do seu pai?

– Dos aqui presentes sou eu o mais suspeito. Apesar de ser aquele que tem menos forças para cometer um assassinato tão terrível, o lugar e a hora me incriminam. Estou aqui para me acusar e me defender.

E o Frei começa a contar o acontecido, tintim por tintim:

– Venha cá, Montecchio. Levantou cedo para ver seu filho e herdeiro deitar-se cedo demais. Desesperado e apreensivo, o pai de Romeu relata:

– Minha mulher faleceu durante a noite. A tristeza do exílio de meu filho cortou seu fôlego. Que mais conspira contra minha idade?

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O príncipe pede que o pai de Romeu pare de falar por um instante até que o mistério das mortes seja esclareci do e fiquem sabendo qual foi sua origem e o que aconteceu de fato.–Depois disso, serei comandante do seu luto e chorarei com você até a morte. Apresentem os suspeitos – diz o príncipe.FreiLourenço logo se apresenta:

– Diga logo o que sabe – ordena o Príncipe.

– Serei breve, porque meu fôlego curto não é mais longo do que a história incômoda. Romeu, aqui sem vida, era marido de Julieta, e ela, morta também aqui, era a fiel esposa de Romeu. Eu mesmo os casei no dia em que

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Tebaldo morreu, causa do banimento do pobre noivo da cidade. Era por causa dele, e não por Tebaldo, que Julieta vinha definhando. Vocês, querendo livrá-la da tristeza, prometeram-na ao conde Páris, e obrigaram-na a casar-se com ele. Ela então me procurou desesperada e pediu que eu inventasse qualquer recurso que a livrasse desse segundo casamento, ou então lá mesmo, sem vacilar, poria fim à vida. Dei-lhe então – aconselhado por minha arte – um narcótico que produziu o efeito por mim esperado dando a ela a aparência da morte. Nesse meio-tempo, escrevi a Romeu, para que ele viesse aqui hoje à noite e me ajudasse a retirá-la de seu falso sepulcro, pois o efeito do veneno iria passar. Mas a pessoa que levou a carta, Frei João, foi detida por acidente e me devolveu a carta ontem à noite. Então, sozinho, na hora prefixada para ela despertar, vim retirá-la do túmulo dos seus, com a ideia de escondê-la em meu retiro, até chamar Romeu. Mas quando cheguei aqui, alguns minutos antes da hora de Julieta acordar, encontrei mortos antes do tempo o nobre conde Páris e o fiel Romeu. Julieta despertou. Implorei a ela que fugisse e que aceitasse com paciência o que o céu lhe destinara. Nisso, um baru lho me afastou do túmulo, sem que, em seu desespero, ela se retirasse comigo. Parece que aí ela pôs fim à sua existência. É tudo que sei. A Ama sabia do casamento. Se alguma coisa falhou por minha culpa, que minha velha vida expie o erro em sacrifício, algumas horas antes do tempo, sob o rigor da mais severa pena.

– Sempre o tivemos por um homem santo – diz o Príncipe e se dirige a Baltasar: – E o que o criado de Romeu tem a dizer?

– A carta confirma o que o Frei disse. Romeu conta aqui do seu amor. Fala da notícia da morte de Julieta e também que comprou veneno de um pobre boticário; e que veio morrer aqui, deitando-se junto de Julieta. Onde é que estão esses inimigos? Capuleto? Montecchio! Vejam que maldi ção pesa sobre o ódio de vocês. O próprio céu encontrou um jeito de acabar com a alegria de vocês usando o amor. Todos fomos castigados. Até eu, que perdi dois parentes por ser condescendente – conclui o príncipe muito abala do com o ocorrido.

– Veio trazer flores para a sepultura da noiva e orde nou que eu ficasse aqui fora. Obedeci. Depois chegou um homem, com uma luz, querendo violar a sepultura. Aí, o meu senhor sacou a espada contra ele. Saí correndo e fui chamar os guardas – explica o pajem de Páris.

– Me dê a carta. Quero ver o que diz – ordena o Príncipe e pergunta: – E onde está o pajem do conde Páris, que chamou os guardas? Que fazia seu amo aqui, menino?

– Fui portador ao meu senhor da morte de Julieta. Ele veio correndo de Mântua para cá, para esse túmulo, e me ordenou que entregasse essa carta a seu pai hoje de manhã, bem cedo. Antes de entrar no túmulo, me ameaçou de morte se eu não fosse logo embora e não o deixasse aqui.

