QUEM DISSE QUE EXU NÃO MONTA? ABDIAS NASCIMENTO, O CAVALO DO SANTO NO TERREIRO DA HISTÓRIA

Page 260

260 E mostrando o lugar proeminente do orixá, o samba diz: “Sua cultura pelo mundo se espalhou. Energia e fé no candomblé/ Os Orixás lhe deram axé...”. Na sinopse do samba vem escrito: “Agarrado às suas raízes, mensageiro de Zumbi, tem no Candomblé sua fé. Sempre encontrou nos orixás motivação para lutar e também sempre os agradou, como manda a tradição”. Escreve Abdias Nascimento (2016, p. 125) que a religião constitui “a fonte e a principal trincheira da resistência cultural do africano, bem como o ventre gerador da arte afro-brasileira”. Sublinha Muniz Sodré (1983, p.143): “Nas relações dos homens com os orixás, destes entre si, dos animais com os homens, do princípio masculino com o feminino, há sempre a dimensão de luta (ijá, em nagô). Na verdade, as coisas só existem através da luta que se pode travar com eles...”. E escreve ainda Sodré que Exu é chamado, dentre outros atributos, o “Pai da luta”. Contudo, a luta, na dinâmica no santo não se restringe ao duelo físico, mas, sobretudo, a um jogo que reclama inevitavelmente competências variadas. Diz Sodré (1983, p. 143): “Não é violência ou força das armas que entram em jogo aqui (a guerra é um aspecto pequeno e episódico da luta), mas as artimanhas, a astúcia, a coragem, o poder de realização (axé) implicados”. E diz ainda: A luta é o movimento agonístico, o ‘duelo’, suscitado por uma provocação ou um desafio. Quando o homem toca o orum com as suas mãos sujas, quando o garoto pisa a região proibida, os orixás são obrigados a responder, dinamizando assim a existência. Igualmente, quando um babalaô (sacerdote de Ifá) diz a alguém que é necessário fazer um sacrifício (ebó) aos pés de um orixá determinado, trata-se também da provocação humana à resposta de uma entidade cósmica. A luta é o que põe fim à imobilidade: todos (orixás, humanos, ancestrais, animais, minerais) são obrigados a responder imediatamente, concretamente, ritualisticamente, às provocações, aos desafios, e assim darem continuidade à existência.

4.4.1 Quando lutar é conchavar A luta pela sobrevivência e invenção da população negra no cativeiro e no pós-abolição não se baseia, mormente, num enfrentamento aberto ao poder dominante. Resistência e rebeldia compõem a vida subalternizada; e ambas são formas diferenciadas de luta. Nas palavras de Brito (2018, p. 80), “a condição básica para se compreender as atitudes e sentimentos, os valores e as normas que norteiam as ações dos escravos é superar o mito da ‘coisificação do escravo’ e o seu contraponto, a ideia do escravo sempre rebelde”. Parafraseando o poeta português Fernando Pessoa, podemos dizer a respeito da trajetória de Abdias Nascimento (o que é extensivo à população negra, de forma geral): a vida é trincheira, e tudo


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook

Articles inside

REFERENCIAS BIBLOGRÁFICAS

23min
pages 349-363

CONCLUSÃO

11min
pages 344-348

5.9 A mística do morrer: o axexê do “boi de piranha” (De Exu a Oxalá

14min
pages 335-343

5.5.4 Mística da Esperança

13min
pages 314-320

5.7 Abdias virou deus

15min
pages 324-330

5.8 Exu, Ariadne do Negro revoltado

9min
pages 331-334

5.6 Por Exu Abdias duela com Drumond

5min
pages 321-323

5.5.2 O Entusiasmo do negro revoltado

2min
page 304

5.5.3 Alacridade: a alegria de um contente Erê

18min
pages 305-313

5.5.1 Rebeldia, a mística do “diabo” do Abdias

6min
pages 301-303

5.3. Mística à flor das coisas

12min
pages 292-296

5.1 Mística de encruzihada (ou rizomática

11min
pages 279-283

5.1.2 Místicas da malandragem: tem Zé, tem resistência

10min
pages 284-288

5.2. Abdias, o místico à flor dos laços

6min
pages 289-291

5.4 Mística à flor dos pratos

7min
pages 297-300

4.5 O místico de Olhos Abertos

25min
pages 266-277

3.3 Sortilégio

25min
pages 231-243

4.4.2 Quando o lutar é combater (enfrentamento

4min
pages 264-265

4.2 As funções do mito

13min
pages 249-254

4.4 Abdias, o lutador

5min
pages 257-259

4.4.1 Quando lutar é conchavar

8min
pages 260-263

4.1 O poder do mito

2min
page 248

4.3 Mito e mística: no pensar e no sonhar

4min
pages 255-256

3.2.6 Mística dos sentidos

11min
pages 226-230

3.2.5 Tambores místicos e mistagógicos

4min
pages 224-225
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.