266 Diz Arany Santana222, gestora pública e diretora do Centro de Cultura Popular e identitárias acerca de Abdias: O vôo que ele dava era muito mais além do que nós imaginávamos. Hoje eu entendo todo aquele discurso dele, aquela força, aquela garra que ele tinha de nos alavancar e até mesmo de discutir. Ele se irritava, ele gritava. Porque ele sabia o que era esse país. Ele sabia do que nós podíamos ser capazes. E nós estávamos ainda num estágio aquém do que ele imaginava do que ele era, do que ele almejava.
4.5 O místico de Olhos Abertos Ao escrever sobre Mística e cultos africanos, Leonardo Boff e Frei Betto (2014, p. 171-174) indagam: “Como se articula a mística com aqueles que seguem o espiritismo, o candomblé etc.?”. E comentam: “Os negros do candomblé representam culturas não ocidentais (...). Portanto, possuem outra linguagem, outra experiência do mundo, outra experiência do sagrado, outro nome para Deus”. Enfatizam ainda os atores em tom de advertência prévia para os que se propõem olhar e considerar a experiência mística urdida nas religiões afro-brasileiras: A cultura da umbanda, do candomblé é outro universo. Como entendê-la sem ficar apegado ao rito, mas vislumbrando o que está por trás? Qual é experiência originária que os professantes fazem da diversidade? Certamente eles a traduzem no seu código cultural. Não é uma versão da nossa cultura. (BOFF e BETTO, 2014, p. 171-172)
As palavras de Boff e Beto supracitadas são relevantes para a nossa reflexão na medida em que possibilita pensar o dado religioso-místico, inescapavelmente, dentro de uma relação de poder hierarquizador que impôs a religião cristã como forma única e exclusiva de acesso ao Deus único e verdadeiro, e condenou e/ou desqualificou quaisquer outras experiências ou falas acerca do sagrado, como o candomblé e a umbanda, por exemplo. Desse modo, a persistência das religiões afrobrasileiras e o partejar de constructos místicos provindos insurgentes das margens do poder hegemônico, reverberam teimosias e competências no marco da “diferença colonial”. Servindo-nos de um termo do teólogo Johann Baptist Metz (2013), Abdias engendrou em chave ancestral uma “mística de olhos abertos”. Dessa feita, sua experiência com o sagrado não está seccionada de sua vivência cotidiana, amorosa, política, artística, estética, literária etc. A experiência mística afrocentrada não separa maniqueisticamente o visível do invisível, o material do imaterial, natureza e sacralidade, humano e divindade ou o profano do sagrado. Vagner Gonçalves da Silva, prefaciando a obra Jóias de axé de Raul Lody (2001, p. 9) escreve:
222
Militância e Política – Ocupação Abdias (2016): https://www.youtube.com/watch?v=2AMiT42DAjk