257 É significativo para a nossa reflexão apreender no mito como Exu constrói o processo de conhecimento e como o saber se alia interna e necessariamente ao poder. Hampâté Bâ (2003, p. 197) expõe como na velha África o conhecimento se alia à vida e o quanto demanda atenção e acurada percepção sobre os ensinamentos acerca do que se poderia nomear “as ciências da natureza”. Todos estes ensinamentos fundavam-se em exemplos concretos e fáceis de as crianças compreenderem. Algumas cenas que observavam propiciavam aprofundamentos: uma árvore abrindo os galhos em direção ao espaço permitia explicar como tudo, no Universo, se diversificava a partir da unidade; um formigueiro ou cupinzeiro ofereciam a ocasião de falar sobre as virtudes da solidariedade e das regras da vida social. A partir de cada exemplo, de cada experiência vivida, o bawoe os anciões ensinavam aos meninos como se comportarem na vida e as regras a respeitar em relação à natureza, aos semelhantes e a si mesmos. Eles os ensinavam a ser homens (HAMPÂTÉ BÂ, 2003, p. 197).
Ensinar a ser homem implica na apreensão de conhecimentos pertinentes; logo, saberes relacionados à vida concreta compreendida e apreendida na sua globalidade. Ensina Hampâté Bâ (In: KI-ZERBO, 1982, p. 183): Uma vez que se liga ao comportamento cotidiano do homem e da comunidade, a ‘cultura’ africana não é, portanto, algo abstrato que possa ser isolado da vida. Ela envolve uma visão particular do mundo, ou, melhor dizendo, uma presença particular no mundo – um mundo concebido como um Todo onde todas as coisas se religam e interagem.
Para Gullar, Dom Quixote tipifica as humanas criaturas em suas intermitentes e multiformes sagas, périplos e lutas. Gullar, proferindo palestra intitulada “Dom Quixote e os problemas da leitura”219, diz no início de sua fala que “a leitura pode gerar problemas sérios”. E diz ainda: “Cada um de nós tem a sua aventura em consequência do que lê”. Essa frase tem grande valor para a nossa reflexão porque exprime, a nosso ver, a experiência de Abdias como “cavaleiro andante” que, já na infância, em situações objetivamente adversas, travou clandestinamente com a literatura encontros inesperados. A mística abdiasiana, desse modo, constitui forma de conhecimento, instância interpretativa da sociedade – conhecimento crítico e profundo acerca do mundo. 4.4 Abdias, o lutador Acessar a trajetória de Abdias implica adentrar num universo onde religiosidade e vida, encanto e luta, mística e heroísmo caminham de mãos dadas. Nesse horizonte, o herói é o místico e o contrário é, igualmente, verdadeiro. Escreve Bingemer (2013, p.312):
Cf. 8° Ciclo / Obras primas da literatura universal: “Dom Quixote e os problemas da leitura”. Coordenador: Zuenir Ventura. Cf. https://www.youtube.com/watch?v=FNFlj2GPJ6I 219