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2.3. "FLUXO" -‐ O CORPO GROTESCO "Fluxo" é a história de um escritor às voltas com os conflitos do mundo exterior e interior. Ruiska vive trancado dentro do seu escritório, preocupado com o texto que precisa escrever, urgente. Seu editor está a pressioná-‐lo a escrever algo que todos entendam, e assim poderá ganhar muito dinheiro para tratar da doença do filho Rukah, que sofre de encefalite. Sua esposa, Ruisis tenta ajudá-‐lo dando algumas ideias. Mas o velho Ruiska não sabe escrever coisas de fácil digestão, Ruiska só sabe escrever "coisas de dentro". Por isso, o escritor prefere ficar trancado dentro do seu escritório. Ruiska fecha o portão de ferro, abre o poço e a clarabóia, comunica-‐se pelo interfone. "Agora estou livre, livre dentro do meu escritório" (HILST, 2003, p. 23). Essa imagem reflete a imagem do artista no atelier, a necessidade de se entregar à solidão do processo criativo. Remete também a um distanciamento social tão rico à produção, tanto de Hilst quanto de Ruiska. Remete à urgência de uma imersão no trabalho criativo. "Livre dentro do atelier!" O atelier do artista é uma metáfora da cabeça do artista, onde o criador pode viajar por mundos distantes e desconhecidos da memória criativa. O artista, tanto no pensamento, nos devaneios criativos, ou quando está dentro do atelier produzindo, vislumbra ou concebe o novo, o perigo, às vezes até o inatingível. Tanto Hilda Hilst, quanto o personagem Ruiska, querem dizer o indizível, o incognoscível o que não pode ser conhecido, o inominável. Como na passagem onde Ruiska conversa consigo: Olhe aqui Ruiska, você não veio ao mundo para escrever cavalhadas, você está se esquecendo do incognoscível. O incognoscível? É, velho Ruiska, não se faça de besta. Levanto-‐me e encaro-‐o. Digo: olhe aqui, o incognoscível é incogitável, o incognoscível é incomensurável, o incognoscível é inconsumível, é inconfessável. (HILST, 2003, p. 24)
Em "Fluxo", Ruiska, o escritor, carrega a imagem mitológica de Sísifo, que na procura da palavra indizível e que não pode ser conhecida (incognoscível) é obrigado a empurrar incansavelmente sua pedra montanha acima, dia após dia, por toda a eternidade. No conto "Fluxo", o sacrifício do escritor na busca da palavra tem uma forte correspondência com a própria vida de Hilda. O fato de Ruiska trancar o