MARINA RUIVO (1978)
Poeta paulistana, é professora universitária e já trabalhou como freelancer no mercado editorial. Cursou Letras/Português na USP e lá defendeu o mestrado e o doutorado. Mantém o canal A barca Marina, no Youtube. Publicou Nossa barca (2019); Geração armada: literatura e resistência em Angola e no Brasil (2015) e Leite de Mulher (2021).
SÓ, SOZINHA Às duas da tarde de uma terça-feira desço as escadarias do Bloco N. Pantufas por cima das meias vermelhas roçam, suaves, o chão escurecido. Calça velha imitando veludo, camiseta surrada, a cara do Che e os peitos balangando sem proteção. Na mão, dois sacos de lixo. Não quero saber se encontro alguém, o caminho não leva ao mundo. Há dias sou eu e os mortos, ou vivos-mortos, falam pelos livros, as vozes ora graves, outrora delicadas. De pantufa, sem maquiagem, crio meu mundo, só meu. Lavo a louça quando quero, tiro o lixo no meio da tarde, no começo da noite, ou não tiro, deixo que cheire mal e apodreça. Almoço às onze ou às quinze, benção diária que me faço. Depois os horários voltam, depois tudo volta mas, por ora, deixem-me provar a ausência, essa solidão tão refrescante, como se não houvesse mundo, nem ninguém, nem mesmo amanhã.
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AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA