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Nesse momento, nosso racismo sofre uma reformulação substancial, inserida na política de branqueamento como solução para o problema nacional e da iminente “africanização”, a assimilação negra, alicerçada na pigmentocracia, que forjou o conto infantil “Brasil: o país das maravilhas raciais” e inculcou nos negros e seus descendentes a vergonha de sua cor e nos brancos o “preconceito de ter preconceito” ressaltado por Florestan Fernandes (GÓES, 2016, p. 29)
A política de embranquecimento passa a ser também a forma de atuação institucional do controle dos corpos negros, sem que fosse deixado de lado, definitivamente, no âmbito criminológico, o paradigma racial etiológico, pois os negros ainda não mantidos cativos pelo Estado, só que, atualmente, a partir do sistema prisional. O direito, que agiu, nesse primeiro momento, como ferramenta de repressão a um grupo específico, passa a operar também como instrumento que legitima a apropriação pela indústria a partir da capitalização e do embranquecimento do samba, como veremos no tópico a seguir. 2.2.2
Indústria cultural e apropriação cultural capitalista
No prólogo de seu livro “Uma história do samba: volume I (as origens)”, Lira Neto conta brevemente sobre o momento em que se começou a criar o samba como o ritmo nacional, e transcrevo aqui um trecho dessa história:
A proposta profissional que Heitor Villa-Lobos tinha a fazer a Espiguela era tão audaciosa quanto, aparentemente, inesperada. O autor das Bachianas brasileiras queria que ele o ajudasse a ressuscitar uma antiga tradição do Rio, o desfile dos cordões carnavalescos, desaparecidos desde o início do século XX, havia cerca de quatro décadas, por força da repressão policial. De acordo com o músico, não haveria problemas com a habitual truculência dos meganhas ou com falta de dinheiro. Como diretor do Departamento de Música da Secretaria de Educação e Cultura do Distrito Federal, Villa conseguiria o aval e o patrocínio do todo-poderoso Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) – órgão responsável pela censura e pela promoção política, artística e cultural do Estado Novo, ditadura imposta ao país havia pouco mais de dois anos, em 1937, por Getúlio Dornelles Vargas. (…) O que o maestro Villa-Lobos propunha, com seu pacífico Sodade do Cordão, era uma reedição, idealizada e muito bem comportada, da antiga pândega momesca. “Uma coreografia genuinamente brasileira, sem qualquer interferência de influência estrangeiras”, nas palavras de seu idealizador. “Aparecerão elementos excepcionais do povo, com […] um instinto nato de disciplina coletiva” (LIRA NETO, 2017, p. 13-14).
Começa aí a história da institucionalização do samba e sua apropriação. Nota-se como o colonialismo – como imposição de uma dita civilidade ligada às elites burguesas (brancas, predominantemente masculinas, cisheterossexuais, judaico-cristãs e não deficientes) – indica a apropriação do samba para transformá-lo naquilo que seria tido como o símbolo de uma