Revista Cenarium 12/2020

Page 1

Novembro de 2020 • Ano 03 • N 07

Cabanagem 2.0: movimento que defende criação da “República dos Povos da Amazônia” provoca reação do governo Bolsonaro e tem apoio internacional

‘Expedição Pantanal’ mostra impacto das queimadas e retrato de destruição. Pág. 06

REVISTA CENARIUM promove inédita sabatina técnica com candidatos à Prefeitura de Manaus. Pág. 20

Nova crescente em casos de Covid-19 reacende debate sobre perigo de ‘segunda onda’. Pág. 34


REVISTA CENARIUM

NA INTERNET CONTEÚDO ATUALIZADO DIARIAMENTE

ACESSE:

WWW.REVISTACENARIUM.COM.BR


CrĂŠdito das fotos: Rodrigo Godoi Moreira


Editorial www.revistacenarium.com.br

EXPEDIENTE Diretora-Geral Paula Litaiff – MTb-793/AM www.paulalitaiff.com Editores – Executivos On – line Luis Henrique Oliveira Carolina Givoni Editora – Executiva – Impresso Márcia Guimarães Editora – Executiva – TV Web Vanessa Taveira Reportagem Bruno Pacheco Carolina Givoni Gabriel Abreu Gabriel Ricardo Luciana Bezerra Luis Henrique Oliveira Márcia Guimarães Mencius Melo Michele Portela Naferson Cruz Paula Litaiff Paulo Guimarães Vanessa Taveira Fotografia Paulo Guimarães Ricardo Oliveira Projeto gráfico/diagramação Hugo Moura (92) 98100-5056 Social Media Marcele Fernandes Gisele Coutinho Designers Guilherme Reis Samuel Castro Cinegrafista Lourenço Filho Editor de Imagens Luiz Reis Revisão Gracycleide Drumond Estagiárias de Jornalismo Ana Luiza Pastana Rúbia Alexia Saraiva Diretor Comercial Wilson Gonçalves (055 92) 98144-5657 Equipe Administrativa Ariel Cesário Simões Edne Stphane de Queiroz Elcimara Oliveira Assessor Jurídico Christhian Naranjo (OAB 4188/AM) Telefone geral da redação (92) 3071-8790 Circulação Manaus (AM), Belém (PA), Brasília (DF) e São Paulo (SP)

O endocolonialismo de Bolsonaro

Amazônia dona de si

Quando o presidente Jair Bolsonaro decidiu excluir representantes nativos na composição do Conselho da Amazônia fez aumentar as reações a sua forma de governo. Uma forma de governar na qual ele se vale de recursos do endocolonialismo, um termo ainda pouco conhecido e que significa, no sentido literal, o ato de exercer dentro de uma mesma nação o controle político e, no caso de Bolsonaro, até ideológico sobre um povo.

A Amazônia tem poder sobre suas próprias riquezas? Este é um dos questionamentos que a REVISTA CENARIUM levanta com a capa desta edição ao trazer à luz dos holofotes o movimento independentista da “Associação Cultural dos Povos da Amazônia”. Tendo como uma de suas pautas a criação da ‘República dos Povos da Amazônia’, o movimento se articula com braços em praticamente toda a região e apoio internacional.

Pior do que negar a participação dos povos tradicionais nos debates sobre o próprio futuro é colocá-los na mira de seus algozes. Foi o que ocorreu na criação do Conselho da Amazônia, cujo controle ficou nas mãos de ruralistas. Esse vem sendo o modo endocolonialista de administrar bolsonarista, voltado a uma gestão endógena que acaba por subjugar os amazônidas. Em meio ao absolutismo, esta edição impressa da REVISTA CENARIUM vem mostrar que diferentemente do que pensa o Palácio do Planalto, a omissão com os povos da Amazônia poderá ter consequências, agora ou em um futuro próximo. A exemplo da Inconfidência Mineira (1789), o sonho de independência da coroa portuguesa era restrito a conspiradores, mas ela aconteceu e sob pressão externa.

Criar um País amazônida, liberto de um Brasil que a si mesmo invade e coloniza, pode soar como devaneio para alguns, mas, para outros, é factível e encarado como amaeça à soberania nacional. Não à toa, a Amazônia foi assunto recorrente na corrida eleitoral pela Presidência dos Estados Unidos e a notícia do movimento de independência provocou reação no governo Bolsonaro. Nesta edição, o leitor acompanha ainda o retrato das queimadas na Amazônia e no Pantanal; o balanço da sabatina técnica inédita com candidatos à Prefeitura de Manaus; o debate sobre uma possível ‘segunda onda’ da pandemia; a luta da Zona Franca de Manaus pela sobrevivência e histórias de personagens da cultura e sociedade amazônida.

Paula Litaiff

Márcia Guimarães

Diretora-geral

Editora-executiva


Sumário Novembro de 2020 • Ano 03 • N 07

26 MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE Pantanal: relatos da tragédia............................... 06 Fogo na Amazônia................................................. 08 Alerta ancestral..................................................... 10 Reconhecimento Internacional............................. 12

ARTIGO – ODENILDO SENA Como dizer! Eis o encantamento.......................... 13

PODER & INSTITUIÇÕES Amazônia Soberana.............................................. 14 ‘A Sabatina Técnica da CENARIUM foi uma iniciativa inédita no jornalismo brasileiro’ ........... 20

44

Vitória da Democracia........................................... 22 Rio da Morte.......................................................... 24

ARTIGO – DANIELA CARDOSO

ECONOMIA & SOCIEDADE

Políticos: mais que oratória, conexão com o eleitor........................................... 51

Manaus 351 anos: Povo, Cultura e História.......... 26 Declarações de amor............................................ 28 Dicionário Amazonês............................................. 30 Templos de memória............................................. 32 Covid-19: ‘segunda onda’ Perigo iminente?.......... 34

MUNDO E CONFLITOS INTERNACIONAIS Vitória com discurso ambiental............................ 52

ARTIGO – LIEGE ALBUQUERQUE Por mais mulheres (vocacionadas) na política .... 54

‘Boom’ industrial ameaçado ................................ 36

Covid-19: mais de 50 milhões de infectados no mundo.............................................................. 56

O legado da negritude.......................................... 38

Realeza ‘verde’...................................................... 57

Correspondentes CENARIUM................................ 40

ENTRETENIMENTO & CULTURA

Drama no Amapá................................................... 42

Produção literária em confinamento.................... 58

Dívida de R$ 33 bilhões......................................... 43

Cunhã-Poranga do Tik Tok ................................... 60

POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

De Belém para o mundo fashion........................... 64

Direito à vida da mulher........................................ 44

VIAGEM & TURISMO

Extermínio ............................................................ 46

Turismo em transe................................................ 66

Força-tarefa ambiental......................................... 48

Casal ‘pé na estrada’............................................ 68


Crédito: João Paulo Guimarães

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Carcaça de jacaré à beira da estrada é o retrato da destruição no Pantanal 06

www.revistacenarium.com.br


REVISTA CENARIUM

PANTANAL: RELATOS DA Com a ‘Expedição Pantanal’, a REVISTA CENARIUM traz um dramático relato sobre impactos das queimadas nas matas e nos animais

P

João Paulo Guimarães – Especial para a Revista Cenarium

ANTANAL, MT – O fim da humanidade começa no Pantanal. Ao entrar em Poconé (a 103 quilômetros de Cuiabá, no Mato Grosso) novamente, depois de um mês afastado, eu comemoro a falta de fumaça. Ela existe ainda, mas é leve e fraca, assim como o cheiro. Uma melhora desde a última vez que estive aqui. A expedição Pantanal é meu retorno ao Mato Grosso para documentar a calamidade e os impactos das queimadas no ecótono [região de transição entre dois biomas], na fauna pantaneira, assim como a evolução do combate às chamas que pouco a pouco já estão sendo controladas, porém não extintas. Quero passar por meio de fotos e textos o real contexto do que esse crime contra o planeta representa para os habitantes do Pantanal, não só como sua casa, mas também como uma forma de vida e de renda. Sou fotógrafo em Belém do Pará e venho há alguns meses fazendo a cobertura da pandemia para sites independentes. Voltei porque achei que o trabalho ainda não tinha terminado. Ainda tem muita coisa a ser mostrada sobre essa tragédia.

INÍCIO DA JORNADA Dessa vez, chego a Poconé pela manhã e posso ver a miséria da cidade. Empoeirada. Esfomeada e sem vida a cidade que mora na entrada do Pantanal. Desesperançosa. O Pantanal fica no fundo de dois biomas. É alimentado por uma junção da vida, natural do Brasil com a Amazônia e os Andes. Tudo deságua no Pantanal. Ele precisa dos outros.

No meu retorno a esse ecótono, deparo-me com a tristeza que lembra uma região de ressaca. Sonolenta. Passando pela Rodovia Transpantaneira de carro, vejo os animais cabisbaixos e sem forças. A Transpantaneira com seus 150 quilômetros respira com dificuldade. O fogo é voraz e contínuo. Debaixo de uma das pontes da estrada violentada, a carcaça de um jacaré. Se morreu de sede ou de fome, não se sabe. Fede debaixo da ponte e nela o pedido de socorro. SOS.

fogo subterrâneo, vejo deitada, em uma gaiola, uma lontra descansando. Automaticamente começo a falar baixo em respeito ao descanso desse animal que considero um dos mais lindos da fauna brasileira. Braba, a lontra, bichinho “pistola”, descansava com um semblante merecedor de paz.

Um gavião à beira da estrada parece não ter vontade de voar com a chegada do nosso carro. É como se o animal tivesse desistido. Um grupo de capivaras descansa no meio da terra seca e ao fundo vemos fumaça. Muita fumaça. Jacarés reunidos à beira de um rio quase seco não se movem, nem quando chego perto demais para fotografar. Os animais não são perigo. O calor de 44° sim. Não para nós que podemos beber de nossas geladeiras.

ANIMAIS PEDEM SOCORRO Alguém pega um rádio de uma mochila e grita: “S.O.S ! Socorro!”. Lembro da primeira ponte da Transpantaneira, no primeiro dia de meu retorno ao Pantanal com a sigla S.O.S escrita com carvão no chão de concreto. Ao entrar na sala improvisada que o Posto de Atendimento Emergencial de Animais Silvestres (Paeas) organizou de forma inteligente e rápida no Posto de Fiscalização e Educação Ambiental Guilherme de Arruda para tratar os animais que conseguem resgatar das brasas e do

A destruição em números No total para 2020, o Pantanal já registra

recorde de queimadas com 21.115 ocorrências, maior número da série histórica. Até então, a máxima registrada foi em 2005, quando foram contabilizados 12.486 focos de fogo na região. Pantanal teve este ano 28% de seu território devastados pelas chamas, área correspondente a quase o tamanho da Dinamarca. Apesar de ter a menor parte do Pantanal, Mato Grosso é o Estado mais devastado, com mais de 1,9

milhão de hectares.

Fonte: Inpe e Lasa/UFRJ 07


Fogo na Amazônia Queimadas na região batem recorde e preocupam ambientalistas. O número de focos de queimadas, até final de outubro de 2020, já superou o ano inteiro de 2019 Náferson Cruz – Da Revista Cenarium

Número de queimadas até outubro também supera o registrado nos meses de setembro de 2011, 2013 e 2016

08

REVISTA CENARIUM


MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

M

ANAUS – As queimadas na Amazônia seguem o rastro do desmatamento e centenas de árvores são varridas do mapa em ritmo acelerado. O número de incêndios registrados neste ano na floresta já é o mais alto em uma década. Apenas nos primeiros dez meses, de janeiro a outubro de 2020, foi superada a cifra total de incêndios em todo o ano de 2019, com 93.356 focos, ante 89.176 no ano passado e 68.345, em 2018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e foram divulgados no dia 1º de novembro. O ano atual também já supera diversos anteriores, como 2018 e 2016. Apesar dos volumosos recursos gastos em operações militares, as queimadas na Amazônia crescem exponencialmente. O número de queimadas na Floresta Amazônica subiu 25% nos primeiros 10 meses de 2020 em comparação com um ano atrás, segundo dados do Inpe. Outubro registrou um total de 17.326 focos de queimada, o que corresponde a mais que o dobro do número de incêndios detectados no mesmo mês no ano passado. Considerando somente os dados até o dia 22 de outubro, quando o Inpe havia registrado 13.574 focos de calor, o aumento já era de 73% em relação ao mesmo mês do ano passado. O número também já é 27% superior ao de outubro de 2018 e se encaminha para superar 2016 e 2017. As queimadas vêm crescendo mês após mês desde junho deste ano. Em relação ao

REVISTA CENARIUM

observado em 2019, agosto de 2020 teve um registro levemente inferior, mas, naquele mês, houve um problema com os satélites que acompanham o fogo no bioma, o que resultou em um valor subestimado. Na primeira quinzena de setembro, o número de queimadas também superou o registrado nos meses de setembro de 2011, 2013 e 2016. Segundo o instituto, a média diária de focos de calor encontrados em setembro foi de 1,4 mil. Somente em três dias da primeira quinzena de setembro, houve registro de mais de 2 mil focos. Pesquisadores vinham alertando para um possível aumento das queimadas em 2020 por causa dos grandes e crescentes níveis de desmatamento dos últimos anos – fogo e desmate estão diretamente relacionados, porque, após a derrubada da mata, o fogo é usado para limpar o material orgânico no local. O uso de fogo na Amazônia foi proibido pelo governo federal no dia 16 de julho, por 120 dias. Agosto e setembro são os meses mais secos na floresta amazônica. “Os números de focos de calor na Amazônia são tão ruins quanto em 2019 e a situação ainda é muito preocupante, pois a floresta segue sendo queimada e desmatada em taxas inaceitáveis”, disse à REVISTA CENARIUM, Cristiane Mazzetti, porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace, Organização Não Governamental (ONG). Para Mazzetti, o atual cenário demonstra que estamos presenciando a mesma tragédia ambiental que se abateu sobre

a Amazônia em 2019. Ela ressalta que os elevados números nos dados do Inpe são reflexo da política “antiambiental” implementada pelo governo Bolsonaro. Segundo ela, a atual política governamental enfraqueceu e tirou a autonomia dos órgãos de fiscalização, incentivando assim a impunidade. “O pouco que o governo se propôs a fazer para “enfrentar” a destruição da Amazônia já foi pensado para não ter resultado e, claro, a gente não esperava nada diferente, uma oratória que proíbe o fogo, desassociada à forte fiscalização e com o emprego das Forças Armadas para fazer o combate ao desmatamento no lugar de órgãos com experiência nessa atividade, coloca a Amazônia nessa situação dramática que pode ser observada nas estatísticas”, disse a porta-voz da campanha Amazônia do Greenpeace.

COMBATE FRAGILIZADO Ao mesmo tempo em que o fogo cresce em 2020 e não só na Amazônia, o combate às queimadas é colocado em dúvida. No dia 22 de outubro, o Ibama anunciou, por falta de verbas, a interrupção da ação dos brigadistas contra as queimadas e a determinação do retorno de todos eles para suas bases. A ordem atingia todos os biomas, inclusive o Pantanal, que enfrenta o pior ano de queimadas já registrado no bioma. No dia seguinte, 23, o governo anunciou a retomada imediata da ação de brigadistas.

Crédito: Ricardo Oliveira

FOCOS DE CALOR NO BIOMA AMAZÔNICO 2020 – de janeiro a outubro

93.356 FOCOS

2019 – de janeiro a dezembro

89.176 FOCOS

Fonte: INPE

87.000

88.000

89.000

90.000

91.000

92.000

93.000

94000

09


Crédito: João Paulo Guimarães

MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

Conselho indígena reuniu diversos líderes: as etnias Tupinambás, Arapiuns e Borari, no Baixo Tapajós

ALERTA ANCESTRAL

Em terceiro Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns, representantes de povos da Amazônica alertam para perigo do manejo madeireiro em terras indígenas João Paulo Guimarães – Da Revista Cenarium

10

www.revistacenarium.com.br


REVISTA CENARIUM

B

ELÉM – “A floresta para nós, povos da Amazônia, não tem valor financeiro. Seu valor é social e espiritual, sendo parte do que somos”, a frase faz parte da série de manifestações indígenas ocorridas entre os dias 7, 8 e 9 de novembro, próximo da cidade de Santarém, a 697 quilômetros de Belém. No terceiro Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (Cita), às margens do Rio Tapajós, diversos líderes das etnias Tupinambás, Arapiuns e Borari se reuniram para debater a economia, cultura e o futuro das comunidades. No evento, os indígenas se reúnem na cidade e usam embarcações para chegar até o destino localizado no Baixo Tapajós. Nele, são realizadas três atividades no encontro, a principal delas é a Conselho Indígena Tapajós-Arapiuns (Cita), ocorrida na Aldeia Jauarituba, onde foram discutidos os principais assuntos de interesse indígena.

O manejo madeireiro comunitário tem se colocado como uma solução para o desenvolvimento na Amazônia. No entanto, esquece que nunca fomos subdesenvolvidos até o surgimento do capitalismo”

Jessica Anastácia Medeiros, mestra em Ciências da Floresta e engenheira florestal.

A Cita é comandada pelo Cacique Braz, o Cacique Geral do Povo Tupinambá e, entre os presentes, também estava Edney Arapiun, de apenas 20 anos, que é liderança jovem e o coordenador do Cita. Ele comanda as aldeias da etnia do Baixo Tapajós e do Rio Arapiuns.

SUSTENTABILIDADE A Cita, que reúne a comunidade indígena, tem como principal propósito articular ações em defesa do território da Reserva Tapajós Arapiuns, onde está situado o território Tupinambá, além de vários outros. Entre os assuntos de destaque, foram abordados o Manejo Madeireiro que divide opiniões na comunidade. Para a mestra em Ciências da Floresta e engenheira florestal, Jessica Anastácia Medeiros, a luta do Povo Tupinambá é uma luta amazônida. “A Amazônia tem sido palco de grandes empreendimentos nas últimas décadas, em um processo que visa o lucro acima da vida e da cultura de diversas populações. O manejo madeireiro comunitário tem se colocado como uma solução para o desenvolvimento na Amazônia. No entanto, esquece que nunca fomos subdesenvolvidos até o surgimento do capitalismo”, detalhou. A fala de Jéssica na reunião, que não pode ser gravada por questões de segurança, foi incisiva e tempestuosa no intuito de explicar didaticamente todos os pontos negativos do manejo madeireiro na prática. “A floresta para nós, povos da Amazônia, não tem valor financeiro, seu valor é social e espiritual, sendo parte do que somos. Compensação nenhuma paga a vida e a necessidade dos grandes empresários e explorar as florestas tem fortalecido trabalhos sobre manejo sustentável, porém a conta da retirada de madeira e sustentabilidade não fecha”, finalizou.

Para a mestra em Ciências da Floresta e engenheira florestal, Jessica Anastácia Medeiros, a luta do Povo Tupinambá é uma luta amazônida 11


MEIO AMBIENTE & SUSTENTABILIDADE

REVISTA CENARIUM

Crédito: Hudson Pontes Fotos Públicas

Atualmente, a taxa de reflorestamento da PrintReleaf já ultrapassa a marca de 1.500 árvores por dia. O programa possui auditoria ambiental assinada pela SGS e atua em países como República Dominicana, México, Índia, Estados Unidos, Madagascar, Irlanda e Brasil, onde o reflorestamento é realizado na Mata Atlântica, reconstruindo corredores ecológicos em parceria com a organização We Forest.

