QUEM DISSE QUE EXU NÃO MONTA? ABDIAS NASCIMENTO, O CAVALO DO SANTO NO TERREIRO DA HISTÓRIA

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279 que “nenhum filho de Yemanjá consegue, como esse, comprometer a força vital num discurso, num poema, num quadro”. Assinala Clóvis Brigagão (1995, p. 116): Seus quadros são gritos de liberdade, que vem lá do fundo, do interior, das raízes que se transformam, incandescentes, nos vértices dos orixás de sangue e de vida. São hábitos, coreografias, gravações míticas, na arte que ritualiza e profetiza a luta política, soberana, perene e humana. Ali está Xangô tomando o poder dos idólatras do poder; Oxossi uivando a ira de sua ancestralidade violada. Rei, ali vai Exu cavalgando o emblema do poder imperial derrocado.

Depreende-se dessa afirmação a narrativa de um homem polivalente cujo ser e o agir estavam enraizados em místicas potentes. E essa relação com o sagrado fez de Abdias um lutador cujo empoderamento não se pode explicar fora dos referenciais religiosos. Nesse horizonte, o que verdadeiramente empodera é a mística; saber-se possuído, incorporado, acompanhado e apetrechado pela divindade. Testemunha Joel Rufino dos Santos (1955, p. 112) acerca do fundamento da saga heroica de Abdias: Se lutasse pela transgressão dos limites apenas no plano político seria uma pessoa comum nada mais que um lutador. Além da política, porém, está a vida; além da vida está o mundo, o cosmo, o espaço-tempo e o além-de-tudo-isso. Está o Segredo, único ponto de fuga a partir do qual se organiza a existência

5.1 Mística de encruzihada (ou rizomática) Pensar em termos de uma “mística de encruzilhada ou rizomática” é tributário do posicionamento alteritário de Glissant (2005) que, a partir de Deleuze e Guattari, usa o termo “identidade raiz” e “identidade rizoma” para pensar a relação da cultura e da identidade no âmbito de uma poética da diversidade. Escreve Glissant (2005), fazendo referência aos dois autores supracitados: “A raiz única é aquela que mata à sua volta, enquanto o rizoma é a raiz que vai ao encontro das outras raízes” (GLISSANT, 2005, p. 71). A nosso ver, essa é uma imagem poderosa e sugestiva para pensarmos sistemas religiosos autocentrados e sistemas religiosos abertos e dispostos ao estabelecimento de relações transformadoras nas encruzilhadas da vida. Ir ao encontro, deslocar, flexibilizar, estabelecer relação significa abandonar a fixidez, o imobilismo, a intolerância e o sectarismo; e isso não significa desprezar raízes, mas abrir-se a novas possibilidades identitárias a partir da relação. “Se entrarmos na diversidade do mundo tendo renunciado a nossa própria identidade, ficaremos perdidos numa espécie de confusão” (GLISSANT, 2005, p. 154).


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REFERENCIAS BIBLOGRÁFICAS

23min
pages 349-363

CONCLUSÃO

11min
pages 344-348

5.9 A mística do morrer: o axexê do “boi de piranha” (De Exu a Oxalá

14min
pages 335-343

5.5.4 Mística da Esperança

13min
pages 314-320

5.7 Abdias virou deus

15min
pages 324-330

5.8 Exu, Ariadne do Negro revoltado

9min
pages 331-334

5.6 Por Exu Abdias duela com Drumond

5min
pages 321-323

5.5.2 O Entusiasmo do negro revoltado

2min
page 304

5.5.3 Alacridade: a alegria de um contente Erê

18min
pages 305-313

5.5.1 Rebeldia, a mística do “diabo” do Abdias

6min
pages 301-303

5.3. Mística à flor das coisas

12min
pages 292-296

5.1 Mística de encruzihada (ou rizomática

11min
pages 279-283

5.1.2 Místicas da malandragem: tem Zé, tem resistência

10min
pages 284-288

5.2. Abdias, o místico à flor dos laços

6min
pages 289-291

5.4 Mística à flor dos pratos

7min
pages 297-300

4.5 O místico de Olhos Abertos

25min
pages 266-277

3.3 Sortilégio

25min
pages 231-243

4.4.2 Quando o lutar é combater (enfrentamento

4min
pages 264-265

4.2 As funções do mito

13min
pages 249-254

4.4 Abdias, o lutador

5min
pages 257-259

4.4.1 Quando lutar é conchavar

8min
pages 260-263

4.1 O poder do mito

2min
page 248

4.3 Mito e mística: no pensar e no sonhar

4min
pages 255-256

3.2.6 Mística dos sentidos

11min
pages 226-230

3.2.5 Tambores místicos e mistagógicos

4min
pages 224-225
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