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– Me dê a mão, irmão Montecchio. Entrego o dote da minha filha porque não vou precisar mais dele – diz Capuleto.EMontecchio

retruca: – Mas eu posso dar mais. Vou mandar erguer uma estátua dela de puro ouro. Enquanto Verona for conhecida por esse nome, nenhuma imagem terá tanto valor como a da fiel e leal Julieta. – Romeu deverá ficar ao lado dela. Pobres vítimas da nossa inimizade – diz Montecchio. E, com muito pesar, o Príncipe conclui: – Esta manhã nos trouxe a paz sombria. De tanto pesar, hoje o sol não quer mostrar o rosto. Vamos andando que ainda temos muito a falar sobre esses trágicos acontecimentos. Alguns serão perdoados e alguns serão punidos, porque nunca houve uma história mais triste que essa de Julieta e seu Romeu.

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FIM

Esta seção tem como finalidade contextualizar o autor, a obra e seu gênero literário. Para isso, apresentaremos uma breve biografia dos autores e suas motivações para desenvolver a obra. Em seguida, indicaremos o gênero literário do livro, bem como as características que o definem, exem plificando-as para melhor compreensão e aprofundamento.

SOBRE A TRAGÉDIA DE ROMEU E JULIETA – RECONTADA

SOBRE OS AUTORES

Considerado um dos maiores poetas e dramaturgos de todos os tempos, William Shakespeare nasceu na Inglaterra em 1564. Seu pai foi um rico comerciante e ocupou diversos cargos administrativos, conseguindo assim proporcionar uma boa educação ao filho. Aos 18 anos, Shakespeare casou-se e teve três filhos.

Anos mais tarde, iniciou uma carreira bem-sucedida em Londres como ator, dramaturgo e proprietário de uma

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148 companhia de teatro. Sua produção artística é comumente dividida em três fases:

● Segunda fase (1602-1610): tragédias e comédias;

● Primeira fase (1590-1602): peças históricas, tragédias em estilo renascentista e algumas comédias;

A tragédia Romeu e Julieta foi escrita entre os anos de 1591 e 1597, fazendo parte, portanto, da primeira fase do autor.Aqui, o clássico da literatura mundial foi recontado de maneira atual e contemporânea por Christine Röhrig e ilustrado por Lúcia de Figueiredo. Christine Röhrig estudou jornalismo e se especializou em tradução de textos de teatro alemão. Há muitos anos coordena edições de livros, tanto infantojuvenis como voltadas para o público adulto, e escreve para teatro.

● Terceira fase (1610-1616): peças menos trágicas, de caráter conciliatório.

Lúcia de Figueiredo estudou belas-artes e comunicação visual no Brasil, mas em 1980 mudou-se para Frankfurt, na Alemanha, a fim de estudar litografia com Christian Kruck. Atualmente trabalha como artista plástica e já participou de várias exposições coletivas em países como França, Hungria, Egito, Croácia e também na Alemanha, onde mora até hoje.

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A tragédia Romeu e Julieta tornou-se mundialmente famosa como uma obra de Shakespeare, mas essa história não foi inventada por ele. Seu enredo é baseado no conto “A trágica história de Romeu e Julieta”, escrito em 1562 por Arthur Brooke. Histórias de amores impossíveis e de famílias que se odeiam já circulavam desde a Idade Antiga, e certamente serviram de inspiração para diversos auto res. Todavia, não restam dúvidas de que foi Shakespeare quem imortalizou a história, transformando-a na história de amor proibido mais conhecida de todos os tempos da literaturaApesarocidental.daatemporalidade da obra no que diz respeito ao amor e às relações familiares, há uma questão que preci sa ser contextualizada, pois pode soar estranha hoje em dia: o poder exercido pela realeza. Quando Shakespeare escre veu a peça, por volta do ano de 1597, a monarquia era o sistema de governo mais comum na Europa. O poder dos reis, rainhas e príncipes não era questionado, o que explica o papel exercido pelo príncipe de Verona na peça.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA OBRA ORIGINAL

O transtorno causado pela peste bubônica também é digno de nota. A doença que assolou a Europa, parou o continente e proibiu as pessoas de circularem livremente foi utilizada como recurso dramático por Shakespeare. Nos dias de hoje, seria possível fazer um paralelo com a pandemia de Covid-19, que fechou fronteiras e impediu o deslocamento de pessoas.