A cada 8 mil impressões geradas pelos órgãos do governo, uma árvore é plantada na Mata Atlântica

RECONHECIMENTO INTERNACIONAL Amazonas recebe certificação de reflorestamento emitida pela Global PrintReleaf Da Revista Cenarium*

M

ANAUS - A Casa Civil do Estado do Amazonas recebeu o certificado vitalício de compensação ambiental emitido pela Global PrintReleaf, empresa norte-americana detentora do software que calcula a quantidade de papel utilizada pelos clientes e iguala ao número de árvores necessárias para o reflorestamento, reduzindo o impacto no meio ambiente. Desde que integrou o programa, em agosto de 2019, a Casa Civil já compensou um total de 135.721 folhas de papel. As demais secretarias participantes do programa como a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a Secretaria de Estado de Administração e Gestão do Amazonas (Sead) compensaram em total de páginas

12

www.revistacenarium.com.br

18.879.497 e 339.879, respectivamente. A somatória de consumo dos órgãos do Governo do Estado participantes do projeto já resultou no plantio de mais de 2.800 novas árvores na Mata Atlântica. “Boa parte das empresas que trabalham na fabricação de papel usa matéria dessa área. Por que a gente recebeu essa certificação? Porque nós praticamente não estamos usando papel, nós reduzimos a praticamente zero lá na Casa Civil, porque agora todos os procedimentos são digitais, o Diário Oficial do Estado, todo ele hoje é digital. Antes, o Diário demorava em média oito dias para ser publicado, hoje isso acontece praticamente em tempo real”, ressaltou Wilson Lima.

“A cada 8 mil impressões que são geradas pelas secretarias do Governo do Estado, nós plantamos uma árvore na Mata Atlântica. E alguém pode questionar: Por que a Mata Atlântica? Porque a empresa que vende o software mundialmente e a empresa que audita essas vendas entendem que ainda não há necessidade de que a Floresta Amazônica, por ter 97% da sua área preservada, tenha esse tipo de programa. É importante que nós protejamos a nossa floresta, mas também ajudemos a preservar ou reconstruir a Mata Atlântica”, destacou o chefe da Casa Civil, Flávio Antony Filho. O gerenciamento de impressão da Casa Civil é realizado pela empresa contratada Amazonas Copiadora, que também atende outros órgãos do Governo do Estado. “Nós buscamos esse software para injetar o compromisso da sustentabilidade no Governo, pois acreditamos que a gestão pública não prescinde da sustentabilidade. Esse é um grande passo e acreditamos que cada vez mais podemos ampliar esse programa”, explicou o gestor de Inovação da empresa Amazonas Copiadora, Danilo Cestaro.

SUSTENTABILIDADE O governador Wilson Lima destaca que a redução do uso de papel é uma política que está sendo ampliada para todas as secretarias. “Todos os procedimentos até 2022 serão eletrônicos no Governo do Estado. Muitas das secretarias já trabalham dessa forma, tudo eletrônico, isso faz com que os processos tenham mais agilidade e uma economia enorme de papel que a gente tem feito. Daí o reconhecimento por esse esforço do Estado do Amazonas”, finalizou. (*) Com informações da Assessoria de Imprensa


ARTIGO – ODENILDO SENA

Como dizer! Eis o encantamento Odenildo Sena*

O

segredo está no “como” e não no “o quê”. Nesse princípio discursivo aparentemente tão complexo, mas de uma simplicidade acaciana, como diria o velho Machado de Assis, está o processo de criatividade naquilo que se pretende escrever para atiçar o sentimento de um leitor. Não à toa, a escritora Lygia Fagundes Telles, do alto de seus mais de noventa anos de vida e de suas tantas décadas de encontros e desencontros com as palavras, nos lembra que: “O retrato de uma árvore é o retrato de uma árvore. Contudo, se a gente sentir que há alguém atrás dessa árvore, que detrás dela alguma coisa está acontecendo ou vai acontecer, se a gente sentir, intuir que na aparente imobilidade está a vida palpitando no chão de insetos, ervas – então esse será um retrato inesquecível”. Perceberam? A questão não é a árvore, não é o objeto visível em si, mas a perspectiva particular e rica em possibilidades com que se capta esse objeto. Ou seja, não é “o que dizer” com as palavras, mas “o como dizer” com as palavras. Neste sentido, revisitando as páginas de meu livro “100 dias de quarentena – no tempo em que a vida parou”, encontrei a seguinte frase: “Lá fora o dia se entrega em beleza. E, de longe, invisível como o coronavírus, mas alegre e esperançoso como um novo amanhecer, o canto solitário de um passarinho atravessa a rua e invade o apartamento”. Se é que essa frase causa algum encantamento em quem a lê, esse encantamento não é provocado pelas palavras, todas simples e cotidianas: “dia, beleza, coronavírus, amanhecer, passarinho, rua...” A raiz desse encantamento, isso sim, está na forma com que essas palavras foram trabalhadas e arquitetadas. Em outros termos, a grande diferença não está nas palavras em si, mas nos arranjos feitos com elas, de tal modo a trans-

mitir algum encantamento. Voltando ao exemplo de Lygia, o segredo não está em descrever factualmente a árvore, isso seria um relatório no campo da botânica, mas ver muito além dela. Ou, como disse Victor Hugo, “ver nas coisas além das coisas”, nos moldes desses versos de Astrid Cabral:

“Quem poderia dizer

por que atravessaste o rio

quando na margem de cá

havia frondes e sombras

flores em todo esplendor”.

Em meio a cinco versos que reúnem palavras simples de todos conhecidas, a sensibilidade de Astrid consegue um arranjo tão extraordinário entre elas, que acaba por projetar no sentimento do leitor uma gama de sentidos metafóricos que certamente o conduzem a um território poético dramático que se situa muito além e aquém das simples palavras. Se não compliquei muito o meio de campo, é isso que eu quero dizer quando lembro, neste breve texto, que o segredo está no “como” e não no “o quê”. Para isso, não custa pedir ajuda ao poeta americano Walt Whitman em seu Carpe Diem, texto rememorado no memorável filme “Sociedade dos poetas mortos”: “Valoriza a beleza das coisas simples, pode-se fazer poesia bela sobre as pequenas coisas”. *Odenildo Sena é linguista, com mestrado e doutorado em Linguística Aplicada e tem interesses nas áreas do discurso e da produção escrita. 13


PODER & INSTITUIÇÕES

Movimento pela ‘independência’ da região busca instalação de um País no norte do Brasil Mencius Melo – Da Revista Cenarium

M

ANAUS/BELÉM – “O Brasil é uma nação invasora da Amazônia”, assim falou de Belém, no Pará, à reportagem da REVISTA CENARIUM, o sociólogo Ângelo Madson Tupinambá, diretor de Comunicação da “Associação Cultural dos Povos da Amazônia”, Organização Não Governamental fundada em

País ‘República dos Povos da Amazônia’, cuja capital seria Santarém, no Pará, que se tornaria um distrito neutro e formaria uma espécie de corredor diagonal para interligar as grandes cidades de Belém (PA), Manaus (AM) e Porto Velho (RO). “Sempre existiu esse sentimento de pertencimento a uma nação que tem uma

O Grão-Pará era uma província totalmente ligada a Portugal, tanto é que nossa anexação ao Brasil tem exatos 197 anos, só que isso não é ensinado nas escolas”

Julian Machado, historiador. 2019 e registrada oficialmente em Manaus, no Amazonas. O movimento ‘independentista’ e não ‘separatista’ – como quer que seja reconhecido – segundo o historiador Julian Machado, de Manaus, é inspirado na maior revolução popular que aconteceu no norte do Brasil: a Cabanagem, revolta popular e social ocorrida entre 1835 a 1840, durante o Império no Brasil, na antiga Província do Grão-Pará, hoje estado do Pará. A rebelião tinha como objetivo a independência da região. Não é à toa que o movimento é chamado de ‘Cabanagem 2.0’. O debate sobre o movimento começou em Belém e o grupo foi registrado em Manaus. Entre as pautas independentistas estão a adoção de uma bandeira única do futuro 14

www.revistacenarium.com.br

história e uma cultura única e um único povo que é o povo amazônida”, destacou Ângelo Tupinambá.

ENDOCOLONIALISMO Para o sociólogo, é preciso romper com o endocolonialismo do Estado nacional brasileiro e com as ideias que estão cristalizadas no imaginário popular e no discurso oficial. “Tudo que acontece de ruim com a nossa região tem o dedo do Brasil”, criticou Ângelo. “Vivemos subjugados ao longo da história, história essa alicerçada na retórica demografia de que a Amazônia é um ‘grande vazio humano’, o que, obviamente, não é verdade”, observou. Já o historiador manauara Julian Machado reforça que é questionável o papel

“O Grão-Pará não dialogava com o Rio de Janeiro (então capital da colônia) e era uma província totalmente ligada a Portugal, tanto é que nossa anexação ao Brasil tem exatos 197 anos, só que isso não é ensinado nas nossas escolas”, observou o historiador. Por sua vez, para o sociólogo paraense, a cultura de relegar ao norte um papel secundário está na raiz da história. “A Amazônia e o Brasil têm histórias completamente diferentes e a nossa primeira luta é convencer o nosso povo sobre essa realidade”, declarou.

‘TENTÁCULOS’ Como o movimento é recente, a organização está buscando tentacular em todos os Estados da Amazônia. Com núcleo político em Belém e em Manaus, Ângelo informa que também já existem adeptos em Roraima, Rondônia, Tocantins e Amapá. “Estamos buscando aliados no Acre, que é o único Estado que ainda não conseguimos avançar”, acrescentou Ângelo Tupinambá. Apesar de lembrar movimentos divisionistas como os que atuaram na Espanha e na Irlanda até os anos 1990, a organização descarta qualquer propensão à luta armada e avalia no futuro tornar-se um partido político. “Nossa organização é cultural e o plebiscito é a nossa bandeira, por isso acreditamos que nosso viés tem um papel sedutor, pois precisamos ganhar corações e mentes”, definiu Tupinambá. Como exemplo, Ângelo cita o próximo passo cultural do grupo que é lembrar, no dia 16 de outubro, o “Massacre do Brigue Palhaço*” ocorrido em Belém, no ano de 1823. “Precisamos resgatar essas datas que são muito importantes para a reafirmação da nossa história”, comentou. “Nossa luta prioritária é conseguir fazer com que a história da Amazônia passe a fazer parte da grade curricular do ensino básico na nossa região”, declarou Julian Machado.

Crédito: Ricardo Oliveira

AMAZÔNIA SOBERANA

atribuído ao Estado brasileiro, na formação geopolítica da Região Norte. Ele reforça que Portugal tinha duas colônias: o Brasil e o Grão-Pará.


O historiador Julian Machado considera uma prioridade do movimento fazer com que a história da Amazônia seja parte da grade curricular do ensino básico na região

15


PODER & INSTITUIÇÕES

Apoio internacional Com articulação na Europa, os líderes da organização possuem interlocutores em Berlin, na Alemanha. Segundo Ângelo Madson Tupinambá, os apoios europeus não estão no campo de financiamento, mas no fortalecimento da amizade e da identidade de ideias. “Não temos financiamento ou qualquer outro tipo de apoio material vindo de fora e isso eu bem que gostaria de ter, mas o que temos é um amigo na Alemanha, por exemplo, que torce pelo trabalho de conscientização que estamos realizando junto aos povos da região”, declarou Madson. Em recente viagem denominada ‘Expedição Tupinambá no Alto Rio Guamá’, Ângelo levou cestas básicas aos indígenas daquela região. “Foi uma iniciativa que tivemos e nisso quero agradecer à Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, pela doação de 17 cestas básicas”, declarou.

Governo federal se pronuncia Após a reportagem sobre o movimento independentista da Amazônia, ficar entre as matérias mais lidas em Brasília e São Paulo na versão on-line da REVISTA CENARIUM, a representante do Ministério das Relações Exteriores na Região Norte, Maria Deize Camilo, entrou em contato com a redação da CENARIUM para obter informações sobre o movimento Cabanagem 2.0.

Povos da Amazônia”, Deize limitou-se a dizer que considerava o caso “bizarro”. Procurada para uma entrevista mais aprofundada sobre o assunto, Maria Deize Camilo justificou que não poderia falar com a equipe de reportagem, porque estava com o marido internado para fazer uma cirurgia.

À representante do governo federal, foi dito que a equipe de reportagem não tinha autorização dos membros do movimento para o repasse de informações pessoais e que a CENARIUM estava amparada legalmente no resguardo do sigilo da fonte da notícia. Questionada sobre qual avaliação a representante do Ministério das Relações Exteriores na Região Norte fazia da ideia dos membros da Associação Cultural dos

É muito mais sofisticado que essas pessoas lutem para fazer política de qualidade”

Luiz Antônio Nascimento, sociólogo.

“Um desligamento do Brasil nos forçaria a construir o Poder Judiciário, Legislativo, Executivo”, diz sociólogo

Para o professor de Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Luiz Antônio Nascimento, a proposta de independência da Amazônia não tem amparo na realidade. “É até romântica, bonita, motivacional, folclórica, mas é completamente irreal. É uma aventura”, sintetizou. Segundo o sociólogo, é possível entender a revolta, mas é preciso compreender que estar no ‘centro’ das decisões não significa ter melhor qualidade de vida. “Se fosse esse o caso, bairros periféricos de Manaus, que abrigaram o palácio 16

www.revistacenarium.com.br

do governo como o Santa Etelvina (periferia da Zona Norte de Manaus), seriam uma maravilha. Aliás, o bairro da Compensa (Zona Oeste de Manaus) abriga hoje as sedes do governo e da prefeitura da cidade, nem por isso a Compensa é um brinco, pelo contrário…”, realçou. Ainda segundo Luiz Antônio, não é preciso se descolar de Brasília para obter ganhos. “A questão é que precisamos ter robustas políticas nacionais, por exemplo: antes do governo Lula, tínhamos poucas escolas técnicas, ao final de seu governo, foram construídas 400 escolas

espalhadas por todo o Brasil, inclusive nos Estados da Amazônia”, observou. “Um desligamento do Brasil nos forçaria a construir o Poder Judiciário, Legislativo, Executivo, a estrutura de saúde, educação, segurança, alimentação, fora que, para se configurar em realidade nacional, teríamos também que ter uma base de ciência, tecnologia, comércio e indústria. Não é simples”, observou. Para concluir, o acadêmico considerou: “É muito mais sofisticado que essas pessoas lutem para fazer política de qualidade”, finalizou.


REVISTA CENARIUM

O sociólogo Ângelo Madson Tupinambá é diretor de Comunicação da “Associação Cultural dos Povos da Amazônia” e defende que o movimento é ‘independentista’ e não ‘separatista’

A Cabanagem não sustenta discurso independentista O cientista político e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), Cauby Soares, tem um ponto de vista contundente sobre a proposta. Para ele, a Cabanagem não pode ser usada como justificativa para sustentar o discurso do movimento criando em Belém e em Manaus. “Os líderes cabanos eram extremamente nacionalistas brasileiros e isso é provado em documentações existentes em Belém e no Rio de Janeiro, inclusive a Inglaterra chegou a propor apoio militar ao movimento, mas Angelim declinou e isso está registrado em um do-

cumento que se encontra em Londres”, afirmou Cauby. O cientista continua as observações. “Não há na cabanagem sustentação ideológica para se propor a independência do Brasil, porém, se pode, a partir da cabanagem, criar uma ideologia contra o colonialismo brasileiro na região amazônica”, ponderou. De acordo com Cauby, pensamentos como o movimento independentista tem suas razões na prática histórica de como o Brasil, a partir de Brasília, o Sul e o Sudeste tratam as regiões Norte e Nordeste do País e também no lamentável fato de que o Brasil não sabe o que fazer com a Amazônia. “Mais da metade do país é uma incógnita para o próprio País. E para piorar, as articulações político-econômicas das

Crédito: Divulgação acervo pessoal

Nossa organização é cultural e o plebiscito é a nossa bandeira, por isso acreditamos que nosso viés tem um papel sedutor, pois precisamos ganhar corações e mentes”

Ângelo Tupinambá, sociólogo membro da diretoria do movimento.

elites brasileiras visam manter subalternas determinadas regiões do Brasil, em especial o Norte e o Nordeste. A questão é que o Nordeste resiste, mas o Norte é fragmentado historicamente”, lamentou. Para exemplificar, ele cita os governos militares da ditadura de 1964. “Tirando a Zona Franca de Manaus, com seus erros e acertos, projetos coloniais como a Transamazônica e outros em caráter de ocupação, foram um verdadeiro fracasso”, criticou. Com certo pessimismo, Cauby Soares faz uma previsão. “Por tudo isso, movimentos de separação surgem com ideias no mínimo provocadoras, mas, eu sinceramente não acredito que politicamente vamos nos irmanar, acredito mais que a causa ambiental pode ser um fator a nos unir”, finalizou. 17


PODER & INSTITUIÇÕES

Crédito: Danillo Melo Aleam

Para a deputada estadual Alessandra Campêlo, o movimento fere os preceitos da Constituição Federal

18

www.revistacenarium.com.br


REVISTA CENARIUM

Políticos nortistas são contrários Para políticos do Norte, entrevistados pela reportagem da REVISTA CENARIUM, a ideia de independência da Amazônia não pode ser levada a sério. “Passamos por tantas dificuldades, tantas lutas, para criar um País unido, para criar uma unicidade de nação e aí me vem essa proposta que não pode ser levada a sério”, criticou o deputado federal Marcelo Ramos (PL). A deputada estadual do Amazonas, Alessandra Campêlo (MDB) também rechaçou a proposta. “Mesmo sem saber mais detalhes sobre isso, sou totalmente contrária. A proposta é inconstitucional! E isso é cláusula pétrea da Constituição Federal. Nem Emenda Constitucional pode mudar isso”, sentenciou. Para Alessandra, as razões do movimento não são bem compreendidas. “Me parece mais uma retaliação ao resto do País do que uma proposta baseada em fatores culturais, sociais ou étnicos que nos colocassem à parte do resto do País. Nosso País é uno e inseparável. Não consigo levar a sério um movimento desses”, declarou a parlamentar.

GOVERNO FEDERAL NÃO AJUDA… Nascido no Rio Grande do Sul, mas amazonense de paixão e identidade, o deputado federal José Ricardo (PT) avalia que atualmente o povo da região Norte não tem muito o que comemorar com o governo Bolsonaro. “A gente lamenta que o governo federal está entregando as riquezas do País e o patrimônio estratégico para a iniciativa privada e também aos interesses estrangeiros”, criticou. De acordo com o parlamentar, o entreguismo é marca do atual governo. “O governo falou em desenvolver a Amazônia com parcerias com os Estados Unidos, quer dizer, eles (os EUA) só têm interesses econômicos, de exploração, de retirada das riquezas, não de desenvolver o País”, denunciou.

Segundo o petista, é preciso outro direcionamento. “O Brasil tem que cuidar do Brasil, das fronteiras, da soberania, das riquezas em favor da população, do desenvolvimento que leva em consideração os direitos dos povos indígenas, povos ribeirinhos, povos tradicionais, cuidar das cidades, investir no saneamento, cuidar também da questão ambiental e da saúde da população. Essa é que tem que ser a prioridade”, estimulou. “Temos que lutar pelo desenvolvimento da Amazônia, dividido, o País enfraquece”, atestou.

SEPARAR NÃO! DIVIDIR SIM… Paraense de Santarém, o deputado estadual do Amazonas, Sinésio Campos (PT), é contra qualquer proposta de independência da região amazônica do restante do País, mas é patente sua luta para emancipar a região onde nasceu, no Pará. “Não concordo com o movimento separatista, porém, sempre fiz a defesa da criação do Estado do Tapajós tendo como capital Santarém”, defendeu o parlamentar. Para Sinésio Campos, essa é uma luta que encontra eco e amparo nas populações do Oeste do Pará, que lutam para que seja criado o Estado do Tapajós, cuja capital seria Santarém. “Essa é uma luta centenária do povo do Tapajós”, acrescentou o deputado.

A proposta é inconstitucional! E isso é cláusula pétrea da Constituição Federal. Nem Emenda Constitucional pode mudar isso”

Alessandra Campêlo, deputada estadual.

