O ESGAR DO CRÂNIO NU: a construção da imagem do corpo em Hilda Hilst e Iberê Camargo

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98 e noventa, tenho ótimos dentes, um pouco amarelados, mas ótimos, quase não tenho barriga, um pouco, como todo mundo da minha idade, eu ainda não lhes disse a minha idade, acho que eu existo desde sempre, mas afinal, o que importa? Agora as coxas. As coxas são excelentes porque eu fazia todos os dias cem metros na butterfly, vocês imaginam como isso me deixou com um peito deste tamanho. Ah, sim, eu estava falando das coxas, pois é, são excelentes. Há mulheres que dizem que as minhas coxas são fortes, sei lá, uma porção de besteiras, ou melhor, não são besteiras o que elas dizem, as minhas coxas são excelentes realmente, mas acho que vocês não estão interessados, ou estão? Se não estão, paro de contar, mas se estão, posso acrescentar que além de fortes, têm uma penugem aloirada... (HILST, 2003, p. 78-­‐79)

O que Osmo deixa transparecer neste relato do seu corpo é o narcisismo, uma valorização do próprio corpo como algo perfeito e sublime. O problema de Osmo começa com o desencanto com o amor materno, quando sua mãe saía para dançar e o deixava abandonado em casa. Os sentimentos agressivos de Osmo são fruto do estilo de vida desregrado da mãe. Bem, vou explicar: a minha mãezinha não me aguentava porque ela era louca para dançar, dançar, dançar, isso mesmo, eu espero que vocês saibam o que é dançar, antes era ficar andando pelo salão, a dois, é assim que eu ainda danço, agora é ficar sozinho se rebolando, tanto faz, a gente sempre está sozinho ainda que esteja à dois, a três, dançando ou, enfim, a gente sempre está sozinho. A minha mãezinha dançava a dois. Mas não é exatamente isso que eu quero contar, aliás nem sei se é bom-­‐tom ficar falando assim da mãezinha da gente mas vocês hão de convir que eu não falei nada de ofensivo, apenas disse que ela gostava de dançar. Isso parece ser o gosto de quase todas as mulheres isso de dançar. Pelo menos as que eu conheci. Todas gostavam muito de dançar. Ainda gostam. Não sei porquê. (HILST, 2003, p. 76)

O fato de Kaysa ter-­‐lhe pedido para levá-­‐la para dançar o faz se lembrar de sua relação com a mãe, quando ela saia para dançar e o deixava abandonado em casa, e isso é o que faz despertar seu lado mais cruel e perverso. A solidão nos relacionamentos é muitas vezes representada pela dança, em que mesmo estando a dois se está só. O que Osmo sente é que ele foi abandonado pela mãe, trocado por outros homens. O personagem dá cusparadas nos cantos da casa como se quisesse expelir o que o aflige na memória que tem da infância: a mãe preferir dançar a ficar com o filho. Osmo é um solitário colocado em situação angustiante e absurda. Em fluxo aflitivo, que não permite a pausa e o silêncio, o mundo surge estranho, incoerente, desfocado. As atitudes são grosseiras, apresentando desilusão e amargura. O protagonista-­‐


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5.1.7 Vídeo

11min
pages 292-301

Conclusão

5min
pages 302-304

Referências

17min
pages 305-318

5.1.6. Livro de artista

6min
pages 284-291

5.1.5. Animação

2min
pages 281-283

5.1.4. Fotografias

4min
pages 274-280

5.1.3. Gravuras

7min
pages 269-273

5.1.2. Desenhos

5min
pages 263-268

Cap. 5. O corpo intersemiótico

7min
pages 246-252

4.2.Um esgar mais que imperfeito

1min
pages 244-245

4.1. O corpo político

20min
pages 229-243

Cap.4. Hilda Hilst e Iberê Camargo: o esgar do crânio nu

46min
pages 199-228

3.2. Pinturas de 1980 1994: Corpos densos

58min
pages 150-196

3.3. Conclusão: In progress

1min
pages 197-198

3.1. Da crítica

12min
pages 141-149

2.8. Inconclusões

5min
pages 138-140

2.6. O Unicórnio : o corpo bestial

20min
pages 124-134

2.7. Floema : o corpo na mesa de dissecação

5min
pages 135-137

2.3. Fluxo : o corpo grotesco

48min
pages 72-97

2.5. Lázaro : o corpo reencarnado

28min
pages 108-123

2.4. Osmo : decifra meu corpo ou eu te devoro

21min
pages 98-107

2.2. Fluxo floema: a imagem do corpo estranho

13min
pages 64-71

2.2. O corpo grotesco

11min
pages 44-50

2.3. O corpo abjeto

14min
pages 51-58

Introdução

21min
pages 19-30

Cap.1 A construção da imagem do corpo

19min
pages 31-43
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