1. São Paulo: Ática, 2007. p. 7-8.

“O que faz de um texto literatura é o tratamento que a ele se dá”, explicam Cinara Ferreira Pavani e Maria Luíza Bonorino Machado, em seu livro Criatividade, atividades de criação literária.2 “Uma mesma frase pode expressar o que suas palavras indicam, literalmente, ou ir além, sugerindo significados que exigem um ato interpretativo por parte do leitor.” Assim, justifica-se a classificação de A tragédia de Romeu e Julieta – recontada como obra literária, já que

150 DISCUSSÃO SOBRE LITERATURA: LINGUAGEM E GÊNERO Uma das manifestações artísticas do ser humano, a lite ratura é chamada de arte das palavras, pois representa comunicação, linguagem e criatividade em prosa e verso.

2. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2003, p. 15.

“O texto repercute em nós na medida em que revele emoções profundas, coincidentes com as que em nós se abriguem como seres sociais”, conceitua Domício Proença Filho, em seu livro A linguagem literária.1 Mas nem todo texto possui linguagem literária. Uma reportagem, por exemplo, pode contar uma história que provoca reações e reflexões no público. Ela usa, porém, linguagem jornalística e seu conteúdo se limita aos fatos apurados pelo repórter. Ou seja, a função do texto é infor mativa e não literária.

Por intermédio da literatura, a realidade é recriada de modo artístico com o objetivo de proporcionar maior expressivi dade, subjetividade e sentimentos ao texto.

3 Belo Horizonte: Nemo, 2011. Adaptação de Marcela Godoy; ilustrações de Roberta Pares. 4 São Paulo: Nova Alexandria, 2011. Ilustrações de Murilo.

Como existem vários tipos de produções literárias, os especialistas decidiram agrupá-las de acordo com suas características em comum. São os chamados gêneros lite rários. Entre eles, estão biografia, teatro, poema, novela, história em quadrinhos. Ou seja, um fato pode ser contado sob formas diferentes, dependendo do gênero que se utiliza para contá-lo. Por exemplo, o clássico de Shakespeare já foi adap tado para história em quadrinhos, no estilo mangá, no livro Romeu e Julieta,3 que manteve transcrições literais completas em algumas falas. A história já foi adaptada até para o estilo cordel! Em Romeu e Julieta em cordel,4 o consagrado repentista Sebastião Marinho recriou em versos de cordel a clássica tragédia escrita por William Shakespeare. No nosso livro, A tragédia de Romeu e Julieta – recon tada, a adaptação atualizou a obra, deixando-a em uma

151 recria uma realidade, com lirismo e subjetividade, como é possível notar logo na parte inicial da obra: Das entranhas dos inimigos, nasceram dois amantes que acabarão morrendo precocemente por culpa da briga de seus familiares. Os terríveis incidentes do amor correspondido, selado pela morte, e a raiva dos pais, que só diminui com a morte dos filhos, serão o tema desta peça. (p. 15)

linguagem mais convidativa ao público jovem, servindo assim de iniciação ao universo do renomado escritor. A obra está classificada no gênero teatro, que pode ser definido como: Um texto […] encenado em que os diálogos são os que mais bem imitam as situações reais. Neles os personagens conversam entre si para dar ao espectador a sensação de estar dentro da cena.

Logo no início da obra, na página 15, o coro já nos contextualiza sobre o local e o enredo: – Essa história se passa na cidade de Verona, onde a velha rixa entre duas famílias, iguais em dignidade, volta a tingir as mãos

5 COSTA, S. R., Dicionário de gêneros textuais. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p. 201.

Além disso, esse gênero se caracteriza por apresentar fatos, personagens e enredo dispostos em uma sequência linear (introdução, desenvolvimento, clímax e desfecho) e, muitas vezes, rubricas com tipografia diferente, diferen ciando assim a descrição da cena das falas dos personagens.

A[…]maneira como as coisas são ditas permite ao leitor fazer inferên cias sobre as características de cada personagem e compreender os conflitos da trama.5

Com essa definição em mente, mostraremos a seguir alguns exemplos que justificam a classificação do livro no gênero indicado.

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Após apresentar alguns personagens secundários, temos na página 24 a descrição de Romeu, um dos protagonistas, um rapaz melancólico e fechado: Só ele sabe de seus sentimentos. É muito prudente, discreto, concentrado e tão difícil de se abrir que lembra um botão de rosa que, quando picado por inseto, não deixa desabrochar as pétalas nem expõe sua beleza ao sol. Bastava saber de onde vem essa tris teza. Eu ficaria muito feliz se descobrisse e pudesse ajudar.