De acordo com ele, a proposta de dividir objetiva dinamizar recursos e otimizar a administração pública. “Dividir Estados da Amazônia para melhorar a governança e assegurar ao povo amazônida mais dignidade com políticas públicas com apelo social respeitando as nossas peculiaridades Amazônicas!”, inflamou. Quanto à ideia de separar, ele foi taxativo. “Somos todos e todas filhos de uma só nação que se chama Brasil”, finalizou o deputado. 19


PODER & INSTITUIÇÕES

‘A Sabatina Técnica da CENARIUM foi uma iniciativa inédita no jornalismo brasileiro’

Fotos: Ricardo Oliveira

Declaração de representante do CRAAM ressalta ousadia com novo formato de abordagem a candidatos em eleição. Opinião é compartilhada por outros sabatinadores Gisele Coutinho – Da Revista Cenarium Cinco sabatinadores estiveram na maioria das sabatinas. À esquerda, Samir Oliveira do CreaAM; Marcus Evangelista do Sindecon-AM. Ao centro, Grace Benayon da OAB-AM; Orlando Cruz do CRA-AM e à direita, Carlos Durigan, da Associação Conservação da Vida Silvestre.

M

ANAUS – “A Sabatina Técnica da CENARIUM foi uma iniciativa inédita no jornalismo brasileiro”, disse o representante do Conselho Regional de Administração (CRA-AM), Orlando Cruz, sobre a contribuição da sabatina à cidade de Manaus e aos eleitores. No encerramento da série de sabatinas, no dia 10 de novembro, especialistas destacaram o ineditismo e a vanguarda do programa que confrontou propostas de nove dos 11 candidatos a prefeito da cidade da capital amazonense. “A Sabatina Técnica da CENARIUM é uma iniciativa inédita no jornalismo brasileiro. É inquestionável o momento histórico, acredito que isso entrará para a história do Brasil, como a primeira Revista que faz um debate técnico, despretensioso e muito construtivo para a cida-

20

www.revistacenarium.com.br

de. Manaus só tem a ganhar com isso”, comentou Cruz. A vice-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Secção Amazonas (OAB-AM), Grace Benayon, afirmou que a iniciativa fez diferença para os eleitores, por conta dos reflexos que a política causa nos setores da sociedade civil. “Fiz questão de estar aqui do início ao fim, pois a OAB é considerada a casa das boas causas. Estar ao lado de grandes instituições, demonstra a grandeza com que foi pensado este projeto. A sabatina é um projeto que deixa uma marca para a sociedade com boa repercussão, seriedade e credibilidade”, exemplificou Benayon.

ESPAÇO DE IDEIAS O ambientalista da Associação Conservação da Vida Silvestre, Carlos Durigan, declarou satisfação em integrar o

time de especialistas convidados pela Cenarium. “Me sinto em casa, aqui é um espaço incrível. Esta é a minha primeira experiência em um programa. Foi muito gratificante contribuir para o debate político, pois sabemos que Manaus é uma cidade culturalmente e ambientalmente muito rica, que precisa de um espaço como este, para conhecer de perto os candidatos e propostas”, ressaltou Durigan. Em nome do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Amazonas (Crea-AM), Samir Oliveira parabenizou a iniciativa da CENARIUM. “Foi um espaço muito importante para os candidatos mostrarem projetos e propostas. Agora a sociedade tem um tempo para rever assuntos que foram abordados e pesquisar em quem realmente vai votar”, citou Oliveira.


REVISTA CENARIUM

Para o representante do Sindicato dos Economistas do Amazonas (Sindecon), Marcus Evangelista, a sabatina contribuiu com o eleitor na hora de fazer a escolha do voto. “Foi uma estratégia eficiente, isso que é democracia. É diferente do que colocar candidato frente a frente. Creio que a estratégia é inovadora”, finalizou Evangelista.

TIME DE ESPECIALISTAS A diretora-geral da REVISTA CENARIUM, Paula Litaiff, avaliou que a Sabatina Técnica foi uma tarefa ousada para o jornalismo local. “Fazer política e comandar uma das maiores cidades do Brasil e da Amazônia é uma grande responsabilidade. Fico muito agradecida

pela participação dos sabatinadores, que não mediram esforços em enriquecer o debate, além da coragem dos nove candidatos que compareceram à sabatina”, reforçou Litaiff. Além dos integrantes da última sabatina, também compuseram a bancada técnica da Cenarium, Afonso Lins (Crea-AM); Daniel Viegas – Advogado e Doutor em Direito; o diretor artístico do Casarão de Ideias, João Fernandes; Jorge Campos (CRA-AM) e Marcelo Almeida (Crea-AM).

nidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana (Aratrama), Pai Alberto Jorge.

CANDIDATOS Ao todo, nove candidatos foram sabatinados pelo time de especialistas selecionados pela Cenarium. Entre eles, Alfredo Nascimento (PL), Chico Preto (DC), Coronel Menezes (Patriota); Capitão Alberto Neto (Republicanos), Romero Reis (Partido Novo).

O time de especialistas também contou com a presença da presidente da Fundação Indígena Kokama, Milena Kokama; do coordenador-geral da Articulação Amazônica dos Povos e Comu-

Participaram ainda Ricardo Nicolau (PSD), José Ricardo (PT) e Gilberto Vasconcelos (PSTU) e Marcelo Amil (PCdoB). Os únicos postulantes que não compareceram à Sabatina Técnica foram Amazonino Mendes (Podemos) e David Almeida (Avante).

Sabatinadores, na abertura da Sabatina Técnica, com o candidato Alfredo Nascimento (PL)

Equipe de sabatinadores que participaram com o candidato Chico Preto (DC)

O candidato Coronel Menezes (Patriota) e os sabatinadores da CENARIUM

Sabatinadores confrontando propostas com o candidato Gilberto Vasconcelos (PSTU)

O candidato José Ricardo (PT) posa para foto com os sabatinadores

O candidato Marcelo Amil (PCdoB) debate propostas com os sabatinadores

Sabatinadores e o candidato Ricardo Nicolau (PSD) durante a gravação do programa

O candidato Romero Reis (Partido Novo) posa com os sabatinadores

Os sabatinadores e o candidato Capitão Alberto Neto (Republicanos) 21


PODER & INSTITUIÇÕES

Vitória da Democracia Arthur avalia que eleição de Biden nos EUA é positiva contra o autoritarismo e avalia reflexos para a Amazônia Da Revista Cenarium*

M

ANAUS – Reconhecido como grande defensor da democracia e da importância da região amazônica para o Brasil e para o mundo, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio Neto, avaliou o que a vitória de Joe Biden como o 46º presidente dos Estados Unidos significa para a Amazônia em artigo publicado na coluna do jornalista Ricardo Noblat no site da Veja. O diplomata de carreira também comentou que a eleição do democrata é uma vitória da democracia e que isso irá se refletir no mundo.

“Então, considero que a vitória de Biden sobre [o republicano Donald] Trump é a vitória da democracia contra o autoritarismo, da inteligência contra o obscurantismo, da razão contra a loucura, do bom senso contra a demência, uma vitória que prenuncia, enfim, muitas mudanças em muitos países, pela própria influência que os Estados Unidos da América exercem sobre o mundo, inclusive no Brasil”, escreveu o prefeito no artigo divulgado em 8 de novembro. No texto, Arthur Virgílio alertou sobre mudanças, principalmente na área ambiental, com a eleição do novo pre-

É a vitória da democracia contra o autoritarismo, da inteligência contra o obscurantismo, da razão contra a loucura, do bom senso contra a demência”

Arthur Neto, prefeito de Manaus. 22

www.revistacenarium.com.br

sidente americano. “Temos um compromisso com a luta contra o aquecimento global. Precisamos, então, da floresta em pé para cumprirmos o que foi decidido, em 2015, na conferência de Paris”, relacionou, referindo-se à Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas ocorrida na França. O prefeito de Manaus também lembrou que Joe Biden já sinalizou a intenção de mobilizar o mundo em favor da preservação da Amazônia, região que Arthur Virgílio considera a mais estratégica do Brasil e que “assim deveria ser entendida por todos os brasileiros”, voltou a criticar a política ambiental do governo federal, segundo ele, “supostamente dirigida” pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, “que deveria ter sido demitido há muito tempo” e condenou o agronegócio e o garimpo na região: “essas atividades, definitivamente, não servem para nós”. “Se a floresta é destruída porque preferem o agronegócio, como fizeram no sul do Pará, liquidando grande parte da floresta, para nós não tem o menor in-


Política ambiental do Brasil pode se beneficiar com planos do novo presidente dos EUA Crédito: Mayke Toscano Secom MT Fotos Públicas

teresse, porque significa o esvaziamento e o empobrecimento dos nossos rios, por consequência a floresta vai deixar de gerar as nuvens que fazem os rios voadores banharem de chuva o Nordeste, o Sudeste, a Argentina e o Uruguai, por exemplo. Deixaríamos de oferecer, talvez, o maior contributo dentre todos que contribuem para o aquecimento global se dá nos parâmetros previstos pela conferência de 2015”, advertiu Arthur. O chefe do Executivo da capital amazonense apontou soluções para a região amazônica que poderiam ser feitas de

forma sustentável e que contribuíram para a economia brasileira. “Nós temos a certeza de que a grande prosperidade da Amazônia, do Amazonas, de Manaus e de grande parte ou de todo o Brasil, diria, está na exploração do banco genético mais rico do mundo presente na nossa região. É explorar e desenvolver uma indústria de biodiversidade, rentável e capaz de realmente distribuir riqueza, gerar empregos e nos transplantar para a economia 4.0, inclusive”, sugeriu. Arthur Virgílio observou, ainda, que é preciso deixar clara a soberania nacional,

diante do risco de a Amazônia brasileira sofrer uma intervenção pela “investida que tantos querem há tanto tempo”. “Na realidade, só há uma forma de garantir a soberania brasileira sobre a Amazônia: é fazendo uma boa governança sobre a região e em consonância com os anseios de um povo, e de nações espalhadas pelo mundo inteiro, que tem interesse em não ver a terra se tornar, pelo aquecimento global, um local impossível de se conservar a vida humana”, concluiu. (*) Com informações da assessoria 23


Rio da Morte

REVISTA CENARIUM foi a primeira a visitar a região de conflito, o Rio Abacaxis, no AM; Procuradoria-Geral da República abre investigação Bruno Pacheco – Da Revista Cenarium

M

ANAUS – Os conflitos envolvendo ribeirinhos, indígenas e policiais no Rio Abacaxis, em Nova Olinda do Norte, no Amazonas, deixaram ao menos oito mortos em agosto deste ano e reflexos trágicos para a população da região. Dias após o incidente, a REVISTA CENARIUM foi a primeira a enviar uma equipe de reportagem ao local do incidente, para produzir uma série de reportagens que mostraram o trauma da violência. O caso ganhou repercussão nacional e a Procuradoria-Geral da

24

www.revistacenarium.com.br

República (PGR) criou, no início de novembro, uma força-tarefa para investigar os conflitos, o que deve gerar ecos sobre a possível violação de direitos. Para entidades ligadas aos direitos humanos e à proteção dos povos indígenas e comunidades tradicionais, a força-tarefa surge como uma notícia de esperança, pois irá reforçar a segurança no local e dar celeridade ao processo. Para Dione Torquatto, membro do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS), ao longo dos confrontos, houve uma

constatação clara de que houve a violação dos direitos humanos. “A força-tarefa chega como uma notícia de esperança, haja vista a complexidade do caso. É uma medida extremamente importante, porque mostra que o caso não vai ficar à mercê. Lembramos que a intenção principal da investigação é trazer a resolução e um esclarecimento para a sociedade. Para nós, há uma constatação clara de que houve a violação dos direitos humanos”, salientou Torquato.


Crédito: Ricardo Oliveira

PODER & INSTITUIÇÕES

Seis moradores da região foram mortos durante os conflitos na região do Rio Abacaxis

A medida, estendida para a Terra Indígena Coatá Laranjal, no município de Borba, foi determinada pelo procurador-geral Augusto Aras, em atendimento ao pedido das Câmaras Criminal e de Populações Indígenas e Comunidades dos Tradicionais do Ministério Público Federal. Aras designou uma lista de procuradores para atuar em conjunto aos promotores regionais Fernando Merloto Soave e Lauro Cardoso Neto em processos sobre o caso, entre inquéritos civis públicos, policiais e representações. De acordo com a Procuradoria da República no Amazonas (PR-AM), a força-tarefa vai investigar se houve violação a direitos humanos fundamentais. As investigações apontam que foram coletados graves abusos de direitos cometidos durante e após atuação policial.

MORTES COMPROVADAS Em entrevista à REVISTA CENARIUM, o representante da Comissão Pas-

Conflitos

Os conflitos na região ocorreram em julho e agosto deste ano. Nos dias 23 e 24 de julho, o secretário-executivo do Fundo de Promoção Social do Governo do Amazonas, Saulo Rezende, fazia pesca esportiva no Rio Abacaxis sem licença ambiental e, após desentendimento com os comunitários, foi ferido com um tiro no ombro. A PR-AM argumenta que o secretário-executivo usava uma embarcação particular. No dia do conflito, Saulo disse aos policiais que os suspeitos ameaçaram queimar a embarcação dele caso insistisse em seguir a viagem. No dia 3 de agosto, a Secretaria de Segurança Pública do Estado (SSP-AM) enviou policiais do COE (Comando de Operações Especiais) e do Batalhão Ambiental da Polícia Militar para realizar ação com a alegação de coibir o tráfico de drogas na região após o incidente. Segundo o MPF, os agentes não se identificaram mesmo após horas de atuação e abordagem inicial de lideranças extrativistas. Ainda de acordo com a PR-AM, os policiais não usavam uniforme ou outra identificação e estavam em uma embarcação particular, a mesma que motivou, nos dias 23 e 24 de julho, conflito grave com os comunitários, por conta do uso do Rio Abacaxis para pesca esportiva sem licença ambiental e culminou no conflito envolvendo Saulo Rezende.

REVISTA CENARIUM

identificação, os ribeirinhos pensaram se tratar de uma vingança e houve pânico nas comunidades e aldeias da região, que reagiram. Durante o conflito armado entre policiais e comunitários, o 3° sargento Manoel Wagner Silva Souza e o cabo Márcio Carlos de Souza foram assassinados e outros dois ficaram feridos. Após a morte dos policiais, a SSP-AM enviou reforço de 50 policiais em uma nova operação na região, no dia 4 de agosto. Há relatos de execução de seis pessoas, tortura, agressões, invasão a residências e destruição de bens dos ribeirinhos. Na ocasião, familiares de um traficante de Nova Olinda do Norte, apontado como líder de uma organização criminosa que atua na região e suspeito de matar dois policiais militares, chegaram a ser presos. Conforme as informações apuradas pela PR-AM, as tensões se agravaram após abusos e ilegalidades relatados por indígenas e moradores dos assentamentos em relação à conduta dos policiais que participaram de operação na área. A Justiça chegou a determinar a suspensão imediata da operação policial. Nove suspeitos foram indiciados em setembro deste ano, acusados de envolvimento nas mortes dos policiais.

Para a PR-AM, como os policiais estavam em embarcação particular e sem

Quando esteve em Nova Olinda, a REVISTA CENARIUM acompanhou a situação de moradores de comunidades ribeirinhas e lançou uma série de reportagens sobre a região, as consequências dos conflitos e o cotidiano das populações.

toral da Terra, Maiká Schwade, salientou que a atuação da PGR é fundamental para que as investigações cheguem aos reais autores e mandantes dos assassinatos e torturas que foram registrados no local pelas entidades.

A representante da assessoria jurídica do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Carla Cetina Castro, reforçou que a medida irá garantir e evitar, também, toda e qualquer futura violação aos povos existentes na região.

“Não estamos falando meramente em violações simples, estamos falando em mortes comprovadas. A participação federal é fundamental para que a gente tenha essa investigação isenta e para que chegue aos reais autores e mandantes das atrocidades que de fato aconteceram”, pontuou Maiká Schwade.

Segundo ela, mesmo com a instalação de medidas protetivas para as comunidades ribeirinhas e indígenas, as entidades continuam a receber denúncias. “As comunidades não estão sozinhas. Enquanto sociedade civil, estamos fiscalizando, não podemos permitir que as violações sejam aceitas, pois vivemos um estado de direito”, frizou. 25


ECONOMIA & SOCIEDADE

MANAUS 351 ANOS: POVO, CULTURA E HISTÓRIA REVISTA CENARIUM homenageia os 351 anos da cidade com uma série de reportagens que celebram cultura, história e particularidades do povo manauara Crédito: Ricardo Oliveira

Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

MANAUS

351 anos


REVISTA CENARIUM

M

ANAUS — Banhada pelo rio Negro e com um povo gentil e hospitaleiro, Manaus tem a natureza a seu favor e a maior floresta tropical do mundo a seu dispor. No dia 24 de outubro, a capital do Amazonas esteve de ‘cueiro’ — como se diz por essas bandas para quem está de aniversário —, e completou 351 anos. Sétima na lista das mais populosas do Brasil e oitavo Produto Interno Bruto (PIB) do País, a cidade tem a força do suor de seu povo. Para homenagear essa terra linda e abençoada, conhecida desde o século XX como a ‘Paris dos Trópicos’, devido à intensa modernização durante o ciclo da borracha, a REVISTA CENARIUM percorreu diversas áreas, onde a cidade nasceu para compartilhar as particularidades da cidade mais influen-

te da Amazônia Ocidental. Em uma série de três reportagens, esta edição também celebra o peculiar vocabulário manaura e pontos turísticos que carregam a história da cidade. Ao longo desta primeira reportagem você fica sabendo o que diz e pensa o povo manauara sobre a cidade. Converse com qualquer manauara e logo ele vai querer te apresentar o Teatro Amazonas, a Ponta Negra, o Largo São Sebastião, o Museu da Amazônia (Musa), a variedade de peixes e pratos regionais e, por aí vai. Parafraseando o violonista concertista, pianista, compositor e poeta, natural de Maués, Júlio Hatchwell – ‘Quem vem passear em Manaus quer ficar, quem vive em Manaus ama esse lugar’. Divirta-se.


ECONOMIA & SOCIEDADE

MANAUS

351 anos

Declarações de amor

A chef paulista Debora Shornik é uma amante da culinária manauara

Manauaras anônimos e conhecidos prestam homenagem a Manaus Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

M

ANAUS- Não é de hoje que personalidades anônimas e ilustres expressam o amor a Manaus, seja em livros, poemas, nos muros da cidade ou em postagens nas redes sociais. Nada mais justo que, ao completar 351 anos, a cidade receba de presente as palavras de carinho de seu povo. “São 13 casas unidas, são 13 casas nascidas no mesmo lance de rua, com as mesmas paredes-meias, os mesmos oitões de taipa, a mesma fachada nua e as mesmas janelas tristes de 13 casas na rua”, disse o poeta Luiz Bacellar, no poema ‘Balada das 13 casas’, publicado em 1963, em que retratou, saudoso, a perda de casas antigas em uma rua do bairro Aparecida, um dos mais antigos de Manaus. Em sua homenagem, o antropólogo indígena João Paulo de Lima Barreto, 48, da etnia Tucano, do Alto Solimões, decidiu ousar e inaugurou, no dia do aniversário da cidade, 24 de outubro, o restaurante Biatu, que visa resgatar a ancestralidade do Centro Histórico da cidade. Segundo Barreto, quando Manaus nasceu — na rua Bernardo Ramos —, a área era dominada por diversos povos in-

28

www.revistacenarium.com.br

dígenas e a culinária típica da época era a quinhapira, um prato com pimentas-verdes cozido com peixe biatu. “A ideia é resgatar a cultura existente em Manaus nesta área do Centro Histórico, onde tudo começou. As pessoas perderam o interesse pelo centro da cidade. Por isso, estou inaugurando o Biatu, como mais uma opção gastronômica da cidade que tanto amo e de tanta miscigenação”, diz o antropólogo. A contadora Adriana Arcos recebeu de herança da família duas casas na região do Centro Histórico da cidade, próximo à praça Dom Pedro II, em frente à sede da primeira Prefeitura de Manaus. Segundo ela, morou no local até seus filhos nascerem, no entanto, por falta de segurança, mudou para outro bairro da cidade. “Hoje a área está abandonada, sem sinalização e segurança. Cresci brincando nessa praça do Passo e vendo como a cidade foi crescendo. A peculiaridade do povo está no jeitinho manauara de ser. Acredito que somos o povo mais caloroso do Brasil”, diz Adriana, pedindo mais atenção do poder público para o Centro Histórico da capital do Amazonas.


