LiteraLivre Vl. 4 - nº 24 – Nov./Dez. de 2020
Leandro Costa Santana do Acaraú/CE
Tersa O céu pesado trouxe leveza ao peito de Tersa. A luz, matiz do entardecer e amanhecer, aquietou-lhe os pensamentos acelerados e arrefeceu o calor do sofrimento. A chuva digitou, no telhado, o consolo que os familiares não conseguiram mensurar pelo WhatsApp. Em sua linguagem inefável, entregou palavras que lhe encheram de um alívio eficaz. Um luto, à queima-roupa, abriu uma chaga que nada conseguia sanar. A companhia dos amigos, mensagens de otimismo, livros de autoajuda, medicamentos e terapias, sequer funcionaram como placebo. Acordava no desespero e dormia na exaustão da dor. Nos últimos quinze dias, refugiou-se na casa que traduzia todo o absurdo para o qual não encontrava resposta. Não havia contado a ninguém sobre ela. Seria uma surpresa para eles e suas famílias, assim que chegassem da volta ao mundo que planejaram. Nenhum detalhe dela era ocasional. Tudo fora programado em função de uma vida cheia de significados. Por ironia, a construtora a entregou antes do prazo e ela teve que receber logo o projeto autossustentável que desenhou durante anos. A mata preservada, os pequenos geradores eólicos, as placas solares, a
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mobília feita com madeira reciclada, o enxoval vegano, o quarto com teto para observar as estrelas, a máquina de café espresso, a cozinha com sua pequena horta e a fonte térmica do quintal, até aquela manhã, só lhe falavam de ausência e ruptura violenta. O vento, cantando nas frestas das janelas e nos canais de ventilação, encheu a casa com tanta presença e sentido, que o sofrimento pareceu um susto do qual se ri. Tudo estava leve e respirava ares saudáveis. A disposição, que havia lhe abandonado há meses, animou-lhe o corpo e a mente com uma saúde que lhe encheu o âmago e acordou o estômago. Não lembrava a última vez que cozinhara com tanta alegria e criatividade. Cantarolou La vie en rose involuntariamente e sorriu quando a máquina de café encheu uma caneca e não uma xícara. Dispensou a etiqueta. Tomou café defronte à enorme janela da sala, assistindo ao balé da chuva. Sentiu vontade de ser livre como as gotas d'água que valsavam com o vento. Bafejando-lhe o rosto e os cabelos, elas convidaram-lhe a dançar: Por que não? Venha! Venha