153 dos veroneses de sangue. […] Os terríveis incidentes do amor correspondido, selado pela morte, e a raiva dos pais, que só dimi nui com a morte dos filhos, serão o tema desta peça. Pedimos que nos emprestem seus pacientes ouvidos. De nossa parte, iremos nos esforçar para não deixar faltar nenhum detalhe.

Ao longo do texto é possível notar descrições detalhadas que nos transportam para a cena, como neste exemplo da página 34: A festa é de máscaras. Há muitos convidados. Romeu, Mercúcio e Benvolio, usando máscaras, chegam ao casarão dos Capuleto

E mais adiante, na página 27, o mesmo recurso conta sobre Julieta, a outra protagonista: – Minha filha ainda é muito criança, só tem catorze anos. Faltam dois anos para estar pronta e mais madura para o casamento.

Temos ainda a sequência lógica dos fatos: introdução, desenvolvimento, clímax e desfecho.

– Bom peregrino, está sendo injusto com a sua mão que se mostrou devota e reverente. As mãos das santas são tocadas pelos romeiros e quando se tocam é como se a beijassem com devoção.

– Se eu profanar com minha mão desmerecedora o relicário sagrado, aceito a penitência como castigo: meu lábio, peregrino solitário, estará pronto a compensar com suavidade a aspereza da minha mão.

– Então não se mexa enquanto eu recebo a recompensa da minha oração. Seus lábios vão perdoar todos os meus pecados.

juntamente com alguns outros mascarados e alguns homens carregando tochas.

Na parte introdutória, conhecemos os personagens, a cisma entre as famílias envolvidas e a primeira vez em que os protagonistas se veem. Nas páginas 40-42, acontece o primeiro encontro do casal e o momento em que eles perce bem que pertencem a famílias inimigas: Tebaldo se afasta esbravejando, e Romeu, como que enfeitiçado, se aproxima de Julieta e diz:

– Sim, peregrino, lábios que usam para as orações.

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– As santas e os romeiros não têm boca?

– Então, santa, permita que os lábios façam o que fazem as mãos.

Elas rezam. Peço que aceite para que minha fé não se transfor me em desespero.

– Santos não se mexem, mesmo que atendam aos pedidos.

–[…]Vem cá, Ama, quem é aquele rapaz? […] – Ele se chama Romeu. É um Montecchio, filho único do seu grande inimigo – revela a Ama. – Amar a quem eu devo odiar! Como o amor foi monstruoso comigo, fazendo com que me apaixonasse pelo inimigo! – Julieta Olamenta.desenvolvimento ocorre nas páginas seguintes, quando o casal se reencontra e se casa. Após uma briga com a família rival, o príncipe ordena que Romeu se exile em outra cidade e a família de Julieta decide que ela deve se casar com outro homem. Ficamos sabendo então do plano do frei para que Julieta escape do casamento arranjado e fique com seu amado, descrito na página 112:

– É uma Capuleto? Ai, que conta cara! Minha vida agora foi credi tada ao inimigo.

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E Romeu beija Julieta. De[…]repente, são interrompidos pela Ama, que diz a Julieta que a mãe dela está chamando. Romeu pergunta para a Ama quem é a mãe de Julieta, e a Ama responde, esbravejando: – Ora essa, rapaz! A mãe dela é a dona da casa, aliás, muito boa, honesta e sábia. Eu sou a ama da menina com quem você estava falando. E vou contar: quem casar com ela vai levar uma bolada.

Juntos, eu e ele, iremos esperar que você acorde. Depois, Romeu levará você a Mântua. Chega-se assim ao clímax da história: a execução do plano e suas consequências. A notícia da morte de Julieta chega a Romeu, mas não o aviso do frei. Desesperado, ele decide ir até onde está a amada e, no caminho, compra um veneno. Chegando à cripta dos Capuleto, Romeu vê sua amada imóvel e, acreditando que ela está morta, toma o veneno. Julieta então acorda e vê seu amado morto, como contado nas páginas 137-138: Desesperada, Julieta vê o frasco de veneno na mão do amado.