Fotos: Ricardo Oliveira

REVISTA CENARIUM

Os garis Paulo Ribeiro e Jander Oliveira, que trabalham na área do Adrianópolis, Zona Centro-Sul de Manaus, definem o linguajar e a forma de dormir em redes do manauara a maneira de maior peculiaridade do povo daqui. “Quem não gosta de dormir em rede, mana?”, diz Paulo, que trabalha limpando as ruas do bairro há 4 anos e meio. “Eu gosto mesmo é de ficar de ‘bubuia’, comer quando estou brocado, égua moça, a gente precisa trabalhar”, brinca Jander, com o jeito de falar do povo manauara. Paulista de alma amazonense, a chef Debora Shornik, 43 anos, mudou para Manaus em 2015 para comandar a versão manauara do restaurante Caxiri, localizado ao lado do Teatro Amazonas. Desde então, Debora diz que se conecta com a cidade aprendendo com as cozinheiras ribeirinhas as receitas simples do povo manauara. “O que mais me aproxima dessa cidade é a forma simples como o seu povo lida com a gastronomia. Aprendo a cada dia com eles. São receitas simples, porém, milenares que misturam temperos de várias etnias e que resguardam a culi-

João Paulo de Lima Barreto, antropólogo indígena da etnia Tucano, inaugura o restaurante Biatu, para homenagear Manaus

nária mais antiga e mais original do Brasil”, concluiu a chef paulista. Com uma visão menos romântica, o poeta Aldísio Filgueiras, no texto “Manaus de meias soquetes”, ressalta que a cidade mudou muito em 351 anos e segue em transformação. “Manaus tem ao menos duas idades, digamos, notáveis: o período áureo da borracha e o capítulo sem definição da Zona Franca. O nosso distrito industrial tem uma presença tão discreta na cidade parece um seringal sem luz elétrica do Juruá ou do Purus. E Manaus, nessa similitude, surge na margem esquerda do rio Negro, como a Vila de Remate dos Males, soberba e pávula, que o rio Solimões engoliu inteirinha”, cita o poeta no texto. Crítico, Aldísio diz ainda que jamais entendeu porque em todo aniversário de sua fundação, Manaus é referida como “a minha doce menina morena” ou a “virgem verde”. “Talvez, se deva a algum surto periódico de pedofilia. Mulheres adultas não têm nenhum encanto? “Uma doce menina” com mais de 300 anos, só mesmo uma balzaquiana de meias soquetes, cantando baladas pop”.

A peculiaridade do povo está no jeitinho manauara de ser. Acredito que somos o povo mais caloroso do Brasil”

Adriana Arcos, contadora.


ECONOMIA & SOCIEDADE

Agora se você precisa ir embora, em Manaus você vai “capar o gato”, e apesar do termo remeter a uma agressão aos felinos, nada disso é feito!

MANAUS

351 anos

Dicionário Amazonês

Ao completar 351 anos, Manaus mantém tradição de um vocabulário particular e recheado de gírias populares Carolina Givoni – Da Revista Cenarium

M

ANAUS – “Ei, tu é leso? Deixa de ser abestado e lê essa matéria chibata”. Esse é o jeitinho manauara da REVISTA CENARIUM de convidar os leitores para comemorar o aniversário da popular “Paris dos Trópicos”, que completou 351 anos no dia 24 de outubro, com um pequeno dicionário sobre os significados das gírias populares mais utilizadas na capital amazonense. Veja abaixo algumas das principais expressões catalogadas pelo doutor em Linguística Sérgio Freire, responsável por uma verdadeira coletânea de “pérolas” faladas em Manaus e no Amazonas, sendo autor do livro “Amazonês”. Até o tucupi: significa atingir o nível máximo de algo, por exemplo; “comi tanto, que estou até o tucupi”. Brocado: o termo tem relação com o ato de estar com fome; “estou brocado”.

30

www.revistacenarium.com.br

Já a expressão “chibata” remete a algo muito bacana, divertido. “Assistimos a um filme chibata”. Está com calor? Que tal se refrescar com um delicioso “dindim” de fruta? O dindim é uma variação local da sobremesa caseira gelada, conhecida em outros locais como chopp, sacolé ou “chup-chup”. Em Manaus, se você faz sucesso e se destaca, você “grelha” demais. Para expressar surpresa, os manauaras gostam de usar a expressão “ê caroço!”. E também há o “fuleiro”, para mencionar aquele amigo que sempre desmarca o encontro de última hora. Para matar a fome, nada como comer um “kikão”, palavra manauara do clássico cachorro-quente ou hot-dog. Na capital amazonense e no interior do Estado, é comum ouvir “mana” e “mano” nas feiras, mercados livres e comércio local. É o modo carinhoso de chamar aquela pessoa próxima. “Ei mana, vamos dar uma volta no Centro?”. E quem perde tempo pensando em bobagens, tem que parar de “leseira baré”, expressão que indica como é chamado um momento de distração desnecessária. Para perguntar se um amigo “ficou doido”, nada como um “telesé” para chamar atenção. “Ei mana, telesé? Vem para cá que a festa está boa”. Agora se você gosta de coisas grandes, que tal usar “maceta” para se expressar? “Nossa, comi aquele prato “maceta” de sopa. Para não deixar a lista das expressões “com defeito”, vamos encerrar com a palavra “escangalhar”, que significa quebrar algo, ou deixar algo malfeito.

A LÍNGUA É HISTÓRIA O especialista em linguística Sérgio Freire contou à REVISTA CENARIUM qual sua expressão favorita, além


REVISTA CENARIUM

Língua é história. Registrar as expressões da língua oralizada é uma forma de registrar nossa própria identidade”

da importância de manter vivo o dialeto popular na região amazônica.

si, mas para dizer para quem vem depois como a gente era antes”, declarou Freire.

“Gosto muito do jeito que o manauara enfatiza com o ‘que só’, que é uma herança dos nordestinos que vieram para cá, fugindo da grande seca e depois no segundo ciclo da borracha. E aprecio muito a inversão sintática de ênfase: ‘Gosto não eu’”, explicou.

No livro “Amazonês”, que já está na segunda edição, o autor afirma que fez mais de dez anos de pesquisa linguística. Ele conta uma curiosidade especial desse período, justamente sobre a palavra kikão. “Havia uma Kombi transformada em lanche nos anos 70 que vendia cachorro-quente. O nome do lanche era “lanche do Kiko”. Aí o dono, o pretenso Kiko, batizou o cachorro-quente que vendia – e que fazia sucesso – como kikão. Com o tempo, o lanche se foi e a palavra ficou na língua. Hoje há variações, como kikinho, o cachorro-quente pequeno de um real”, finalizou.

Para ele, manter vivas essas expressões populares são uma forma de expressar a identidade amazônica. “Língua é história. Registrar as expressões da língua oralizada é uma forma de registrar nossa própria identidade. E o linguista registra não para manter, porque não tem papel normativo sobre a língua, que é dona de

Crédito: Samuel Castro

Sérgio Freire, doutor em Linguística.

31


Fotos Janailton Falcão Amazonastur

ECONOMIA & SOCIEDADE

O salão de espetáculos do Teatro Amazonas tem capacidade para 701 pessoas, distribuídas entre a plateia e três pavimentos de camarotes

TEMPLOS DE MEMÓRIA Pontos turísticos de Manaus guardam essência do áureo período da borracha Luís Henrique Oliveira – Da Revista Cenarium*

32

www.revistacenarium.com.br

M

ANAUS – Quem não conhece a capital do Amazonas não imagina tamanha importância que a cidade teve para que o Brasil se tornasse o País que é hoje. Foi aqui, na chamada ‘Paris dos Trópicos’ do final do século XIX e início do século XX, que parte da população mais rica daquela época viveu, atraída pelo ouro branco: a borracha proveniente da árvore da seringueira.

Para viver com todo o requinte e conforto das grandes cidades, os ‘barões da borracha’ tiveram que fazer de Manaus uma verdadeira cidade europeia, com casas imponentes, mercados e um teatro fabuloso, construídos com material importado do velho continente. Dois exemplos desses templos da memória histórica da cidade que resistem ao passar do tempo e se tornaram atração tu-


REVISTA CENARIUM

rística são o Teatro Amazonas e o Mercado Municipal Adolpho Lisboa.

TEATRO AMAZONAS Principal símbolo cultural e arquitetônico do Estado, o Teatro Amazonas, localizado no Largo de São Sebastião, no Centro de Manaus, mantém viva boa parte da história do ciclo da borracha. Inaugurado no dia 31 de dezembro de 1896, o Teatro surpreende e encanta pela imponência. Tombado como Patrimônio Histórico Nacional em 1966, o Teatro Amazonas preserva parte da arquitetura e decoração originais. O estilo arquitetônico é renascentista, com detalhes ecléticos. Na área externa, a famosa cúpula chama a atenção pela exuberância, composta por 36 mil peças nas cores da bandeira brasileira, importadas da Alsácia, na França. A maior parte do material usado na construção do teatro foi importada da Europa: as paredes de aço de Glasgow, na Escócia; os 198 lustres e o mármore de Carrara das escadas, estátuas e colunas são da Itália. O salão de espetáculos tem capacidade para 701 pessoas, distribuídas entre a plateia e três pavimentos de camarotes.

Impossível não ficar hipnotizado com o teto côncavo, no qual estão quatro telas pintadas em Paris pela tradicional Casa Carpezot. As telas representam música, dança, tragédia e ópera. Esta última, uma homenagem ao compositor brasileiro Carlos Gomes. Ao centro, um majestoso lustre de bronze francês. Também não passam despercebidas as máscaras nas colunas da plateia, que homenageiam compositores e dramaturgos, entre eles, Aristophanes, Molière, Rossini, Mozart e Verdi. O Pano de Boca do Teatro Amazonas é outra raridade. Foi confeccionado em 1894, pelo artista brasileiro Crispim do Amaral, e descreve o encontro dos rios Negro e Solimões. No Salão Nobre, onde aconteciam os grandes eventos sociais da época, destaca-se a pintura do teto feita por Domenico de Angelis, em 1899, e que foi batizada de “A glorificação das Bellas Artes da Amazônia”.

MERCADO MUNICIPAL ADOLPHO LISBOA O mercado público Adolpho Lisboa, de Manaus, surgiu no século XIX, em

meio à preocupação com as condições de higiene na comercialização de alimentos. Popularmente conhecido como mercadão, é a principal entrada da produção pesqueira e rural do Estado. O seu pavilhão central foi inaugurado em 15 de julho de 1883, época em que a cidade era considerada uma das mais prósperas do Brasil, em razão das riquezas vindas da exploração dos seringais. Sua arquitetura de estilo art nouveau, faz do mercado uma réplica do extinto mercado Les Helles, de Paris, na França, com a estrutura toda feita de ferro fundido e forjado, pórticos de ferro rendilhado e vitrais. Um detalhe interessante é que as obras desse mercado não obedeceram a um projeto e foram sendo realizadas ao longo de 30 anos, conforme a necessidade de ampliação do espaço, a partir do crescimento da cidade. Em 1906, o prédio foi arrendado para a empresa inglesa Manáos Markets, responsável pela construção das principais fachadas e pelos dois pavilhões laterais, também de ferro, destinados à venda de carne e peixes. O contrato foi rescindido em 1934 e o Mercado voltou à administração municipal.

MANAUS

351 anos

A cúpula do Teatro Amazonas chama atenção, com suas 36 mil peças nas cores da bandeira brasileira 33


ECONOMIA & SOCIEDADE

Fotos: Ricardo Oliveira

Aglomerações em locais como a praia da Ponta Negra, em Manaus, podem ter contribuído para novo avanço do novo Coronavírus

COVID-19:

‘SEGUNDA ONDA’

PERIGO IMINENTE? Aumento no número de casos e retomada de restrições reacendem debate entre especialistas Náferson Cruz – Da Revista Cenarium

34

www.revistacenarium.com.br

M

ANAUS - A crescente em números de novos casos de Covid-19 em Estados da Amazônia Legal reacendeu o debate entre especialistas sobre uma possível ‘segunda onda’ da pandemia com o novo Coronavírus voltando a se espalhar fortemente na região, como ocorreu em abril e maio em Manaus, um dos primeiros epicentros no Brasil. Até as 20h do dia 10 de novembro, os nove Estados da região já somavam 1.058.157 de infectados e 24.284 mortes, segundo o Consórcio de Veículos de Comunicação. Em junho, a REVISTA CENARIUM antecipou a discussão sobre o perigo de uma nova ‘onda’ da doença com a manchete “O fantasma da Covid-19 na Amazônia: risco de ‘segunda onda’ é real”. Passados cinco meses, o aumento do número de infectados e a retomada


REVISTA CENARIUM

de medidas restritivas em Estados como o Amazonas reacenderam o debate. Para o coordenador-geral do Projeto Atlas ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), Henrique Pereira, embora haja uma aceleração no número de casos e de internações, “é muito provável que não aconteça um segundo ciclo pandêmico semelhante ao que aconteceu nos meses de abril e maio, com altos índices de óbitos”. “Cada um de nós (pesquisadores) tem um critério diferente que envolve essas questões. Quem está considerando a ‘segunda onda’, aposta numa escalada de mortes como aconteceu nos meses de abril e maio, porém, será um ciclo menos severo que o primeiro. No momento, estamos observando a aceleração no número de casos de internações, principalmente entre os mais jovens”. Henrique Pereira ressaltou que Manaus está numa sequência de aceleração de casos e o nível desses indicadores está num patamar semelhante ao início de junho, o começo da flexibilização. “O mês de setembro teve uma tendência invertida, um alerta de que algo está errado ou mudou, mas precisamos ficar atentos, uma vez que nossa proteção vai ser sempre aumentar o distanciamento, o isolamento e a higienização”, disse o pesquisador. Mais incisivo, o epidemiologista Jesem Orellana propõe a adoção de ‘lockdown’, medida extrema de restrição de atividades, para conter a circulação do vírus. O pesquisador, autor do estudo da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) que sustenta a tese de uma ‘segunda onda’ de casos de Covid-19 na capital amazonense, cita um “aumento sustentável da incidência ou de casos novos de síndrome respiratória aguda grave em Manaus há mais de quatro semanas”, referindo-se ao mês de setembro. De acordo com o pesquisador, as restrições anunciadas, como o fechamento de bares, são insuficientes para conter a circulação do vírus em Manaus. Ele defende ‘lockdown’ em toda a cidade pelo período de 14 dias. “Para você conseguir conter a circulação do vírus, não há outra solução que

A pandemia na Amazônia Legal Estado

Casos confirmados

Óbitos confirmados

Acre

31.926

704

Amapá

53.574

766

Amazonas

166.771

4.650

Maranhão

188.313

4.138

Mato Grosso

148.015

3.932

Pará

259.189

6.802

Rondônia

73.688

1.482

Roraima

59.586

695

Tocantins

77.095

1.115

Total

1.058.157

24.284

Fonte: Consórcio dos veículos de comunicação. Dados até as 20h do dia 10 de novembro.

não seja o ‘lockdown’ rigoroso em que você consiga fazer uma fiscalização efetiva da mobilidade intermunicipal, tanto da parte de transporte coletivo quanto do transporte privado das pessoas”, afirmou Orellana.

DIVERGÊNCIA INTERNA Internamente, a Fiocruz diverge da medida de lockdown em Manaus. “Ainda é cedo para dizer que uma ‘segunda onda’ do novo Coronavírus atingiu Manaus, mas o momento é de atenção”. A afirmação é do pesquisador Marcelo Gomes, coordenador do sistema Infogripe, desenvolvido pela Fiocruz em parceria com o Ministério da Saúde e ativo desde 2014. Segundo ele, o aumento de casos em Manaus é um fato que deve ser encarado com atenção, mas sem pânico.

MOVIMENTO ASCENDENTE DE CONTAMINAÇÕES Dados do Governo do Amazonas mostram que a ‘primeira onda’ começou a se desenhar no fim de março, com pico no início de maio. Após uma forte queda em números de hospitalizações e óbitos, os números voltaram a subir a partir do início de agosto, mas ainda em uma proporção muito inferior em relação a maio.

Na última semana de setembro, o governo do Estado voltou a ordenar o fechamento de bares em Manaus e reeditou o decreto com as medidas de restrições no dia 27 de outubro. O governador Wilson Lima, no entanto, descartou o fechamento total de atividades. “Nem passa pela minha cabeça a possibilidade de ‘lockdown’”, disse, em vídeo postado em rede social. Lima também descartou que esteja havendo uma segunda onda em Manaus, ao anunciar a manutenção das restrições. A Prefeitura de Manaus também percebeu o movimento ascendente de contaminações e decidiu fechar a praia do Complexo Turístico Ponta Negra, principal ponto turístico da capital. Também foi ampliado, de 11 para 18, o número de Unidades Básicas de Saúde - UBSs para atendimento preferencial de casos de Covid-19.

INCIDÊNCIA NO BRASIL O Brasil chegou a 162.842 mortes e 5.701.283 casos no dia 10 de novembro, de acordo com o Consórcio de Veículos de Comunicação. O País seguia em terceiro lugar entre os países com o maior número de infectados no mundo, atrás apenas de Estados Unidos, com 9.990.620 casos, e Índia, com 8.636.011. 35


ECONOMIA & SOCIEDADE

‘BOOM’ INDUSTRIAL AMEAÇADO Saída do auxílio emergencial pode frustrar expectativa de crescimento da indústria no AM, diz Cieam Bruno Pacheco - Da Revista Cenarium

M

ANAUS – Apesar do Índice de Confiança da Indústria (ICI) atingir 106,7 pontos em setembro, o seu maior nível desde janeiro de 2013 (106,7), de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FVG), o presidente do Centro da Indústria do Estado do Amazonas (Cieam) alertou à REVISTA CENARIUM para um possível impacto sobre o segmento na região amazonense, com a saída do auxílio emergencial a partir de 2021, que pode prejudicar o ‘boom’ industrial, já que o setor luta por crescimento em meio à Covid-19. “Existe a expectativa de um bom segundo semestre com o advento do final de ano. Vamos acompanhar. A dúvida que temos é de como o mercado se comporta no ano que vem, a partir do primeiro semestre, quando provavelmente essa ajuda do governo federal deixa de acontecer”, disse Wilson Périco, presidente do Cieam. Segundo ele, o benefício, criado para reduzir os efeitos da pandemia do novo Coronavírus na economia brasilei-

36

www.revistacenarium.com.br

ra e prorrogado pelo Governo Federal por mais quatro meses, movimentou não somente o comércio, mas alguns segmentos da indústria. “É preciso levar em consideração que o auxílio que o governo federal deu até o mês passado de R$ 600, que agora é de R$ 300, é algo muito significativo e que movimentou bastante o comércio e alguns segmentos da indústria”, destacou o empresário. Périco disse ainda que existe uma atividade bastante positiva na maioria dos segmentos da indústria amazonense, como no setor de informática, duas rodas, eletroeletrônicos. De acordo com o empresário, a exceção é o polo relojoeiro, que vive uma concorrência com os materiais importados (que chegam de outros países). “O polo relojoeiro continua ainda sofrendo bastante, mas não por conta da pandemia e sim da concorrência com os importados no mercado cinza principalmente”, explicou.


