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1.3. O CORPO ABJETO O abjeto parece ser filho do grotesco. Enquanto o grotesco tornou-‐se uma prática do modernismo, o abjeto firmou-‐se no pós-‐moderno prosseguindo o pensamento batailleano. O abjeto é um complexo conceito, psicológico, filosófico e linguístico desenvolvido por diversos pensadores como Júlia Kristeva no texto Poderes do Horror, ensaio sobre a abjeção (1980/1982). No texto, a filósofa trata dos elementos impuros, ou impróprios à cena, obscenos. Kristeva trata de excrementos e humores corporais ou secreções, ou seja, elementos que ferem o senso de decência e higiene. Para Kristeva, o abjeto é aquilo do que devo me livrar, expurgar. Porém, esse elemento que expurgo é parte fundamental de mim. E tão próxima e íntima que produz o pânico. O abjeto questiona fronteiras do nosso corpo, põe em discussão o dentro e o fora. Segundo Hall Foster (2014), "a abjeção é uma condição na qual a posição de sujeito é perturbada, [...] daí sua atração sobre os artistas de vanguarda que querem perturbar esses ordenamentos do sujeito e da sociedade. (FOSTER, 2014, p.147)". Ou seja, o abjeto, como o informe e o grotesco, tem a alcunha da transgressão, da política e da resistência. Kristeva trata do abjeto, como um eu primordial que se expulsa. A abjeção, em si, é imoral, tenebrosa, oscilante, suspeita: um terror que se dissimula, uma raiva que sorri, uma paixão por um corpo que lhe troca ao invés de lhe aquecer, um devedor que lhe vende, um amigo que lhe apunhala... o abjeto é aquilo que não respeita os limites, os lugares, as regras. (KRISTEVA, 1982, p. 4)
Solange Ribeiro de Oliveira explica que: Quando explora esses elementos o artista esquece a dimensão vertical, tipicamente ilustrada pela catedral gótica, emblemática da ascensão espiritual. Em vez disso, privilegia a dimensão horizontal, associada ao homem enquanto ser animal, preso à terra e a processos asquerosos escamoteados no trato social, como a defecação e deteriorização do corpo (OLIVEIRA, 2012, p.98)