249 Nas palavras de Campbell (1990, p. 51) em O poder do mito, a “fonte da vida temporal é a eternidade. É a ideia mítica, básica, do deus que se torna múltiplo em nós (...). Identificar-se com esse aspecto divino, imortal, de você mesmo é identificar-se com a divindade”. É nesse plano que se situa a identidade mítica; e é sob essa ótica que interpretamos e compreendemos a relação Abdias↔Exu. Para Campbell (1990, p. 32) cada humana criatura “deve encontrar um aspecto do mito que se relacione com sua própria vida”. Abdias experimentou a vida como um campo de combate e a presença de Exu constituiu um indispensável companheiro de luta.
4.2 As funções do mito Para Campbell (1990, p. 32) os mitos possuem quatro funções básicas, quais sejam: A) A “função mística” – que situa o homem na dimensão mistérica da vida; B) A “dimensão cosmológica” – que oferece um novo olhar e uma nova hermenêutica, por conseguinte, acerca do universo; C) A dimensão ou função “sociológica” – “suporte e validação de certa ordem social”; o que manifesta que toda mitologia está enraizada em contextos particulares, ainda que aborde temas universais; D) A “função pedagógica” – dita o comportamento, como orientar a vida em face das exigências do cotidiano. A “função pedagógica” assinala o caráter performático do mito. Nesse sentido, os mitos se tornam forjadores de existências, modelos exemplares capazes de engendrar um ethos215. “Os mitos são metáforas da potencialidade espiritual...” (CAMPBELL, 1990, p. 24).
Hollis (1998, p. 18), abordando as funções do mito na perspectiva de Campbell (1977) destaca também as funções: cosmológica, metafísica, sociológica e psicológica.
Acerca da função
psicológica, importante para o nosso trabalho que busca uma compreensão mitologizada da trajetória de Abdias, escreve Boechat (2008, p. 21): “Se por um lado o indivíduo procura entender o cosmos e a natureza à sua volta, o indivíduo necessita também, fundamentalmente, entender-se a si mesmo”. E enfatiza ainda: “A problemática básica do Oráculo de Delfos – conheça-te a ti mesmo – encontra uma via de resposta nos mitos”. Abdias, nesse rastro, forjou uma “identidade mítica” a partir da qual foi se definindo na história e compreendendo e significando seu papel no terreiro da história.
Escreve Boff (2000, p. 35) em Ethos mundial: um consenso mínimo entre os humanos: “Ethos se traduz, então, por ética. É uma realidade da ordem dos fins... Ética tem a ver com fins fundamentais...”. Nesse sentido, os mitos, por serem capazes de engendrar ethos/ética, são, pois, forjadores não só de comportamentos, mas, antes, de sentido para a vida. 215