Crédito: Divulgação Sedecti

REVISTA CENARIUM

Para lideranças da indústria, fim do benefício criado para minimizar impacto da pandemia pode prejudicar desempenho do setor

8,0

pontos Índice de Confiança da Indústria (ICI) registrou aumento de 8,0 pontos em setembro, em relação a agosto, segundo a FGV.

18

Em setembro, 18 dos 19 segmentos industriais pesquisados registraram aumento na confiança.

O mercado cinza é considerado o mercado paralelo, ou seja, quando a mercadoria é oriunda de um meio de distribuição que, embora legal, não é oficial ou autorizado pelo fabricante original.

CONFIANÇA NA INDÚSTRIA A FGV informou no dia 28 de setembro que o Índice de Confiança da Indústria (ICI) atingiu o seu maior nível desde janeiro de 2013, mesmo em meio à pandemia da Covid-19. Em comparação com o mês de agosto deste ano, quando o indicador situou 98,7 pontos, o resultado de setembro da pesquisa indicou um aumento 8,0 pontos. De acordo com a fundação, a média da confiança do setor no terceiro trimestre atingiu os 98,4 pontos, 32,7 acima da média do período de abril a junho, de 65,7 pontos. Em setembro, 18 dos 19 segmentos industriais pesquisados registraram aumento na confiança.

Existe a expectativa de um bom segundo semestre. A dúvida é de como o mercado se comporta no ano que vem, quando provavelmente essa ajuda do governo federal deixa de acontecer”

Wilson Périco, presidente do Cieam

37


ECONOMIA & SOCIEDADE

Eduardo Ribeiro, Lindolfo Monteverde e Mãe Zulmira são exemplos de como negros e negras influenciaram a cultura e vida no Amazonas

38

www.revistacenarium.com.br

Créditos: Acervo Pessoal

O legado da


REVISTA CENARIUM

negritude Homens e mulheres negras marcaram a história do Amazonas Mencius Melo – Da Revista Cenarium

M

ANAUS – Em celebração ao Dia da Consciência Negra, celebrado no dia 20 de novembro, a REVISTA CENARIUM apresenta o legado de homens e mulheres negras que marcaram a vida de centenas de pessoas no Amazonas. São três personagens que foram escolhidos pelos papéis singulares que desempenharam na cultura, história e memória do Estado. O primeiro deles é Eduardo Ribeiro, que amealhou oposição política da região amazônica. Parte da elite da borracha o via como um “negro forasteiro”. De acordo com o historiador Otoni Mesquita, há registros do preconceito. “Em artigos de jornais à época, autores se referiam a ele como ‘a mancha negra na nossa história’”, aponta Otoni. Mesmo com forte oposição, Eduardo Ribeiro deixou grandes “digitais” no Estado. É dele o crédito pelas grandes obras, como o Teatro Amazonas e o Palácio da Justiça. De vida atribulada, o parlamentar ainda tentou o Senado da República no Rio de Janeiro, mas retornou a Manaus onde morreu aos 40 anos de idade.

LINDOLFO MONTE VERDE Lindolfo Marinho da Silva nasceu em Parintins, no Amazonas, no dia 2 de janeiro de 1902 e morreu na mesma cidade em 27 de julho de 1979. Versador popular, Lindolfo é conhecido como

Mestre Lindolfo Monte Verde, que, segundo os registros da família, ele adotou ‘Monte Verde’ para se referir aos montes verdes da África. Neto de escravos maranhenses, Lindolfo possui poucos registros históricos, já que viveu a vida inteira em uma

Zulmira nasceu no dia 3 de setembro de 1923 em Manaus e morreu no dia 13 de maio de 2007 na mesma cidade. Moradora do bairro Cachoeirinha, cedo se mudou com a família para o que viria ser o bairro Morro da Liberdade, zona sul da capital amazonense.

Mãe Zulmira é a alma do nosso bairro e o coração da nossa comunidade”

Marcos Moura, músico morador do Morro da Liberdade. cidade pequena e com poucos recursos tecnológicos para fazer o registro de sua atuação. Mas, mesmo com as limitações do mundo amazônico, Mestre Lindolfo criou uma das bases do maior evento folclórico do Brasil. Em algum lugar entre os anos 1910 e 1920, Lindolfo criou o Boi Garantido. A data oficial da associação folclórica Boi-Bumbá Garantido é 1913. Com voz potente, criatividade e um talento nato para criar versos, Lindolfo deixou uma marca indelével. “Meu avô era um gênio da cultura popular, está aí o Garantido para provar”, exaltou seu neto, Ivo Monteverde.

MÃE ZULMIRA Símbolo do sincretismo religioso que marca o Brasil de tantos negros, Mãe

No Morro tornou-se filha do Terreiro de Santa Bárbara. Começara ali o reinando de uma das maiores mães de santo do norte do Brasil. Reverenciada e amada por sua comunidade, Mãe Zulmira recebia em seu terreiro caravanas de fiéis de todo o País. Sua fama correu longe e Zulmira virou enredo da escola de samba do bairro. Em 1989, o samba ‘Axé Mãe Preta’ embalou a Reino Unido da Liberdade em seu primeiro campeonato no Carnaval de Manaus e tocou nas rádios do Rio de Janeiro. Tamanho sucesso transformou Mãe Zulmira em símbolo da negritude amazônica. “Mãe Zulmira é a alma do nosso bairro e o coração da nossa comunidade”, declarou o músico Marcos Moura, morador do Morro da Liberdade.

39


ECONOMIA & SOCIEDADE

Correspondentes CENARIUM Jornalistas na Europa e em outras regiões do Brasil reforçam equipe de reportagem Paula Litaiff, diretora-geral da REVISTA CENARIUM

M

ANAUS – A REVISTA CENARIUM, que tem sede em Manaus, capital do Amazonas, está expandindo seu alcance de atuação com a contratação de correspondentes em outros Estados do Brasil e no exterior. O objetivo é investir em uma apuração de qualidade sobre os fatos relevantes para a Amazônia. Jornalistas no Pará, Brasília e na Europa são o ‘braço’ da revista fora do Amazonas e têm a missão de ampliar o olhar do mundo para a região. Em São Paulo, uma relações públicas atua para firmar a imagem da revista.

POTENCIAL Ainda de acordo com a profissional, assuntos referentes à Amazônia são muito procurados na Europa. “Os europeus dão atenção especial aos assuntos relativos à Amazônia, principalmente nas questões ambientais”, pontuou. “Além do meio ambiente, as ‘especiarias’ também são alvo de procura, principalmente as gastronômicas”, ponderou. Para a Editora-Executiva da revista impressa, Márcia Guimarães, ter um profissional exclusivo para os contatos internacionais voltados ao jornalismo amazônico

Nosso objetivo é fortalecer a linha editorial, reforçando a identidade jornalística do nosso projeto, que é levar informações de qualidade da Amazônia para o mundo”

zes, vozes excluídas de um processo social e político, mostra que o Brasil não possui fronteiras para sua visão empreendedora”, disse. João Paulo já atuou em coberturas no Pantanal e no exterior, tendo trabalhado em reportagem na Antártida. João Paulo afirmou ainda que pretende focar seu trabalho em assuntos que nunca ganham luz no fotojornalismo do Pará e da Amazônia. “Focar nas calamidades naturais e criminosas como as queimadas e o desmatamento, abandono da população ribeirinha, indígenas e quilombolas, assim como mostrar inovações científicas e sociais escondidas pelas matas da Amazônia paraense. Tem muita gente inovadora mudando o mundo por aqui. Está na hora de mostrar a história deles”, afirmou.

Paula Litaiff, diretora-geral da REVISTA CENARIUM

DISTRITO FEDERAL

“Nosso objetivo é fortalecer a linha editorial, reforçando a identidade jornalística do nosso projeto, que é levar informações de qualidade da Amazônia para o mundo”, explicou a diretora-geral da REVISTA CENARIUM, Paula Litaiff. “Contratar uma correspondente é mais um passo para isso”, destacou.

Em Brasília, a jornalista Michele Portela faz a cobertura de assuntos de política e afirma que é fundamental traçar metas e ir atrás dos objetivos. Para ela, é extremamente importante estar atualizado em todas as notícias, independente da área, porque todos os temas interessam ao debate nacional, especialmente, no Congresso Nacional, onde todas as decisões impactam as vidas dos brasileiros.

A jornalista Caroline Viegas será a correspondente na Europa. A profissional amazonense ficará baseada em Amsterdã, na Holanda, e de lá irá promover um intercâmbio de informações entre a revista e o ‘velho mundo’. É mais um passo no plano de expansão da agência amazônida. De acordo com a jornalista Caroline Viegas, agora correspondente da Cenarium na Europa, as expectativas são as melhores. “Pretendo ficar um bom tempo em Amsterdã e fortalecer o nome da revista como referência de jornalismo de alta qualidade feito na região Norte do Brasil”, declarou a correspondente. 40

www.revistacenarium.com.br

é uma estratégia ímpar no mercado local. “A REVISTA CENARIUM é um projeto ousado, fruto da coragem e da ousadia da jornalista Paula Litaiff”, destacou. “Basear uma correspondente no velho continente é dizer claramente ao mercado editorial do norte do Brasil que a forma de fazer jornalismo mudou, que não podemos mais ser apenas receptores e sim emissores de informação de uma das regiões mais importantes do planeta, por isso a visão da direção é acertada”, finalizou Márcia Guimarães.

EXPANDIR TERRITÓRIOS Para o jornalista João Paulo Guimarães, correspondente no Pará, é fundamental para uma publicação em crescimento expandir seus territórios. “Isso é maturidade jornalística e responsabilidade editorial. A REVISTA CENARIUM, contratando correspondentes e dando liberdade para escolha de pautas que são, muitas das ve-

“É ainda mais desafiador quando direcionamos a cobertura para a Amazônia, porque a abrangência das publicações é internacional e temos concorrência nessa mesma escala, devido ao interesse global pela região. Nesse caso, ressalto que a REVISTA CENARIUM acerta ao priorizar o campo digital, sempre pensando em possibilidades para falar com um público maior”. Além dos jornalistas, a Cenarium conta ainda com a relações públicas e gerente de Marketing, Jennifer Silva, em São Paulo.


@visitamazonas

REVISTA CENARIUM

AMAZONE-SE COM NOSSA CULTURA, GASTRONOMIA E BELEZAS NATURAIS.

Estadual de do Amazonas

zonese

#amazonyourself

AMAZONE-SE @visitamazonas

Empresa Estadual de Turismo do Amazonas

#amazonese Aponte a câmera e veja os vídeos.

@visitamazonas

@visitamazonas @visitamazonas

Assistir a um espetáculo no Teatro Amazonas, comprar artesanato no Mercado Adolpho Lisboa, visitar os 5 museus do Palacete Provincial, ir ao Encontro das Águas, tomar banho de cachoeira, interagir com os botos, visitar uma comunidade indígena, subir na torre do Musa e conhecer o Parque de Anavilhanas. Essas são apenas algumas das muitas atrações da nossa terra que você, como amazonense, não pode deixar de conhecer. Empresa Estadual de Então, encante-se, Turismo do Amazonas divirta-se, surpreenda-se, amazone-se!

#amazonese #amazonyourself Empresa Empresa Estadual de Estadual de #amazonyourself Turismo Turismo do Amazonas do Amazonas

#amazonese #amazonese #amazonyourself #amazonyourself


ECONOMIA & SOCIEDADE

Drama no Amapá Com produção afetada por apagão, agricultor relata: ‘Comer alimentos armazenados em latas’ Gabriel Abreu – Da Revista Cenarium

respeito dos planos para restabelecimento da energia elétrica e sobre a apuração das responsabilidades pelo apagão. A falta de eletricidade afetou, entre outros serviços, o abastecimento de água no Amapá. Até o fechamento desta edição, o fornecimento de energia ainda não havia sido normalizado.

INVESTIGAÇÕES

Moradores do Amapá fazendo protestos sobre a negligência do poder público no apagão

Correa é membro da Associação Nossa Amazônia (Anama) e morador do município de Mazagão, localizado ao sul do Amapá. Ele destaca que mesmo com o rodízio de energia elétrica, a população sofreu com os impactos do apagão, que prejudicou também o abastecimento de alimentos e a produção rural. “Quem faz agricultura familiar, a principal fonte de renda, tem que esco42

www.revistacenarium.com.br

ar a produção para as feiras da cidade e com o apagão não é possível armazenar os itens, porque a feira não está funcionando. Também não tem gelo para congelar o peixe para ser vendido”, explicou Joaquim.

Após solicitação da Delegacia de Crimes Contra o Consumidor (Deccon), a Justiça Estadual bloqueou R$ 50 milhões em bens e ativos da concessionária que opera a subestação que pegou fogo para reparação de danos aos consumidores.

“Tudo ficou mais caro, pois não tem onde armazenar nada. Uma garrafa de água mineral de um litro e meio, que custava antes R$ 6, passou a ser vendida por até R$ 15. Tudo foi ficando mais caro, trazendo prejuízos para os agricultores, porque até as redes de supermercados não puderam manter o abastecimento regular. Eu particularmente tenho que comer alimentos armazenados em latas”, desabafou Belo.

Créditos: Acervo Pessoal

M

ANAUS – “Tudo ficou mais caro, pois não tem onde armazenar nada. Uma garrafa de água mineral de um litro e meio, que custava antes R$ 6, passou a ser vendida por até R$ 15”. O relato é do agricultor Joaquim Correa Belo que, em entrevista à REVISTA CENARIUM, revelou o drama da população no décimo dia sem energia elétrica no Amapá com o apagão causado por um incêndio em uma subestação de energia elétrica em Macapá, capital do Estado.

Segundo a Polícia Civil do Amapá, que investiga as causas do apagão, o laudo preliminar descartou que o transformador da subestação que pegou fogo tenha sido diretamente atingido por um raio. O perito identificou que o fogo começou em uma bucha.

APAGÃO Dos 16 municípios, ao menos 13 ficaram sem fornecimento de eletricidade após o incêndio na subestação. O Ministério Público Federal (MPF) solicitou que os órgãos prestem esclarecimentos a

O agricultor Joaquim Correa Belo relatou o encarecimento de produtos essenciais como a água


Crédito Marcos Santos Usp Imagens Fotos Públicas

REVISTA CENARIUM

2.233

No Amazonas, há 2.233 empresas que não quitaram seus débitos de FGTS com os trabalhadores.

4.710

A lista de devedores em função de multa trabalhista chega a 4.710 registros de empresas em débito com a União.

Pert-Covid é apontado como a melhor solução para o resgate de parte do valor devido pelas empresas à União

Dívida de R$ 33 bilhões Dados da Procuradoria da Fazenda Nacional apontam 33,7 mil empresas do Amazonas em débitos junto à União Michele Portela – Da Revista Cenarium

B

posta, o deputado federal Ricardo Guidi (PSD-SC), o prazo para os contribuintes interessados em aderir à renegociação seria de 90 dias após o fim do estado de calamidade pública, que acaba em 31 de dezembro deste ano, conforme decreto do Congresso Nacional.

“É absolutamente razoável, ponderado e economicamente sustentável que se parcele essas dívidas para as empresas que demonstrarem que estão em dificuldade financeira”, avalia o deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM).

No curto prazo, cresce entre as autoridades a ideia de que o Programa Extraordinário de Regularização Tributária decorrente da crise causada pela Covid-19, o Pert-Covid, é a melhor oportunidade para resgatar parte desse valor.

Para Bosco Saraiva (Solidariedade-AM), presidente da Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviço (Cdeics) da Câmara dos Deputados, o Pert-Covid é o “melhor programa de recuperação tributária já proposto no País”.

DÍVIDA

O Projeto de Lei 2735/2020, que estabelece o Pert-Covid, propõe que pessoas físicas e empresas com dívidas de natureza tributária e não tributária a nível federal possam renegociar o pagamento desses débitos. Segundo o autor da pro-

“Uma oportunidade para acelerar a recuperação da dívida dando oportunidade a quem precisa acessar programas especiais para conseguir quitar os débitos, mantendo empresas abertas, criando empregos e gerando renda”, explica.

RASÍLIA – No Estado do Amazonas há 33.760 empresas com débitos inscritos na Dívida Ativa da União, totalizando um valor de R$ 33.147.686.799,71, de acordo com dados obtidos com exclusividade pela REVISTA CENARIUM, repassados pela Procuradoria da Fazenda Nacional.

Um exemplo do rombo da dívida, de acordo com dados da Lista dos Devedores, são as empresas penduradas junto à União por não pagar o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS). No Amazonas, há 2.233 que não quitaram seus débitos com os trabalhadores. A lista de devedores em função de multa trabalhista é maior ainda, chegando a 4.710 registros de empresas em débito com a União. 43


POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

As mulheres têm se mobilizado para garantir o direito a decidir sobre o aborto

Lei que permite aborto em caso de estupro e doenças no feto ganha as redes sociais e divide opiniões Mencius Melo – Da Revista Cenarium

44

www.revistacenarium.com.br

Créditos: Fernando Frazão/Agência Brasil/Fotos Públicas

Direito à vida da mulher


REVISTA CENARIUM

M

ANAUS – Em tempos de um Brasil polarizado, temas considerados tabus ganham as redes sociais e descortinam o que, de fato, pensam líderes políticos, profissionais da saúde e do direito além, claro, do “cidadão comum”. Entre esses temas está o aborto. No caso mais recente da menina de dez anos que engravidou depois de ser sistematicamente estuprada por um tio, o exercício do direito ao aborto para interromper uma gravidez fruto de um crime provocou a condenação de alas conservadoras da sociedade e provocou polêmica na internet e ganhou as ruas.

“Ao discutir aborto, entramos na questão da perda da vida, da responsabilidade ou da irresponsabilidade da gravidez, tem a questão da continuação da espécie, tem o patriarcado que é muito forte na sociedade humana, e ainda existe o domínio e o controle dos corpos por parte da Igreja”, elencou.

A VIOLÊNCIA DO ESTUPRO

O vereador de Manaus Fred Mota (Republicanos/AM) é evangélico e se diz contra qualquer tipo de flexibilização do aborto. “Sou pró-vida e as situações para ocorrência do aborto já estão previstas no código penal”, declarou ambiguamente.

Neyla Siqueira toca diretamente na ferida quando o assunto é estupro. “Quando temos uma gravidez provocada por estupro, como foi o caso conturbado da menina de dez anos, vemos logo o posicionamento a ‘favor da vida’, mas, a favor da vida de quem?”, questiona.

Fabiane Vinente, antropóloga

Para o parlamentar, a melhor maneira de se encarar o aborto é não engravidar. “A iniciativa do nosso País em fazer um esforço para prevenção de possível gravidez indesejada, que acaba precedendo um possível aborto, é válida”, observou Mota.

LUGAR DO OUTRO Para a antropóloga Fabiane Vinente, a sociedade brasileira passa por um dilema profundo. “As pessoas que colocam o aborto como crime são as mesmas que vibram com vídeos de execução comandada por policiais à moradores na periferia. São pessoas que idolatram a morte. É pura hipocrisia”, criticou. Para Fabiane, o aborto é uma prática muito presente na sociedade, mesmo que existam forças contrárias. Incomodada, ela se posicionou. “Diante de um estupro, é preciso se colocar no lugar de uma garota, de uma mulher vítima de violência tão grande”, apelou.

TEMA CARO A psicóloga Neyla Siqueira explica que o aborto é um tema espinhoso e sempre será. “É uma discussão que vem de séculos e continuará a acontecer”, destacou. Para ela, falar de aborto é tocar em desdobramentos complexos que permeiam diversas camadas da sociedade.

De acordo com a psicóloga, o aberto é assunto delicado por natureza. “Mexe com a vida de crianças, mexe com o poder feminino em detrimento do masculino e, finalmente, mexe com crenças”, analisou.

