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A mitologia é, aparentemente, contemporânea da humanidade. Desde que, por assim dizer, fomos capazes de acompanhar as primeiras evidências fragmentadas e dispersas da emergência de nossa espécie, foram encontrados sinais indicando que as metas e as preocupações mitológicas já estavam moldando as artes e o mundo do Homo sapiens (CAMPBELL, 1990, p. 24).
Em O homem e seus símbolos Jung (2008, p. 69) escreve: Nessa época de convulsões sociais e mudanças drásticas é importante sabermos mais a respeito do ser humano, pois muitas coisas dependem das suas qualidades mentais e morais. Para observarmos na sua justa perspectiva precisamos, porém, entender tanto o passado do homem quanto o seu presente. Daí a importância essencial do mito.
Jean-Pierre Vernant (2000, p. 12) em O universo, os deuses, os homens escreve: “Memória, oralidade, tradição: são essas as condições da existência do mito”. Desse modo abordamos a vitalidade mítica experimentada por Abdias em místicas potentes porque ele mesmo a expressou de variadas formas. Vida e palavra na trajetória de Abdias são, pois, facetas de uma mesma moeda.
O mito também só vive se for contado, de geração em geração, na vida cotidiana. Do contrário, sendo relegado ao fundo das bibliotecas, imobilizado na forma de textos, acaba se tornando uma referência erudita para uma elite de leitores especializados em mitologia (VERNANT, 2000, p. 12).
Importante salientar que o pensamento mítico não é um setor a parte do pensamento racional; nesse sentido não há oposição, necessariamente, entre essas duas formas de se lidar com o mundo e consigo mesmo. Boechat (2008, p. 26) sublinha que
Uma forma de pensamento é inseparável da outra... No instante em que o indivíduo alcança essa junção, o processo de individuação se processa com grande vigor, pois a função simbólica do inconsciente está plenamente operativa, produzindo representações eficazes ao desenvolvimento do todo.
Abdias encontrou, abrigou e se nutriu de uma mitologia poderosa. Para Campbell (1990, p. 6) o mundo de hoje está “desmitologizado” e, por isso, carente de mensagem que provenha da interioridade humana. “Os mitos servem para nos conduzir a um tipo de consciência que é espiritual”.
4.3 Mito e mística: no pensar e no sonhar Ferreira Gullar (2002) em nota a sua tradução resumida e adaptada da magistral obra de Cervantes, escreve que Dom Quixote “extrapolou os limites da literatura e da arte para fazer-se