– Que é isso? Um frasco apertado na mão do meu amor? É veneno, que o matou cedo demais. Oh! Que egoísta! Bebeu tudo,

156 – Então, escute: vá para casa, mostre-se alegre, diga que está disposta a se casar com Páris. […] Pegue esse frasco e, quando estiver deitada em sua cama, beba esse licor destilado. Você logo sentirá um efeito entorpecente correr pelas veias, um humor frio, sonolento, e a sua pulsação irá perder o ritmo, até parar. […] E você ficará quarenta e oito horas nesse estado de morte aparen te e depois acordará de um agradável sono. Então, quando o noivo vier procurá-la de manhã, irá encontrá-la morta. Daí, como manda o costume, vão vesti-la com a sua roupa mais bela e colo cá-la no caixão aberto. Depois, vão levá-la ao mesmo túmulo em que toda a família Capuleto está sepultada. Nesse meio-tempo, Romeu receberá a minha carta, que mandarei o Frei João levar, contando o nosso plano, e virá para cá, antes de você despertar.

Um guarda entra no mausoléu acompanhado do pajem. Julieta ouve e diz: – Vem vindo gente. Serei breve. Ah, punhal feliz! – Ela pega o punhal da cintura de Romeu e finca-o em seu peito. – Sua bainha é aqui. Enferruja aqui e me deixa morrer. Julieta cai sobre o corpo de romeu e morre.

157 sem deixar uma só gota amiga, para o meu alívio. Vou beijar esses lábios. Talvez ainda tenham sobrado algumas gotas para me matar. – Julieta beija Romeu. – Seus lábios estão quentes. –

A história termina então com a fala do príncipe, concluin do assim a tragédia:

Acontece então o desfecho da história: o casal apaixonado está morto e as duas famílias e o príncipe se encontram na cripta. O frei conta o ocorrido e a história deixa o prín cipe abalado e as duas famílias desoladas. Abaladas com a tragédias, elas fazem as pazes e prometem homenagear o casal apaixonado, como descrito na página 144: – Me dê a mão, irmão Montecchio. Entrego o dote da minha filha porque não vou precisar mais dele – diz Capuleto. E Montecchio retruca: – Mas eu posso dar mais. Vou mandar erguer uma estátua dela de puro ouro. Enquanto Verona for conhecida por esse nome, nenhuma imagem terá tanto valor como a da fiel e leal Julieta. – Romeu deverá ficar ao lado dela. Pobres vítimas da nossa inimi zade – diz Montecchio.

158 E, com muito pesar, o Príncipe conclui: – Esta manhã nos trouxe a paz sombria. De tanto pesar, hoje o sol não quer mostrar o rosto. Vamos andando que ainda temos muito a falar sobre esses trágicos acontecimentos. Alguns serão perdoados e alguns serão punidos, porque nunca houve uma história mais triste que essa de Julieta e seu Romeu.

Portanto, ao eternizar a tragédia do casal apaixonado, Shakespeare acabou criando um clássico que trata de um tema universal – o amor. Além disso, a contemporaneidade do assunto justifica não só sua fama como sua eternização ao longo do tempo. A trama incentiva o leitor a se colocar no lugar do outro, a conhecer seu ponto de vista e suas motivações. Ao trazer ao leitor novos contextos, mundos e realidades por intermédio da leitura, a obra literária proporciona a compreensão das narrativas produzidas ao longo da História a fim de enten der e ressignificar o presente, além de estimular a projeção do futuro. Ela incentiva ainda a imaginação, a criatividade, auxilia na ampliação de vocabulário e na construção de conhecimentos de múltiplas áreas do saber.

Há que se notar também a presença de questões atem porais nas entrelinhas da obra, como disputas familiares, amor juvenil, conflito entre pais e filhos e violência, aspecto que fornece elementos para uma reflexão mais do que necessária sobre a atualidade. Afinal, como defendeu o antropólogo e filósofo Edgar Morin, a literatura nos oferece antenas para entrar no mundo.

restes a fazer catorze anos, Julieta, filha do casal Capuleto, parece ser uma menina frágil e mimada, destinada a obedecer às vontades do pai, que, aparentemente, quer aumentar sua fortuna casando-a com alguém de posses. Mas tudo muda quando ela conhece Romeu, um rapaz apenas alguns meses mais velho do que ela, que vive envolvido em confusões e disputas, e faz parte da família Montecchio, inimiga dos Capuleto.

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9 786589 370017 ISBN

A história de amor proibido mais conhecida de todos os tempos da literatura ocidental é recontada aqui por Christine Röhrig e lindamente ilustrada por Lúcia de Figueiredo. 978-65-89370-01-7

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