Diante de um estupro, é preciso se colocar no lugar de uma garota, de uma mulher vítima de violência tão grande”

A profissional continua. “Entra-se no debate do direito à vida que, teoricamente, vai se perder, mas não se pensa no direito à vida da mulher estuprada e aí vem a eterna discussão filosófica do que é a vida e quando ela começa…”, refutou. “Diante do estupro, se eu tiver de escolher, escolho pela vida que já existe, que é a vida da vítima”, apontou. Questionada sobre o fato de a religião contar como elemento decisivo para que uma mulher desista de praticar um aborto diante do estupro ou de uma doença grave no feto, Neyla diz que é decisão da mulher optar pela religiosidade, por sua crença em dogmas e preceitos e não abortar. “Uma coisa é ela decidir, outra coisa é terceiros quererem interferir. Aí não dá”, finalizou. Já Frei Paulo, da Arquidiocese de Manaus, explica que em caso de gravidez provocada por estupro, deve prevalecer o direito de reivindicar o aborto e o Estado, segundo a lei vigente, garantir todo procedimento até o acompanhamento à vítima. “Até porque a mulher vítima de estupro ou criança e adolescente com sua família tem todo um acompanhamento antes de realizar o procedimento do aborto”.

Sou pró-vida e as situações para ocorrência do aborto já estão previstas no código penal”

Fred Mota, vereador de Manaus

Ele é enfático. “É o livre arbítrio da vítima. Ninguém deve interferir, muito menos a sociedade, pois é decisão única da vítima”. 45


POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

46

www.revistacenarium.com.br


REVISTA CENARIUM

Extermínio Em ‘lista vermelha’ de extinção, dois mil botos são mortos por ano na Amazônia Náferson Cruz – Da Revista Cenarium

M

ANAUS – Há dois anos na categoria “em perigo de extinção” da “lista vermelha” da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), o boto cor-de-rosa ganhou novo fôlego em sua jornada de sobrevivência nos rios amazônicos, com a moratória interministerial estendida até junho de 2021, que proíbe a pesca e comercialização do peixe-liso conhecido como piracatinga ou urubu d’água, espécie muito apreciada como alimento na Bacia Amazônica. Até 2015, quando foi estabelecida a moratória pela Secretaria de Aquicultura e Pesca do governo federal, era costume entre os pescadores usar de forma irrestrita a gordura do boto como isca para a captura da piracatinga.

Gordura do boto é usada como isca para a captura do peixe conhecido como piracatinga

Crédito: Sidney Oliveira/AG Pará/Fotos Públicas

Apesar disso, cerca de 2 mil botos ainda são mortos todos os anos. Isso demonstra que o boto ainda é utilizado como isca para a captura desse peixe. Um estudo publicado em 2018, pela pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), Vera da

Silva, especialista em botos cor-de-rosa há mais de 30 anos, revela que a população de botos cor-de-rosa no Brasil está diminuindo pela metade a cada década. Em declaração a um portal de notícias, Vera da Silva diz que as leis reforçadas pela moratória são brandas e que falta mais esclarecimentos. “As leis não são fortes suficientes para obrigar os pescadores a relatar o que capturaram. Precisamos de melhores informações sobre as práticas de pesca”, ressalta a pesquisadora. Especialistas em conservação do WWF-Brasil (Fundo Mundial para a Natureza) relatam que muitos botos são pescados em rede, como captura acidental. Além disso, a mineração do ouro na Amazônia levou ao envenenamento da água com mercúrio e a construção de usinas hidrelétricas reduziu seu habitat, bem como o seu grupo genético. Além do boto cor-de-rosa, também eram vítimas o boto-tucuxi e algumas espécies de jacarés.

As leis não são fortes suficientes para obrigar os pescadores a relatar o que capturaram Precisamos de melhores informações sobre as práticas de pesca”

Vera da Silva, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), especialista em botos cor-de-rosa. 47


POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

Força-tarefa ambiental Trabalho de dois anos de apuração criminal do MPF resultou em 15 operações, 18 ações penais e 516 medidas de investigação Da Revista Cenarium*

A força-tarefa foi oficialmente instituída em agosto de 2018 e prorrogada em fevereiro de 2020 por mais um ano. Nesse período, foram reveladas práticas criminosas baseadas na destruição de recursos naturais que movimentavam quantias milionárias. O total de denunciados é de 105, entre pessoas físicas e jurídicas. O balanço do trabalho de apuração foi divulgado no início de setembro. Dentre os casos de destaque está a Operação Elemento 79, que descortinou um complexo esquema de utilização de ouro proveniente de garimpos ilegais na Amazônia em uma indústria joalheira sediada em Manaus. Em pouco mais de dois anos, a indústria recebeu 316 quilogramas de ouro de origem ilícita, vindos de garimpos em Roraima, Rondônia e interior do Amazonas, para transformação em joias e barras de ouro. Segundo parecer produzido pelo setor pericial do MPF, cada quilograma de ouro extraído ilegalmente na Amazônia 48

www.revistacenarium.com.br

produz, minimamente, R$ 1,7 milhão de danos ambientais. Isso significa que, nessa operação, os danos ambientais superam a casa dos R$ 500 milhões. Outra operação que demonstra as vultosas quantias obtidas pelos infratores a partir dos crimes ambientais na Amazônia é a Ojuara. As investigações revelaram o envolvimento de servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) no Acre em esquema de corrupção que favorecia grileiros e pecuaristas ligados ao desmatamento na região. Um dos denunciados por lavagem de dinheiro usava a esposa como “laranja”, registrando em nome dela bens e valores decorrentes da atividade criminosa, para ocultar a origem dos recursos, que foram calculados em mais de R$ 3,6 milhões, movimentados entre 2011 e 2019. De acordo com a coordenadora da FT Amazônia, a procuradora da República Ana Carolina Haliuc Bragança, a atuação conjunta dos procuradores permitiu maior integração entre membros que atuavam na Amazônia no enfrentamento a crimes-alvo, principalmente em relação ao desmatamento, à grilagem e à violência agrária na tríplice fronteira entre Rondônia, Amazonas e Acre, bem como a mineração ilegal de ouro.

Crédito: Ibama Fotos Públicas

M

ANAUS – Em dois anos, o trabalho de apuração criminal desenvolvido pela Força-Tarefa Amazônia (FT Amazônia) do Ministério Público Federal (MPF), concentrada nos Estados do Amazonas e de Rondônia, resultou no cumprimento de 516 medidas de investigação em 15 operações, além do ajuizamento de 18 ações penais.

Em uma das operações, a força-tarefa desmontou esquema de venda de ouro de garimpos ilegais na Amazônia


REVISTA CENARIUM

105

O total de denunciados pela força-tarefa é de 105, entre pessoas físicas e jurídicas.

R$ 500 milhões

Cada quilo de ouro extraído ilegalmente na Amazônia produz R$ 1,7 milhão de danos ambientais. Na operação Elemento 79, os danos ambientais superam a casa dos R$ 500 milhões.

R$ 3,6 milhões

Em um dos esquemas de corrupção, a força-tarefa encontrou lavagem de dinheiro no valor de R$ 3,6 milhões, movimentados entre 2011 e 2019.

49


Crédito: Ibama Fotos Públicas

POLÍCIA & CRIMES AMBIENTAIS

Investigações também revelaram esquema de corrupção que favorecia grileiros e pecuaristas ligados ao desmatamento na Amazônia

Segundo a procuradora, o trabalho da força-tarefa contribuiu para aproximar ainda mais o MPF de instituições parceiras como a Polícia Federal, superando barreiras estaduais, além de intensificar o contato com a sociedade civil nos territórios que são objeto da atuação do órgão. “Tudo isso ensejou a produção e disseminação de conhecimento sobre as metodologias delitivas empregadas por redes de crime organizado ambiental; a confirmação da hipótese inicial de que a criminalidade ambiental assumiu caráter de criminalidade organizada na Amazônia, associando-se a vários ilícitos, como lavagem de dinheiro, falsidades ideológicas e materiais, estelionato, grilagem de terras e corrupção; e a mobilização de estratégias multidimensionais, nas quais, em uma dada área-alvo, são combinadas atuações criminais, sob o enfoque de promoção de atividades repressivas e condução de investigações e responsabilizações penais, bem como 50

www.revistacenarium.com.br

atuações cíveis, visando à promoção e proteção de direitos de povos e comunidades tradicionais afetadas pelo crime”, avaliou Ana Carolina Haliuc Bragança.

GRILAGEM, DESMATAMENTO E COOPTAÇÃO Ao descrever os desafios enfrentados na atuação como integrante da FT Amazônia, a procuradora Tatiana de Noronha Versiani Ribeiro, que atua no MPF em Rondônia, destacou que o principal foco de atuação criminal do grupo naquele Estado nesses primeiros anos foi a desarticulação de organizações criminosas voltadas à invasão e grilagem e à extração e movimentação ilícita de madeira em terras da União. “A invasão de terras com finalidade de grilagem ocorre acompanhada de ameaças aos grupos que ocupam legitimamente os territórios como populações indígenas ou a servidores públicos incumbidos de sua defesa, razão pela qual a atuação imediata é essencial para

proteção da integridade das vítimas. (…) As invasões são seguidas de corte raso e queimada, para limpeza da área, para descaracterizar a floresta”, contou. Ainda de acordo com Tatiana Ribeiro, os crimes de extração ilícita de madeira são praticados por corte seletivo, inclusive de essências raras e ameaçadas de extinção. “A cadeia criminosa dessa atividade inclui complexos mecanismos de fraude no sistema DOF, que controla a movimentação de produtos florestais. A atuação ocorre por meio de madeireiras, geralmente controladas por ‘laranjas’ e, em alguns casos, sem sequer existência real”, afirmou. Esses crimes geram grande volume de recursos ilegais, que são posteriormente objeto de procedimentos criminosos para dissimular a origem ilícita dos recursos e permitir seu proveito pelos membros das organizações, isto é, lavagem de dinheiro, conclui a procuradora. (*) Com informações do MPF


ARTIGO – DANIELA CARDOSO

Políticos: mais que oratória, conexão com o eleitor Daniela Cardoso*

E

ste ano tivemos eleições em todo o País e o povo votou para escolher prefeitos e vereadores. Porém, este pleito foi repleto de peculiaridades. A inquietação, indignação e revolta pelos recorrentes escândalos envolvendo políticos em desvios de verbas públicas têm deixado o eleitor mais atento e crítico. Político precisa falar com as pessoas, explicar claramente suas intenções, propostas e compromissos e, por último, pedir o voto. Porém, político, não se engane, o povo sabe que não adianta apenas ser um bom orador, é preciso se conectar com o outro. Um olhar verdadeiro, um abraço sincero, um aperto de mão firme e uma fala segura são alguns dos fatores que contribuem para uma boa comunicação e interação com o eleitor. Recordo que alguns anos atrás um político do Amazonas trocou a formalidade excessiva por um semblante mais amigo, receptivo, próximo da realidade da população, e até os olhos passaram a brilhar. O resultado foi a vitória. Porém, também lembro de outro que, dotado de uma personalidade forte e fala firme, que durante a campanha foi ‘moldado’ para adotar outro estilo, acabou não alcançando a votação que esperava. Essência, verdade e humanidade refletem na forma como as pessoas se comunicam. Cada vez mais os grandes políticos, aqueles que verdadeiramente querem fazer a diferença e se destacar, têm buscado estudar sobre comunicação, oratória e conexão com o outro. Buscar

por mais informações sobre estes temas faz a diferença na vida daqueles que se permitem viver essa experiência transformadora. Eu passei por esse processo de mudança e por este motivo fui estudar os grandes oradores, especialmente Barack Obama, ex-presidente dos Estados Unidos, um homem que apesar de ter um dom para conectar pessoas, estudou para que isso fosse feito com eficiência. Muito mais do que um bom orador, é a essência carismática que conecta a alma do outro, e isso foi o diferencial de Obama. Ele sabia a energia e postura certa para cada ocasião. É a empatia de entender que o outro tem histórias de vida diferentes das suas, que tem potencialidades e um perfil comportamental diferente do seu que estimula essa busca. É a falta de humildade em reconhecer a necessidade de estudar sobre o ser humano que deixa muitos políticos na inércia. Podemos citar ainda alguns dos recursos muito utilizados por grandes oradores como a ênfase tão bem empregada Obama; a repetição de Martin L. King; as pausas características de Nelson Mandela e o treino de Estive Jobs. Não, eles não nasceram com todas as habilidades, mas entenderam que poderiam desenvolvê-las. Isso é ter humildade, determinação e a atitude para buscar a mudança. No livro ‘A Lei da Conexão’, o autor Michael J. Losier aponta como você pode entender os diferentes tipos de sistemas representacionais ou estilos de comunicação (visual, auditivo, cinestésico e

digital) e qual a linguagem adequada a cada um. Para quem nunca ouviu falar sobre isso pode se perguntar: “e isso funciona?”. Sim, funciona e pode fazer a diferença para que qualquer pessoa consiga se conectar melhor com o público, seja eleitor, alunos ou clientes. Se você é alguém que se ofende com o tom de voz do outro, certamente é auditivo, se prefere organizar tudo em tabelas e narra as situações como se um filme passasse pela sua mente, tem grandes chances de ser um visual. Porém, é preciso esclarecer que há muita informação para ser analisada, estudada sobre o tema e que existem testes para que você saiba qual seu estilo de comunicação. O fato é que a política está se renovando e é preciso que os candidatos também aprendam a ser políticos. O modelo antigo ficou no passado. Os homens e mulheres eleitos para cargos públicos também precisam se profissionalizar, e aprender a se comunicar com eficiência faz parte desse processo de aprendizagem. Quem disse que os homens públicos não fazem parte da revolução Raskilling? O termo é utilizado para identificar os profissionais do futuro que devem estar sempre se atualizando, e comunicação é um dos temas. Vamos defender a revolução Raskilling na política também! (*) Daniela Cardoso é Especialista em Oratória e Media Training 51


MUNDO E CONFLITOS INTERNACIONAIS

Especialistas apontam que eleição de Biden na presidência dos EUA tem impacto positivo para Amazônia Vinícius Leal – Da Revista Cenarium

M

ANAUS – A eleição do democrata Joe Biden como presidente dos Estados Unidos decretada nesse sábado, 7, deve influenciar positivamente a política mundial de defesa do meio ambiente e dos recursos naturais, é o que avaliam especialistas entrevistados pela CENARIUM. Em corrida eleitoral acirrada, Biden derrotou o atual líder republicano, Donald Trump, que mantinha posicionamento desfavorável à proteção da biodiversidade do planeta. “O Trump representava um discurso negacionista das mudanças climáticas. Sendo anticientífico e contrário à mobilização socioambiental no Planeta inteiro. Temos grandes desafios no mundo sendo colocados à prova e o principal deles é o aquecimento global, uma realidade que já vivemos nos dias atuais”, ressaltou o ambientalista e geógrafo, Carlos Durigan, diretor da Associação Conservação da Vida Silvestre.

52

www.revistacenarium.com.br

Segundo ele, a não reeleição de Trump tem impacto positivo na política global sobre meio ambiente. “Sabemos que os Estados Unidos são um País com forte poder econômico e esperamos que essa mudança possa trazer uma melhor postura do novo líder sobre as agendas de desenvolvimento socioambiental, algo mais sustentável e menos degradante”, reforçou Durigan. “De fato pode ser positivo para todos e, inclusive, para os países amazônicos”.

GESTÃO AMBIENTAL Derrotado nas urnas, Donald Trump mantinha desde o início da gestão dele diversas campanhas contrárias à defesa do meio ambiente. Uma das primeiras medidas governamentais, ainda em 2016, foi retirar os Estados Unidos do Acordo de Paris, um tratado que determina iniciativas às nações signatárias para mitigar causas e efeitos do aquecimento global.

Crédito: RS/Fotos Públicas

Vitória com discurso ambiental

“A eleição do Biden muda radicalmente o cenário internacional sobre meio ambiente. Um dos compromissos dele é voltar ao Acordo de Paris e impulsionar uma economia verde no mundo, com investimentos em energia solar, energia eólica e outras estruturas sustentáveis”, afirmou o ambientalista Virgílio Viana, da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) e mobilizador internacional em defesa da Amazônia. Joe Biden, ex-vice-presidente dos EUA na gestão Barack Obama, foi categórico em externar uma inquietação com a Amazônia durante a campanha eleitoral. Por conta da região que, nos últimos anos, vem alcançando números recordes de devastação, o democrata chegou a afirmar que mobilizaria toda a comunidade internacional, caso o Brasil não tomasse medidas necessárias a favor da floresta. Uma semana antes do final da eleição, Biden declarou que “reuniria o


REVISTA CENARIUM

Joe Biden levou o discurso ambiental e a Amazônia para o centro do debate eleitoral

gio Eleitoral, acima do mínimo de 270, enquanto Trump conquistou, 214. Em relação ao apoio popular, Biden registrou mais de 74 milhões de votos, recorde nos Estados Unidos e um marco num País onde a participação não é obrigatória. Trump, por sua vez, contabilizou ao menos 70 milhões de apoios na 59ª eleição presidencial americana desde 1788. Ao ser declarado como novo presidente dos Estados Unidos, Biden disse em sua conta pessoal no Twitter que está honrado por ser eleito. “América, estou honrado por você ter me escolhido para liderar nosso grande País. O trabalho que temos pela frente será árduo, mas eu prometo a você o seguinte: serei um presidente para todos os americanos – quer você tenha votado em mim ou não”, completou Biden na publicação. mundo para proteger a Amazônia”. A expressão foi um claro recado ao governo brasileiro que pratica política ambiental equivocada na visão de inúmeros líderes mundiais, entre eles o agora presidente dos Estados Unidos. “Biden foi explícito em externar preocupação com o desmatamento da Amazônia. Ele tem a intenção de mobilizar um fundo para ajudar países a diminuir o desmatamento. A eleição dele com certeza é positiva para o meio ambiente em geral e principalmente para as florestas tropicais como a nossa floresta amazônica”, reforçou Virgílio Viana. O ambientalista José Coutinho, do Instituto Chico Mendes de Conservação e Biodiversidade (ICMBio), foi mais pessimista e nacionalista quanto à influência da eleição de Joe Biden para a Amazônia. “Ele não tem autonomia sobre isso. Esse tipo de fala dele, como se a nossa Amazônia fosse deles, precisa ser repudiado. Nós, brasileiros, que deve-

mos ditar as regras sobre o nosso patrimônio natural”, finalizou.

