QUEM DISSE QUE EXU NÃO MONTA? ABDIAS NASCIMENTO, O CAVALO DO SANTO NO TERREIRO DA HISTÓRIA

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248 assim fazendo, dão testemunho de ser mais que uma ciência entre outras, mas sim de ser a teoria de uma práxis, que dá como fruto uma arte: a arte de viver.

Escreve Boff (1991, p. 30) em Seleção de textos espirituais: “Erram os que julgam que os místicos estão afastados do mundo. São os mais comprometidos”. Contudo, é dentro dessa perspectiva que se pode captar um estado de união mística estabelecido entre o ser humano e a divindade a ponto de a pessoa se transformar na divindade que o habita. Nessa perspectiva, a mística comparece como modos de se viver os mitos no aqui e agora; forma de torná-los vivos. Religiosamente falando, a mística é a vida do mito e o mito o alimento da mística. Sem mística, Exu transformar-se-ia num Hermes grego, isto é, num objeto de estudo, não de culto.

4.1 O poder do mito Nosso trabalho não tem a pretensão de enfatizar as produções variadas de Abdias, o que seria impossível. Nosso interesse fundamental restringe-se em mostrar a seiva espiritual onde sua existência deitou raízes. Na perspectiva ancestral africana, fonte inesgotável de vida e axé para Abdias, o mito não se apresentou como algo falso ou desprovido de poder, mas, sim, como força propulsora de encanto e poder de transformação. Nas oportunas palavras de Boechat (2008, p. 21), o mito é um “poderoso agende catalisador de mudanças individuais e sociais”. Assinala Queiroz (2013, p. 499): “Mito é tema relevante no estudo das religiões, pois sua presença acompanha os humanos desde os primórdios até hoje como uma das mais profundas expressões da compreensão de si e do mundo”214.

Na perspectiva junguiana cada pessoa deve descobrir seu mito pessoal para construir sua existência de forma original, criativa e significativa; só o mito, nessa acepção, é capaz de encher a vida de conteúdo suficiente. Escreve Jung (2006, p. 348): “Presto viva atenção aos mitos da alma; observo o que se passa comigo... infelizmente o lado mítico do homem encontra-se hoje frequentemente frustrado. O homem não sabe mais fabular”. E ainda: “O homem mítico reivindica certamente, ‘algo além’”.

214

Queiroz (2013, p.499-511), no artigo Mitos e regras oferece uma visão panorâmica sobre o lugar do mito na história humana. Mesmo dentro dos limites de um compêndio, o texto se impõe pela clareza e profundidade. O texto aborda também a importância do mito e seu lugar na sociedade moderna. O autor faz significativa ressalva que as culturas têm visões diferenciadas acerca da divindade ou da transcendência, razão pela qual terão também outros desenvolvimentos e concepções míticas.


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REFERENCIAS BIBLOGRÁFICAS

23min
pages 349-363

CONCLUSÃO

11min
pages 344-348

5.9 A mística do morrer: o axexê do “boi de piranha” (De Exu a Oxalá

14min
pages 335-343

5.5.4 Mística da Esperança

13min
pages 314-320

5.7 Abdias virou deus

15min
pages 324-330

5.8 Exu, Ariadne do Negro revoltado

9min
pages 331-334

5.6 Por Exu Abdias duela com Drumond

5min
pages 321-323

5.5.2 O Entusiasmo do negro revoltado

2min
page 304

5.5.3 Alacridade: a alegria de um contente Erê

18min
pages 305-313

5.5.1 Rebeldia, a mística do “diabo” do Abdias

6min
pages 301-303

5.3. Mística à flor das coisas

12min
pages 292-296

5.1 Mística de encruzihada (ou rizomática

11min
pages 279-283

5.1.2 Místicas da malandragem: tem Zé, tem resistência

10min
pages 284-288

5.2. Abdias, o místico à flor dos laços

6min
pages 289-291

5.4 Mística à flor dos pratos

7min
pages 297-300

4.5 O místico de Olhos Abertos

25min
pages 266-277

3.3 Sortilégio

25min
pages 231-243

4.4.2 Quando o lutar é combater (enfrentamento

4min
pages 264-265

4.2 As funções do mito

13min
pages 249-254

4.4 Abdias, o lutador

5min
pages 257-259

4.4.1 Quando lutar é conchavar

8min
pages 260-263

4.1 O poder do mito

2min
page 248

4.3 Mito e mística: no pensar e no sonhar

4min
pages 255-256

3.2.6 Mística dos sentidos

11min
pages 226-230

3.2.5 Tambores místicos e mistagógicos

4min
pages 224-225
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