O ESGAR DO CRÂNIO NU: a construção da imagem do corpo em Hilda Hilst e Iberê Camargo

Page 72

72

2.3. "FLUXO" -­‐ O CORPO GROTESCO "Fluxo" é a história de um escritor às voltas com os conflitos do mundo exterior e interior. Ruiska vive trancado dentro do seu escritório, preocupado com o texto que precisa escrever, urgente. Seu editor está a pressioná-­‐lo a escrever algo que todos entendam, e assim poderá ganhar muito dinheiro para tratar da doença do filho Rukah, que sofre de encefalite. Sua esposa, Ruisis tenta ajudá-­‐lo dando algumas ideias. Mas o velho Ruiska não sabe escrever coisas de fácil digestão, Ruiska só sabe escrever "coisas de dentro". Por isso, o escritor prefere ficar trancado dentro do seu escritório. Ruiska fecha o portão de ferro, abre o poço e a clarabóia, comunica-­‐se pelo interfone. "Agora estou livre, livre dentro do meu escritório" (HILST, 2003, p. 23). Essa imagem reflete a imagem do artista no atelier, a necessidade de se entregar à solidão do processo criativo. Remete também a um distanciamento social tão rico à produção, tanto de Hilst quanto de Ruiska. Remete à urgência de uma imersão no trabalho criativo. "Livre dentro do atelier!" O atelier do artista é uma metáfora da cabeça do artista, onde o criador pode viajar por mundos distantes e desconhecidos da memória criativa. O artista, tanto no pensamento, nos devaneios criativos, ou quando está dentro do atelier produzindo, vislumbra ou concebe o novo, o perigo, às vezes até o inatingível. Tanto Hilda Hilst, quanto o personagem Ruiska, querem dizer o indizível, o incognoscível o que não pode ser conhecido, o inominável. Como na passagem onde Ruiska conversa consigo: Olhe aqui Ruiska, você não veio ao mundo para escrever cavalhadas, você está se esquecendo do incognoscível. O incognoscível? É, velho Ruiska, não se faça de besta. Levanto-­‐me e encaro-­‐o. Digo: olhe aqui, o incognoscível é incogitável, o incognoscível é incomensurável, o incognoscível é inconsumível, é inconfessável. (HILST, 2003, p. 24)

Em "Fluxo", Ruiska, o escritor, carrega a imagem mitológica de Sísifo, que na procura da palavra indizível e que não pode ser conhecida (incognoscível) é obrigado a empurrar incansavelmente sua pedra montanha acima, dia após dia, por toda a eternidade. No conto "Fluxo", o sacrifício do escritor na busca da palavra tem uma forte correspondência com a própria vida de Hilda. O fato de Ruiska trancar o


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

5.1.7 Vídeo

11min
pages 292-301

Conclusão

5min
pages 302-304

Referências

17min
pages 305-318

5.1.6. Livro de artista

6min
pages 284-291

5.1.5. Animação

2min
pages 281-283

5.1.4. Fotografias

4min
pages 274-280

5.1.3. Gravuras

7min
pages 269-273

5.1.2. Desenhos

5min
pages 263-268

Cap. 5. O corpo intersemiótico

7min
pages 246-252

4.2.Um esgar mais que imperfeito

1min
pages 244-245

4.1. O corpo político

20min
pages 229-243

Cap.4. Hilda Hilst e Iberê Camargo: o esgar do crânio nu

46min
pages 199-228

3.2. Pinturas de 1980 1994: Corpos densos

58min
pages 150-196

3.3. Conclusão: In progress

1min
pages 197-198

3.1. Da crítica

12min
pages 141-149

2.8. Inconclusões

5min
pages 138-140

2.6. O Unicórnio : o corpo bestial

20min
pages 124-134

2.7. Floema : o corpo na mesa de dissecação

5min
pages 135-137

2.3. Fluxo : o corpo grotesco

48min
pages 72-97

2.5. Lázaro : o corpo reencarnado

28min
pages 108-123

2.4. Osmo : decifra meu corpo ou eu te devoro

21min
pages 98-107

2.2. Fluxo floema: a imagem do corpo estranho

13min
pages 64-71

2.2. O corpo grotesco

11min
pages 44-50

2.3. O corpo abjeto

14min
pages 51-58

Introdução

21min
pages 19-30

Cap.1 A construção da imagem do corpo

19min
pages 31-43
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.