DISPUTA ACIRRADA Joseph Robinette Biden Jr., 77, foi declarado presidente eleito dos Estados Unidos no dia 7 de novembro, segundo projeção da rede de notícias CNN, na semana em que completou 50 anos desde a primeira vez que assumiu um cargo político. Os EUA escolheram, assim, Biden como o 46º presidente de sua história, numa disputa histórica e acirrada, que o atual líder americano, Donald Trump, decidiu levar à Justiça. Biden tem como vice, Kamala Harris, a primeira mulher negra a ocupar a vice-presidência dos EUA. A projeção da vitória de Biden veio com os resultados na Pensilvânia, Estado que os democratas perderam para Trump em 2016 e que foi reconquistado neste ano. Assim, o agora presidente eleito atingiu ao menos 273 votos no Colé-

A eleição do Biden muda radicalmente o cenário internacional sobre meio ambiente. Um dos compromissos dele é voltar ao Acordo de Paris e impulsionar uma economia verde no mundo”

Virgílio Viana, ambientalista da Fundação Amazonas Sustentável (FAS) 53


ARTIGO – LIEGE ALBUQUERQUE

Por mais mulheres (vocacionadas) na política Liege Albuquerque*

Seria capaz de falar 41 nomes de mulheres candidatas à vereadora com excelentes biografias que se apresentaram como candidatas a vereadoras em Manaus para dizer que valeria a pena encher o plenário e corrigir um desequilíbrio histórico. Parafraseio aqui a grande jurista libertária e feminista Ruth Ginsburbg, recentemente falecida, que ao ser perguntada qual seria o número ideal de mulheres na Suprema Corte Americana respondeu nove, o total de vagas. E arrematou: “Foram nove homens até 1981 (quando Sandra O’Connor se juntou à corte) e ninguém nunca achou exagero”. Mas embora não seja “exagero”, estava de bom tamanho metade feminina. Especialmente se essas mulheres pudessem mostrar que não encheriam o plenário de saltos e batons à toa, mas sim com excelentes performances como parlamentares. Certamente é só uma utopia minha, mas não seria de todo mal se mulheres começassem a votar em mulheres (somos 53% do eleitorado e dificilmente elegemos mulheres), confiando mais no taco da gente, que podemos ser o que quisermos ser, nós e nossas filhas. Inclusive políticas eleitas para tomar decisões, fazer leis úteis e levantar a voz em

54

www.revistacenarium.com.br

grandes debates para melhorar a qualidade de vida de nossa cidade. Há candidaturas como nunca, são 422 mulheres. Mas claro que a ideia não seria só votar em mulher por votar e sim buscando suas biografias, facilmente encontradas nas benditas redes sociais. Hoje em dia só vota cego e alienado quem quer, a informação é grátis na internet. Mas também sabemos que boa parte dessas candidaturas não ouviu o chamamento vocacional delineado por Max Weber. Foram, muitas, impulsionadas pela nova regra que obrigou, a partir deste ano, que cada legenda tenha, de forma independente, ao menos 30% de nomes femininos nas urnas, com a penalidade aos partidos que não alcançarem esse porcentual ter nomes de homens barrados na eleição. Além disso, teve outra importantíssima decisão também do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de garantir que pelo menos 30% do fundo especial de financiamento de campanha deva ser gasto em candidaturas de mulheres. Ou seja, boa parte das candidaturas sabemos que é para cumprir cota. Mas, creiam, há muitas, mesmo, com total ímpeto e vo-

cação para esse belíssimo ato que é buscar melhorar a vida do outro pelas leis, leis que podem melhorar o transporte coletivo, o ensino fundamental, nosso caminhar em calçadas e nosso lazer em parques, por exemplo. Vocacionadas que, como disse Weber, “somente quem tem a vocação (da política) terá certeza de não desmoronar quando o mundo, do seu ponto de vista, for demasiado estúpido ou demasiado mesquinho para o que ele deseja oferecer. Somente quem, frente a todas as dificuldades, pode dizer “Apesar de tudo, estou na política!” tem a vocação para a política.” Nem todas as mulheres que ocuparam cadeiras na CMM foram vocacionadas, sei disso. Mas vou aqui tecê-las à primeira, que fez valer sua vocação, apresentou leis para melhorar a educação no município, e hoje dá nome à Escola do Legislativo da CMM, a primeira mulher vereadora em Manaus, Lea Antony (de 1965 a 1969). Deixo essa frase no final para pensarmos se é justo: a CMM foi fundada em 1883 e só em 1965 foi eleita a primeira mulher. (*) Jornalista e mestre em Ciências Políticas


55


Crédito: NIAID/Fotos Públicas

MUNDO E CONFLITOS INTERNACIONAIS

Covid-19: mais de 50 milhões de infectados no mundo O número de mortes em todo o planeta gira em torno de 1,2 milhão, segundo a Organização Mundial de Saúde Da Revista Cenarium*

Número de novas infecções diárias pelo novo Coronavírus atingiram níveis recordes

B

RASÍLIA – Os casos do novo Coronavírus pelo mundo passam dos 50 milhões, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS) divulgados até o dia 9 de novembro. A pandemia não mostra sinais de desaceleração. Os EUA está firme no epicentro da crise, com 9.763.730 casos, o maior número no mundo. Em segundo lugar está a Índia, com 8.553.657 casos, e em terceiro está o Brasil, com 5.653.561 casos. A Rússia vem em seguida, em quarto, com 1.796.132 casos. Os números globais de novos casos diários vêm atingindo níveis recordes desde meados de setembro e o total de mortos já passa de 1,2 milhão, enquanto a corrida internacional pelo desenvolvimento e comercialização de uma vacina para a doença aqueceu ainda mais. O número oficial de casos de Covid-19 no mundo já é superior a cinco vezes o total de casos graves da gripe Influenza, registrados anualmente, de acor-

56

www.revistacenarium.com.br

do com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS).

gistrou um recorde no número de novos casos diários: quase 98 mil.

Ao redor do mundo, mais de 1 milhão de pessoas morreram por conta da Covid-19, um indicador considerado atrasado, dado o período de incubação do vírus, que é de duas semanas. O número supera de longe os piores cenários anuais de mortes ligadas à Influenza, que gira entre 290 mil e 650 mil.

O País asiático, o segundo mais populoso do planeta, tem reportado mais novos casos diários do que os Estados Unidos desde meados de agosto e representa apenas um pouco mais de 16% dos casos globais conhecidos.

Na Europa, a população tem vivido uma segunda onda da pandemia com uma possível nova variante do coronavírus. Países como o Reino Unido, Portugal e França já retomaram medidas drásticas de restrição na tentativa de conter o avanço da doença.

RECORDE No último mês, a Índia se tornou o segundo País, depois dos Estados Unidos, a registrar mais de 8 milhões de casos. No dia 17 de setembro, o País re-

As mortes registradas na Índia têm sido relativamente baixas até agora, mas mostram tendência de alta. O País anotou mais de 1 mil mortes diárias por dia no início de outubro. (*) Com informações da Agência Brasil e da OMS 50 milhões de casos no mundo 1,2 milhão de mortes no mundo, aproximadamente 650 mil é o teto do número de mortes anuais por gripe Influenza no mundo, em cenários mais críticos Crédito: NIAID/Fotos Públicas


REVISTA CENARIUM

Crédito: MEA/Fotos Públicas

Realeza ‘VERDE’

Com ajuda de brasileiros, o príncipe britânico Charles tem projetos para difundir sistemas agroflorestais Príncipe Charles é um entusiasta dos modelos agroflorestais e tenta popularizar os sistemas ao redor do mundo

M

ANAUS – O entusiasmo do príncipe Charles com modelos agropecuários sustentáveis despontou há 35 anos, quando ele transformou uma fazenda localizada em uma região que pertence à Corte britânica desde a Idade Média em um moderno sistema de produção orgânica e a tornou em um modelo para as comunidades rurais da região. Agora, o sucessor do trono britânico quer popularizar sistemas agroflorestais ao redor do mundo como parte da recém-lançada Aliança pela Bioeconomia Circular, que patrocina. E convidou um grupo de brasileiros para auxiliá-lo nessa tarefa. Paula Costa e Valter Ziantoni, formados em engenharia florestal e fundadores da consultoria Pretaterra há quatro anos, foram os encarregados pelo príncipe Charles de criar e fomentar, por meio do Instituto Europeu de Florestas (EFI), projetos capazes de quebrar dois paradigmas sobre agroflorestas: tornar os sistemas de produção agroflorestais viáveis em larga escala e com retorno financeiro.

EXPERIÊNCIA AGROFLORESTAL Embora a agrofloresta ainda esteja muito ligada no imaginário popular a sistemas familiares e de baixa rentabilidade, a dupla tem três décadas de experiências em diversos cantos do mundo na criação de projetos agroflorestais de diferentes tamanhos e financeiramente atrativos. Ambos passaram, por exemplo, pela Fazenda da Toca, do empresário Pedro Paulo Diniz, filho de Abílio Diniz, apresentada em discussões internacio-

Da Revista Cenarium*

nais como uma experiência agroflorestal em grande escala de sucesso. Amparada por outras organizações que integram a aliança, como a WWF, a Pretaterra já tem dois projetos de agrofloresta em áreas extensas para criar. O maior deles, em Gana, envolverá 90 mil hectares com produção de café, cacau, madeira e alimentos para subsistência. Outro, em Ruanda, abarcará 72 mil hectares, envolverá vilarejos e produtores e terá foco em café, madeira e frutas, além de alimentos para consumo próprio. Os projetos devem contar com a participação dos governos e de atores locais, como empresas madeireiras que poderão se interessar pela produção. A aliança conectará os projetos aos financiadores e criará um fundo para bancar os planos desenhados pelos técnicos.

PROJETOS O segredo da Pretaterra para expandir as fronteiras da agrofloresta se assenta em dois princípios: modularidade e elasticidade. “Todo planejamento que fazemos é por módulos — pode ser por hectare, por acre. Neles estabelecemos os parâmetros, como custos, mão de obra, mudas e suplementos. Quando há um planejamento modular, dá para replicar, seja numa propriedade, seja em propriedades vizinhas”, explica Paula Costa. O conceito de elasticidade, por sua vez, implica o planejamento de “nichos funcionais”, a partir da combinação de diferentes espécies com acesso a distintos mercados ligados ao contexto da propriedade. “Em um nicho funcional, cada

produtor seleciona o seu mercado de atuação. É um tipo de planejamento que pode ser aplicado em vários contextos”, continua a engenheira florestal.

FINANCIAMENTO Embora os bancos estejam acostumados a financiar monoculturas, Costa afirma que os projetos apresentados pela Pretaterra têm alcançado sucesso na obtenção de crédito por oferecerem uma projeção sólida de retornos. “Modelamos também a previsão de receita, mapeamos os mercados. Vemos se [o projeto] vai vender como commodity, se vai agregar valor, se atua em cooperativa”, exemplifica. A Pretaterra já prestou serviço para planejamento e implantação de agroflorestas na Indonésia, na Índia, no Marrocos, na Amazônia peruana, na Costa Rica e até num projeto em Mato Grosso de 200 mil hectares, em fase de planejamento. Seus projetos já resultaram na transformação de mais de 500 mil hectares, com mais de 1 milhão de sementes plantadas e mais de 500 mil árvores. Foi essa experiência que atraiu a atenção do EFI. Ao Valor Econômico, Marc Palahí, que dirige o instituto e tem atuado como porta-voz do príncipe Charles na aliança, diz que “acredita que sistemas de agrofloresta podem e devem ser escalados globalmente”, mas que é preciso “adaptar a abordagem às condições socioecológicas, culturais e de mercado dos diferentes países”. (*) Com informações do valor econômico 57


ENTRETENIMENTO & CULTURA

O livro “100 dias de quarentena: no tempo em que a vida parou” foi lançado em meados de agosto

Odenildo Sena está morando em Portugal desde 2017 Crédito: Acervo Divulgação

Produção literária em confinamento Em Portugal, escritor Odenildo Sena transforma isolamento da quarentena em produção literária e relata angústia com pandemia no Brasil de Bolsonaro: ‘trejeitos de psicopata’ Márcia Guimarães – Da Revista Cenarium

M

ANAUS – O linguista e escritor Odenildo Sena, de 69 anos, converteu o isolamento na pandemia em produção literária. Muita produção. Morando desde 2017 em Leça da Palmeira, uma extensão da cidade do Porto, em Portugal, Odenildo viveu a fase mais crítica da pandemia de Covid-19 em um apartamento de 90 metros quadrados, na companhia apenas da mulher e do filho adolescente. O confinamento, as impressões sobre a crise mundial, aprendizados, angústias e apreciações sobre a condução da pandemia na Europa e no Brasil transformaram-se em três livros prontos e material ‘engatilhado’ para mais duas obras.

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, Odenildo explica como foi o processo de construção da primeira obra lançada neste ano, o e-book “100 dias de quarentena: no tempo em que a vida parou” e fala sobre as outras produções. 58

www.revistacenarium.com.br

O escritor revela ainda angústia por ser um brasileiro assistindo a distância a condução da pandemia no Brasil pelo presidente Jair Bolsonaro, a quem considera uma “figura com todos os trejeitos de um psicopata”. Nascido em Santarém, no Pará, mas criado em Manaus, Amazonas, Odenildo é linguista, com mestrado e doutorado em Linguística Aplicada e tem interesses nas áreas do discurso e da produção escrita. Foi professor do Departamento de Língua e Literatura Portuguesa da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), de 1980 a 2012, quando se aposentou. É autor dos livros “Palavra, poder e ensino da língua”, “A engenharia do texto”, “No tempo de eu menino”, “Mazelas do livro didático” e “Tempos de memória”, além dos lançamentos mais recentes. Foi presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), secretário de Esta-

do de Ciência, Tecnologia e Inovação e candidato a vereador em 2016. REVISTA CENARIUM: Por que o senhor decidiu escrever “100 dias de quarentena: no tempo em que a vida parou”? Odenildo Sena: Eu decidi escrever esse livro, “100 dias de Quarentena”, porque percebi naquele momento, lá no início da pandemia, que a gente estava vivendo um momento diferente, um momento que eu diria único na vida da humanidade, particularmente, aqui no País onde estou, em Portugal. Aí eu resolvi construir vários textos. Eles foram escritos em intervalos mais ou menos regulares, relatando minhas impressões, minha sensação do que representava aquela experiência para mim e para todo o mundo, aquela experiência bem diferente de estar em casa recolhido num espaço pequeno, no meu caso aqui, num apar-


REVISTA CENARIUM

tamento de 90 metros quadrados, sem o direito de ir e vir. Essa foi a razão inicial de eu ter escrito o livro. REVISTA CENARIUM: Quando o livro foi lançado? Odenildo Sena: 100 dias de quarentena – no tempo em que a vida parou” foi lançado exclusivamente em edição digital no site da amazon.com.br em meados de agosto e está tendo uma ótima receptividade. Tenho recebido bons comentários de pessoas que leram o livro e gostaram. Talvez um pouco lá na frente saia a edição impressa. REVISTA CENARIUM: Todos os textos do livro seguem o estilo de crônica? Odenildo Sena: O livro foi escrito no estilo bem descontraído da crônica, mas eu diria cheio de momentos poéticos também. É aquele texto que você escreve com parágrafos curtos, como eu costumo falar, para permitir que o leitor tenha tempo para respirar. E aí escrevi ao longo do período, sem preocupação de data exata. Não era todo dia que eu escrevia. Eu escrevia aos poucos, mesmo porque sou lento para escrever. Ao longo do período, eu escrevi 19 crônicas que dão conta do início mais conturbado da pandemia, da minha percepção sobre isso, até o momento em que eu, pela primeira vez, depois de 100 dias, saí de casa, e aí conto muito no livro, no decorrer das várias crônicas, diversas experiências vividas, dentre as quais o que a gente teve que aprender de novo porque a gente descobriu que a gente não estava preparado para não se valer do direito de ir e vir, de ficar recolhido, de não poder ir à rua, enfim, tivemos que aprender muito. REVISTA CENARIUM: Está morando em Portugal há quanto tempo? Decidiu mudar-se por que razão? Odenildo Sena: Desde dezembro de 2017. A decisão de mudar para cá foi pensada e aconteceu, sobretudo, em virtude de uma profunda amargura minha com os rumos que o País vinha tomando desde 2016, com o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff. Aquilo foi

a gota d’água para tomarmos a decisão de sairmos do Brasil, mesmo porque, naquele momento, já por conta de tudo o que vinha acontecendo, eu já imaginava, ou pelo menos previa, que a situação no Brasil não ia melhorar tão cedo, como de fato, isso se confirmou. O Brasil hoje vive uma situação tão dramática e a gente não sabe como isso irá terminar. E, para uma pessoa com a minha idade, estou caminhando para os 70 anos, isto é muito angustiante, porque a gente conseguiu lá atrás, a partir de 2003, até 2014,

ponsável e sem nenhuma empatia com o povo”. REVISTA CENARIUM: Como o senhor descreve a condução da pandemia pelo governo federal no Brasil? Odenildo Sena: Aí no Brasil, o que se via e o que ainda se vê, ainda hoje, é uma coisa assustadora, de uma figura com todos os trejeitos de um psicopata que ao invés de conduzir a população para um lugar seguro, empurra a população para

No Brasil, o que se vê é uma coisa de uma figura com todos os trejeitos de psicopata”

sonhar com um País diferente, mais igualitário, com menos concentração de renda, com mais educação, mais preocupado com a ciência, com os jovens, os pobres, os negros, e eu me dei conta de que isso tudo tinha ido por águas abaixo. E, de fato, as perspectivas de recuperação do Brasil, para voltarmos a sonhar com um País diferente, elas estão muito reduzidas hoje. Quando me mudei para cá, já estava aposentado da Ufam. Havia entregue o cargo de secretário de Ciência e Tecnologia que ocupava. REVISTA CENARIUM: Como se sente assistindo, a distância, à pandemia no Brasil? Odenildo Sena: Praticamente em todas as crônicas do livro “100 dias de quarentena – no tempo em que a vida parou” começo o texto fazendo uma apreciação até meio literária dos acontecimentos e termino sempre fazendo uma referência aos acontecimentos factuais que em geral marcavam os cinco, seis ou sete dias anteriores a eu concluir cada crônica. No fechamento de cada crônica, sempre faço uma referência ao que acontecia no Brasil naquele momento e o registro é sempre de muita indignação, sobretudo, porque o Brasil, em todos os sentidos, foi na contramão do que eu via em países como Portugal e Alemanha. Mas foi na contramão, sobretudo pela presença de um presidente extremamente irres-

um abismo, na medida em que não dá exemplos de como a população deve se proteger, como deve se comportar numa situação como essa. Ele é o próprio exemplo daquilo que não se deve fazer. REVISTA CENARIUM: Quantos textos já produziu recentemente, no isolamento? Odenildo Sena: Consegui produzir muito. Além do livro “100 dias de quarentena”, que escrevi motivado pela situação inusitada da pandemia, terminei um outro livro chamado “Aprendiz de escritor”, com edição impressa pela Editora Valer. O livro foi lançado numa live transmitida pelas minhas redes sociais em 25 de setembro, com a presença de Milton Hatoum, Tenório Telles, Marcos Frederico, Neiza Teixeira, além de mim. O Milton Hatoum escreveu um pequeno texto para a contracapa do livro. Além disso, produzi bastante material que, com calma e paciência, vou transformar em pelo menos mais dois livros. Ao lado disso, tenho pronto um livro chamado “O passo a passo na construção do texto”, destinado a alunos do ensino fundamental. Enfim, mesmo com a quarentena já amenizada, continuo produzindo bastante e sempre estou compartilhando meus textos nas redes sociais, principalmente no Facebook, onde mantenho uma página chamada “Odenildo Sena – Meus escritos. 59


Cunhã-Poranga do Tik Tok Jovem Tatuyo faz sucesso compartilhando tradições indígenas e já conquistou mais de 1,2 milhão de seguidores Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

60

www.revistacenarium.com.br

Maira Gomez publica vídeos e fotos que mostram o dia a dia na comunidade onde ela vive e alguns têm 5 milhões de visualizações


ENTRETENIMENTO & CULTURA

REVISTA CENARIUM

M

Em um dos vídeos mais assistidos da jovem indígena no Tik Tok, que chegou a 5 milhões de visualizações, por exemplo, ela explica como é a relação das mulheres da sua etnia quanto ao uso do absorvente durante o período menstrual. Em outro vídeo Maira esclarece sobre como são realizados os partos na aldeia, que acontecem diferente dos realizados nas aldeias urbanas. Segundo a jovem indígena, os partos são realizados pelos próprios maridos das gestantes. Maira parabeniza a mãe em um dos vídeos e divide com os seguidores o amor que tem pela matriarca da família. Além disso, a cunhã-poranga - mulher bonita da aldeia na língua Tupi - compartilha dicas de beleza e estética facial com as seguidoras como, por exemplo, como as mulheres da etnia Tatuyo fazem para manter as lindas e longas madeixas sem o uso de produtos químicos. “Aqui, as mulheres usam apenas sabão e babosa para hidratar os cabelos”, diz Maira, em um dos vídeos. A jovem Tatuyo compartilha ainda com os seguidores como é realizado o ritual de passagem das meninas da aldeia para a fase a adulta da vida.

