284 Carlos Moore questiona Abdias (com 90 anos) em entrevista indagando sobre o porquê Abdias candomblecista não conseguia se desvencilhar de sua herança católica, supondo ser incompatível a crença no candomblé e a herança católica. Você é um homem religioso, adepto do candomblé, você se criou dentro do catolicismo; o catolicismo nunca saiu de você; suas referências sempre têm algo de católico dentro. Como é essa convivência entre as tradições africanas e o catolicismo? Como você vive isso? São coisas contrárias...
Abdias, responde: “Será que são contrárias? Penso que não; são complementares...”. Advertem, oportunamente, Simas e Rufino (2018, p. 69): “Não custa lembrar que a incorporação de deuses e crenças do outro é vista por muitos povos como acréscimo de força vital; e não como diluição dela ou estratégia pensada com a frieza dos devotos da razão”. 5.1.2 Místicas da malandragem: tem Zé, tem resistência Conforme Augras (1977), Zé Pelintra é o “patrono da malandragem” e, portanto, aquele que pode auxiliar os seus nas noites sinistras da vida vulnerabilizada. O malandro é a encruzilhada viva, encruzilhada ambulante, encruzilhada em movências, encruzilhada vagabunda. O malandro é, pois, o modus vivendi e o modus vivendi e operantis das encruzas. “A malandragem é antes de qualquer coisa a potência que baixa nos modos de vida do homem comum” (SIMAS e RUFINO, 2018, p. 87). O malandro traz no corpo a fresta, a brecha, o interstício, o intervalar... Nesse horizonte, Exu-Pelintra permite o golpe mesmo quando, aparentemente, só ginga. Malandragens são, pois, nessa perspectiva, obras de sobrevivência e movências insurgentes. Místicas nascimentistas incorporam e reverberam esse repertório de gingas e golpes decoloniais. Mestre Zé Pelintra é o encantado da jurema e do catimbó nordestino, é o que conhece a dobra da morte pela via do encante e por isso é mantenedor de sabedorias inesgotáveis. Não à toa, mestre Zé Pelintra carrega fama de doutor, notoriedade essa curtida no reconhecimento popular e não nos diplomas típicos dos casacos e cartolas. O doutoramento de seu Zé é advindo da sua fama de trabalhador nas linhas de cura da jurema sagrada e do catimbó. Conhecedor das mandingas de livramento da má sorte, dos males do corpo e da proteção contra as maldades alheias, Seu Zé é aquele que fez sua fama entre pessoas e lugares que, geralmente, são relegados à condição de subalternidade e incredibilidade (SIMAS e RUFINO, 2018, p. 84).
O malandro é o andarinho, o que caminha, o homem da rua; e essa maneira de viver traz consigo possibilidades epistêmicas e místicas. O malandro incorpora a marca do exilado, do deslocado – do “não lugar”. Said (2004, p. 429) em Fora do lugar: memórias diz que com tantos abalos aprendeu a preferir “estar fora do lugar e não absolutamente certo”. E esse “não lugar” faz