224 diz o místico-poeta, “ao ritmo das coisas belas/ ao gosto agreste do bom/ do belo que profetiza/ a ternura que és tu/ Elisa”. No poema O Agadá da transformação, Abdias, singularmente, exibe o poder do tambor, do som, da dança e do ritmo para o fortalecimento e vitória na batalha coletiva contra toda forma de dominação e servilismo. Exclama de forma paradigmática no referido poema/oriki o poeta das sonoridades ancestrais, Abdias Nascimento (1983, p. 85-90): “Somos a semente noturna do ritmo...”. E diz no mesmo poema: [...]. Ouçamos o pipocar do couro retesado/ (ó Agadá da transformação)/ rompendo a couraça do insensível mundo/ branco/ na sola dos pés sangrentos/ temos dançado/ o madrigal da escravidão/ o minueto do tráfico/ o fado do racismo/ agora na pele flamejante dos tambores/ dancem eles o nosso baticum de guerra/ até despontar aquela aurora/ de dançar o afoxé/ da nossa batalha final vitoriosa [...]
A uma dança de morte imposta à população negra (“madrigal da escravidão”, “minueto do tráfico” e “fado do racismo”), Abdias subverte a ordem exigindo que o sistema de poder hegemônico dance ao ritmo dos subalternizados até despontar o afoxé da vitória dos que, nos corpos em movimento (“na pele flamejante dos tambores”), subverteram as coreografias sem vida e os ritmos genocidas do status quo. Memorizando sonoridades, toques, batidas, gestualidades, coreografias e gingas a gente preta foi “dizendo no pé” verdades insurgentes. Num ambiente hostil e perigoso, a população negra, fazendo valer memórias do corpo, foi, entre frestas descolonizadoras, “dançando pra não dançar”. 3.2.5 Tambores místicos e mistagógicos Tambores, na perspectiva do candomblé, são “pessoas”, corpos vivos preparados e nutridos pelo axé. Para Abdias Nascimento o tambor significa muito mais que um mero instrumento musical, e cita Tejada, que diz que para além de um simples apetrecho musical o tambor é “fonte do ritmo cósmico, arquivo das complicadas harmonias do universo, poder que suscita poderes que regem a ordem do mundo, coisa sagrada com poder para dominar o curso das coisas: Deus” (NASCIMENTO, 1976, p. 24). Reiteramos, tambores no candomblé são considerados “pessoas”, são, pois, corpos vivos que se comunicam com as divindades e as chamam para assumirem os corpos de seus filhos ou filhas. Mais delimitadamente, três tambores estruturam a vida religiosa do candomblé; são eles: o Rum (atabaque maior), o Rumpi (atabaque médio) e o Lé (atabaque menor).