TECNOLOGIA EM PROL DOS DIREITOS Para a pesquisadora de educação indígena, Marina Terena, a cultura das etnias também é dinâmica e não está imune às transformações que a sociedade vive. “É preciso que isso se torne claro para o não índio, para acabar com determinados preconceitos. A tecnologia já está

Crédito: Reprodução Instagram

ANAUS – A nova geração de indígenas do País está cada vez mais conectada. A jovem indígena Maira Gomez, da etnia Tatuyo, é um exemplo disso. Com o perfil batizado de @cunhaporanga_oficial, ela faz sucesso no Tik Tok, mostrando o dia a dia da comunidade onde mora e já conquistou mais de 1,2 milhão de seguidores. Nos vídeos de poucos segundos, Maira compartilha as tradições de sua etnia, demonstra os diferentes hábitos da comunidade e responde as dúvidas do público curioso sobre a cultura Tatuyo.

Maira Gomez faz registros da aldeia, que está acostumada a receber a visita de turistas

A tecnologia já está disponível para todas populações, indígenas ou não indígenas. O próprio movimento indígena hoje se mantém graças à tecnologia, por meio da disseminação da luta de seus direitos, sua cultura, sua história e trajetória”

Marina Terena, pesquisadora de educação indígena.

disponível para todas populações, indígenas ou não indígenas. O próprio movimento indígena hoje se mantém graças à tecnologia, por meio da disseminação da luta de seus direitos, sua cultura, sua história e trajetória”, destaca a pesquisadora. De acordo com Marina Terena, os projetos que têm levado internet para as aldeias são reivindicações dos próprios índios, principalmente dos mais jovens. “Há um tempo, não tínhamos nem energia. Hoje a gente tem aldeias com elementos urbanos, com energia, com acesso à internet. As redes de conexão chegam principalmente por causa das escolas indígenas e, na maioria das vezes, a

conexão é disponibilizada para o restante da aldeia”.

VISITA À COMUNIDADE A comunidade da etnia Tatuyo, que integra a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Tupé, a aproximadamente 40 minutos de Manaus por via fluvial, está acostumada a receber turistas interessados em conhecer como é viver numa comunidade indígena, aprender sobre a história das etnias do Rio Negro, sobrevivência na selva Amazônica, danças e rituais Tatuyo. Para visitar a comunidade, os interessados devem agendar visitas pelo número: (055) 98458 6242. 61


Aponte a câmera e veja os vídeos.

@visitamazonas

Empresa Estadual de Turismo do Amazonas

#amazonese

#amazonyourself


AMAZONE-SE COM NOSSA CULTURA, GASTRONOMIA E BELEZAS NATURAIS.

AMAZONE-SE Assistir a um espetáculo no Teatro Amazonas, comprar artesanato no Mercado Adolpho Lisboa, visitar os 5 museus do Palacete Provincial, ir ao Encontro das Águas, tomar banho de cachoeira, interagir com os botos, visitar uma comunidade indígena, subir na torre do Musa e conhecer o Parque de Anavilhanas. Essas são apenas algumas das muitas atrações da nossa terra que você, como amazonense, não pode deixar de conhecer. Então, encante-se, divirta-se, surpreenda-se, amazone-se!

@visitamazonas @visitamazonas

@visitamazonas

Empresa Empresa Estadual de Estadual de Turismo Turismo do Amazonas do Amazonas

#amazonese #amazonese #amazonyourself #amazonyourself


ENTRETENIMENTO & CULTURA

De Belém para o

mundo fashion Descoberta pelo Instagram, paraense com traços indígenas é a nova aposta do mundo da moda Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

M

ANAUS – Agenciada pela Way Model, a ex-vendedora de chips de celular e modelo Emilly Nunes, de 21 anos, foi descoberta nas redes sociais. Enquanto a maioria das modelos é escolhida por olheiros em shoppings, praias, ruas ou parques, a jovem paraense de origem indígena foi descoberta por meio do Instagram, rede social online de compartilhamento de fotos e vídeos.

Das ruas de Belém, Emilly foi lançada para o mundo fashion das mais badaladas marcas de moda brasileira e estampando capas de revistas como Veja e Vogue Brasil. Durante entrevista à REVISTA CENARIUM, no dia 2 de setembro, a modelo paraense falou sobre sua história, carreira e planos para o futuro pós-pandemia. A trajetória de Emilly parece um conto de fadas do século 21. Descendente dos Aruans, a modelo paraense de traços indígenas marcantes que vendia chip de celular nas ruas de Belém, para ajudar na renda da família, viu sua vida se transformar num clique. Foi divulgando suas fotos em seu perfil do Instagram que a beleza amazônica de Emilly despertou o interesse do scouter (olheiro) Vivaldo Marques. Segundo a modelo, foi por meio do scouter que suas fotos foram parar nas mãos de Anderson Baumgartner, diretor da Way Model, uma das maiores agências de modelos do Brasil, responsável por ge64

www.revistacenarium.com.br

renciar a carreira de beldades consagradas internacionalmente como Alessandra Ambrósio, Carol Trentini, Sasha Meneghel, entre outras. “O Valdo [Vivaldo] encontrou meu Instagram e começou a acompanhar meu perfil. Em 2019, após um evento de moda em um shopping de Belém, meu contato com ele passou a ser mais frequente, até que ele apresentou minhas fotos nas agências de modelo, em São Paulo. E, em fevereiro deste ano, fui apresentada para a agência Way”, relembra Emilly.

ORIGEM Nascida na capital do Pará e criada na Ilha de Marajó, mais precisamente entre os municípios de Soure e Salvaterra, Emilly seguia em sua rotina tradições indígenas, produzindo farinha de mandioca caseira e indo à mata, onde colhia açaí e bacuri, frutas famosas da região. Desde jovem, acompanhava desfiles de moda e sonhava em ser a própria Gisele Bündchen, supermodelo brasileira de maior destaque mundial em todos os tempos. “Uma vez meu pai comprou um tênis de presente para mim e eu fiquei muito chateada, porque, na verdade, eu queria um salto alto para me sentir a modelo [risos]”.

CARREIRA Em agosto passado, a modelo desembarcou em São Paulo para ser a nova apos-

Emilly Nunes foi capa da Vogue Brasil em junho deste ano

ta da Way Model. “Estou amando morar em São Paulo. O trabalho como vendedora de chip nas ruas de Belém me fez perder o medo e o jeitinho de ‘bicho do mato’ e aprendi a me comunicar com qualquer pessoa”, declara a modelo, conversa diariamente com a família, por telefone, para amenizar a saudade. Em pouco tempo de carreira, a modelo já coleciona em seu currículo importantes trabalhos, como a capa de junho da Vogue Brasil e publicidade para grifes poderosas, como Lenny Niemeyer, Animale, Lolita, Giuliana Romanno, Carlota Costa e Natura, entre outras. “O que me define neste momento é gratidão. A gente pensa que tudo que desejamos vem na hora que queremos. Mas Deus sabe o tempo certo para tudo acontecer, se for o seu destino”, ressalta a modelo.


REVISTA CENARIUM

O trabalho como vendedora de chip nas ruas de Belém me fez perder o medo e o jeitinho de ‘bicho do mato’ e aprendi a me comunicar com qualquer pessoa”

Emilly Nunes, modelo.

TRABALHOS NO PÓS-PANDEMIA Com os traços amazônicos e uma beleza singular, a modelo chamou a atenção das agências internacionais. Segundo Thiago Bunduky, representante da Way Model, a modelo está causando o inverso ocorrido com outras modelos. “As agências internacionais estão muito interessadas no perfil dela, como a nova aposta de modelo brasileira. Já estamos em negociação com agências de Londres, Paris e Nova York, fascinadas com a beleza da paraense. Geralmente, são as modelos que buscam as agências internacionais e com a Emilly, o caminho está sendo reverso”, finaliza Bunduky. A Way está decidindo quais serão as representações internacionais da modelo.

Crédito: Divulgação Way Model

As agências internacionais estão muito interessadas no perfil dela, como a nova aposta de modelo brasileira. Já estamos em negociação com agências de Londres, Paris e Nova York”

Thiago Bunduky, representante da Way Model. A modelo paraense Emilly Nunes hoje vive em São Paulo e analisa propostas para carreira internacional 65


VIAGEM & TURISMO

TURISMO EM TRANSE Amazonas e Pará procuram saídas para a crise no setor e investem em consumo interno e interiorização

Nosso receptivo está parado no que diz respeito ao turismo regional, mas vamos sentir o mercado”

José Fontoura, agente de viagens da Brazil Amazon Turismo.

M

ANAUS/BELÉM – Atrair turistas para conhecer as belezas do interior e incentivar o consumo interno são algumas das apostas de agências de turismo localizadas nas duas principais cidades da Amazônia Legal, Manaus e Belém, as capitais dos Estados do Amazonas e Pará, respectivamente. O gerente da CVC Amazonas, Ailton Aguiar, acredita que essa será uma nova opção em face do quadro que se criou

A praia de Alter do Chão, em Santarém, uma das riquezas do interior do Pará

66

www.revistacenarium.com.br

nos novos tempos. “O público mudou de comportamento, antes tínhamos clientes que passavam 10 a 15 dias em viagens. Agora esse número caiu para uma semana no máximo ou mesmo um final de semana, tudo por conta do medo de se expor ao vírus”, observou. O gerente também explicou que por conta da retração de mercado, é melhor turistas viajando em um final de semana, do que não ter nenhuma movimentação.

Crédito: Cristiano Martins AG Pará Fotos Públicas

Mencius Melo – da Revista Cenarium


REVISTA CENARIUM

“Por isso, o turista hoje está condicionado à ideia de fazer uma viagem curta e isso nos leva a acreditar que o interior do Amazonas e da Amazônia serão as opções mais procuradas”, previu. Ainda segundo Aguiar, a ideia é acreditar na modalidade e apostar em clientes vindos do Sudeste. “Paulistas e mineiros são a nossa maior clientela e o nosso objetivo é agregar com ideias tipo o ‘turismo rodoviário’ para cidades como Presidente Figueiredo ou mesmo Boa Vista (RR). O problema é que não temos muito a cultura de usar estradas, além de termos uma rodoviária extremamente limitada, sem contar que a estação hidroviária da Manaus Moderna é um horror!”, lamentou.

NO PARÁ O agente de viagens da Brazil Amazon Turismo, José Fontoura, contou à REVISTA CENARIUM sobre as iniciativas em “meio à pós-pandemia”. Localizada em Belém, capital do Pará, a agência aguarda novas decisões como a liberação da vacina contra a Covid-19 para sentir o que será do mercado nos próximos meses. Segundo Fontoura, o nortista é meio desconfiado com aventuras e prefere apostar no que já é certeiro. “Somos uma agência mais emissiva e menos receptiva, por isso o cenário para nós ainda é de cautela. Não sei como se comporta o mercado de Manaus, mas o fato é que nós nortistas, preferimos apostar em destinos que já conhecemos. Nessa hora, destinos como Gramado, no Rio Grande do Sul, estão bem cotados”, revelou. Em comum com Manaus, estão a busca por cotações. “Estamos com muita cotação, mas somente para os primeiros meses de 2021”. Quando questionado se, assim como no Amazonas, o ideal seria apostar na interiorização, José Fontoura foi cauteloso. “Nosso receptivo está parado no que diz respeito ao turismo regional, mas vamos sentir o mercado, vamos ver esse ‘ensaio’ de recuperação e daí, quem sabe, traçar uma nova estratégia”.

PESCA ESPORTIVA Ao contrário da cautela ou mesmo das incertezas no mercado de Belém e Manaus, o turismo de pesca esportiva, que é

No Amazonas, a pesca esportiva não sentiu impactos muito fortes na crise da pandemia

muito ativo no Amazonas, não sentiu tanto os impactos da Covid-19. Segundo Eduardo Quadros, da Pousada Amazon Roosevelt, empreendimento especializado em pesca esportiva no município de Apuí, sul do Amazonas, houve uma pequena queda, mas nada tão impactante. “Trabalhamos com um público classe A. São clientes que vêm em voos fechados de 15 a 20 pessoas e o que aconteceu foi que passamos a reduzir o volume das comitivas, tipo, onde vinham 20, passamos para 10 e assim sucessivamente”, detalhou. Segundo ele, os protocolos são seguidos e o isolamento deve contribuir para que os turistas cheguem. “Recebemos gente do Brasil e do mundo. Os turistas nacionais vêm de São Paulo e de Minas em sua maioria. Já os internacionais chegam dos Estados Unidos, Argentina e da Europa”, informou. Questionado se chegaram a ter prejuízos com a pandemia, Eduardo relatou. “Apesar da crise global, eu diria que não tivemos prejuízos, mantivemos os funcionários e ainda distribuímos cestas básicas para ajudar as comunidades próximas”, finalizou.

O turista está condicionado à ideia de fazer viagem curta e isso nos leva a acreditar que o interior do Amazonas e da Amazônia serão opções mais procuradas”

Ailton Aguiar, gerente da CVC Amazonas.

67


Crédito: Divulgação Acervo Pessoal

O casal de publicitários Elka e Luís Albuquerque decidiu viver uma jornada pelas estradas da América do Sul

68

www.revistacenarium.com.br


VIAGEM & TURISMO

REVISTA CENARIUM

CASAL ‘PÉ NA ESTRADA’ Amazonenses largam tudo para viajar pela América do Sul e focam no trabalho remoto para manter rendimentos mesmo em viagem Por Luciana Bezerra – Da Revista Cenarium

M

ANAUS — Natural de Manaus, o casal de publicitários, Elka Albuquerque e Luís Albuquerque, ambos de 31 anos, decidiu trocar a vida estável com empregos para viver o sonho de viajar pelo mundo. Para isso, criaram o projeto “Do Norte ao Norte” e acharam no trabalho remoto a alternativa de gerar renda, mesmo durante a viagem.

viajantes, o casal adquiriu chips de diferentes empresas locais, por precaução.

Atualmente, o casal divide a rotina de conhecer lugares novos e ampliar a rede de amigos que vão fazendo ao longo do caminho e, de cumprir o deadline [prazo] dos ‘jobs’, além, é claro de se divertir e dirigir estrada afora.

Outro aspecto do casal era o lado financeiro e, segundo eles, para dar início à missão, pouparam dinheiro por dois anos. O controle financeiro continuou mesmo após o início da viagem. Por mês, o casal desembolsa entre R$ 2,5 mil a R$ 3 mil — a variação ocorre para cobrir passeios e despesas de manutenção do ‘Amazonas’, como é chamado o veículo do casal. Do total, gastam uma média de R$ 800 para combustível, R$ 200 para internet e entre R$ 800 a R$ 1 mil para alimentação.

O itinerário iniciou em Manaus, em 2016 e, desde então, o casal percorreu mais de 60 mil quilômetros. Eles passaram por mais de 300 cidades, registrando o roteiro cronologicamente em uma linha do tempo e postando nas redes sociais. Além de inúmeros municípios brasileiros, eles conheceram países como Argentina, Chile e Uruguai. No entanto, foram surpreendidos, no meio do percurso, pela pandemia do novo Coronavírus, que os forçou a retornar ao Brasil. Uma das preocupações do casal era com a internet, o que acabou acontecendo durante a passagem deles pela Argentina, onde ficaram sem conexão e interrompendo o trabalho que realizavam remotamente. No Brasil e Uruguai, eles conseguiram utilizar o plano de uma operadora brasileira. Porém, por recomendação de outros

O volume de trabalho é quem comanda o tempo que o casal fica parado no destino para que possam cumprir os prazos. Em Ushuaia, no extremo Sul da Argentina, por exemplo, eles permaneceram 28 dias em razão do alto fluxo de demandas de um cliente.

Segundo Elka, morar sob quatro rodas acaba sendo mais barato do que em um imóvel fixo e o valor mensal chega a ser metade do que eles desembolsavam antes. “Quanto menos a gente gasta, mais longe vamos”, diz Elka. Antes do sonho do ‘road office’ [escritório na estrada] se tornar real, o casal temia pegar a estrada com medo da insegurança. Mas a vida na estrada mostrou o contrário e nunca foram assaltados, dizem. Para evitar perrengues, os publicitários têm o hábito de estacionar o ‘Amazonas’ em posto de combustível. “Quanto mais caminhoneiros, melhor”.

Pensamos: os ‘jobs’ estão acontecendo, os clientes estão confiando no serviço e a gente trabalha pela internet, qual a diferença de trabalhar aqui ou em qualquer parte do mundo? Foi quando passamos a planejar. Saímos em novembro de 2016″

Elka Albuquerque, publicitária 69


VIAGEM & TURISMO

ESCRITÓRIO NUNCA MAIS… O casal que atuava como freelancer, na capital amazonense, foi percebendo, que poderia trabalhar de qualquer lugar, no escritório físico, num coworking ou na estrada. A conversa com um amigo de Boa Vista (RR) foi o empurrão necessário para fazer do road office o novo estilo de vida. Antes, em 2014, já haviam abandonado o emprego fixo em uma agência, para priorizar a qualidade de vida. “Pensamos: os ‘jobs’ estão acontecendo, os clientes estão confiando no serviço e a gente trabalha pela internet, qual a diferença de trabalhar aqui ou em qualquer parte do mundo? Foi quando passamos a planejar. Adaptamos a Dobló [primeiro carro da viagem] e saímos em novembro de 2016”, explica Elka.

PARADOS PELA PANDEMIA Elka e Luís já passaram por mais de 300 cidades e têm registrado todos os momentos para compartilhar nas redes sociais

70

www.revistacenarium.com.br

Quando planejavam desbravar o deserto do Atacama, foram paralisados pela pandemia que fechou a fronteira de vários países do mundo. Com isso, o casal decidiu voltar para o Brasil. “No caminho, fomos parados 16 vezes para inspeção sanitária”, conta Elka. Devido à pandemia, em Manaus, o casal deve aguardar até fevereiro de 2021 para decidir qual será o próximo destino.




Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

Cunhã-Poranga do Tik Tok

3min
pages 60-63

De Belém para o mundo fashion

3min
pages 64-65

Casal ‘pé na estrada

4min
pages 68-72

Turismo em transe

3min
pages 66-67

Produção literária em confinamento

6min
pages 58-59

Realeza ‘verde

3min
page 57

Covid-19: mais de 50 milhões de infectados no mundo

2min
page 56

Por mais mulheres (vocacionadas) na política

3min
pages 54-55

Extermínio

1min
pages 46-47

Força-tarefa ambiental

4min
pages 48-50

Vitória com discurso ambiental

4min
pages 52-53

Direito à vida da mulher

3min
pages 44-45

Políticos: mais que oratória, conexão com o eleitor

3min
page 51

Dívida de R$ 33 bilhões

1min
page 43

Correspondentes CENARIUM

3min
pages 40-41

Drama no Amapá

2min
page 42

O legado da negritude

3min
pages 38-39

Templos de memória

3min
pages 32-33

Dicionário Amazonês

3min
pages 30-31

Covid-19: ‘segunda onda’ Perigo iminente?

4min
pages 34-35

Declarações de amor

4min
pages 28-29

Manaus 351 anos: Povo, Cultura e História

1min
pages 26-27

Boom’ industrial ameaçado

2min
pages 36-37

Rio da Morte

4min
pages 24-25

Amazônia Soberana

11min
pages 14-19

Vitória da Democracia

3min
pages 22-23

Como dizer! Eis o encantamento

2min
page 13

Alerta ancestral

2min
pages 10-11

Reconhecimento Internacional

2min
page 12

A Sabatina Técnica da CENARIUM foi uma iniciativa inédita no jornalismo brasileiro

4min
pages 20-21

Pantanal: relatos da tragédia

3min
pages 6-7

Fogo na Amazônia

3min
pages 8-9
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.