O ESGAR DO CRÂNIO NU: a construção da imagem do corpo em Hilda Hilst e Iberê Camargo

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desejo que tinham de preservar os mortos da voracidade dos animais." (BATAILLE, 2013, p. 70) Não Osmo. Ele despreza, descarta os corpos e não sente nada, ou melhor, sente prazer. Após abandonar o corpo de Kaysa, Osmo parte: Ligo a chave do meu carro depressa, abro todos os vidros e com esse vento batendo na minha cara eu estou pensando: talvez eu deva contar a história da morte da minha mãezinha, aquele fogo na casa, aquele fogo na cara e tudo o mais, não, ainda não vou falar sobre o fogo, foi bonito sim, depois eu falo mais detalhadamente, essa história sim é que daria um best-­‐seller, todas as estórias de mãe dão best-­‐sellers, e querem saber? Amanhã, se ninguém me chamar para dançar, eu vou começar a escrevê-­‐la. (HILST, 2003, p. 105)

Segundo Kristeva, todo crime, por assinalar a fragilidade da lei, é abjeto, mas o crime premeditado, o assassinato acobertado, a vingança hipócrita, é mais ainda porque redobra e aumenta essa exibição da fragilidade legal. "Osmo", como "Fluxo" é um conto que trata da morte, da morte abjeta. Porém, não de uma morte natural ou de uma morte vinda pelo tempo ou pela doença, e que gera a decreptude corporal. A morte em "Osmo" é o assassinato. É a morte premeditada e covarde sem direito a defesa, por motivo fútil ou por puro prazer.

2.5. "LÁZARO": O CORPO REENCARNADO Em "Lázaro", Hilda Hilst subverte a indagação acerca da morte e do sagrado a partir da apropriação de símbolos da tradição cristã, e através do rebaixamento do divino ao expor uma visão cética e desolada dos homens diante do mundo e da vida. Os três temas centrais hilstianos também se fazem presentes: o Amor, de Lázaro por Jesus; Deus, onipresente mas ausente, deixando Lázaro na dúvida de sua existência; e a morte, do próprio Lázaro que é ressuscitado, e assim gerando dúvida sobre ter sido mesmo uma dádiva ter voltado do mundo dos mortos e viver na angústia de ser obrigado a existir em um mundo violento e abandonado por Deus. Hilst faz uma paródia da fábula bíblica disposta no Evangelho de São João, reapresentando, à sua maneira, a miraculosa ressurreição de Lázaro e o pranto das


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5.1.7 Vídeo

11min
pages 292-301

Conclusão

5min
pages 302-304

Referências

17min
pages 305-318

5.1.6. Livro de artista

6min
pages 284-291

5.1.5. Animação

2min
pages 281-283

5.1.4. Fotografias

4min
pages 274-280

5.1.3. Gravuras

7min
pages 269-273

5.1.2. Desenhos

5min
pages 263-268

Cap. 5. O corpo intersemiótico

7min
pages 246-252

4.2.Um esgar mais que imperfeito

1min
pages 244-245

4.1. O corpo político

20min
pages 229-243

Cap.4. Hilda Hilst e Iberê Camargo: o esgar do crânio nu

46min
pages 199-228

3.2. Pinturas de 1980 1994: Corpos densos

58min
pages 150-196

3.3. Conclusão: In progress

1min
pages 197-198

3.1. Da crítica

12min
pages 141-149

2.8. Inconclusões

5min
pages 138-140

2.6. O Unicórnio : o corpo bestial

20min
pages 124-134

2.7. Floema : o corpo na mesa de dissecação

5min
pages 135-137

2.3. Fluxo : o corpo grotesco

48min
pages 72-97

2.5. Lázaro : o corpo reencarnado

28min
pages 108-123

2.4. Osmo : decifra meu corpo ou eu te devoro

21min
pages 98-107

2.2. Fluxo floema: a imagem do corpo estranho

13min
pages 64-71

2.2. O corpo grotesco

11min
pages 44-50

2.3. O corpo abjeto

14min
pages 51-58

Introdução

21min
pages 19-30

Cap.1 A construção da imagem do corpo

19min
pages 31-43
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