264 Os escravos não foram vítimas nem heróis o tempo todo, se situando na sua maioria e a maior parte do tempo numa zona de indefinição entre um e outro pólo. O escravo aparentemente acomodado e até submisso de um dia podia tornar-se o rebelde do dia seguinte, a depender da oportunidade e das circunstâncias. Vencido no campo de batalha, o rebelde retornava ao trabalho disciplinado dos campos de cana ou café e a partir dali forcejava os limites da escravidão em negociações sem fim, às vezes bem, às vezes malsucedidas. Tais negociações, por outro lado, nada tiveram a ver com a vigência de relações harmoniosas, para alguns autores até idílicas, entre escravo e senhor. Só sugerimos que, ao lado da sempre presente violência, havia um espaço social que se tecia tanto de barganhas quanto de conflitos (REIS; SILVA, 1989, p. 7).
4.4.2 Quando o lutar é combater (enfrentamento) Ogum, irmão mítico de Exu, é um Orixá caro no imaginário afro-religioso de Abdias Nascimento. A saudação de Exu é ‘laroiyê’, a de Ogum é ‘ogunhiê’; Abdias cria a expressão/saudação ‘larogunhiê’. Ata, desse modo, na expressão inventada, os irmãos míticos numa única e mesma emissão de voz – saudação uníssona. E para o Ogum guerreiro produz também um poema/oriki. Os versos, embora não tragam muitas referências semânticas a Ogum, são férteis em referências a ‘luta’, ‘bravura’, ‘guerra’, etc., elementos atribuídos à divindade, além de finalizar com a saudação yorubá ao orixá ferreiro, ogunhiê (BARBOSA, 2009, p. 170).
O poema/oriki “Agadá da transformação” é paradigmático no que se refere à dimensão da luta concebida sob o prisma do enfretamento ou irrecusável e intransferível conflito. Agadá, espada de Ogum, diz Abdias, “tem uma forma diferente da espada convencional” (NASCIMENTO, 1983, p. 105). Pela insígnia ou ferramenta do orixá pode-se, de imediato, se ter uma noção de sua função enquanto guerreiro, desbravador – lutador220. Destaca Barbosa (2009, p. 168): “A espada de Ogum é o elemento primordial do Orixá. Forjada em metal, ela possui funções bélicas...”. Depois que Exu é despachado, Ogum é o primeiro a ser saudado; também ele tem a função de abrir os caminhos, expediente que o aproxima do agir de seu irmão mítico Exu. “Quando Ogum se manifesta no corpo em transe de seus iniciados dança com ar marcial, agitando sua espada e procurando um adversário para golpear” (VERGER, 1997, p. 94). Importante assinalar que os deuses oferecem modelos de conduta aos fiéis; são, pois, figuras exemplares. “O arquétipo de Ogum é o das pessoas violentas, briguentas e impulsivas, incapazes de perdoar, as ofensas de que foram vítimas” (VERGER, 1997, p. 95). São também pessoas que são lutadoras que não abandonam seus sonhos e ideais; pessoas que combatem o bom combate. Nesse
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No Rio de Janeiro Ogum é sincretizado com o intrépido guerreiro São Jorge que, montado em seu cavalo, vence o dragão com uma lança (Cf. VERGER, 1997, p. 94).