197
Como na pintura Monturo que quer dizer lugar onde se depositam dejeções, lixo, ou imundícies; lixeira; monte de lixo, de imundícies, de coisas sujas ou imprestáveis; lixeira, estrumeira, busilhão, volutabro, montureira, montão de coisas vis ou repugnantes, no quadro (fig. 80), pode-‐se ver um amontoado de coisas, signos, setas, carretéis, o autorretrato de Iberê, cruzes, ou seja, esta tela representa a memória do pintor. O lugar imundo e abjeto onde ele, com as mãos, foi resgatar seu passado que não volta mais. Lá, Iberê Camargo pôde recordar-‐se de seus brinquedos, seus amores, lá na memória do corpo-‐lixo, do corpo abjeto. 3.3. CONCLUSÃO: IN PROGRESS A imagem do corpo nas pinturas de Iberê Camargo, realizadas no período entre 1980 e 1994, o ano de sua morte, apresenta-‐se de forma grotesca, onde seus personagens revelam uma corporeidade fragmentada, imersos em uma atmosfera angustiante e pesada. Seus corpos também revelam um erotismo grotesco em que predominam o baixo corporal, a frontalidade de suas genitálias e o sexo animal sem romantismo. A escatologia também envolve a construção da imagética corporal do pintor, quando elementos abjetos, como a matéria fecal, são incorporados em suas telas, desenhos e textos. Todo o seu trabalho, pictural e literário, é de cunho autobiográfico. Iberê só pinta o que está ao alcance dos olhos ou o que habita sua memória. Figuras, coisas e espaço pictórico interagem em síntese para ascender a perplexidade do homem no mundo. O prazer dos sentidos gerados pelo traço nervoso, mas infalível domina com maestria a dinâmica da transfiguração: capta a fugacidade e fixa o peso da carne que vive na angústia de nossa finitude. Ao evidenciar com semelhante grau de virtuosismo a miséria, a violência, a tragédia, a demência do presente, Camargo, em seus últimos trabalhos, parece que os faz para se salvar. Fora isso, qualquer especulação, qualquer opinião ociosa ou pretensiosa, qualquer definição rigorosa, não seriam suficientes perante a grandeza